EXTREMA-DIREITA:
Outro golpe militar
Finalmente,
o inevitável aconteceu: o ex-presidente Jair Bolsonaro foi indiciado pela
Polícia Federal por tentativa de golpe de Estado, acompanhado de um séquito de
36 indivíduos, muitos deles militares de alta patente, os “fardados”. Entre os
acusados, destacam-se os generais da reserva e ex-ministros do governo
Bolsonaro — Walter Braga Netto, Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira de
Oliveira. O caso, que já é considerado um dos mais graves ataques à democracia
brasileira desde o fim da ditadura militar, contanto com o infame 8 de janeiro,
e expõe não apenas as ambições golpistas do grupo, mas também as feridas
históricas ainda abertas no Brasil em relação à presença dos militares na
política.
O
relatório da Polícia Federal, recentemente divulgado e remetido ao Supremo
Tribunal Federal (STF), descreve com riqueza de detalhes as articulações de um
plano que incluía o assassinato de líderes democráticos como o presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o ministro do STF
Alexandre de Moraes. No vácuo de poder gerado por esses atos, o governo seria
assumido por uma junta militar comandada por Braga Netto e Heleno.
Além
dos “fardados” citados, a lista dos indiciados inclui uma ampla rede composta
por militares de diferentes patentes, policiais federais e civis ligados a
Bolsonaro. A maioria possui uma ligação direta com a Academia Militar das
Agulhas Negras (AMAN), o berço da formação militar que moldou várias gerações
de líderes castrenses, incluindo o próprio ex-presidente.
• A arquitetura do golpe
A
tentativa de golpe revelada pela Polícia Federal, não foi fruto de improviso ou
espontaneidade, mas uma operação cuidadosamente planejada e estruturada em
torno de seis núcleos com funções bem definidas. Esses grupos, articulados de
maneira estratégica, operaram com o objetivo de minar o sistema democrático
brasileiro e consolidar uma ruptura institucional entre o final de 2022 e
início de 2023. Conforme o relatório da PF (p.179), o golpe visaria impedir um
cenário de ameaça a qual “em suposta defesa da democracia, (objetivaria)
controlar os 3 poderes do país e impor condições favoráveis para apropriação da
máquina pública em favor de ideologias de esquerda ou projetos escusos de
poder”.
O
Núcleo de Desinformação e Ataques ao Sistema Eleitoral seria central para
deslegitimar o processo eleitoral. Através de uma campanha massiva de fake news
sobre as urnas eletrônicas, buscava-se criar um ambiente de desconfiança e
instabilidade, alicerçando a narrativa golpista. Paralelamente, o Núcleo de
Incitação Militar tentaria mobilizar o apoio dentro das Forças Armadas,
instrumentalizando-as como peça-chave para a concretização do golpe.
No
campo jurídico, o Núcleo Jurídico desempenharia um papel crucial ao elaborar
pareceres e documentos que buscavam conferir um verniz de legalidade à ruptura
institucional. Já o Núcleo Operacional de Apoio seria responsável pela
logística, coordenando recursos e movimentações necessárias para sustentar as
ações golpistas.
A
estrutura também contava com o Núcleo de Inteligência Paralela, que realizou
espionagem ilegal e monitorou clandestinamente opositores, e com o Núcleo
Operacional de Medidas Coercitivas, encarregado de planejar atos de violência
extrema, incluindo os assassinatos de líderes democráticos.
Essa
organização, meticulosa e sustentada de forma ilegal pelo aparato do Estado,
utilizou redes de comunicação clandestinas e contou com o envolvimento de
figuras do alto escalão do governo anterior. A operação evidencia não apenas a
gravidade da ameaça à democracia, mas também a sofisticação de um plano que,
embora frustrado, deixa marcas profundas na política brasileira.
