Por que
Carrefour boicotou carne brasileira e depois pediu desculpas: entenda a
polêmica
Uma
decisão do grupo francês de varejo Carrefour de não vender carnes produzidas
por países do Mercosul provocou uma crise junto ao setor agropecuário
brasileiro — que reagiu com boicotes aos supermercados da marca no Brasil.
Nesta terça-feira (26/11), o Carrefour recuou em sua posição e enviou um pedido
de desculpas ao governo.
Na
semana passada, o presidente do Carrefour, Alexandre Bompard, havia anunciado
que o Carrefour estava se comprometendo a não mais vender carnes de países do
Mercosul na França em protesto contra um acordo comercial que está sendo
negociado entre o bloco sul-americano e a União Europeia.
Segundo
ele, se o acordo for firmado, a França vai ser "inundada" com carne
"que não atende às exigências e normas" do país.
No
Brasil, a decisão do Carrefour provocou fortes reações. Alguns frigoríficos
brasileiros passaram a boicotar as lojas brasileiras do Carrefour, se recusando
a vender carne brasileira para esses supermercados, segundo relatos.
Associações
de produtores de carne disseram que "se uma carne brasileira não serve
para abastecer o Carrefour na França, é difícil entender como ela poderia ser
considerada adequada para abastecer qualquer outro mercado".
O
governo brasileiro também reagiu atacando a decisão do Carrefour e elogiando o
boicote dos frigoríficos brasileiros. O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro,
disse que é inaceitável a crítica do presidente do Carrefour à qualidade da
carne do Mercosul e do Brasil — e sugeriu que se trata de uma barreira
comercial, e não sanitária.
"A
França compra carne do Brasil há quarenta anos, só agora que ele foi detectar
isso?", disse o ministros.
A
imprensa brasileira noticiou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva falou
nos bastidores que esperava uma retratação do grupo.
Nesta
terça-feira (26/11), o grupo Carrefour no Brasil emitiu uma nota na qual
"lamenta" que sua comunicação "tenha sido recebida como
questionamento de nossa parceria com a produção agropecuária brasileira ou como
uma crítica a ela".
E o
Ministério da Agricultura e Pecuária disse que recebeu formalmente uma carta
assinada por Bompard esclarecendo sua declaração em apoio aos agricultores
franceses e "reconhecendo a alta qualidade, o respeito às normas e o sabor
da carne brasileira".
“Sabemos
que a agricultura brasileira fornece carne de alta qualidade, respeito às
normas e sabor. Se a comunicação do Carrefour França gerou confusão e pode ter
sido interpretada como questionamento de nossa parceria com a agricultura
brasileira e como uma crítica a ela, pedimos desculpa”, diz a carta.
O
Carrefour disse que já compra quase toda a carne vendida nos seus supermercados
franceses usando fornecedores franceses — "e assim seguiremos
fazendo", diz a nota.
"A
decisão do Carrefour França não teve como objetivo mudar as regras de um
mercado amplamente estruturado em suas cadeias de abastecimento locais, que
segue as preferências regionais de nossos clientes. Com essa decisão, quisemos
assegurar aos agricultores franceses, que atravessam uma grave crise, a
perenidade do nosso apoio e das nossas compras locais", disse o grupo
francês.
A
crise entre o grupo supermercadista Carrefour e produtores de carne no Mercosul
acontece em um momento em que os blocos dos dois países — Mercosul e União
Europeia — negociam um acordo de livre comércio. Esse acordo tem sido
fortemente criticado por produtores rurais franceses.
A
BBC News Brasil apurou que existe uma expectativa de que o acordo possa ser
finalizado nos próximos dias, e anunciado na cúpula do Mercosul, que acontece
na próxima semana no Uruguai, entre os dias 5 e 6 de dezembro.
Entenda
abaixo os pontos da polêmica.
• O que o presidente do
Carrefour disse sobre carne do Mercosul?
A
polêmica começou com uma carta publicada na rede social X pelo presidente do
Carrefour, Alexandre Bompard, na quarta-feira da semana passada (20/11).
