Dificuldades da vida não são o que causa depressão
Mais
de um décimo da população da Alemanha foi diagnosticada com depressão em 2022,
demonstrou um estudo do plano de saúde AOK: são cerca de 9,9 milhões de
indivíduos, tendência crescente. As mulheres são as mais atingidas. Uma delas
sou eu.
No
segundo trimestre de 2024, comecei a me sentir mal. Nada mais me dava prazer. À
falta de entusiasmo juntaram-se desesperança e culpa: de não ser uma boa mãe,
amiga ou esposa. A tensão interior me expulsava da cama às primeiras horas da
manhã, com a cabeça cheia de milhares de apreensões e medos.
No
entanto a minha vida realmente já foi mais difícil. Quando eu era mãe solo,
tendo que trabalhar e terminar a faculdade, por exemplo. Ou durante a pandemia
de covid-19. Eu me perguntava: por que estou cada vez pior, embora a minha vida
esteja francamente melhor do que na década passada?
"É
preciso distinguir entre estresse, luto e outras reações normais a condições de
vida difíceis, de um lado, e a doença depressão, do outro. São dois mundos
distintos", explica o psiquiatra Ulrich Hegerl, presidente da fundação
Deutsche Depressionshilfe und Suizidprävention, de combate à depressão e
prevenção do suicídio. "A maioria pensa – também eu pensava – que uma
depressão é uma reação a dificuldades na vida", porém essa suposição pode
se tornar um problema.
Porque
um fator decisivo nas doenças depressivas é a predisposição. Para quem a
possui, determinadas situações existenciais podem se tornar um gatilho. A
origem costuma ser genética, mas a predisposição também ser adquirida, através
de episódios traumáticos da infância, ressalta Hegerl.
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Vergonha e estigmatização são desafios para depressivos
Um
estudo recente comprovou que a montanha-russa emocional e o mal-estar depressão
têm causas neurofisiológicas: nos pacientes depressivos, a rede de saliência,
ou rede ventral de atenção, do cérebro é mais extensa do que em indivíduos
saudáveis.
Essa
estrutura funciona como um filtro, direcionando a atenção a estímulos externos
relevantes, e regula a reação emocional a eles. Embora não esteja claro como o
mecanismo funciona, o estudo mostrou uma correlação entre o tamanho da rede e
sintomas depressivos como a perda de alegria e motivação: se ela é maior do que
o normal, pode ser um indicador da propensão, mesmo se (ainda) não há sintomas.
Portanto
não é culpa minha que eu tenha depressão. A sensação principal ao receber o
diagnóstico foi alívio: eu podia parar de me sentir mal por me sentir mal;
podia parar de atravessar o dia me sacudindo com a mensagem "deixa de
frescura".
Por
outro lado, as afirmativas de Hegerl e o estudo também significam que eu vou
estar sempre propensa a episódios depressivos. Mas psicoterapia e medicamentos
podem impedir uma recaída: "Os atingidos devem ter um plano de
emergência", aconselha o psiquiatra. "Quais são os primeiros sinais?
O que posso fazer, se chegam?"
O
que também significa, porém, que é preciso tornar a situação visível para
outros e falar sobre e própria depressão. Isso era difícil para mim, e me
envergonhava. Hegerl confirma: "Um dos maiores desafios é a
estigmatização, devido a uma concepção equivocada da enfermidade."
É
também daí que vem a minha vergonha. Agora eu sei o suficiente sobre a minha
depressão para não mais tratá-la como uma falha de personalidade. Mas as
pessoas que eu encontro também sabem disso?
• Estudo indica poder
antidepressivo da música clássica
Está
amplamente documentado que a música influencia o humor. Agora, um novo estudo
foi além e mostrou que a música clássica tem efeitos positivos sobre o cérebro,
uma descoberta que poderia ajudar pacientes com depressão resistente a
tratamentos.
O
estudo, liderado por pesquisadores chineses e publicado na revista Cell
Reports, analisou o efeito neurológico da música composta por compositores
ocidentais, como Bach, Beethoven ou Mozart. Por meio de medições de ondas
cerebrais e técnicas de neuroimagem, foi possível verificar que essas
composições têm efeitos positivos no cérebro.
"Nossa
pesquisa integra os campos da neurociência, psiquiatria e neurocirurgia,
fornecendo uma base para qualquer pesquisa voltada para a interação entre
música e emoção", explica o autor principal, Bomin Sun, diretor e
professor do Centro de Neurocirurgia Funcional da Universidade Jiao Tong de
Xangai.
