As
duras penas de nova lei contra gays na Uganda
Atividades homossexuais na Uganda agora podem ser
punidas com prisão perpétua e pena de morte. O presidente do país, Yoweri
Museveni, sancionou na segunda-feira (29/05) uma controversa lei contra a
homossexualidade. Trata-se de uma das leis mais duras do mundo contra a
comunidade LGBTQ, embora o parlamento tenha suavizado o texto inicial nos
últimos dois meses.
Atos homossexuais já eram considerados ilegais na
Uganda, mas agora qualquer pessoa condenada pode enfrentar pena de prisão
perpétua. A nova legislação também prevê pena de morte para os chamados
"casos agravados", como manter relações homossexuais com menor de 18
anos ou infectar o parceiro sexual com uma doença crônica, como a Aids, causada
pelo HIV.
Em uma declaração conjunta, três das principais
instituições de promoção da saúde pública no mundo — o Plano de Emergência do
Presidente dos Estados Unidos para o Alívio da Aids (Pepfar, na sigla em
inglês), a Unaids (Programa de HIV/Aids das Nações Unidas) e o Fundo Global —
manifestaram preocupação com o "impacto prejudicial" da
regulamentação. "O avanço da Uganda em sua resposta ao HIV está agora em
grave perigo", adverte o comunicado.
O texto diz ainda que a nova lei desencoraja as
pessoas da comunidade LGBT de procurar cuidados de saúde vitais por medo de
ataques e punições. "O estigma e a discriminação associados à aprovação da
lei já levaram à redução do acesso aos serviços de prevenção e
tratamento", acrescenta.
• Críticas
e apoio à lei
A lei também foi repudiada por várias organizações
da sociedade civil na Uganda, que planejam entrar com ações judiciais para
derrubar a legislação, alegando que a mesma é discriminatória e viola os
direitos das pessoas LGBT. O Tribunal Constitucional de Uganda anulou uma lei
semelhante em 2014.
A ativista de direitos humanos da Uganda Clare
Byarugaba declarou que é "um dia muito sombrio e triste" para a
comunidade LGBT e para todos os ugandenses, informou a agência de notícias
Reuters. "O presidente da Uganda legalizou hoje a homofobia e a transfobia
patrocinadas pelo Estado", afirmou.
Já a presidente do Parlamento, Anita Among, elogiou
a decisão de Museveni de sancionar a lei, dizendo que vai "proteger a
santidade da família. Temos nos mantido firmes para defender a cultura, os
valores e as aspirações do nosso povo", ela acrescentou em comunicado
publicado no Twitter. O projeto de lei foi aprovado no Parlamento no início
deste mês — e apenas um deputado se opôs a ele.
• O
alerta dos EUA
Os Estados Unidos advertiram previamente a Uganda
sobre possíveis "repercussões" econômicas se a legislação entrasse em
vigor. O país norte-americano é um importante parceiro comercial da Uganda.
O país africano se beneficia da Lei de Crescimento e
Oportunidades para a África, que proporciona um acesso mais fácil aos
lucrativos mercados dos EUA. O Pepfar, a Unaids e o Fundo Global também
desempenharam um papel importante na hora de apoiar os esforços de Uganda para
conter o avanço do HIV/Aids por décadas.
Em 2021, 89% das pessoas HIV positivas na Uganda
estavam cientes da sua condição, mais de 92% estavam recebendo terapia
antirretroviral e 95% dos pacientes em tratamento apresentavam supressão viral,
de acordo com dados dessas organizações. "Pedimos que a lei seja
reconsiderada para que Uganda possa continuar na sua trajetória de garantir
acesso equitativo aos serviços de saúde e acabar com a Aids como uma ameaça à
saúde pública até 2030", diz o comunicado.
O
relato de vítimas de golpe e extorsão após lei antigay na Nigéria
Quando a Nigéria aprovou uma das leis mais rígidas
anti-homossexualidade da África, a internet se tornou um espaço para a
comunidade LGBT se conectar com mais segurança — até que as gangues criminosas
também se tornaram digitais.
O programa Africa Eye, da BBC, investigou como
chantagistas se passam por usuários de aplicativos de encontro populares,
apenas para extorquir, espancar e até sequestrar pessoas.
