quinta-feira, 28 de novembro de 2024

Por que Carrefour boicotou carne brasileira e depois pediu desculpas: entenda a polêmica

Uma decisão do grupo francês de varejo Carrefour de não vender carnes produzidas por países do Mercosul provocou uma crise junto ao setor agropecuário brasileiro — que reagiu com boicotes aos supermercados da marca no Brasil. Nesta terça-feira (26/11), o Carrefour recuou em sua posição e enviou um pedido de desculpas ao governo.

Na semana passada, o presidente do Carrefour, Alexandre Bompard, havia anunciado que o Carrefour estava se comprometendo a não mais vender carnes de países do Mercosul na França em protesto contra um acordo comercial que está sendo negociado entre o bloco sul-americano e a União Europeia.

Segundo ele, se o acordo for firmado, a França vai ser "inundada" com carne "que não atende às exigências e normas" do país.

No Brasil, a decisão do Carrefour provocou fortes reações. Alguns frigoríficos brasileiros passaram a boicotar as lojas brasileiras do Carrefour, se recusando a vender carne brasileira para esses supermercados, segundo relatos.

Associações de produtores de carne disseram que "se uma carne brasileira não serve para abastecer o Carrefour na França, é difícil entender como ela poderia ser considerada adequada para abastecer qualquer outro mercado".

O governo brasileiro também reagiu atacando a decisão do Carrefour e elogiando o boicote dos frigoríficos brasileiros. O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, disse que é inaceitável a crítica do presidente do Carrefour à qualidade da carne do Mercosul e do Brasil — e sugeriu que se trata de uma barreira comercial, e não sanitária.

"A França compra carne do Brasil há quarenta anos, só agora que ele foi detectar isso?", disse o ministros.

A imprensa brasileira noticiou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva falou nos bastidores que esperava uma retratação do grupo.

Nesta terça-feira (26/11), o grupo Carrefour no Brasil emitiu uma nota na qual "lamenta" que sua comunicação "tenha sido recebida como questionamento de nossa parceria com a produção agropecuária brasileira ou como uma crítica a ela".

E o Ministério da Agricultura e Pecuária disse que recebeu formalmente uma carta assinada por Bompard esclarecendo sua declaração em apoio aos agricultores franceses e "reconhecendo a alta qualidade, o respeito às normas e o sabor da carne brasileira".

“Sabemos que a agricultura brasileira fornece carne de alta qualidade, respeito às normas e sabor. Se a comunicação do Carrefour França gerou confusão e pode ter sido interpretada como questionamento de nossa parceria com a agricultura brasileira e como uma crítica a ela, pedimos desculpa”, diz a carta.

O Carrefour disse que já compra quase toda a carne vendida nos seus supermercados franceses usando fornecedores franceses — "e assim seguiremos fazendo", diz a nota.

"A decisão do Carrefour França não teve como objetivo mudar as regras de um mercado amplamente estruturado em suas cadeias de abastecimento locais, que segue as preferências regionais de nossos clientes. Com essa decisão, quisemos assegurar aos agricultores franceses, que atravessam uma grave crise, a perenidade do nosso apoio e das nossas compras locais", disse o grupo francês.

A crise entre o grupo supermercadista Carrefour e produtores de carne no Mercosul acontece em um momento em que os blocos dos dois países — Mercosul e União Europeia — negociam um acordo de livre comércio. Esse acordo tem sido fortemente criticado por produtores rurais franceses.

A BBC News Brasil apurou que existe uma expectativa de que o acordo possa ser finalizado nos próximos dias, e anunciado na cúpula do Mercosul, que acontece na próxima semana no Uruguai, entre os dias 5 e 6 de dezembro.

Entenda abaixo os pontos da polêmica.

•                        O que o presidente do Carrefour disse sobre carne do Mercosul?