A
carta é endereçada a Arnaud Rousseau, presidente da Federação Nacional dos
Sindicatos dos Agricultores da França.
Rosseau
tem liderado protestos contra o acordo entre a União Europeia e o Mercosul. Seu
sindicato diz que o acordo do Mercosul vai aumentar na França a importação de
carne bovina, frango, açúcar e milho do Brasil e da Argentina — países que os
fazendeiros franceses acusam de usar pesticidas nas plantações e antibióticos
de crescimento no gado que são proibidos na Europa.
Na
carta, Bompard promete que os supermercados Carrefour não venderão mais carne
produzida no Mercosul.
"Em
toda a França, ouvimos o desânimo e a raiva dos agricultores face ao acordo de
comércio livre proposto entre a União Europeia e o Mercosul o risco de o
mercado francês ser inundado com carne que não atende às suas exigências e
normas", escreve o presidente do Carrefour.
"Em
resposta a esta preocupação, o Carrefour quer formar uma frente unida com o
mundo agrícola e compromete-se hoje a não vender qualquer carne do
Mercosul."
"Esperamos
inspirar outros atores do setor agroalimentar e dar impulso a um movimento mais
amplo de solidariedade, que vá além do setor da distribuição que já está na
vanguarda da luta a favor da origem francesa da carne que comercializa."
"É
através da união que poderemos garantir aos criadores franceses que não haverá
qualquer possibilidade de evasão."
"No
Carrefour estamos prontos para isso, quaisquer que sejam os preços e as
quantidades de carne que o Mercosul será obrigado a nos oferecer."
• Como reagiu o setor
produtivo do Brasil?
No
Brasil, a carta do presidente do Carrefour provocou duas reações: dos
produtores de carne e do governo.
Os
produtores de carne reagiram com um boicote. Grandes frigoríficos como JBS e
Marfrig não se pronunciaram, mas o próprio grupo Carrefour no Brasil confirmou
que fornecedores não estão mais suprindo os supermercados brasileiros do grupo
com carne.
"Infelizmente,
a decisão pela suspensão do fornecimento de carne impacta nossos clientes,
especialmente aqueles que confiam em nós para abastecer suas casas com produtos
de qualidade e responsabilidade", diz nota do grupo Carrefour.
Segundo
a Reuters, o Brasil responde por cerca de 20% do faturamento do Carrefour no
mais recente balanço do grupo.
No
sábado (23/11), 44 entidades empresariais divulgaram uma nota conjunta
repudiando as declarações do presidente do Carrefour.
"A
decisão anunciada [pelo Carrefour] demonstra uma abordagem protecionista que
contradiz o papel de uma empresa global com operações em mercados diversos e
interdependentes. Tal posicionamento, além de desvalorizar a qualidade e a
sustentabilidade das carnes produzidas nos países do Mercosul, prejudica o
diálogo e a parceria necessária para enfrentar desafios globais como a
segurança alimentar", afirma a nota.
A
manifestação é assinada por entidades como a Associação Brasileira das
Indústrias Exportadoras de Carne (ABIEC), Associação Brasileira de Proteína
Animal (ABPA), Associação Brasileira de Frigoríficos (ABRAFRIGO) e Confederação
da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).
"O
Brasil, por sua vez, é referência mundial na produção e exportação de proteínas
animais. Somos líderes globais na exportação de carne bovina e de frango, e
nossa produção é amplamente reconhecida pela excelência, sendo abastecida por
rigorosos controles sanitários e padrões de qualidade que atendem a mais de 160
países, incluindo mercados exigentes como União Europeia, Estados Unidos, Japão
e China. Nos últimos 30 anos, a pecuária brasileira aumentou sua produtividade
em 172%, enquanto reduziu a área de pastagem em 16%."
"Se
uma carne brasileira não serve para abastecer o Carrefour na França, é difícil
entender como ela poderia ser considerada adequada para abastecer qualquer
outro mercado. Afinal, se o Brasil, com suas práticas sustentáveis, sua
legislação ambiental rigorosa e sua vasta área de preservação, não atenderia
aos critérios do Carrefour para o mercado francês, então, provavelmente, não
atenderia aos critérios de nenhum outro país."