Levar uma vida secreta como homem gay na Nigéria era
arriscado para Mohammed. Ele sempre tomava cuidado quando combinava de sair com
alguém — mas um encontro abalou sua vida para sempre. Pai de três filhos, ele
conheceu Jamal online. Os dois estavam conversando há algum tempo quando ele finalmente
decidiu encontrá-lo pessoalmente. Ele disse que tinha começado a gostar, e a
confiar, nele — então uma tarde ele encontrou com Jamal no centro e foi para a
casa dele.
Mas era uma armadilha.
Mohammed estava prestes a entrar no chuveiro, mas
assim que tirou a roupa, surgiu um grupo de homens que começou a espancá-lo e
exigir dinheiro. Jamal e sua gangue fizeram um vídeo dele, nu, implorando para
que parassem. "Eu não podia acreditar que alguém em quem eu confiava
pudesse chegar ao ponto de fazer isso comigo."
Quando o vídeo foi publicado online, Mohammed conta
que sua vida desmoronou. Ele era reservado em relação à sua sexualidade — para
o mundo exterior, era um homem casado criando uma família.
• 'Meu
filho me salvou'
Falando com um capuz branco sobre a cabeça e uma
máscara para esconder sua identidade, ele concordou em conversar com a BBC sob
condição de anonimato. "Eu estava chorando. Queria me matar." Mas um
telefonema para o filho o salvou de acabar com tudo. "Liguei para meus filhos,
tenho três. Meu filho me disse que ama o pai dele. Mesmo que o pai dele seja
queer, ele não tem problema com isso."
"Ele me deu uma razão pela qual eu não deveria
[me matar]." Mohammed desabou neste momento, arrancou o capuz branco, se
levantou, escondeu o rosto e começou a chorar. Reviver o que havia acontecido
com ele era simplesmente doloroso demais.
De acordo com um grupo de ativistas que trabalham
com a comunidade LGBT na Nigéria, cerca de 15 a 20 pessoas entram em contato
com eles toda semana com histórias semelhantes à de Mohammed. Esse tipo de
chantagem, na qual uma pessoa LGBT é vítima de uma armadilha, é conhecida na
comunidade gay da Nigéria como "kito" — a origem exata do termo não é
clara. O programa Africa Eye, da BBC, entrevistou 21 pessoas que haviam caído
no golpe.
Emmanuel (nome fictício) contou como começou a
conversar com um amigo online, mas não percebeu que a conta do amigo havia sido
invadida. Quando ele marcou um encontro com ele, foi emboscado por uma gangue
de cerca de cinco homens. "Eles fizeram um vídeo meu e ficavam fazendo
perguntas estranhas. Diziam: 'Qual é o nome da escola que você frequenta? De
onde você é? Qual é o nome dos seus pais?' Eu sabia que eles iriam usar aquele
vídeo para me chantagear. Então eu dei a eles informações erradas."
A gangue não postou o vídeo online, mas o obrigou a
sacar 500.000 nairas (cerca de R$ 5.350) do banco e o torturaram com um ferro.
Ele levanta a mão para mostrar a cicatriz que ficou na base do polegar em
decorrência do ataque. Depois de dividir o dinheiro entre si, os membros da
gangue o soltaram. "Aquilo me feriu mentalmente. Não confio em ninguém.
Simplesmente não me sinto seguro."
Em 2014, foi a aprovada uma lei que proíbe o
casamento entre pessoas do mesmo sexo na Nigéria, introduzindo uma pena de 14
anos de prisão. Demonstrações públicas de afeto entre casais do mesmo sexo
também foram criminalizadas, com uma pena de 10 anos de prisão para quem
"direta ou indiretamente fizer [uma] demonstração pública de [uma] relação
amorosa entre pessoas do mesmo sexo".
As boates gays também foram proibidas, com uma pena
de 10 anos de prisão para quem se registrar, operar ou participar de boates,
sociedades e organizações gays, incluindo apoiadores desses grupos.
A aprovação da legislação teve amplo apoio, de acordo
com pesquisas, e fez com que a Nigéria tivesse uma das leis mais rígidas contra
homossexualidade na África. Em 12 estados no norte do país, é possível
sentenciar pessoas à morte sob a Sharia (lei islâmica) por envolvimento em atos
homossexuais. A nova lei, de acordo com um relatório da organização Human
Rights Watch, "autorizou oficialmente os abusos contra pessoas LGBT,
piorando efetivamente uma situação ruim".
Em 2014, era comum ver na imprensa reportagens sobre
violência, linchamento e extorsão contra pessoas LGBT — e ativistas afirmam que
houve uma explosão de casos de kito desde então.
