quinta-feira, 28 de novembro de 2024

Denúncia criminal contra Bolsonaro 'é muito provável', dizem criminalistas

O indiciamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e mais 36 pessoas pela Polícia Federal (PF), suspeitos de planejar um golpe de Estado, apresenta acusações robustas e provavelmente vai gerar uma denúncia criminal contra os investigados, segundo criminalistas entrevistados pela BBC News Brasil.

O relatório final das investigações, com 884 páginas, reúne indícios de como o grupo pretendia evitar a posse de Luiz Inácio Lula da Silva como presidente em janeiro de 2023 para manter Bolsonaro no poder e convocar novas eleições.

Segundo a PF, o plano envolveria até a possibilidade de matar Lula, seu vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

A PF diz ainda que a tentativa só não foi levada adiante devido à falta de apoio dos então comandantes do Exército (general Freire Gomes) e da Aeronáutica (tenente-brigadeiro Baptista Júnior) — em contraste com o endosso recebido do comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, ao plano golpista.

O relatório da PF foi enviado nesta terça-feira (26/11) para a Procuradoria-Geral da República (PGR) por Moraes, relator das investigações no STF.

Agora, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, vai avaliar se há elementos suficientes para apresentar uma denúncia criminal contra os investigados no Supremo ou se é preciso mais investigações.

Caso haja denúncia, o STF decidirá se autoriza o início de um processo, que poderá levar a condenações criminais e eventuais prisões.

Para os criminalistas Mauricio Dieter, professor da Universidade de São Paulo (USP), e Celso Vilardi, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), é "muito provável" que os investigados sejam denunciados, inclusive Bolsonaro.

"Eu diria que é extremamente provável uma denúncia, porque, no mundo jurídico que a gente vive, raramente você vê indiciamentos com contornos tão nítidos como esse", disse Dieter à reportagem.

O professor lista elementos que dão densidade à investigação, como a análise da movimentação dos suspeitos pelo rastreamento dos celulares; as informações trazidas pela delação premiada do Mauro Cid, então ajudante de ordens de Bolsonaro; os depoimentos dos comandantes do Exército e da Aeronáutica implicando Bolsonaro; e documentos prevendo as etapas do suposto golpe.

Segundo Dieter, o fato de Moraes ter encaminhado o relatório à PGR indica que o ministro não viu ilegalidades na investigação da PF.

"Estamos falando aqui de uma investigação muito criteriosa, com georreferência [dos celulares], com delação premiada, com testemunhos robustos, com coerência de narrativa, com áudios degravados, com linha do tempo bem definida, com divisão de tarefas, com documentos recuperados, com transferência de valores", lista o professor da USP.

"Há evidências sólidas, inclusive contra Bolsonaro. Se não houver denúncia, a gente vai dizer assim: 'bom, esse é Ministério Público mais criterioso do mundo e não é Ministério Público o brasileiro'", ressaltou.

Celso Vilardi, da FGV, ressalta que a apresentação da denúncia criminal não demanda provas cabais da atividade criminosa, mas a existência de indícios suficientes de autoria do crime.

É somente no processo criminal, que se inicia após eventual recebimento de denúncia, que ocorre a produção de provas, com espaço para a defesa rebater as acusações.

Por isso, ele também avalia que existem elementos suficientes para a PGR denunciar os suspeitos, inclusive Bolsonaro.

"É muito provável que o procurador vá acolher o relatório da Polícia Federal, se não no todo, mas na maior parte", disse Vilardi à BBC News Brasil.

Embora a PF não tenha identificado uma gravação ou mensagem de Bolsonaro falando expressamente no plano golpista, o professor considera importante outros elementos, como os depoimentos dos comandantes do Exército e da Aeronáutica, apontando a participação do então presidente.

"Eu acho que não é possível se falar em cogitação [de golpe de Estado]. Por tudo o que vi até agora, considero que há presença de indícios consistentes, sim, de uma tentativa de golpe", reforça.

A BBC News Brasil procurou a defesa de Bolsonaro e solicitou um posicionamento do ex-presidente, mas nenhuma resposta foi enviada até o momento.

•                        Entende as acusações da PF contra Bolsonaro

Os detalhes da investigação da PF se tornaram públicos na terça-feira (26/11), após Moraes derrubar o sigilo do relatório final.

No documento, a polícia apontou Bolsonaro como líder da organização criminosa que planejou um golpe de Estado para mantê-lo no poder após a derrota nas eleições de 2022.

"Os elementos de prova obtidos ao longo da investigação demonstram de forma inequívoca que o então presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, planejou, atuou e teve o domínio de forma direta e efetiva dos atos executórios realizados pela organização criminosa que objetivava a concretização de um Golpe de Estado e da Abolição do Estado Democrático de Direito", diz o relatório.

Em outro ponto do documento, a PF descreve o suposto papel de liderança de Bolsonaro sobre a organização.