A polêmica começou com uma carta publicada na rede social X pelo presidente do Carrefour, Alexandre Bompard, na quarta-feira da semana passada (20/11).

A carta é endereçada a Arnaud Rousseau, presidente da Federação Nacional dos Sindicatos dos Agricultores da França.

Rosseau tem liderado protestos contra o acordo entre a União Europeia e o Mercosul. Seu sindicato diz que o acordo do Mercosul vai aumentar na França a importação de carne bovina, frango, açúcar e milho do Brasil e da Argentina — países que os fazendeiros franceses acusam de usar pesticidas nas plantações e antibióticos de crescimento no gado que são proibidos na Europa.

Na carta, Bompard promete que os supermercados Carrefour não venderão mais carne produzida no Mercosul.

"Em toda a França, ouvimos o desânimo e a raiva dos agricultores face ao acordo de comércio livre proposto entre a União Europeia e o Mercosul o risco de o mercado francês ser inundado com carne que não atende às suas exigências e normas", escreve o presidente do Carrefour.

"Em resposta a esta preocupação, o Carrefour quer formar uma frente unida com o mundo agrícola e compromete-se hoje a não vender qualquer carne do Mercosul."

"Esperamos inspirar outros atores do setor agroalimentar e dar impulso a um movimento mais amplo de solidariedade, que vá além do setor da distribuição que já está na vanguarda da luta a favor da origem francesa da carne que comercializa."

"É através da união que poderemos garantir aos criadores franceses que não haverá qualquer possibilidade de evasão."

"No Carrefour estamos prontos para isso, quaisquer que sejam os preços e as quantidades de carne que o Mercosul será obrigado a nos oferecer."

•                        Como reagiu o setor produtivo do Brasil?

No Brasil, a carta do presidente do Carrefour provocou duas reações: dos produtores de carne e do governo.

Os produtores de carne reagiram com um boicote. Grandes frigoríficos como JBS e Marfrig não se pronunciaram, mas o próprio grupo Carrefour no Brasil confirmou que fornecedores não estão mais suprindo os supermercados brasileiros do grupo com carne.

"Infelizmente, a decisão pela suspensão do fornecimento de carne impacta nossos clientes, especialmente aqueles que confiam em nós para abastecer suas casas com produtos de qualidade e responsabilidade", diz nota do grupo Carrefour.

Segundo a Reuters, o Brasil responde por cerca de 20% do faturamento do Carrefour no mais recente balanço do grupo.

No sábado (23/11), 44 entidades empresariais divulgaram uma nota conjunta repudiando as declarações do presidente do Carrefour.

"A decisão anunciada [pelo Carrefour] demonstra uma abordagem protecionista que contradiz o papel de uma empresa global com operações em mercados diversos e interdependentes. Tal posicionamento, além de desvalorizar a qualidade e a sustentabilidade das carnes produzidas nos países do Mercosul, prejudica o diálogo e a parceria necessária para enfrentar desafios globais como a segurança alimentar", afirma a nota.

A manifestação é assinada por entidades como a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (ABIEC), Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), Associação Brasileira de Frigoríficos (ABRAFRIGO) e Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).

"O Brasil, por sua vez, é referência mundial na produção e exportação de proteínas animais. Somos líderes globais na exportação de carne bovina e de frango, e nossa produção é amplamente reconhecida pela excelência, sendo abastecida por rigorosos controles sanitários e padrões de qualidade que atendem a mais de 160 países, incluindo mercados exigentes como União Europeia, Estados Unidos, Japão e China. Nos últimos 30 anos, a pecuária brasileira aumentou sua produtividade em 172%, enquanto reduziu a área de pastagem em 16%."

"Se uma carne brasileira não serve para abastecer o Carrefour na França, é difícil entender como ela poderia ser considerada adequada para abastecer qualquer outro mercado. Afinal, se o Brasil, com suas práticas sustentáveis, sua legislação ambiental rigorosa e sua vasta área de preservação, não atenderia aos critérios do Carrefour para o mercado francês, então, provavelmente, não atenderia aos critérios de nenhum outro país."