A cineasta Uyaiedu Ikpe-Etim, que vive abertamente
como uma mulher gay na Nigéria, diz que a chantagem contra pessoas LGBT é
"desenfreada". "Todos os dias há uma história na internet. Às
vezes, tem histórias em que a pessoa é linchada até a morte. E tem as reações
dos outros nigerianos. É praticamente uma comemoração. 'Ótimo, que bom que
mataram. Eles não deveriam ser autorizados a se assumir.' E simplesmente não há
justiça."
Etim afirma que o que torna ainda mais difícil é que
as vítimas sentem que não podem ir à polícia por medo de serem presas ou até
mesmo atacadas. "É triste, sabe." Ela diz que a comunidade gay, que é
forçada a viver online, também precisa tomar cuidado lá. "Não temos o
privilégio heterossexual de chegar até uma pessoa na rua ou em um restaurante e
dizer: 'Posso pegar seu telefone?'" No entanto, alguns policiais estão
trabalhando com ativistas para deter os chantagistas.
O programa Africa Eye, da BBC, conversou com um
oficial do Corpo de Segurança e Defesa Civil da Nigéria (NSCDC, na sigla em
inglês). Ele trabalha em parceria com uma equipe de ativistas que se passam por
pessoas LGBT online em busca de um parceiro em potencial. O objetivo é enganar
os chantagistas. "Para mim, não há ninguém que esteja acima da lei no
país. A chantagem é um crime muito grave. É um crime muito grande", diz
ele, que conversou com a BBC sob condição de anonimato. "Se chegar à minha
mesa qualquer caso relacionado à chantagem de uma pessoa gay, eu vou atrás.
Definitivamente."
As vítimas entram em contato com a equipe de
ativistas com os nomes e fotos dos chantagistas. Eles, por sua vez, enviam as
informações ao NSCDC, que inicia o processo de captura dos criminosos.
"Onde quer que estejam, quero dizer a eles que não há esconderijo para
chantagistas na Nigéria."
O problema que eles enfrentam é convencer as vítimas
a testemunhar no tribunal. Em um país onde ser gay pode mandar você para a
prisão, poucas pessoas testemunhariam e seriam honestas sobre sua sexualidade.
Isso significa que os chantagistas raramente são processados. E há pouco
consolo para as vítimas.
Muitas das pessoas entrevistadas pelo programa da
BBC perderam seus empregos desde que os vídeos de chantagem foram publicados
online. Alguns foram despejados de suas casas, outros afastados de suas
famílias. Todos eles estavam enfrentando problemas de saúde mental.
Para Mohammed, que chegou a cogitar tirar a própria
vida, ainda resta um sentimento de vergonha porque a gravação dele permaneceu
online.
"Eu sei que ainda estão assistindo ao
vídeo", diz ele.
Como a
polícia do Egito usa apps de paquera para perseguir comunidade LGBT
No Egito, a homossexualidade é altamente
estigmatizada e existem denúncias, há muito tempo, de que a polícia está
perseguindo pessoas LGBT online. A BBC News reuniu evidências de como as
autoridades estão usando aplicativos sociais e de namoro para isso.
Os nomes de todas as vítimas foram alterados.
Fui criado no Egito e conheço a profunda homofobia
que permeia todos os setores da sociedade do país. Mas amigos egípcios contam
que, recentemente, a atmosfera ficou muito mais pesada e as táticas para
rastrear as pessoas LGBT agora são mais sofisticadas. Não existem leis
específicas contra a homossexualidade no Egito, mas nossas investigações
descobriram que o crime de “depravação” – definido por uma lei contra o
trabalho sexual – está sendo usado para criminalizar a comunidade LGBT.
Transcrições apresentadas em relatos de prisões pela
polícia demonstram como os policiais estão presentes online para procurar
pessoas LGBT que buscam encontros online e, em alguns casos, supostamente
fabricar evidências contra elas.
As transcrições revelam como a polícia inicia
conversas de texto com seus alvos.
O Egito é um dos aliados estrategicamente mais
importantes do Ocidente no Oriente Médio. O país recebe bilhões de dólares de
ajuda dos Estados Unidos e da União Europeia todos os anos. Cerca de meio
milhão de turistas britânicos visitam o país anualmente e o Reino Unido treina
forças policiais egípcias através das Nações Unidas.
Em uma conversa de texto no aplicativo de namoro e
rede social WhosHere, um policial disfarçado parece estar pressionando um
usuário do aplicativo a encontrar-se pessoalmente com ele. A pessoa foi presa
posteriormente.