"O arcabouço probatório colhido indica que o grupo investigado, liderado por Jair Messias Bolsonaro, à época presidente da República, criou, desenvolveu e disseminou a narrativa falsa da existência de vulnerabilidade e fraude no sistema eletrônico de votação do País desde o ano de 2019, com o objetivo de sedimentar na população a falsa realidade de fraude eleitoral", diz outro trecho do relatório.

Segundo a PF, essa narrativa tinha dois objetivos.

"Primeiro, não ser interpretada como um possível ato casuístico em caso de derrota eleitoral e, segundo e mais relevante, ser utilizada como fundamento para os atos que se sucederam após a derrota do então candidato Jair Bolsonaro no pleito de 2022", complementa o documento.

O documento também diz que Bolsonaro teria tido conhecimento do plano elaborado por aliados com o objetivo de assassinar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB). O plano, segundo a PF, foi batizado de “Operação Punhal Verde e Amarelo”. Na semana passada, a polícia deflagrou uma operação sobre o caso.

“As evidências colhidas, tais como os registros de entrada e saída de visitantes do Palácio do Alvorada, conteúdo de diálogos entre interlocutores de seu núcleo próximo, análise de ERBs (antenas de telefonia celular), datas e locais de reuniões, indicam que Jair Bolsonaro tinha pleno conhecimento do planejamento operacional (Punhal Verde e Amarelo), bem como das ações clandestinas praticadas sob o codinome Copa 2022”, diz o relatório.

 

•                        ‘Operação 142’ e Bolsonaro como mentor: as informações do relatório da PF sobre a trama golpista

O relatório da Polícia Federal (PF) sobre a trama golpista de extrema-direita que quase culminou num golpe de Estado em 2022 foi revelado hoje (27/11) após o encaminhamento do documento à Procuradoria-Geral da República (PGR). O documento aponta a participação de Jair Bolsonaro no planejamento do golpe e operações com planos de acionar o artigo 142 da Constituição Federal e transmitir mensagens em rádio e TV da cadeia nacional.

<><> Jair Bolsonaro.

Para a PF, o ex-presidente Jair Bolsonaro “planejou, atuou e teve domínio de forma direta e efetiva” sobre a trama golpista. O relatório ainda coloca Bolsonaro como líder do grupo que participou do plano do golpe e diz que o “fato não se consumou em razão de circunstâncias alheias à vontade de Bolsonaro”.

<><> Kids preto.

O relatório aponta que os kids preto (Forças Especiais do Exército) desistiram de matar o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes depois de saberem que o Exército não iria aderir à ruptura institucional.

O documento, contudo, diz que o Alto Comando manteve, por si só, “a posição institucional”, quando na verdade os generais da ativa só não foram adiante com a ruptura por conta da falta de apoio por parte do Estados Unidos (EUA) – que, por sua vez, foi contra a ruptura por achar que um golpe deste modo, naquele momento, só faria agudizar as contradições da crise política sem precedentes em curso.

As mensagens sobre os generias trocadas pelos altos oficiais favoráveis à ruptura dizem que “cinco não querem (a ruptura), três querem muito e os outros, zona de conforto”.

O Alto Comando do Exército é formado por 16 generais – o que significa que a maioria dos generais não deixou de embarcar por convicção, e sim por comodidade; e o terreno era mais cômodo sem a ruptura, como mandavam os ianques.

<><> Tanques da Marinha.

Caso o plano da ruptura tivesse seguido adiante, tanques da Marinha teriam sido utilizados pelo Almirante Almir Garnier, afirma o relatório. O tenente-coronel Sergio Cavaliere informou a Mauro Cid, por mensagens reveladas no documento, que, “o Alte Garnier é PATRIOTA. Tinham tanques no Arsenal prontos”.

<><> Saque de urnas.

O plano também envolvia o saque de urnas eletrônicas. Quem planejou essa parte foi Carlos Rocha, do Instituto Voto Legal (IVL) e Éder Balbino, prestador de serviços para o mesmo instituto. “Há um plano para apreensão de urnas para perícia forense. A regra de construção é selecionar urnas de todos os modelos com erros relevantes (System run error, Alsa Player, outros), em todas as UFs. Vamos montar uma lista com até 100 urnas”, disse Rocha numa mensagem no dia 19 de novembro de 2022.

<><> Plano de fuga.

A PF também afirma que Bolsonaro foi para o EUA como parte de um plano de fuga. “Apesar de não empregado no ano de 2021, o plano de fuga foi adaptado e utilizado no final do ano de 2022, quando a organização criminosa não obteve êxito na consumação do golpe de Estado. Conforme será descrito nos próximos tópicos, Jair Bolsonaro, após não conseguir o apoio das Forças Armadas para consumar a ruptura institucional, saiu do país para evitar uma possível prisão e aguardar o desfecho dos atos golpistas do dia 08 de janeiro de 2023 ( ‘festa da Selma’)”, escreveu a PF.

