quinta-feira, 28 de novembro de 2024

EXTREMA-DIREITA: Outro golpe militar

Finalmente, o inevitável aconteceu: o ex-presidente Jair Bolsonaro foi indiciado pela Polícia Federal por tentativa de golpe de Estado, acompanhado de um séquito de 36 indivíduos, muitos deles militares de alta patente, os “fardados”. Entre os acusados, destacam-se os generais da reserva e ex-ministros do governo Bolsonaro — Walter Braga Netto, Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira. O caso, que já é considerado um dos mais graves ataques à democracia brasileira desde o fim da ditadura militar, contanto com o infame 8 de janeiro, e expõe não apenas as ambições golpistas do grupo, mas também as feridas históricas ainda abertas no Brasil em relação à presença dos militares na política.

O relatório da Polícia Federal, recentemente divulgado e remetido ao Supremo Tribunal Federal (STF), descreve com riqueza de detalhes as articulações de um plano que incluía o assassinato de líderes democráticos como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o ministro do STF Alexandre de Moraes. No vácuo de poder gerado por esses atos, o governo seria assumido por uma junta militar comandada por Braga Netto e Heleno.

Além dos “fardados” citados, a lista dos indiciados inclui uma ampla rede composta por militares de diferentes patentes, policiais federais e civis ligados a Bolsonaro. A maioria possui uma ligação direta com a Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), o berço da formação militar que moldou várias gerações de líderes castrenses, incluindo o próprio ex-presidente.

•                        A arquitetura do golpe

A tentativa de golpe revelada pela Polícia Federal, não foi fruto de improviso ou espontaneidade, mas uma operação cuidadosamente planejada e estruturada em torno de seis núcleos com funções bem definidas. Esses grupos, articulados de maneira estratégica, operaram com o objetivo de minar o sistema democrático brasileiro e consolidar uma ruptura institucional entre o final de 2022 e início de 2023. Conforme o relatório da PF (p.179), o golpe visaria impedir um cenário de ameaça a qual “em suposta defesa da democracia, (objetivaria) controlar os 3 poderes do país e impor condições favoráveis para apropriação da máquina pública em favor de ideologias de esquerda ou projetos escusos de poder”.

O Núcleo de Desinformação e Ataques ao Sistema Eleitoral seria central para deslegitimar o processo eleitoral. Através de uma campanha massiva de fake news sobre as urnas eletrônicas, buscava-se criar um ambiente de desconfiança e instabilidade, alicerçando a narrativa golpista. Paralelamente, o Núcleo de Incitação Militar tentaria mobilizar o apoio dentro das Forças Armadas, instrumentalizando-as como peça-chave para a concretização do golpe.

No campo jurídico, o Núcleo Jurídico desempenharia um papel crucial ao elaborar pareceres e documentos que buscavam conferir um verniz de legalidade à ruptura institucional. Já o Núcleo Operacional de Apoio seria responsável pela logística, coordenando recursos e movimentações necessárias para sustentar as ações golpistas.

A estrutura também contava com o Núcleo de Inteligência Paralela, que realizou espionagem ilegal e monitorou clandestinamente opositores, e com o Núcleo Operacional de Medidas Coercitivas, encarregado de planejar atos de violência extrema, incluindo os assassinatos de líderes democráticos.

Essa organização, meticulosa e sustentada de forma ilegal pelo aparato do Estado, utilizou redes de comunicação clandestinas e contou com o envolvimento de figuras do alto escalão do governo anterior. A operação evidencia não apenas a gravidade da ameaça à democracia, mas também a sofisticação de um plano que, embora frustrado, deixa marcas profundas na política brasileira.

•                        Os golpistas: entre fardas e gabinetes

O envolvimento das Forças Armadas no esquema golpista é evidente e alarmante. Dos 37 indiciados pela Polícia Federal, 25 possuem vínculos diretos ou carreiras iniciadas nas Forças Armadas, destacando a centralidade dos militares na articulação do plano. Generais de alta patente, como Braga Netto e Augusto Heleno, que desempenharam papéis estratégicos no governo Bolsonaro, foram apontados como os principais arquitetos da tentativa de ruptura democrática. O almirante Almir Garnier, ex-comandante da Marinha, o general Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa, e o coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente, também representam outros exemplos notórios da extensão do comprometimento militar com o esquema.

Um aspecto crítico é a conexão de muitos desses envolvidos com a Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), o principal centro de formação de oficiais do Exército Brasileiro. Essa ligação lança luz sobre a cultura e os valores disseminados na instituição, que tradicionalmente enfatiza um patriotismo rígido e, por vezes, enviesado. Tal formação pode ter reforçado uma visão deturpada de que as Forças Armadas teriam um papel legítimo como árbitro das crises políticas, alimentando ideias intervencionistas e antidemocráticas. É crucial afirmar que o papel das Forças Armadas é de defesa da soberania nacional e da integridade do Estado, e não de interferir nas questões políticas internas, muito menos de promover ou apoiar ações que atentem contra a ordem democrática.