• Os golpistas: entre
fardas e gabinetes
O
envolvimento das Forças Armadas no esquema golpista é evidente e alarmante. Dos
37 indiciados pela Polícia Federal, 25 possuem vínculos diretos ou carreiras
iniciadas nas Forças Armadas, destacando a centralidade dos militares na
articulação do plano. Generais de alta patente, como Braga Netto e Augusto
Heleno, que desempenharam papéis estratégicos no governo Bolsonaro, foram
apontados como os principais arquitetos da tentativa de ruptura democrática. O
almirante Almir Garnier, ex-comandante da Marinha, o general Paulo Sérgio
Nogueira, ex-ministro da Defesa, e o coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens
do ex-presidente, também representam outros exemplos notórios da extensão do
comprometimento militar com o esquema.
Um
aspecto crítico é a conexão de muitos desses envolvidos com a Academia Militar
das Agulhas Negras (AMAN), o principal centro de formação de oficiais do
Exército Brasileiro. Essa ligação lança luz sobre a cultura e os valores
disseminados na instituição, que tradicionalmente enfatiza um patriotismo
rígido e, por vezes, enviesado. Tal formação pode ter reforçado uma visão
deturpada de que as Forças Armadas teriam um papel legítimo como árbitro das
crises políticas, alimentando ideias intervencionistas e antidemocráticas. É
crucial afirmar que o papel das Forças Armadas é de defesa da soberania
nacional e da integridade do Estado, e não de interferir nas questões políticas
internas, muito menos de promover ou apoiar ações que atentem contra a ordem
democrática.
O
envolvimento de civis no esquema complementa o quadro sombrio. Anderson Torres,
ex-ministro da Justiça, e Alexandre Ramagem, ex-diretor da Agência Brasileira
de Inteligência (Abin), desempenharam papéis fundamentais na execução de
operações clandestinas. Ambos foram acusados de liderar a chamada “Abin
Paralela”, uma estrutura de espionagem ilegal que visava monitorar opositores,
coletar informações privilegiadas e desestabilizar o sistema democrático. Esse
aparato clandestino foi denunciado como um dos instrumentos mais sofisticados
do plano golpista, evidenciando a integração entre civis e militares na
tentativa de subverter a ordem institucional.
Essa
colaboração entre militares e civis expõe as ramificações do esquema, que se
alimentou de redes de influência, recursos públicos e um aparato ideológico
consolidado. Mais do que uma conspiração isolada, tratou-se de um projeto
articulado que uniu diferentes setores em torno de uma agenda autoritária, cujo
objetivo final era corroer os alicerces da democracia brasileira.
O
relatório da PF será encaminhado à Procuradoria-Geral da República (PGR), que
decidirá se prossegue com as denúncias contra os envolvidos. Caso sejam
aceitas, as acusações podem resultar em penas severas, variando de 4 a 12 anos
de prisão para cada crime, como tentativa de golpe de Estado, organização
criminosa e abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Esse episódio,
entretanto, não se limita ao campo jurídico; ele acende um debate crucial sobre
a persistência de práticas autoritárias no Brasil e o papel das Forças Armadas
na democracia.
• O Golpe de 1964 e o
legado militar
As
tentativas de golpe em 2022-2023 ecoam as sombras de 1964, quando o Brasil viu
sua democracia ser derrubada por um regime militar que governaria o país por
mais de duas décadas. Assim como naquele período, a narrativa de instabilidade
institucional e a “ameaça comunista” foram usadas como justificativas para a
intervenção.
Após
a redemocratização, a Constituição de 1988 buscou limitar a atuação política
das Forças Armadas, reafirmando seu papel restrito à defesa da soberania
nacional. Contudo, a anistia ampla e irrestrita concedida aos militares
responsáveis por crimes durante a ditadura deixou marcas profundas, permitindo
que a influência castrense permanecesse latente nas estruturas do poder civil.
Essa presença, em vez de ser gradualmente desfeita, foi reforçada durante o
governo Bolsonaro, que trouxe dezenas de oficiais para postos estratégicos,
consolidando uma militarização preocupante da administração pública e
reavivando práticas autoritárias que deveriam ter sido definitivamente
superadas.