"Por
fim, esperamos traduzir os resultados de nossa pesquisa para a prática clínica,
desenvolvendo ferramentas e aplicativos de musicoterapia confiáveis."
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Estudo com 13 pacientes
A
pesquisa contou com a participação de 13 pacientes com depressão resistente a
tratamentos convencionais, que já tinham eletrodos implantados em seus cérebros
para estimulação profunda.
Usando
esses implantes, a equipe de cientistas descobriu que a música gera efeitos
antidepressivos ao sincronizar as oscilações neurais entre o córtex auditivo
(responsável pelo processamento de informações sensoriais) e o circuito de
recompensa (processa informações emocionais).
O
estudo usou várias peças de música clássica ocidental – um estilo com o qual a
maioria dos participantes não estava familiarizada – para evitar qualquer
interferência que pudesse surgir da familiaridade subjetiva.
"Concluímos
que as escolhas musicais durante o processo de audição formal eram
individualizadas e não tinham relação com o contexto emocional da música",
diz Sun.
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Saúde digital baseada em musicoterapia
Daqui
para frente, "em colaboração com médicos, musicoterapeutas, cientistas da
computação e engenheiros, planejamos desenvolver uma série de produtos digitais
de saúde baseados em musicoterapia, como aplicativos para smartphones e
dispositivos vestíveis", diz Sun.
"Esses
produtos vão integrar recomendações musicais personalizadas, monitoramento e
feedback emocional em tempo real e experiências multissensoriais de realidade
virtual para fornecer ferramentas de autoajuda convenientes e eficazes para
gerenciar emoções e melhorar os sintomas na vida cotidiana."
• Cetamina: anestésico,
antidepressivo ou droga perigosa?
Para
uma droga apelidada de "tranquilizante para cavalos", até que a
cetamina é bastante versátil – cientificamente falando. Trata-se de um
anestésico para humanos e outros animais.
Sete
semanas depois que o ator de Friends, Matthew L. Perry, foi encontrado morto em
sua casa no final de outubro de 2023, o médico legista do condado de Los
Angeles determinou que Perry morreu devido aos "efeitos agudos da
cetamina", também chamada de ketamina ou quetamina.
As
causas secundárias de morte foram afogamento, doença arterial coronariana e os
efeitos da buprenorfina, usada para tratar o transtorno por uso de opioides.
As
agências de notícias AP e Reuters observaram ainda que o relatório da autópsia
afirmava que Perry estava tomando injeções de testosterona – ele havia recebido
tamoxifeno, um regulador hormonal geralmente tomado para prevenção do câncer de
mama.
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A morte de Perry: cetamina e mais uma variedade de drogas legais
Os
investigadores não encontraram álcool, drogas ilícitas ou utensílios para o uso
de drogas, mas sim vapes e pirulitos de nicotina e um inalador, além de um
medicamento injetável contra diabetes, Tirzepatida, que, acredita-se, Perry
usava para perder peso.
O
relatório da autópsia lista "níveis não tóxicos do benzodiazepínico
lorazepam” – os benzodiazepínicos são uma classe de depressores que aliviam a
ansiedade e os espasmos musculares e reduzem as convulsões.
Mas
para o legista, a principal causa da morte de Perry foi a cetamina. Segundo
amigos do ator, ele estava tomando uma terapia experimental de infusão da droga
para tratar ansiedade e depressão. No entanto, a dose de cetamina que causou a
morte de Perry não estava relacionada com a terapia experimental.
No
contexto sanitário, a cetamina é usada como anestésico para humanos e outros
animais. O uso em tratamentos de distúrbios psiquiátricos, porém, não foi
aprovado pela FDA (agência reguladora de remédios e alimentos nos EUA).
No
Brasil, a cetamina apareceu no noticiário nos últimos dias após a prisão de
três pessoas em conexão com a morte de Djidja Cardoso, uma personalidade do
Festival Folclórico de Parintins, no estado da Amazonas. Segundo as
investigações, os presos estavam envolvidos com o uso abusivo de cetamina por
uma seita religiosa.
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Quais são os efeitos da cetamina?
Também
conhecida no meio recreativo como "Special K", a cetamina é
classificada como um anestésico dissociativo, com alguns efeitos alucinógenos.
Os
efeitos da droga dependem muito da dose tomada e podem variar desde uma
sensação "estranha" e desconexão até sedação e inconsciência.
A
cetamina tem ação rápida e um efeito relativamente curto em comparação com
alucinações causadas pelo LSD, por exemplo –
uma alucinação com cetamina pode durar entre 30 e 60 minutos.
Doses
menores distorcem as percepções visuais e sonoras de uma pessoa e podem criar
uma sensação de calma, euforia e alívio da dor. Isso pode fazer com que o
usuário se sinta "fora do corpo" e fora de controle.