•                        Como reagiu o governo brasileiro?

Autoridades reagiram com indignação à carta do presidente do Carrefour.

“Não é pelo boicote econômico. O problema é a forma com que o CEO do Carrefour tratou, o primeiro parágrafo da carta, da manifestação dele, que fala com relação à qualidade sanitária das carnes brasileiras, que é inadmissível falar”, disse o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, em entrevista ao canal de televisão Globonews.

"A França compra carne do Brasil há quarenta anos, só agora que ele foi detectar isso? Então é um absurdo, ainda mais querer fazer barreira comercial. Eu estou feliz com a atitude dos nossos fornecedores. Se para o povo francês, o Carrefour não serve para comprar carne brasileira, que o Carrefour também não compre carne brasileira para colocar nas suas lojas aqui no Brasil."

•                        O que disse o Carrefour em resposta?

"A nossa declaração de apoio do Carrefour França aos produtores agrícolas franceses causou discordâncias no Brasil. E é nossa responsabilidade de esclarecê-la", disse o grupo Carrefour em uma nota nesta terça-feira (26/11).

Parte da mesma nota foi citada no pedido de desculpas enviado pelo Carrefour ao ministério da Agricultura.

O Carrefour afirma que o intuito da manifestação do presidente do grupo foi apoiar a cadeia francesa de produtores.

"Na França, o Carrefour é o primeiro parceiro da agricultura francesa: compramos quase toda a carne que necessitamos para as nossas atividades na França, e assim seguiremos fazendo", diz a nota.

"Com essa decisão, quisemos assegurar aos agricultores franceses, que estão atravessando uma grave crise, a perenidade do nosso apoio e das nossas compras locais."

"Do outro lado do Atlântico, compramos dos produtores brasileiros quase toda a carne que necessitamos para as nossas atividades, e seguiremos fazendo assim. São os mesmos valores de criar raízes e parceria que inspiram há 50 anos nossa relação com o setor agropecuário brasileiro, cujo profissionalismo, cuidado à terra e produção conhecemos."

•                        Qual a relação da crise com o acordo Mercosul-União Europeia?

A crise acontece em um momento em que Mercosul e União Europeia podem estar perto de fechar um acordo comercial histórico, que seria o maior do mundo.

Por mais de duas décadas, Mercosul e União Europeia vêm negociando o acordo comercial que envolve 31 países, 720 milhões de pessoas e aproximadamente 20% da economia mundial.

O acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia começou a ser negociado em 1999 e prevê, entre outras coisas, a isenção ou redução na cobrança de impostos de importação de bens e serviços produzidos nos dois blocos.

Mas muitos na França dizem que a pecuária francesa é a grande perdedora do acordo — já que produtores do país não teriam condições de competir com produtos sul-americanos.

Nas últimas semanas, fazendeiros realizaram grandes protestos na França contra o acordo. Uma rodovia entre a França e a Espanha foi bloqueada e alguns fazendeiros jogaram estrume nas ruas.

Historicamente, a França é o país que mais se opõe ao acordo entre os blocos. Durante o governo de Jair Bolsonaro, o presidente francês, Emmanuel Macron, citou a preocupação com o crescimento do desmatamento da Amazônia como motivo para não apoiar o acordo.

No ano passado, quando se noticiou que negociadores estavam prestes a concluir o acordo, a França novamente foi contra — acusando o acordo de ser prejudicial ao meio ambiente.

 

•                        Após 'caso Carrefour', Lula diz que franceses 'não apitam mais nada' e que quer fechar acordo Mercosul-UE ainda este ano

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) comentou pela primeira vez nesta quarta-feira (27) a polêmica envolvendo as relações comerciais entre Brasil e França, após falas do CEO do Carrefour, Alexandre Bompard , sobre a carne sul-americana.