• Como reagiu o governo
brasileiro?
Autoridades
reagiram com indignação à carta do presidente do Carrefour.
“Não
é pelo boicote econômico. O problema é a forma com que o CEO do Carrefour
tratou, o primeiro parágrafo da carta, da manifestação dele, que fala com
relação à qualidade sanitária das carnes brasileiras, que é inadmissível
falar”, disse o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, em entrevista ao canal
de televisão Globonews.
"A
França compra carne do Brasil há quarenta anos, só agora que ele foi detectar
isso? Então é um absurdo, ainda mais querer fazer barreira comercial. Eu estou
feliz com a atitude dos nossos fornecedores. Se para o povo francês, o
Carrefour não serve para comprar carne brasileira, que o Carrefour também não
compre carne brasileira para colocar nas suas lojas aqui no Brasil."
• O que disse o Carrefour
em resposta?
"A
nossa declaração de apoio do Carrefour França aos produtores agrícolas
franceses causou discordâncias no Brasil. E é nossa responsabilidade de
esclarecê-la", disse o grupo Carrefour em uma nota nesta terça-feira
(26/11).
Parte
da mesma nota foi citada no pedido de desculpas enviado pelo Carrefour ao
ministério da Agricultura.
O
Carrefour afirma que o intuito da manifestação do presidente do grupo foi
apoiar a cadeia francesa de produtores.
"Na
França, o Carrefour é o primeiro parceiro da agricultura francesa: compramos
quase toda a carne que necessitamos para as nossas atividades na França, e
assim seguiremos fazendo", diz a nota.
"Com
essa decisão, quisemos assegurar aos agricultores franceses, que estão
atravessando uma grave crise, a perenidade do nosso apoio e das nossas compras
locais."
"Do
outro lado do Atlântico, compramos dos produtores brasileiros quase toda a
carne que necessitamos para as nossas atividades, e seguiremos fazendo assim.
São os mesmos valores de criar raízes e parceria que inspiram há 50 anos nossa
relação com o setor agropecuário brasileiro, cujo profissionalismo, cuidado à
terra e produção conhecemos."
• Qual a relação da crise
com o acordo Mercosul-União Europeia?
A
crise acontece em um momento em que Mercosul e União Europeia podem estar perto
de fechar um acordo comercial histórico, que seria o maior do mundo.
Por
mais de duas décadas, Mercosul e União Europeia vêm negociando o acordo
comercial que envolve 31 países, 720 milhões de pessoas e aproximadamente 20%
da economia mundial.
O
acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia começou a ser
negociado em 1999 e prevê, entre outras coisas, a isenção ou redução na
cobrança de impostos de importação de bens e serviços produzidos nos dois
blocos.
Mas
muitos na França dizem que a pecuária francesa é a grande perdedora do acordo —
já que produtores do país não teriam condições de competir com produtos
sul-americanos.
Nas
últimas semanas, fazendeiros realizaram grandes protestos na França contra o
acordo. Uma rodovia entre a França e a Espanha foi bloqueada e alguns
fazendeiros jogaram estrume nas ruas.
Historicamente,
a França é o país que mais se opõe ao acordo entre os blocos. Durante o governo
de Jair Bolsonaro, o presidente francês, Emmanuel Macron, citou a preocupação
com o crescimento do desmatamento da Amazônia como motivo para não apoiar o
acordo.
No
ano passado, quando se noticiou que negociadores estavam prestes a concluir o
acordo, a França novamente foi contra — acusando o acordo de ser prejudicial ao
meio ambiente.
• Após 'caso Carrefour',
Lula diz que franceses 'não apitam mais nada' e que quer fechar acordo
Mercosul-UE ainda este ano
O
presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) comentou pela primeira vez nesta
quarta-feira (27) a polêmica envolvendo as relações comerciais entre Brasil e
França, após falas do CEO do Carrefour, Alexandre Bompard , sobre a carne
sul-americana.
