sexta-feira, 4 de abril de 2025

Sem acordo na comissão do Marco Temporal, indígenas cobram Gilmar Mendes em protesto no PA

Em mais uma audiência no Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quarta-feira (2), a comissão sobre o Marco Temporal não conseguiu chegar a um consenso em torno de uma proposta de nova lei sobre o assunto. Enquanto isso, na região da cidade de Itaituba, no Pará, mais de 150 pessoas do povo Munduruku chegaram ao nono dia de bloqueio da rodovia Transamazônica (BR-230), em protesto contra o Marco Temporal e a comissão.  

Os Munduruku pedem uma audiência com o ministro Gilmar Mendes, do STF, para que possam ser ouvidos sobre a comissão e sobre a manutenção da lei que estabeleceu o Marco Temporal – mesmo após a tese ter sido declarada inconstitucional pela Corte. 

O gabinete de Mendes informou à imprensa que se reunirá no próximo dia 10 com representantes da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) para tratar da situação envolvendo o povo Munduruku.

Em depoimento à Agência Pública, Alessandra Korap, liderança Munduruku, afirmou que a lei, “aprovada sem consulta aos povos indígenas”, vem paralisando a demarcação de terras indígenas – como é o caso da terra Sawre Ba’pim, no município de Itaituba, já reconhecida pela Funai, mas que ainda não teve sua demarcação concluída. 

Em setembro de 2023, o Congresso Nacional aprovou a lei 14.701/2023, que estabeleceu o marco ao determinar que só seriam demarcados os territórios de povos que conseguissem comprovar a presença nos locais na data da promulgação da Constituição Federal (5 de outubro de 1988). A aprovação ocorreu pouco depois da decisão do STF de que a tese era inconstitucional.

Após a lei ser alvo de contestação por novas ações judiciais, Mendes criou uma comissão “de conciliação” para que a legislação fosse debatida entre representantes do Supremo, Executivo Federal, Congresso, estados, municípios, indígenas e entidades ruralistas. 

Sob protestos do movimento indígena e da sociedade civil, o colegiado iniciou os trabalhos em agosto de 2024, que ainda não foram concluídos. 

“Eles estão discutindo na câmara de conciliação a tese do Marco Temporal com a lei 14.701. A gente sabe que essa lei fere todos os nossos direitos, direito à vida, ao território, à consulta livre prévia e informada”, disse Alessandra. 

Os Munduruku estão desde o dia 25 de março na rodovia, considerada um corredor importante para o escoamento da produção do agronegócio, especialmente soja e milho. Mulheres, incluindo gestantes, crianças e lideranças idosas participam da mobilização que pretende continuar até obter uma resposta do ministro Gilmar Mendes sobre uma audiência. 

“Como é que eles estão decidindo [sobre os nossos direitos] e a gente não tem o poder de dizer ‘não’”?, questionou Alessandra. “Ele [Gilmar Mendes] tem que ouvir todas as populações. A gente não está aqui para negociar a vida dos nossos filhos e nossas mães, do território, do rio, da floresta”, disse ela. 

Nos últimos dias, os Munduruku vem abrindo passagem para ambulâncias, cargas vivas e casos de emergência, além de liberar o fluxo à noite. Ainda assim, a mobilização vem sendo alvo de agressões – primeiro com xingamentos, depois com pedras e até com tiros, como mostrou reportagem da Carta Capital

Na terça-feira (1), por meio de um vídeo publicado nas redes sociais, Alessandra Munduruku fez um apelo para que a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) se manifestassem. 

“Sonia [Guajajara, ministra dos Povos Indígenas], Joenia [Wapichana, presidente da Funai]: se manifestem. Já vai dar 9 dias. Se manifestem, porque a gente está esperando a sua resposta dessa manifestação do Marco Temporal e câmara de conciliação”, afirmou ela. 

·        Comissão do Marco Temporal 

Em fevereiro deste ano, o ministro Gilmar Mendes apresentou a proposta de um novo projeto de lei, que, apesar de acabar com o Marco Temporal, é alvo de críticas do movimento indígena e indigenista por permitir a remoção forçada de indígenas sob justificativa de paz social, fragilizar a consulta prévia, livre e informada, criminalizar as tentativas de retomada dos territórios por grupos indígenas, alterar o rito de demarcação das terras e garantir a indenização da terra nua a ocupantes dos territórios tradicionais. 

É esta proposta de novo projeto de lei que vem sendo debatida nas últimas audiências da comissão de conciliação. O ministro Gilmar Mendes havia definido que os trabalhos seriam concluídos até esta quarta-feira, dia 2. Mas na audiência realizada ao longo de toda a tarde, os integrantes não conseguiram chegar a um consenso sobre vários artigos da proposta. 

A análise dos artigos não foi concluída, nem houve votação. Mendes ainda deve marcar uma nova data para retomada da análise da minuta apresentada por ele. 

Na semana passada, o ministro retirou um dos pontos mais polêmicos da proposta: os artigos que autorizavam a mineração em Terras Indígenas – muitos deles copiados de uma proposta do governo Jair Bolsonaro, como mostrou a Pública. Mendes decidiu que a discussão sobre a exploração mineral deverá ser realizada em outra comissão específica no STF. 

Em nota publicada nesta quarta (2), a Apib, organização nacional mais representativa do movimento indígena, classificou a comissão como uma “conciliação forçada” com “interesses privados envolvidos”. “O colegiado, instaurado por decisão monocrática do ministro Gilmar Mendes, seguiu sem delimitação clara de objeto e sem a participação da parte processual indígena”, diz o texto. 

A Apib se retirou da comissão ainda no início do processo, denunciando a composição desfavorável do grupo (os indígenas são minoria) e a impossibilidade de “conciliar” direitos fundamentais estabelecidos pela Constituição Federal.

