Relatório
da PF sobre participação de Bolsonaro em tentativa de golpe repercute na
imprensa mundial
As
revelações de "participação ativa" do ex-presidente Jair Bolsonaro em
uma tentativa de golpe de Estado após a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva em
2022, feitas pela Polícia Federal, estampam as manchetes da imprensa em vários
países nesta quarta-feira (27), repercutindo em detalhes o relatório de 884
páginas da Polícia Federal, documento que complica a situação de Bolsonaro com
a justiça no Brasil.
O
jornal Le Monde destaca que "o ex-presidente brasileiro de extrema
direita, Jair Bolsonaro, 'participou ativamente' de um projeto de golpe de
Estado com o objetivo de impedir o retorno ao poder de seu sucessor de
esquerda, Lula, após a eleição de 2022, segundo um relatório da polícia
divulgado na terça-feira (26). O vespertino francês destaca ainda que "o
ex-chefe de Estado (2019-2022) também tinha 'plena consciência' de um suposto
plano de assassinato contra Luiz Inácio Lula da Silva, de acordo com o relatório
de mais de 800 páginas".
"O
documento pede a acusação formal de Bolsonaro e de outras 36 pessoas, em sua
maioria militares. O relatório foi encaminhado ao Ministério Público, cabendo
ao procurador-geral da República, Paulo Gonet, decidir se dará continuidade às
acusações ou não", detalha Le Monde, concluindo que "Jair Bolsonaro,
69, sempre afirmou sua inocência e declarou várias vezes ser vítima de uma
'perseguição política'" e que "segundo o relatório, o ex-chefe de
Estado estava ciente da operação 'Punhal Verde', que tinha como objetivo
assassinar Lula, seu vice-presidente eleito Geraldo Alckmin, e o ministro do
Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, após o fracasso da tentativa de
reeleição do líder de extrema direita".
• "Centenas de
mensagens trocadas pelos envolvidos"
O
site português Público titula na manchete que "Bolsonaro planejou o golpe
e sabia do plano para matar Lula, segundo a polícia brasileira". "As
provas demonstram 'de forma inequívoca' que Jair Bolsonaro esteve envolvido de
forma direta nos planos para a concretização do golpe de Estado, segundo o
relatório da Polícia Federal brasileira", explica o veículo.
Público
sublinha ainda que "o resumo da investigação faz um relato pormenorizado
do turbulento processo político desencadeado no Brasil após as eleições de 30
de outubro de 2022, em que Lula da Silva venceu Bolsonaro, então no poder, por
uma margem magra de menos de dois pontos, num resultado não reconhecido pelo
agora ex-presidente". "O relatório contém centenas de mensagens
trocadas pelos envolvidos, além de áudios e imagens", detalha.
"Após
as eleições, ocorreram bloqueios de estradas realizados por caminhoneiros,
acampamentos de apoiadores de Bolsonaro em frente a quartéis pedindo uma
intervenção militar, e graves tumultos em Brasília, incluindo uma tentativa de
atentado a bomba nas proximidades do aeroporto da capital brasileira",
contextualiza um dos principais sites portugueses. "O ataque em Brasília
foi semelhante ao ocorrido nos Estados Unidos por partidários do então
ex-Presidente, Donald Trump, derrotado nas urnas, antes da posse do atual chefe
de Estado norte-americano, Joe Biden, em 6 de janeiro de 2021", relata.
"[O
relatório] apresenta um retrato assustador de como uma das maiores democracias
do mundo esteve próxima de retornar ao regime autoritário". (The Guardian)
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Golpe seria apoiado por alto escalão militar no Brasil
O
site do jornal britânico The Guardian repercute ainda que "o documento [da
PF brasileira] alega que figuras militares de alto escalão no Brasil apoiaram
um plano para tomar o poder após a derrota de Bolsonaro nas eleições". A
publicação avalia ainda que "[o relatório] apresenta um retrato assustador
de como uma das maiores democracias do mundo esteve próxima de retornar ao
regime autoritário".
"O
relatório da Polícia Federal - que The Guardian analisou - alega que o único
motivo pelo qual Bolsonaro não assinou o decreto que bloqueia a transferência
de poder foi o fato de os conspiradores não terem conseguido apoio suficiente
da cúpula militar do Brasil", detalha um dos principais veículos do Reino
Unido.
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Ecos da ditadura militar brasileira
The
Guardian publica que "as revelações desta semana deixaram muitos cidadãos
horrorizados e chocados em um país que só saiu de 21 anos de ditadura militar
em 1985". "Vários dos acusados de fazer parte do plano de golpe
pró-Bolsonaro de 2022 fizeram parte desse regime de 1964-85. Durante a década
de 1970, o general Heleno foi assessor do general Sylvio Frota, um notório
membro da linha dura do regime militar que esteve envolvido no golpe de 1964
que derrubou o presidente de esquerda do Brasil, João Goulart", diz o
jornal.