Lula
voltou a defender a conclusão do acordo entre o Mercosul e a União Europeia –
uma negociação que se arrasta há décadas. Ele disse que os franceses,
principais opositores do acordo pelo lado europeu, "não apitam mais
nada".
"Eu
quero que o agronegócio continue crescendo e causando raiva num deputado
francês que, hoje, achincalhou os produtos brasileiros. Porque nós vamos fazer
o acordo do Mercosul nem tanto pela questão do dinheiro. Nós vamos fazer porque
eu estou há 22 anos nisso e nós vamos fazer", declarou Lula.
"Se
os franceses não quiserem o acordo, eles não apitam mais nada, quem apita é a
Comissão Europeia. E a Ursula von der Leyen tem procuração para fazer o acordo,
e eu pretendo assinar esse acordo este ano ainda. Tirar isso da minha
pauta", afirmou o presidente.
🔎Na última semana, um comunicado da rede francesa de
supermercados Carrefour abriu uma disputa com o agronegócio brasileiro. A
empresa afirmou que as lojas na França não comprariam mais carne do Mercosul
para proteger produtores franceses – e, para isso, levantou dúvidas sobre a
qualidade da carne sul-americana.
🔎O comunicado foi motivado por protestos, na última semana, de
agricultores franceses contrários ao acordo comercial entre Mercosul e União
Europeia. Como resposta ao comunicado do Carrefour, pecuaristas brasileiros
anunciaram que deixariam de vender para a rede em todo o mundo. Ao fim, o
Carrefour teve de se retratar e anunciar que não suspenderia mais as compras.
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Acordo entre UE e Mercosul em discussão na França
A
polêmica iniciada pelo Carrefour tem mobilizado políticos na França. A carne do
Mercosul, em especial a do Brasil, foi criticada por deputados do país europeu
nesta terça-feira (26) durante sessão da Assembleia Nacional da França para
votação simbólica do acordo entre os blocos europeu e sul-americano. O acordo
foi rejeitado pela maioria da Casa.
"A
realidade é que nossos agricultores não querem morrer e nossos pratos não são
latas de lixo", disse o deputado Vincent Trébuchet (UDR).
Apesar
da mobilização na França, que conta com empenho do presidente Emmanuel Macron,
o governo brasileiro acredita que será possível firmar os ajustes no acordo
entre Mercosul e União Europeia em dezembro.
A
próxima reunião do bloco sul-americano ocorre no dia 6 no Uruguai.
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Estados Unidos
Lula
defendeu a procura por novos mercados para os produtos brasileiros e informou
que em março de 2025 pretende viajar com empresários ao Japão e ao Vietnã.
O
presidente também afirmou que pretende fortalecer a economia brasileira sem
"brigar" com os Estados Unidos. A partir de janeiro, Donald Trump
voltará a governar o país e promete uma política protecionista.
"Eu
quero fazer tudo isso sem brigar com os Estados Unidos. Eu não quero saber se o
presidente é o Trump, Biden, Obama. Eu quero saber o seguinte: o Brasil tem
interesses soberanos, eles têm interesses soberanos e os nossos interesses têm
que convergir. Naquilo que houver diferença, a gente tranca a cara e não faz
negócio", disse Lula.
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Taxa de juros
Lula
voltou criticar a taxa básica de juros da economia, a Selic, que está em 11,25%
ao ano. O presidente considera alta a taxa definida pelo Banco Central.
"Qual
é a explicação da taxa de juros estar do jeito que está hoje? Estamos com a
inflação controlada, a economia está crescendo, o menor nível de desemprego
desde 2012, o maior aumento da massa salarial", afirmou.
Lula
não citou na crítica o presidente do BC, Roberto Campos Neto, e o futuro
presidente do órgão, Gabriel Galípolo. Atual diretor de política monetária do
BC, Galípolo foi indicado por Lula para comandar a instituição a partir de
2025.
Fonte:
BBC News Brasil/g1
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