“A câmara parece caminhar para nova postergação de seus trabalhos e demonstra-se incapaz de produzir um acordo legítimo”, afirmou a Apib nesta quarta (2). 

Segundo a organização, a lei do Marco Temporal vem intensificando a violência em territórios indígenas, o que deve ser agravado pela proposta em gestação na comissão do STF.

¨      Terras Indígenas fora da Amazônia são mais preservadas que áreas ao seu redor

Não é novidade que os Povos Indígenas são os maiores guardiões das florestas, mas os estudos costumam focar na Amazônia. Por isso, o Instituto Socioambiental (ISA) fez um levantamento inédito sobre o papel das Terras Indígenas (TIs) em outros biomas do país. E comprovou a importância dos territórios originários na preservação.

A pesquisa do ISA mostra que as TIs na Caatinga, na Mata Atlântica, nos Pampa e Pantanal continuam 32% mais preservadas do que as áreas em seu entorno. Os territórios nesses biomas perderam, em média, 37% de sua vegetação nativa, mas o desmate ocorreu principalmente antes de sua regularização. Após a demarcação, houve um aumento significativo na regeneração vegetal, evidenciando não apenas a eficácia das estratégias indígenas de manejo como a importância – e a urgência – da demarcação para a recuperação ambiental.

Na Caatinga, por exemplo, cerca de 85% das TIs só foram delimitadas a partir de 1990, informam O GloboBrasil de Fato e 18horas. Até 2023, elas perderam 29% de sua vegetação original. Embora seja uma perda significativa, as áreas fora das terras demarcadas estão, em média, 51% mais degradadas.

Na Mata Atlântica, onde o processo de demarcação é ainda mais atrasado, 90% do desmatamento aconteceu antes de 2000. Contudo, a partir de 1991, quando mais de um quarto das TIs foram homologadas, 50% das áreas tiveram ganho positivo na regeneração da vegetação, aponta o estudo.

No Pampa, 92% do desmatamento nas TIs ocorreu antes de 2000, quando as terras ainda estavam em processo de regularização. A recuperação de vegetação nessas áreas foi 41% maior do que a perda nos últimos 29 anos, comprovando a resiliência das Áreas Protegidas (APs) e a eficácia das estratégias indígenas de manejo do território.

Já no Pantanal, as TIs se mostram 4,5 vezes mais preservadas que as áreas fora delas. O desmatamento em TIs foi de apenas 5% da vegetação original. No entanto, a TI Kadiwéu, no Mato Grosso do Sul, foi responsável por 67% do total desmatado dentro das TIs do bioma, refletindo a necessidade urgente de desintrusão, monitoramento e proteção efetiva desse território, destaca o ISA.

Em sua conclusão, o estudo reforça que a posse efetiva das Terras Indígenas é essencial para garantir sua integridade socioambiental. Os pesquisadores destacam que as políticas de demarcação, proteção e gestão devem ser integradas, considerando aspectos sociais, culturais e ambientais, já que a degradação ambiental, os conflitos e as invasões ameaçam os Direitos e a segurança física dos Povos Indígenas.

¨      Desmatamento amazônico ameaça segurança energética do país

Os “rios voadores” da Amazônia, corredores de umidade que saem da floresta em direção ao sul da América do Sul, têm grande influência sobre o clima do continente. Mas o desmatamento amazônico vem alterando essa dinâmica, o que muda tanto as temperaturas como o regime de chuvas. E as hidrelétricas, a principal fonte de energia elétrica brasileira, também sentem esses efeitos.

O desmate da Amazônia faz as duas maiores hidrelétricas instaladas no Brasil – a binacional Itaipu, no rio Paraná, e Belo Monte, no rio Xingu – perderem juntas, por ano, cerca de 3.800 gigawatt-hora (GWh) de capacidade de geração. É energia suficiente para abastecer 1,5 milhão de pessoas, equivalente a mais de R$ 1 bilhão de receitas anuais no setor elétrico, destacam O Globo e Vocativo.

Os números fazem parte de um estudo do Climate Policy Initiative (CPI), da PUC-Rio, e do projeto Amazônia 2030. De forma inédita, a pesquisa quantificou em termos práticos qual é o tamanho do impacto da redução dos “rios voadores” amazônicos para a hidreletricidade no Brasil. Somadas, Itaipu e Belo Monte respondem hoje por 11% da capacidade hidrelétrica instalada no país.

Belo Monte, que fica na Amazônia – onde, vale lembrar, sua instalação causou um estrago socioambiental imenso – é afetada mais diretamente pelo desmate, perdendo 2.400 GWh de capacidade de geração anual. Já Itaipu, que está a mais de 1.000 km da fronteira do bioma amazônico, perde 1.380 GWh.

Para chegar a esses números, os pesquisadores cruzaram dados detalhados de circulação atmosférica com mapas das áreas desmatadas da Floresta Amazônica. Em Itaipu, cerca 17% da área florestada mais relevante para sua operação já foram desmatados. No caso de Belo Monte, 13% da área da floresta crucial para a operação da usina foram devastados. Vale lembrar que as hidrelétricas foram instaladas com 30 anos de diferença: Itaipu começou a operar em 1984, e Belo Monte, em 2016.

“Em termos de políticas públicas, é fundamental que haja uma concertação que envolva o setor elétrico para ajudar a conter essa dinâmica de desmatamento que está impactando a operação deles mesmos. É muito importante que se consiga estancar esse desmatamento e, se possível, também recompor a floresta em projetos de restauro e reflorestamento”, disse Gustavo Pinto, pesquisador do CPI e coautor do estudo.

 

Fonte: Por Isabel Seta, da Agencia Pública/ClimaInfo

 

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