Já
o espanhol El País afirma: "as provas da conspiração golpista do Brasil:
'Bolsonaro planejou, agiu e teve controle dos atos'". "O juiz do caso
divulga o relatório final com as provas da conspiração de um golpe contra Lula,
no qual se baseia a acusação contra o ex-presidente e outras 36 pessoas",
publica. "Bolsonaro e outros 36 homens, em sua maioria militares, são
acusados de violação violenta do estado de Direito, entre outros crimes, por
arquitetar um plano para impedir que Luiz Inácio Lula da Silva assumisse o
lugar de Bolsonaro depois que o ultraconservador perdeu a eleição em 2022. Seus
seguidores realizaram um ataque à sede dos três poderes do governo em janeiro
de 2023", contextualiza o veículo espanhol.
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Tentativa de descredibilizar as urnas eletrônicas
[Bolsonaro]
insistiu em questionar a segurança das urnas eletrônicas, embora nenhuma fraude
em grande escala tenha sido detectada com esse sistema, que o Brasil usa há
mais de 25 anos. (El País)
"Entre
as provas usadas pelos investigadores contra Bolsonaro, duas reuniões se
destacam. Uma foi com ministros em julho de 2022, três meses antes da eleição,
na qual ele os incentivou a espalhar falsidades sobre a segurança do sistema de
votação e supostas fraudes. A outra reunião foi em dezembro, quando Lula já
havia vencido e estava se preparando para tomar posse no dia de Ano Novo",
detalha El País. O diário destaca que "a polícia alega que o plano
golpista de Bolsonaro começou quando ele assumiu o cargo e insistiu em
questionar a segurança das urnas eletrônicas, embora nenhuma fraude em grande
escala tenha sido detectada com esse sistema, que o Brasil usa há mais de 25
anos".
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"Um golpe evitado por pouco"
"No
final, o golpe não aconteceu, porque o exército estava dividido sobre a
questão: enquanto a Marinha estava pronta para ir em frente, os chefes do
Estado-Maior do Exército e da Força Aérea se recusaram a participar da
tentativa de golpe e mostraram sua lealdade", relata o correspondente da
RFI em São Paulo, Martin Bernard.
O
site Al Jazeera destaca ainda que "na segunda-feira (26), a Associated
Press obteve as gravações de áudio, que datam das semanas que antecederam a
posse de Lula no final de 2022. Nas 53 gravações, alguns oficiais militares
podem ser ouvidos expressando seu desejo de impedir que Lula assuma o
cargo".
"Uma
das gravações apresenta o Coronel Roberto Raimundo Criscuoli, ex-subcomandante
das forças especiais do exército. Ele diz ao general de brigada aposentado
Mario Fernandes - que, na época, era o segundo em comando do secretário-geral
da presidência - que Bolsonaro tinha uma escolha 'clara' sobre como responder à
eleição", publica a Al Jazeera.
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O extremismo de direita no Brasil: "radicalismo antidemocrático"
Sobre
as revelações da PF, o coordenador do Observatório da Extrema Direita da
Universidade Federal de Juiz de Fora, Odilon Caldeira Jr. ouvido pela RFI
observa que talvez esse seja o evento importante para discutir a amplitude do
problema do extremismo de direita no Brasil.
"O
caso de Bolsonaro é, sem dúvida alguma, um expoente. Mas a construção desta
viabilidade política de Bolsonaro e do bolsonarismo envolveu esforços
institucionais, um alto grau de impregnação da politização em setores
institucionais da democracia brasileira e, sobretudo, das Forças Armadas",
argumenta.
O
especialista acredita que "esse círculo é muito mais ampliado, envolve,
sem dúvida, um problema das instituições da democracia brasileira, envolve
efetivamente um problema que diz respeito inclusive às questões da transição
democrática da última ditadura civil militar brasileira até essa atual".
Odilon
Caldeira Jr. diz que a revelação da Polícia Federal brasileira é um evento sem
precedentes dos pontos de vista jurídico, político e também moral.
"Efetivamente essas acusações demonstram o grau da intensidade do
radicalismo e do caráter antidemocrático de Bolsonaro e daqueles também que lhe
dão sustentação", conclui o pesquisador.