Policial: você já dormiu com homens antes?
Usuário do aplicativo: Sim.
Policial: Que tal nos encontrarmos?
Usuário do aplicativo: Mas eu moro com minha mãe e
meu pai.
Policial: Ora, querido, não seja tímido, podemos nos
encontrar em público e depois ir para o meu apartamento.
Existem outros exemplos que são explícitos demais
para publicarmos.
É extremamente difícil para as pessoas LGBT
encontrar abertamente possíveis parceiros em público no Egito. Por isso, os
aplicativos de namoro são uma forma popular de conhecer pessoas. Mas o simples
uso dos aplicativos, independentemente da sexualidade da pessoa, pode dar razão
a prisões com base no incentivo à depravação ou nas leis de moralidade pública
do Egito.
E não só os egípcios estão sendo investigados. Em
uma transcrição, o policial descreve ter identificado um estrangeiro, que
estamos chamando de Matt, no popular aplicativo de namoro gay Grindr. Um
informante conversou com Matt, que, segundo a transcrição, “admitiu sua
perversão, sua disposição de praticar depravação de graça e enviou fotografias
suas e do seu corpo”. Matt contou à BBC que foi preso em seguida, acusado de
“depravação”, e acabou sendo deportado.
Em algumas das transcrições, a polícia aparentemente
tenta pressionar pessoas que parecem estar simplesmente procurando encontros ou
fazer novas amizades, levando a que elas concordem em ter sexo por dinheiro.
Especialistas legais no Egito afirmam que a comprovação de que houve uma oferta
ou pagamento pode dar às autoridades a munição de que eles precisam para levar
o caso a julgamento.
Uma dessas vítimas, que encontramos nas
transcrições, foi um homem gay que vamos chamar de Laith. Ele é dançarino
contemporâneo e, em abril de 2018, recebeu o contato do número de telefone de
um amigo. “Olá, como vai?”, disse a mensagem. O “amigo” pediu para encontrá-lo
para beber. Mas, quando chegou ao local combinado, Laith não encontrou seu
amigo. Ele foi recebido pela polícia, que o prendeu e o trancou em uma cela do
esquadrão antidrogas. Um policial esfregou um cigarro no seu braço, contou
Laith, mostrando a cicatriz. “Foi a única vez na vida em que tentei me matar”,
afirma ele.
Ele conta que a polícia fez um perfil falso para ele
no aplicativo WhosHere e alterou digitalmente suas fotos para que ficassem mais
explícitas. Laith afirma que eles então forjaram uma conversa no aplicativo
para fazer parecer que ele estaria oferecendo serviços sexuais. Laith conta que
as imagens são a prova de que ele sofreu a encenação, já que as pernas da
fotografia não se parecem com as dele – uma das suas pernas é maior do que a
outra. A BBC só teve acesso às fotocópias dos arquivos policiais, com baixa
qualidade, de forma que não pode verificar este detalhe de forma independente.
Três outras pessoas declararam que a polícia também
forçou ou falsificou confissões relacionadas aos seus casos.
Laith foi condenado a três meses de prisão por
“depravação habitual” e teve a pena reduzida para um mês após recurso. Ele
afirma que a polícia também tentou fazer com que ele informasse sobre outras
pessoas homossexuais que ele conhecia. “[O policial] disse: ‘eu posso fabricar
uma história completa sobre você, se não me der nomes’”.
O governo egípcio fez uma declaração pública sobre a
prática de vigilância online dirigida ao que descreveu como “reuniões
homossexuais”.
Em 2020, Ahmed Taher, ex-assistente do Ministério do
Interior para Crimes da Internet e Tráfico de Pessoas, declarou ao jornal Ahl
Masr: “nós recrutamos a polícia no mundo virtual para descobrir as inúmeras
festas de sexo em grupo e reuniões homossexuais”. O ministério das Relações
Exteriores do Reino Unido – disse à BBC que não foi usado financiamento
britânico para o treinamento da polícia egípcia em atividades referentes às
afirmações apresentadas na investigação.
A parlamentar britânica Alicia Kearns, chefe do
Comitê de Assuntos Externos do Parlamento, disse à BBC que queria que mais
fosse feito para alertar os viajantes LGBT sobre os riscos em países como o
Egito, “onde a sua sexualidade pode ser usada como arma contra eles”. “Eu
apelaria ao governo egípcio para que suspendesse todas as atividades dirigidas
a indivíduos com base na sua orientação sexual”, declarou ela.
