Lamentavelmente,
'a crise' é tema recorrente em qualquer análise da conjuntura brasileira: crise
econômica e crise política (que se auto-alimentam como vasos comunicantes) e os
desdobramentos de ambas, desde a anemia do PIB (e as ameaças dela decorrentes)
às óbvias dificuldades da governança, uma das muitas consequência da crise dos
partidos, que dilacera a base governista, e inviabiliza as políticas de Estado.
A infidelidade parlamentar fragiliza o governo que, sem partidos nas ruas,
recua, e sobre os espaços deixados vazios avança um Congresso majoritariamente
conservador, comandado de forma autocrática e em dissonância com a vontade nacional,
apurada nas eleições de 2014.
Como
se o parlamentarismo fosse nosso regime, o Congresso intenta governar contra o
Executivo e prossegue na faina de reescrever os avanços decorrentes da
Constituição de 1988, revogando-os. É vindita dos que perderam as eleições
presidenciais e felonia do PMDB que chega a obscurecer o oposicionismo do PSDB.
A
crise política – é dela que trataremos, uma vez mais – tem seu núcleo na crise
da representação, na falência do presidencialismo de coalizão e na já referida
crise dos partidos (não cabe aqui a discussão sobre o que é e o que não é
partido político), sem os quais, todavia, é impensável uma democracia
representativa. E eis a crise maior, que o Congresso aprofunda a cada dia.
O
fato objetivo é que, carente de legitimidade, o mandato eleitoral, em todas as
instâncias, representa pouco e cada vez menos a vontade do eleitor. Essa, é
distorcida pelo poder politico, pelo poder dos meios de comunicação, pelo poder
econômico interferindo desbragadamente na vida partidária e no processo
eleitoral. Daí a dedicação com que a dupla Cunha-Renan se aplica na defesa do
financiamento empresarial de partidos, candidatos e eleições. A soberania
popular tornou-se mero enunciado constitucional e na prática seu exercício não
se efetiva. Os partidos romperam seus compromissos com as bases eleitorais e
perderam a confiança da sociedade.
Daí
o vazio, aproveitado por maioria de ocasião.
O
Estado fragilizado não indica condições de resistência ao avanço da direita,
que se manifesta principalmente na ação de um Congresso majoritariamente
conservador, animado por uma oposição reacionária. Os partidos, a começar pelos
que compõem a base de governo e dentre todos ressaltes a incompreensível
retração do PT, não se mostram capazes de enfrentar politicamente a crise
instalada. Ao contrário, servem-se dela para auferir dividendos. O principal
aliado do governo (o PMDB) é também seu principal adversário, e os principais
lideres da oposição são, efetivamente, os presidentes da Câmara e do Senado
Federal.
Este
quadro foi antecipado em condições dramáticas nas eleições de 2014, quando
ficou evidente a emergência das forças de direita. A consciência de que o
combate à então candidata Dilma Rousseff e ao seu governo era a cunha para a
revisão, em andamento, das conquistas sociais alcançadas nos últimos 12 anos –
e que atingiria as camadas populares e os trabalhadores – foi decisiva para a
mobilização de segmentos da sociedade, que garantiram a vitória da esquerda no
segundo turno. Mas as vozes do atraso voltaram e hoje acuam o governo, no
Congresso e mesmo dentro do governo.
É
chegado o momento de reaglutinar os cidadãos em defesa não só da
governabilidade, mas, fundamentalmente, dos avanços econômicos e sociais das
últimas décadas. Avançar para deter o atraso.
A
história nos impõe a retomada da política de frente.
O
Brasil precisa enfrentar essa ascensão conservadora e promover reformas
políticas profundas, que nossos governos não tiveram forças para sequer
intentar, e por isso o Estado de hoje é o mesmo de 2002 e a coalizão das forças
dominantes permanece adversa, e ainda mais conservadora.
O
País precisa voltar a pensar e formular.
Mas
é igualmente imperativo assegurar, nas ruas e no plano político e
institucional, a governabilidade nesse segundo mandato de Dilma Rousseff.
A
análise da crise enseja uma alternativa. A forças populares, no Brasil e no
mundo, têm a tradição dos movimentos de frente política. Foi uma frente
popular, integrada por trabalhadores, estudantes, intelectuais e militares, que
fez no Brasil a vitoriosa luta pelo 'petróleo é nosso'. Foi uma frente
democrática, unindo esquerda e liberais, que derrubou o 'Estado Novo'. Foi a
frente política de todos os adversários da ditadura que nos legou a
redemocratização.
A
Frente será movimento de caráter nacional e popular. Político, mas não partidário,
que volta suas vistas para um horizonte largo que caminha para além do processo
eleitoral, aberto a todos os brasileiros, partidos e sindicatos, estudantes e
trabalhadores, empresários, intelectuais e pensadores, liberais e democratas
progressistas.
Não
basta, entretanto, que essa Frente, ainda uma ideia, uma mera mas consequente
proposta, defina seus fundamentos, compromissos e objetivos se não for uma
organização que parta das legítimas e estratégicas conquistas do povo
brasileiro – os direitos do trabalhadores e assalariados, o patrimônio
nacional, os direitos à educação e à saúde públicas e, sobretudo, à democracia
– para estabelecer sua agenda e sua mobilização junto à sociedade brasileira.
Assim, a Frente define sua luta:
pela
democracia e seu aprofundamento, no seu significado mais amplo, através da
participação popular em assuntos de interesse da cidadania; essa luta
compreende uma reforma política que aprofunde a legitimidade do processo
eleitoral, livrando-o do abuso tanto do poder político quanto do poder
econômico, e compreende a democratização dos meios de comunicação, assegurando
a liberdade de expressão, impedindo o monopólio ideológico e o oligopólio
empresarial;
pela
defesa da soberania nacional como fundamento, para que se possa assegurar as
riquezas potenciais do país, e, dessa forma, superar as iniquidades sociais e
econômicas estruturais e resilientes no Pais;
pelo
fim de todas as desigualdades e discriminações;
pela
defesa e aprofundamento dos direitos dos trabalhadores e assalariados de um
modo geral, promovendo a universalização do ensino público de qualidade e da
prestação dos serviços de saúde; e, corolário;
pela
retomada do desenvolvimento sustentável e com distribuição de renda.
Caberá
à Frente defender e sustentar uma política externa independente, ressaltando a
integração regional e inserção soberana do Brasil no mundo, tanto no campo
geopolítico quanto geoeconômico, de modo independente e sem subordinação aos
interesses estratégicos hegemônicos.
Considero
importante esse passo adiante em grave momento da vida nacional, posto estarmos
diante de um quadro de desafios e de riscos às nossas conquistas históricas.
Considero que essas conquistas são sim razões para a mobilização da sociedade e
que das ruas, seu elemento natural, virão demonstrações de que o povo sabe quem
são os seus verdadeiros representantes. Superada essa dura conjuntura,
colocar-se-á para essa Frente, nos horizontes de médio e longo prazos, a
condição de uma força política crucial para o progresso do Brasil e para o bem
estar dos brasileiros.
Roberto Amaral: Cientista
político e ex-ministro da Ciência e Tecnologia entre 2003 e 2004
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