Esse
fortalecimento das forças militares e o discurso de extrema direita encontram
terreno fértil na polarização política e no descrédito em relação às
instituições democráticas. Durante o governo do ex-presidente, o incentivo ao
negacionismo, a militarização de cargos civis e a retórica golpista
contribuíram para criar um ambiente favorável a ações como as investigadas pela
PF.
• A ascensão da extrema
direita e a militarização da política
O
apoio de segmentos das Forças Armadas e da polícia à extrema direita não é um
fenômeno isolado. Ele reflete uma tendência global em que forças conservadoras
e autoritárias encontram respaldo em grupos armados para contestar processos
democráticos. No Brasil, essa aliança foi fortalecida por Bolsonaro, que
exaltava símbolos militares e discursos antidemocráticos.
A
relação estreita entre os militares e a extrema direita brasileira transcende
uma mera afinidade ideológica, configurando-se também como uma aliança
pragmática de interesses mútuos. Muitos dos indiciados por envolvimento nas
tentativas golpistas estavam diretamente associados a escândalos de corrupção,
incluindo o desvio de recursos públicos e a venda ilegal de bens do governo. O
golpe, nesse contexto, não era apenas um ataque à democracia, mas uma
estratégia desesperada para blindar esses grupos de investigações e de uma
eventual responsabilização judicial, especialmente diante da ascensão de um
governo progressista comprometido com a transparência e o combate à corrupção.
• Uma janela de
oportunidade para o Brasil
O
indiciamento de Jair Bolsonaro e seus aliados representa mais do que a
responsabilização individual por atos golpistas: é uma oportunidade histórica
para que o Brasil enfrente, de uma vez por todas, sua relação problemática e
ambígua com o militarismo. A consolidação da democracia brasileira exige que as
instituições encarem esse momento com firmeza, garantindo que tais crimes não
apenas sejam punidos, mas que sirvam de alerta contra a perpetuação de práticas
autoritárias. A resposta institucional a esses eventos será um divisor de
águas: definirá se o país permanecerá refém das sombras do passado ou avançará
rumo a um futuro pautado pela justiça, igualdade e respeito às liberdades
fundamentais.
O
período turbulento de 2022-2023, com a recente descoberta da arquitetura de
golpe e o infame 8 de janeiro, já deixou marcas na história, mas seu legado
ainda está em disputa. O Brasil tem a chance rara de transformar essa crise em
um marco de resistência democrática, reafirmando o compromisso com os valores
republicanos e a ordem constitucional. O futuro de nossa democracia será
escrito por aqueles que, com coragem e clareza, decidirem que o Brasil deve ser
governado pelo povo e para o povo, e não pela sombra de um regime autoritário e
dos “fardados” golpistas. Não à anistia!
• O mito imprestável. Por
Ricardo Mezavila
O
próximo passo após o indiciamento de Bolsonaro e sua organização criminosa, é a
análise do relatório pela Procuradoria-Geral da República. A PGR irá avaliar se
oferece denúncia contra os suspeitos ou se demanda mais investigações. Em
seguida, o processo será encaminhado ao Supremo Tribunal Federal (STF) para
julgamento.
Esse
é o devido processo legal, que é um princípio fundamental do Direito que
garante que todos os indivíduos sejam tratados justamente e igualmente perante
a lei. Esse conceito é baseado na ideia de que ninguém pode ser privado de seus
direitos sem uma investigação e julgamento justo.
Quando
foi perseguido e preso pela Lava-Jato, Lula não teve direito a julgamento
justo, seus advogados não tiveram acesso pleno ao processo, foi condenado
injustamente sem provas, no que foi o maior escândalo judicial do mundo.
Lula
ficou inelegível em 2018 por decisão política de um tribunal formado pela mídia
golpista, pelos endinheirados da Faria Lima, pelo judiciário formado nas
fileiras do Departamento de Estado norte-americano, pela claque alienada
apascentada por Malafaias e presas às teias das tribunas do Congresso
oportunista.