O governo do Egito não respondeu ao pedido de
comentários da BBC.
O aplicativo WhosHere foi indicado em quase todas as
transcrições policiais a que a BBC teve acesso. Especialistas em privacidade na
internet afirmam que o WhosHere aparentemente tem vulnerabilidades específicas,
que permitem que hackers extraiam informações sobre seus usuários, como a
localização, em larga escala. E que a forma em que o WhosHere coleta e armazena
dados provavelmente infringe leis de privacidade no Reino Unido e na União
Europeia.
Foi apenas quando a BBC entrou formalmente em
contato com o WhosHere que o aplicativo mudou suas configurações, removendo a
seleção “à procura do mesmo sexo”, que poderia colocar as pessoas em risco de
serem identificadas. O WhosHere contesta as descobertas da BBC sobre
vulnerabilidades e afirma que tem extenso histórico de combater problemas
quando são levantados. E que não opera nenhum serviço específico para a
comunidade LGBT no Egito. Já o aplicativo Grindr, que também é usado pela
polícia e por criminosos para encontrar pessoas LGBT no Egito, afirma:
“trabalhamos extensamente com ativistas LGBTQ no Egito, defensores
internacionais dos direitos humanos e especialistas em segurança tecnológica
para melhor atender nossos usuários na região”.
• Extorsão
por criminosos
Gangues de criminosos usam a mesma tática da polícia
para encontrar pessoas LGBT. Eles as atacam, humilham e praticam extorsão,
ameaçando postar os vídeos online. Consegui encontrar duas pessoas, que vamos
chamar de Laila e Jamal. Eles foram vítimas de um vídeo que viralizou no Egito
alguns anos atrás. A filmagem os mostra sendo forçados a tirar as roupas e
dançar, enquanto são agredidos e sofrem abusos.
Laila e Jamal são ameaçados com facas, sendo
forçados a fornecer seus nomes completos e admitir sua homossexualidade. Eles
contam que a dupla responsável pelo vídeo – Bakar e Yahia – é conhecida na
comunidade. Vimos pelo menos quatro vídeos nos quais Bakar e Yahia podiam ser
vistos ou ouvidos extorquindo e abusando de pessoas LGBT antes de carregar os
vídeos no WhatsApp, YouTube e Facebook. Em um desses vídeos, um homem gay com
18 anos de idade que vamos chamar de Saeed é forçado a afirmar que é um
trabalhador do sexo, o que não é verdade. Encontrei-me com ele para saber o que
aconteceu em seguida.
Ele contou que pensou em entrar na Justiça, mas seu
advogado recomendou que não o fizesse, pois sua sexualidade seria percebida
como crime – mais do que o ataque que ele sofreu. Saeed agora está afastado da
família. Ele conta que eles o abandonaram quando a gangue enviou o vídeo em uma
tentativa de também chantageá-los. “Venho sofrendo de depressão depois do que
aconteceu, com os vídeos circulando para todos os meus amigos no Egito”, ele
conta. “Não saio de casa e não tenho celular. Ninguém costumava saber nada
sobre mim.”
Soubemos de dezenas de ataques como este, conduzidos
por diversas gangues. Existem poucos relatos de criminosos que foram presos.
Fiquei surpreso ao saber, durante a investigação, que o líder de uma gangue,
Yahia, é homossexual e posta ativamente conteúdo online sobre o seu próprio
trabalho sexual.
Mas talvez isso dê a ele uma vantagem no crime. Ele
sabe como suas vítimas são vulneráveis. E, certamente, sua própria posição,
como homem gay com poucas oportunidades, alimenta sua criminalidade. Não temos
evidências de que Yahia tenha se envolvido nos ataques mais recentes. Ele negou
envolvimento em todos os ataques.
Jornalisticamente, cobrir estas questões dentro do
Egito é proibido desde 2017, quando o Conselho Supremo de Regulamentação da
Imprensa do país proibiu a representação LGBT na imprensa, exceto se a
cobertura “reconhecer o fato de que a sua conduta é inadequada”. Os defensores
da comunidade LGBT, muitos deles no exílio, estão divididos sobre a questão de
se os problemas no Egito devem ser apresentados na imprensa ou combatidos longe
dos holofotes.
Mas Laila, Saeed, Jamal e Laith preferiram sair das
sombras e romper o silêncio.
Fonte: BBC News Mundo

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