Doses
recreativas mais altas criam uma sensação de "esquecimento"
semelhante a uma experiência de quase morte – também conhecida como
"k-hole".
A
droga pode causar amnésia, o que talvez seja uma das razões pelas quais ela
costuma ser usada para "facilitar a agressão sexual" em golpes de
"Boa Noite, Cinderela" – conforme observado pela Drug Enforcement
Administration (DEA, o órgão encarregado da repressão e controle de narcóticos)
do Departamento de Justiça dos EUA.
Em
doses ainda mais elevadas, a droga se torna um agente anestésico, causando
sedação, inconsciência e frequências respiratórias fatalmente baixas.
A
cetamina é comumente usada como sedativo e anestésico em hospitais para pessoas
submetidas a cirurgias. É um dos sedativos mais seguros e eficazes para
crianças que necessitam de procedimentos hospitalares curtos e de emergência.
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Como a cetamina é usada recreativamente?
A
cetamina vem na forma líquida ou como pó branco, podendo, portanto, ser
injetada ou inalada. Algumas pessoas a consomem na forma de comprimido,
misturada com bebidas ou até com cigarro.
Por
vezes, a droga também é misturada com outras drogas recreativas, como
anfetaminas e MDMA. Mas misturar medicamentos pode causar interações não
intencionais entre eles e expor os usuários a maiores riscos à saúde.
Uma
análise do uso atual de cetamina pelo Observatório Europeu da Droga e da
Toxicodependência (OEDT) observou "vários danos agudos e crônicos
dependentes da dose, incluindo toxicidade neurológica e cardiovascular,
problemas de saúde mental, como depressão, e complicações urológicas, como
danos à bexiga, devido ao uso intensivo."
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Como a cetamina é usada para tratar a depressão?
Em
2019, a FDA aprovou um spray nasal baseado em um derivado da cetamina – a
escetamina – em conjunto com um antidepressivo oral, para o tratamento da
depressão em adultos quando outros medicamentos se mostram ineficazes.
Mas
em outubro de 2023, a FDA alertou sobre um "interesse crescente" no
uso de produtos manipulados de cetamina para o tratamento de transtornos
psiquiátricos, incluindo depressão, ansiedade, transtorno de estresse
pós-traumático (TEPT) e transtorno obsessivo-compulsivo – quando nem cetamina
quanto os medicamentos manipulados resultantes foram aprovados para uso seguro
em humanos.
Geralmente
há pouca clareza quando se trata de medicamentos manipulados. Eles podem até
ser feitos com fármacos aprovados individualmente para uso em humanos, mas os
produtos manipulados resultantes não são aprovados – ou seja, a nova mistura de
medicamentos não foi testada quanto à segurança em humanos.
A
manipulação em si, como é sabido, não é ilegal – alguns pacientes, inclusive,
precisam que seus medicamentos sejam manipulados no caso, por exemplo, de
possíveis reações alérgicas a um dos elementos do medicamento original.
Mas
o uso de cetamina em medicamentos manipulados é um caso específico. A FDA
alerta para possíveis abusos e uso indevido, levando a distúrbios
psiquiátricos, aumento da pressão arterial ou hipoventilação. O órgão
desaconselha o uso de qualquer forma de cetamina em casa ou em qualquer lugar
onde seu uso não possa ser monitorado por um profissional de saúde.
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Pesquisas sobre abuso e dependência de cetamina
Um
estudo publicado em novembro de 2023 sugeriu que a cetamina subanestésica
estava sendo falsamente anunciada online para tratar problemas de saúde.
"Os
anunciantes podem promover infusões intravenosas e/ou formulações orais,
descritas como um tratamento emergente para problemas de saúde mental",
escreveram pesquisadores num artigo publicado pela JAMA Network.
"Apesar
dos potenciais benefícios da cetamina no tratamento de determinadas condições
de saúde mental, foram levantadas preocupações bem fundamentadas relativamente
às semelhanças com a prescrição de opiáceos e ao risco de uso indevido
generalizado", escreveram.
A
cetamina vicia. Mas eis que surgiu um paradoxo: outro estudo, publicado em
2018, também sugeriu que a cetamina poderia ser usada no tratamento da
dependência.
Segundo
a pesquisa, foi graças à cetamina que alcoólatras em recuperação e viciados em
cocaína e heroína conseguiram ficar limpos por mais tempo. Mas mesmo esses
pesquisadores alertam: mais pesquisas sobre o tema se fazem necessárias.
Fonte:
DW Brasil
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