Bolsonaro
merece tudo o que está por vir, da inelegibilidade à condenação e prisão. É um
político abaixo da linha da mediocridade, um ser humano rastejante diante do
que se entende por humanidade e desqualificado para qualquer posto que venha
ocupar.
O
plano para assassinar Lula, Alckmin e Moraes foi pensado em uma reunião na casa
do general Braga Netto, seu braço direito e vice na chapa derrotada. Tentar
contra a abolição violenta do estado democrático de direito é crime. Se
passasse da tentativa à ação concreta nós que defendemos a democracia é que
seríamos presos.
Além
da tentativa de golpe e da organização criminosa, Bolsonaro responde pelo roubo
das joias e falsificação de carteiras de vacinação. E ainda falta o
indiciamento pelo que causou durante a pandemia.
Com
tantas provas, Bolsonaro não tem por onde escapar, está morto para a política.
O bolsonarismo vai continuar porque a extrema direita está organizada no mundo
todo, mas a figura do ‘imbroxável’, ‘incomível’ e imprestável estará para
sempre na lata de lixo da história.
• Bolsonaro, conspiração e
morte: justiça urgente! Por Elvino Bohn Gass
As
revelações de um plano para assassinar o presidente Lula, o vice-presidente
Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes escancaram a face mais sombria de uma
conspiração golpista que foi cuidadosamente construída nos últimos anos. E Jair
Bolsonaro, como sempre, está no centro de tudo isso. Não há mais dúvidas: ele
sabia de tudo, queria o golpe e seria o
maior beneficiado. Não por outra razão, na conclusão do inquérito da Polícia
Federal sobre a tentativa de golpe, seu nome aparece como primeiro indiciado.
As
provas começam a sobrar: um áudio descoberto pela Polícia Federal de uma
conversa entre o ex-ajudante de ordens Mauro Cid e o general Mário Fernandes,
que acabara de sair de um encontro com Bolsonaro no Palácio da Alvorada, revela
que o plano macabro foi autorizado por ele. Também os ex-comandantes do
Exército e da Aeronáutica confessaram em seus depoimentos à Polícia Federal,
que Bolsonaro lhes apresentou o plano de golpe.
A
corroborar a participação direta do ex-presidente na tentativa de abolição do
Estado de Direito, temos que durante todo seu governo e após sua derrota nas
urnas, ele articulou, incentivou e protegeu redes de extremismo que agiram
deliberadamente contra a democracia. Pior: criou o ambiente ideal para que
grupos militares, cúmplices de sua agenda autoritária, sentissem-se
confortáveis para trair a Constituição e conspirar até mesmo contra a vida de
lideranças políticas e judiciais.
Bolsonaro
manteve o tempo todo a retórica golpista, encontros obscuros e uma relação de
complacência com grupos radicais, indicando que não só tolerou, mas endossou
ações que visavam destruir o Estado Democrático de Direito. O plano de
assassinato que agora vem à tona não é um ato isolado; é parte de uma
estratégia que contemplava seu projeto pessoal de poder, mesmo que à custa de
métodos criminosos.
Não
cabem mais meias-palavras ou omissões. As instituições brasileiras estão diante
do dever histórico de agir com firmeza e rapidez. Se os militares golpistas
foram traidores da pátria, Bolsonaro foi o traidor-mor, aquele que entregou a
democracia brasileira à beira do abismo.
Não
punir Bolsonaro e seus cúmplices é abrir as portas para novos golpes e novas
tragédias. Justiça é o único caminho possível. Bolsonaro não é um líder
político: é o chefe de uma conspiração
contra o Brasil, e deve ser tratado como tal. O país exige que ele pague por
tudo o que fez — ou deixou fazer — sabendo de cada detalhe. Golpismo nunca
mais!
Fonte:
Por Bruno Fabricio Alcebino da Silva, em Le Monde/Brasil 247
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