O envolvimento de civis no esquema complementa o quadro sombrio. Anderson Torres, ex-ministro da Justiça, e Alexandre Ramagem, ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), desempenharam papéis fundamentais na execução de operações clandestinas. Ambos foram acusados de liderar a chamada “Abin Paralela”, uma estrutura de espionagem ilegal que visava monitorar opositores, coletar informações privilegiadas e desestabilizar o sistema democrático. Esse aparato clandestino foi denunciado como um dos instrumentos mais sofisticados do plano golpista, evidenciando a integração entre civis e militares na tentativa de subverter a ordem institucional.

Essa colaboração entre militares e civis expõe as ramificações do esquema, que se alimentou de redes de influência, recursos públicos e um aparato ideológico consolidado. Mais do que uma conspiração isolada, tratou-se de um projeto articulado que uniu diferentes setores em torno de uma agenda autoritária, cujo objetivo final era corroer os alicerces da democracia brasileira.

O relatório da PF será encaminhado à Procuradoria-Geral da República (PGR), que decidirá se prossegue com as denúncias contra os envolvidos. Caso sejam aceitas, as acusações podem resultar em penas severas, variando de 4 a 12 anos de prisão para cada crime, como tentativa de golpe de Estado, organização criminosa e abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Esse episódio, entretanto, não se limita ao campo jurídico; ele acende um debate crucial sobre a persistência de práticas autoritárias no Brasil e o papel das Forças Armadas na democracia.

•                        O Golpe de 1964 e o legado militar

As tentativas de golpe em 2022-2023 ecoam as sombras de 1964, quando o Brasil viu sua democracia ser derrubada por um regime militar que governaria o país por mais de duas décadas. Assim como naquele período, a narrativa de instabilidade institucional e a “ameaça comunista” foram usadas como justificativas para a intervenção.

Após a redemocratização, a Constituição de 1988 buscou limitar a atuação política das Forças Armadas, reafirmando seu papel restrito à defesa da soberania nacional. Contudo, a anistia ampla e irrestrita concedida aos militares responsáveis por crimes durante a ditadura deixou marcas profundas, permitindo que a influência castrense permanecesse latente nas estruturas do poder civil. Essa presença, em vez de ser gradualmente desfeita, foi reforçada durante o governo Bolsonaro, que trouxe dezenas de oficiais para postos estratégicos, consolidando uma militarização preocupante da administração pública e reavivando práticas autoritárias que deveriam ter sido definitivamente superadas.

Esse fortalecimento das forças militares e o discurso de extrema direita encontram terreno fértil na polarização política e no descrédito em relação às instituições democráticas. Durante o governo do ex-presidente, o incentivo ao negacionismo, a militarização de cargos civis e a retórica golpista contribuíram para criar um ambiente favorável a ações como as investigadas pela PF.

•                        A ascensão da extrema direita e a militarização da política

O apoio de segmentos das Forças Armadas e da polícia à extrema direita não é um fenômeno isolado. Ele reflete uma tendência global em que forças conservadoras e autoritárias encontram respaldo em grupos armados para contestar processos democráticos. No Brasil, essa aliança foi fortalecida por Bolsonaro, que exaltava símbolos militares e discursos antidemocráticos.

A relação estreita entre os militares e a extrema direita brasileira transcende uma mera afinidade ideológica, configurando-se também como uma aliança pragmática de interesses mútuos. Muitos dos indiciados por envolvimento nas tentativas golpistas estavam diretamente associados a escândalos de corrupção, incluindo o desvio de recursos públicos e a venda ilegal de bens do governo. O golpe, nesse contexto, não era apenas um ataque à democracia, mas uma estratégia desesperada para blindar esses grupos de investigações e de uma eventual responsabilização judicial, especialmente diante da ascensão de um governo progressista comprometido com a transparência e o combate à corrupção.

•                        Uma janela de oportunidade para o Brasil

O indiciamento de Jair Bolsonaro e seus aliados representa mais do que a responsabilização individual por atos golpistas: é uma oportunidade histórica para que o Brasil enfrente, de uma vez por todas, sua relação problemática e ambígua com o militarismo. A consolidação da democracia brasileira exige que as instituições encarem esse momento com firmeza, garantindo que tais crimes não apenas sejam punidos, mas que sirvam de alerta contra a perpetuação de práticas autoritárias. A resposta institucional a esses eventos será um divisor de águas: definirá se o país permanecerá refém das sombras do passado ou avançará rumo a um futuro pautado pela justiça, igualdade e respeito às liberdades fundamentais.

O período turbulento de 2022-2023, com a recente descoberta da arquitetura de golpe e o infame 8 de janeiro, já deixou marcas na história, mas seu legado ainda está em disputa. O Brasil tem a chance rara de transformar essa crise em um marco de resistência democrática, reafirmando o compromisso com os valores republicanos e a ordem constitucional. O futuro de nossa democracia será escrito por aqueles que, com coragem e clareza, decidirem que o Brasil deve ser governado pelo povo e para o povo, e não pela sombra de um regime autoritário e dos “fardados” golpistas. Não à anistia!