<><> 8 de janeiro para impulsionar ruptura

O relatório também aponta que o 8 de janeiro foi planejado pelo núcleo militarizado da trama golpista para impulsionar os generais da ativa a aderirem à ruptura institucional. O plano consistia em, por meio das mobilizações dos galinhas verdes, criar um cenário de caos social e clamor pela ruptura que pressionasse o Alto Comando.

Mário Fernandes, general da reserva que participou da trama golpista, confessou as intenções ao ex-comandante Freire Gomes. “A Sociedade Brasileira deve compreender que Instituições como as Nossas Forças Armadas são de Estado e, como tal, com base em sua história e servidões, jamais poderão intervir em qualquer processo no País, sem uma base de apelo social e de amparo legal que justifique tal ato. Assim, contamos com um Evento Disparador, como no passado!”

 “E talvez o Sr. concorde comigo, COMANDANTE, quanto ao fato de que as atuais manifestações tendem a recrudescer, propiciando eventos disparadores a partir da ação das Forças de Segurança contra as massas populares, com uso de artefatos como gás lacrimogêneo e Gr de efeito moral…Tudo isto, bem próximo ou em nossas áreas militares!”, continua ele.

“Desculpando-me pelo desabafo, General, eu acredito que nós seguimos discutindo política como se estivéssemos falando de futebol, sendo que uma ruptura institucional já ocorreu há muito tempo entre os Poderes. Precisamos tomar as rédeas da situação, COMANDANTE! O respaldo popular está aí e se prosseguirmos na atual passividade, corremos o risco de perder tanto o apoio como a histórica confiança de nossa Sociedade!”.

A confissão de Fernandes revela também o nível de omissão de Freire Gomes quanto ao que se desenrolava em 2022. Além de saber dos planos, para os quais foi apresentado por Bolsonaro, Gomes conhecia o nível de mobilização e preparação dos galinhas verdes, conforme revelou Fernandes. Mesmo assim, o ex-comandante não tomou medida concreta para frear a ruptura institucional, além de se posicionar contra em reuniões fechadas.

•                        Operação 142

A PF também identificou um plano chamado de “Operação 142”. Ele foi encontrado na mesa de um assessor do general Braga Netto (ex-ministro da Defesa e da Casa Civil do governo Bolsonaro e candidato à vice-presidente de Bolsonaro em 2022) na sede do PL.

De acordo com o plano, os militares acionariam o artigo 142 em um chamado “Dia D” e, depois, fariam “discursos em cadeia nacional de TV e rádio”, “interrupção do processo de transição”, “anulação de atos arbitrários do STF”, “mobilização de juristas e formadores de opinião”, “anulação de eleições”, “prorrogação de mandatos”, “substituição de todo o TSE” e “preparação de novas eleições”.

 

•                        De cada 4 manifestações nas redes, 3 são favoráveis ao indiciamento de Jair Bolsonaro

Um levantamento realizado pela Nexus, que avaliou 3,8 mil publicações sobre o indiciamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, revelou que a maioria das manifestações nas redes sociais são favoráveis à medida. Entre os posts que se posicionaram contra ou a favor do indiciamento, 75% foram positivos em relação à decisão, enquanto apenas 25% apresentaram críticas.

Os dados foram obtidos a partir da análise do teor das 120 publicações com maior engajamento em três plataformas principais: X (antigo Twitter), Instagram e Facebook. No total, essas 360 publicações representaram quase 95% de todas as interações, como reações, comentários e compartilhamentos, relacionadas ao tema durante o período analisado.

<><> Postagens neutras lideram, mas favoráveis dominam o debate

Embora o debate público sobre o indiciamento tenha gerado opiniões polarizadas, a maioria dos conteúdos analisados (63%) foi classificada como neutra. Esse grupo é composto, em sua maioria, por postagens de veículos de imprensa que noticiaram o caso de maneira factual.

No entanto, entre as publicações com posicionamento explícito, 28% foram favoráveis ao indiciamento de Bolsonaro, destacando apoio popular e críticas ao ex-presidente. Em contrapartida, apenas 9% manifestaram-se contrárias, evidenciando uma minoria vocal nas redes sociais.

<><> Redes sociais refletem clima político

A pesquisa destaca o impacto significativo das redes sociais como espaço de debate político. A ampla adesão ao indiciamento, conforme revelado pela Nexus, reforça a percepção de que a medida contra Bolsonaro encontra respaldo em setores expressivos da opinião pública.

Esse levantamento também evidencia como plataformas digitais têm sido utilizadas para amplificar narrativas e moldar a percepção de temas políticos. No caso do ex-presidente, a análise revela que a oposição ao indiciamento enfrenta dificuldades em engajar de forma equivalente aos apoiadores da medida.

 

Fonte: BBC News Brasil/A Nova Democracia/Brasil 247

 

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