• Depoimento de Mauro Cid
leva PF a investigar novos indícios sobre trama golpista
A
Polícia Federal está avaliando novos indícios apresentados pelo último
depoimento do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair
Bolsonaro (PL), sobre a suposta tentativa de golpe para impedir a posse do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Mauro Cid foi ouvido pelo ministro
do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes na terça-feira (21) para
esclarecer omissões e contradições apontadas pela Polícia Federal (PF) em
depoimentos anteriores.
Embora
o inquérito tenha sido concluído e o caso enviado à Procuradoria-Geral da
República (PGR), fontes próximas à cúpula da força policial disseram à CNN
Brasil que as novas informações podem
levar a novas investigações. Uma fonte da PF, no entanto, descartou um novo
depoimento de Bolsonaro neste momento.
Apesar
do envio do caso para a PGR, a dúvida persiste sobre a continuidade das
apurações. As fontes indicam que, uma vez entregue ao Ministério Público
Federal, as investigações podem passar a ser de responsabilidade deste órgão,
embora ainda haja um processo aberto no Supremo Tribunal Federal (STF), o que
pode interferir na dinâmica do caso.
As
evidências reunidas até agora, segundo o relatório final do inquérito, são
consideradas robustas. A Polícia Federal concluiu que o ex-mandatário
"planejou, atuou e teve o domínio de forma direta e efetiva" sobre os
atos de uma organização criminosa que visava implementar um golpe no Brasil.
Entre
as conclusões reveladas, destaca-se que Bolsonaro tinha pleno conhecimento de
um plano para assassinar figuras políticas de destaque, como o presidente Lula,
o vice-presidente Geraldo Alckmin e o ministro do STF Alexandre de Moraes.
Além
disso, a investigação revelou que havia uma data específica planejada para
Bolsonaro assinar um decreto que formalizaria o golpe. Contudo, os comandantes
do Exército e da Aeronáutica não aderiram à proposta, o que acabou por
inviabilizar a concretização do plano golpista.
• Cid reconheceu que
vitória de Lula foi limpa e que não houve fraude eleitoral
Investigação
da Polícia Federal (PF) no âmbito da tentativa de golpe de Estado de 8 de
janeiro de 2023 revelou que militares envolvidos no entorno do ex-presidente
Jair Bolsonaro tinham plena consciência de que não havia qualquer fraude no
processo eleitoral de 2022. Entre os diálogos analisados, destaca-se a troca de
mensagens entre o tenente-coronel Mauro Cid e outros militares, incluindo o
coronel Sérgio Ricardo Cavaliere de Medeiros e o tenente-coronel Hélio Ferreira
Lima, nas quais Cid admitiu explicitamente que a vitória do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva foi legítima.
Os
autos, divulgados nesta terça-feira (26), incluem mensagens de 4 de outubro de
2022, dois dias após o primeiro turno das eleições. Em uma delas, Cavaliere
questiona Cid sobre possíveis evidências de fraude: "Conseguiram
plotar?", escreveu. A resposta de Cid, enviada horas depois, foi clara:
"Nada... Nenhum indício de fraude". Para os investigadores, esse
reconhecimento reflete a consciência dos envolvidos sobre a legitimidade do
sistema eleitoral, mesmo enquanto continuavam a espalhar desinformação sobre
supostas irregularidades, como aponta reportagem do Valor.
A
investigação também trouxe à tona a preocupação de Cid com as possíveis
consequências legais de suas ações. Em uma troca de mensagens com Cavaliere,
ele demonstra o temor de ser preso: "Eu também... Senão estou preso",
respondeu, ao ser questionado sobre os desdobramentos das investigações.
No
entanto, mesmo diante da falta de provas, a insistência na narrativa golpista
prosseguiu. Em outra conversa, datada de novembro de 2022, o tenente-coronel
Ferreira Lima cobrou Cid: "Alguma evolução que nos deixe otimista?".
Mais uma vez, Cid reafirmou a ausência de irregularidades: "Até agora...
nada. Nenhuma bala de prata".
A
propagação de fake news sobre as urnas eletrônicas foi central na estratégia de
Jair Bolsonaro ao longo de 2022. Reuniões com embaixadores e transmissões ao
vivo foram usadas para levantar suspeitas infundadas sobre o sistema de
votação. A conduta culminou na condenação de Bolsonaro pelo Tribunal Superior
Eleitoral (TSE), que o declarou inelegível até 2030.
Para
a PF, as mensagens analisadas comprovam o dolo dos investigados em deslegitimar
o processo eleitoral mesmo sabendo da ausência de qualquer irregularidade. O
caso reforça o uso estratégico da desinformação como ferramenta de mobilização
golpista e evidencia as divisões internas entre os próprios militares, alguns
dos quais chegaram a sugerir abertamente a ruptura institucional diante da
derrota eleitoral.
Fonte:
RFI/Brasil 247
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