Para o
chefe da FIFA, o futebol é apenas uma fonte de enriquecimento
Embora
seu trabalho seja ostensivamente administrar a entidade máxima do futebol
mundial, você seria perdoado por afirmar que o presidente da Federação
Internacional de Futebol (FIFA), Gianni Infantino, ganha seu salário anual de
US$ 4,6 milhões exclusivamente para dizer besteiras ridículas.
O
comentário mais recente e surpreendente do administrador suíço o fez chamar o
Inter Miami da Major League Soccer (MLS) de “um dos melhores times do mundo”.
Isso é menos um reflexo de sua paixão profunda pelo futebol dos EUA do que uma
tentativa sem entusiasmo de justificar sua recente mudança para colocar o time
de Messi na próxima Copa do Mundo.
Há
anos Infantino vem pressionando por um torneio mais amplo com trinta e dois
times, e agora que isso finalmente vai acontecer no começo de 2025, está
claramente disposto a dobrar as regras para garantir que seja um sucesso. Dado
que a eliminação precoce do Inter Miami nos playoffs significa que eles nem são
o melhor time da MLS, é difícil argumentar que eles são um dos trinta e dois
melhores do planeta. Mas, novamente, mesmo que tentemos vagamente encontrar
justificativas para mudar as regras, na verdade elas apenas ilustram o
comportamento normal de Infantino.
Certa
vez, ele afirmou entender a difícil situação dos trabalhadores migrantes do
Catar (milhares dos quais morreram no boom das construções que levaram à Copa
do Mundo de 2022), argumentando: “Eu sei o que significa ser discriminado, ser
intimidado, em um país estrangeiro. Quando criança, eu era intimidado — porque
eu tinha cabelo ruivo e sardas. Além disso, eu era italiano, então imagine.”
Sua
resposta a dezenas de mulheres em Teerã sendo presas apenas por tentarem
assistir a uma partida que ele afirmava ter o objetivo declarado de melhorar a
equidade de gênero no futebol iraniano foi: “Não podemos resolver todos os
problemas do mundo na FIFA. Mas podemos sempre trazer um sorriso.”
A
melhor fala de Infantino como presidente da FIFA pode, na verdade, ser a
primeira, dita em 2016, quando ele foi empossado como um reformista depois que
seu antecessor, Sepp Blatter, foi impedido após um enorme escândalo de
corrupção.
“Entramos
agora em uma nova era. Algumas reformas inovadoras foram aprovadas. Um
presidente foi eleito — um presidente que certamente pode e implementará todas
essas reformas para garantir que a imagem e a reputação da FIFA voltem para seu
devido lugar. Garantiremos que todos ficarão felizes com o que fazemos”, disse
ele, iniciando um hábito bizarro de se referir a si mesmo na terceira pessoa.
Em
quase uma década, um presidente encarregado de consertar a reputação já caótica
da FIFA provou ser mais prejudicial ao esporte do que Blatter. Infantino
supervisionou a transformação da FIFA em uma organização que existe apenas para
servir aos lances do capital — e aos seus próprios — às custas do esporte mais
popular do mundo.
• A próxima ideia genial
Omais
recente projeto de Infantino, a ampliação do Mundial, verá o que antes era um
torneio de inverno de sete equipes, que parecia uma série de amistosos (embora
com grandes prêmios em dinheiro na disputa), se tornar um enorme torneio
quadrienal de trinta e dois times.
O
antigo Mundial era pelo menos fácil de ignorar. Uma lista expandida de clubes e
o esforço da FIFA para criar um hype estão tornando isso mais difícil.
Especialmente porque, como a maioria das coisas que a FIFA toca, está se
tornando uma farsa.
A
suposição natural para algo que se autodenomina Mundial de Clubes é que haveria
um método transparente para determinar quais times podem se qualificar, por
mérito, como os trinta e dois melhores do mundo. Mas esse claramente não é o
caso: a seleção do Inter Miami demonstra que Infantino pode simplesmente
escolher independentemente quem ele quer que participe. As demandas de dinheiro
minam qualquer aparência de integridade da competição em si.