 

•                        O mito imprestável. Por Ricardo Mezavila

O próximo passo após o indiciamento de Bolsonaro e sua organização criminosa, é a análise do relatório pela Procuradoria-Geral da República. A PGR irá avaliar se oferece denúncia contra os suspeitos ou se demanda mais investigações. Em seguida, o processo será encaminhado ao Supremo Tribunal Federal (STF) para julgamento.

Esse é o devido processo legal, que é um princípio fundamental do Direito que garante que todos os indivíduos sejam tratados justamente e igualmente perante a lei. Esse conceito é baseado na ideia de que ninguém pode ser privado de seus direitos sem uma investigação e julgamento justo.

Quando foi perseguido e preso pela Lava-Jato, Lula não teve direito a julgamento justo, seus advogados não tiveram acesso pleno ao processo, foi condenado injustamente sem provas, no que foi o maior escândalo judicial do mundo.

Lula ficou inelegível em 2018 por decisão política de um tribunal formado pela mídia golpista, pelos endinheirados da Faria Lima, pelo judiciário formado nas fileiras do Departamento de Estado norte-americano, pela claque alienada apascentada por Malafaias e presas às teias das tribunas do Congresso oportunista.

Bolsonaro merece tudo o que está por vir, da inelegibilidade à condenação e prisão. É um político abaixo da linha da mediocridade, um ser humano rastejante diante do que se entende por humanidade e desqualificado para qualquer posto que venha ocupar.

O plano para assassinar Lula, Alckmin e Moraes foi pensado em uma reunião na casa do general Braga Netto, seu braço direito e vice na chapa derrotada. Tentar contra a abolição violenta do estado democrático de direito é crime. Se passasse da tentativa à ação concreta nós que defendemos a democracia é que seríamos presos.

Além da tentativa de golpe e da organização criminosa, Bolsonaro responde pelo roubo das joias e falsificação de carteiras de vacinação. E ainda falta o indiciamento pelo que causou durante a pandemia.

Com tantas provas, Bolsonaro não tem por onde escapar, está morto para a política. O bolsonarismo vai continuar porque a extrema direita está organizada no mundo todo, mas a figura do ‘imbroxável’, ‘incomível’ e imprestável estará para sempre na lata de lixo da história.

 

•                        Bolsonaro, conspiração e morte: justiça urgente! Por Elvino Bohn Gass

As revelações de um plano para assassinar o presidente Lula, o vice-presidente Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes escancaram a face mais sombria de uma conspiração golpista que foi cuidadosamente construída nos últimos anos. E Jair Bolsonaro, como sempre, está no centro de tudo isso. Não há mais dúvidas: ele sabia de tudo, queria o golpe e  seria o maior beneficiado. Não por outra razão, na conclusão do inquérito da Polícia Federal sobre a tentativa de golpe, seu nome aparece como primeiro indiciado.

As provas começam a sobrar: um áudio descoberto pela Polícia Federal de uma conversa entre o ex-ajudante de ordens Mauro Cid e o general Mário Fernandes, que acabara de sair de um encontro com Bolsonaro no Palácio da Alvorada, revela que o plano macabro foi autorizado por ele. Também os ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica confessaram em seus depoimentos à Polícia Federal, que Bolsonaro lhes apresentou o plano de golpe.

A corroborar a participação direta do ex-presidente na tentativa de abolição do Estado de Direito, temos que durante todo seu governo e após sua derrota nas urnas, ele articulou, incentivou e protegeu redes de extremismo que agiram deliberadamente contra a democracia. Pior: criou o ambiente ideal para que grupos militares, cúmplices de sua agenda autoritária, sentissem-se confortáveis para trair a Constituição e conspirar até mesmo contra a vida de lideranças políticas e judiciais.

Bolsonaro manteve o tempo todo a retórica golpista, encontros obscuros e uma relação de complacência com grupos radicais, indicando que não só tolerou, mas endossou ações que visavam destruir o Estado Democrático de Direito. O plano de assassinato que agora vem à tona não é um ato isolado; é parte de uma estratégia que contemplava seu projeto pessoal de poder, mesmo que à custa de métodos criminosos.

Não cabem mais meias-palavras ou omissões. As instituições brasileiras estão diante do dever histórico de agir com firmeza e rapidez. Se os militares golpistas foram traidores da pátria, Bolsonaro foi o traidor-mor, aquele que entregou a democracia brasileira à beira do abismo.

Não punir Bolsonaro e seus cúmplices é abrir as portas para novos golpes e novas tragédias. Justiça é o único caminho possível. Bolsonaro não é um líder político:  é o chefe de uma conspiração contra o Brasil, e deve ser tratado como tal. O país exige que ele pague por tudo o que fez — ou deixou fazer — sabendo de cada detalhe. Golpismo nunca mais!

 

Fonte: Por Bruno Fabricio Alcebino da Silva, em Le Monde/Brasil 247

 

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