Lula voltou a defender a conclusão do acordo entre o Mercosul e a União Europeia – uma negociação que se arrasta há décadas. Ele disse que os franceses, principais opositores do acordo pelo lado europeu, "não apitam mais nada".

"Eu quero que o agronegócio continue crescendo e causando raiva num deputado francês que, hoje, achincalhou os produtos brasileiros. Porque nós vamos fazer o acordo do Mercosul nem tanto pela questão do dinheiro. Nós vamos fazer porque eu estou há 22 anos nisso e nós vamos fazer", declarou Lula.

"Se os franceses não quiserem o acordo, eles não apitam mais nada, quem apita é a Comissão Europeia. E a Ursula von der Leyen tem procuração para fazer o acordo, e eu pretendo assinar esse acordo este ano ainda. Tirar isso da minha pauta", afirmou o presidente.

🔎Na última semana, um comunicado da rede francesa de supermercados Carrefour abriu uma disputa com o agronegócio brasileiro. A empresa afirmou que as lojas na França não comprariam mais carne do Mercosul para proteger produtores franceses – e, para isso, levantou dúvidas sobre a qualidade da carne sul-americana.

🔎O comunicado foi motivado por protestos, na última semana, de agricultores franceses contrários ao acordo comercial entre Mercosul e União Europeia. Como resposta ao comunicado do Carrefour, pecuaristas brasileiros anunciaram que deixariam de vender para a rede em todo o mundo. Ao fim, o Carrefour teve de se retratar e anunciar que não suspenderia mais as compras.

<><> Acordo entre UE e Mercosul em discussão na França

A polêmica iniciada pelo Carrefour tem mobilizado políticos na França. A carne do Mercosul, em especial a do Brasil, foi criticada por deputados do país europeu nesta terça-feira (26) durante sessão da Assembleia Nacional da França para votação simbólica do acordo entre os blocos europeu e sul-americano. O acordo foi rejeitado pela maioria da Casa.

"A realidade é que nossos agricultores não querem morrer e nossos pratos não são latas de lixo", disse o deputado Vincent Trébuchet (UDR).

Apesar da mobilização na França, que conta com empenho do presidente Emmanuel Macron, o governo brasileiro acredita que será possível firmar os ajustes no acordo entre Mercosul e União Europeia em dezembro.

A próxima reunião do bloco sul-americano ocorre no dia 6 no Uruguai.

<><> Estados Unidos

Lula defendeu a procura por novos mercados para os produtos brasileiros e informou que em março de 2025 pretende viajar com empresários ao Japão e ao Vietnã.

O presidente também afirmou que pretende fortalecer a economia brasileira sem "brigar" com os Estados Unidos. A partir de janeiro, Donald Trump voltará a governar o país e promete uma política protecionista.

"Eu quero fazer tudo isso sem brigar com os Estados Unidos. Eu não quero saber se o presidente é o Trump, Biden, Obama. Eu quero saber o seguinte: o Brasil tem interesses soberanos, eles têm interesses soberanos e os nossos interesses têm que convergir. Naquilo que houver diferença, a gente tranca a cara e não faz negócio", disse Lula.

<><> Taxa de juros

Lula voltou criticar a taxa básica de juros da economia, a Selic, que está em 11,25% ao ano. O presidente considera alta a taxa definida pelo Banco Central.

"Qual é a explicação da taxa de juros estar do jeito que está hoje? Estamos com a inflação controlada, a economia está crescendo, o menor nível de desemprego desde 2012, o maior aumento da massa salarial", afirmou.

Lula não citou na crítica o presidente do BC, Roberto Campos Neto, e o futuro presidente do órgão, Gabriel Galípolo. Atual diretor de política monetária do BC, Galípolo foi indicado por Lula para comandar a instituição a partir de 2025.

 

Fonte: BBC News Brasil/g1

 

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