Os
cínicos diriam que um Infantino em pânico só fez isso para garantir que Messi —
e toda a atenção midiática que o segue — participe de um torneio lutando para
atrair patrocinadores e emissoras interessadas. Eles estariam certos.
Que
Infantino esteja disposto a escolher a dedo quais times se qualificam para a
estreia de seu novo e brilhante torneio, que por acaso será sediado nos Estados
Unidos, obcecados por Messi, não deveria ser uma surpresa. Se as expectativas
de alguém estão frustradas, pode muito bem ser as do próprio Infantino, quando
ele se depara com o fato de que simplesmente adicionar mais e mais jogos pode
não ser realmente uma solução para tudo.
• Menos, mas melhor
Ofutebol
é de longe o jogo mais popular do planeta. E certamente não existe algo que
seja infinitamente bom, não é mesmo?
Além
de impulsionar significativamente a Mundial de Clubes da FIFA, Infantino
supervisionou a ampliação da Copa do Mundo masculina de trinta e dois para
quarenta e oito times. A Copa de 2026, que será sediada por Estados Unidos,
Canadá e México, será o primeiro torneio com quase cinquenta times e contará
com 106 jogos ao longo de seis semanas. A grande competição terá toneladas de
jogos em uma fase de grupos sem importância, já que três dos quatro times
certamente passarão para acomodar os times extras.
Esses
torneios monstruosos só podem ser sediados por um punhado de países (ou vários
países trabalhando juntos), tornando cada vez mais difícil para os torcedores
acompanharem seus times enquanto eles percorrem distâncias maiores. Esse
certamente será o caso na Copa de 2030, sediada em Espanha, Portugal e
Marrocos, além de ter jogos a apenas doze horas de voo na Argentina, Uruguai e
Paraguai. Embora vendido como um aceno ao centenário da Copa inaugural, que foi
realizada no Uruguai, a excursão sul-americana também ajudou convenientemente a
impulsionar a candidatura da Arábia Saudita para o torneio subsequente, já que
as regras rotativas de hospedagem do Mundial garantiram que o próximo torneio
não pudesse ser na África, nas Américas ou na Europa.
Como
Infantino, como muitos cartolas do futebol, vê a igualdade de gênero nos
esportes como a percepção de que o futebol feminino também pode ser monetizado,
não é surpresa que a Copa feminina também tenha sido expandida, mas pelo menos
para trinta e duas equipes, o que ainda é administrável. E como se ampliar os
torneios não fosse o suficiente, Infantino insistiu por muito tempo em um
malfadado plano de dobrar a periodicidade da Copa.
A
FIFA não é a única culpada por acumular jogos – a União das Associações
Europeias de Futebol, o conselho administrativo do futebol europeu, expandiu o
Campeonato Europeu e a Liga dos Campeões nos últimos anos, ao mesmo tempo em
que introduziu outro torneio internacional na Liga das Nações. Muitas outras
confederações continentais seguiram o exemplo.
Embora
isso tenha significado ampla oportunidade para anunciantes e bilhões em receita
de TV, transformou cada momento de vigília em um lamaçal de futebol
ininterrupto, diminuindo a importância do que antes eram partidas de destaque e
barateando as competições. Na verdade, acompanhar jogos para torcedores que vão
às partidas (ou até mesmo transmiti-los todos para os que assistem de casa)
está se tornando um fardo financeiro insustentável.
Também
transformou os jogadores em nada além de peões a serem espremidos em favor do
lucro. As lesões aumentaram e a fadiga e o jogo desleixado são inevitáveis. A
diferença entre apenas quinze anos atrás é imensa. O astro da Inglaterra e do
Real Madrid Jude Bellingham havia registrado 251 partidas pelo clube e pela
seleção em seu vigésimo primeiro aniversário. Isso é mais do que a soma do que
as estrelas da Inglaterra dos anos 2000 David Beckham, Steven Gerrard e Frank
Lampard haviam jogado na mesma idade.
A
intensa busca por dinheiro é claramente insustentável. Jogadores estão
ameaçando fazer greve, enquanto o sindicato internacional de jogadores, a
Federação Internacional de Jogadores Profissionais de Futebol, ou FIFPRO, e as
Ligas Europeias entraram com uma queixa legal contra a FIFA sobre o calendário
de jogos internacionais sobrecarregado.
Enquanto
alguns, como o lendário ex-jogador do Bayern de Munique e atual executivo
Karl-Heinz Rummenigge, jogaram a culpa nos jogadores alegando que “ao sempre
exigir salários mais altos, eles estão forçando os clubes a gerar mais receita
com mais jogos”, seu argumento ignora o papel vital que administradores como
Infantino desempenharam ao permitir que investidores duvidosos e déspotas
descarados entrassem no esporte e inflassem as taxas de transferência e os
salários.
Sportswashing
simplificado
Embora
o sportswashing no futebol tenha uma tradição de décadas, e tenha sido levado a
um nível superior ao basear a decisão de sediar as Copas do Mundo de 2018 e
2022 na Rússia e no Catar, Infantino o abraçou completamente. Isso normalizou
um estado de coisas em que a primeira função global do futebol (além de gerar
receita de TV) é limpar a reputação de regimes autocráticos.
Infantino
ficou tão apaixonado pela Copa do Mundo do Catar que realmente se mudou para
Doha. E ele aparentemente gostou de construir estádios de futebol brilhantes na
areia coberta com o sangue seco de trabalhadores migrantes mortos que passou
anos enviando para a Arábia Saudita — onde a horrível soma de 21.000
trabalhadores migrantes morreram desde que a vasta coleção de megaprojetos
estatais, alimentados por petrodólares, chamada Vision 2030, foi anunciada em
2016.
Infantino
ajudou a orquestrar uma série de esquemas, incluindo os bizarros anfitriões
multicontinentais da Copa do Mundo de 2030 e a drástica redução do processo de
licitação para ajudar a dissuadir outros potenciais anfitriões. Sem surpresa, a
Arábia Saudita se candidatou para sediar a Copa do Mundo de 2034 sem oposição.
A
influência esportiva da Arábia Saudita não se limita de forma alguma ao
futebol, mas a descarada desfaçatez com que Infantino colocou uma placa de
“vende-se” no esporte mais amado pela classe trabalhadora global é
particularmente repugnante. E isso chega ao cerne do problema subjacente com o
reinado de Infantino, e o significado disso em relação às mudanças mais amplas
na administração do futebol e na perspectiva de crescimento a todo custo.
Instituições
como a FIFA nunca foram realmente democráticas. Mas mesmo para seus padrões
tradicionais as coisas pioraram. Infantino foi reeleito recentemente — sem
oposição, naturalmente — para um terceiro mandato. Apesar de um limite de três
mandatos, o Conselho da FIFA anunciou pouco antes da Copa do Mundo de 2022 que
havia (sem ser solicitado e após oito anos) determinado que os primeiros trinta
e nove meses de Infantino no comando na verdade não contavam, abrindo outro
mandato potencial para começar em 2027.
O futebol
nunca esteve tão longe daqueles para os quais realmente é. Enquanto o dinheiro
continuar fluindo, Infantino receberá pouca oposição dos membros da FIFA. O que
significa que novas abordagens inovadoras para o jogo — como uma Copa de
quarenta e oito times realizado em três continentes, ou mais uma competição de
clubes com a qual ninguém, muito menos os jogadores de base, se importa —
continuarão a ser transmitidas de cima. Se a ideia for tão dolorosamente ruim
que pareça haver pouco a ganhar com ela, como a Copa do Mundo bianual, talvez,
só talvez, a FIFA recue e espere que paremos de choramingar antes de tentar
exibi-la novamente.
Sem
nenhuma forma de democracia nas instituições do futebol, ideias que tornam
assistir às partidas cada vez mais difícil continuarão a ser defendidas.
Constantemente propor merdas que ninguém quer não deveria ser tão fácil quando
um jogo é tão popular quanto futebol. Democratizar completamente a FIFA é uma
tarefa difícil, mas, no mínimo, deveríamos começar com uma mudança no topo.
Fonte:
Por Dave Braneck, com tradução de Pedro Silva, para Jacobin Brasil
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