Giuliano
Fleri: O governo de direita italiano quer imigrantes trabalhando sem direitos
Doze
meses atrás, o governo de Giorgia Meloni assinou um protocolo com a Albânia
para estabelecer dois “centros de asilo” italianos no território do país do
sudeste europeu. Um, localizado no porto de Shëngjin, serve como ponto de
triagem inicial para imigrantes resgatados por navios italianos em alto mar. O
segundo, em Gjadër, tem um prazo de 28 dias para processar pedidos de asilo de
imigrantes originários dos chamados países seguros. Ele retém aqueles cujos
pedidos de asilo são negados, que aguardam repatriação.
Este
experimento de terceirização de processos de asilo para um país não pertencente
à UE despertou o interesse de líderes em toda a Europa. O chanceler alemão Olaf
Scholz, o primeiro-ministro britânico Keir Starmer e a comissária europeia
Ursula von der Leyen estão entre os que observam atentamente, curiosos para ver
como essa iniciativa italiana se desenrolará. No entanto, a ambição da
primeira-ministra Meloni de transformar os dois centros na Albânia em um eixo
de processamento para milhares de imigrantes irregulares agora está envolta em
incertezas. Um tribunal italiano interveio, decidindo contra a detenção dos
primeiros dezesseis imigrantes — cidadãos egípcios e de Bangladesh — trazidos
para os centros recém-estabelecidos. Esta decisão complica os planos de Meloni
e sugere um conflito iminente entre seu governo e o judiciário, levantando
questões sobre se tais políticas podem resistir ao escrutínio do sistema legal
europeu.
Mas
o que realmente está em jogo neste conflito? Para entender isso, temos que
olhar para a visão da extrema direita italiana sobre imigração. O protocolo
Itália-Albânia é mais um esforço para reforçar medidas de dissuasão contra
viagens marítimas irregulares. Mas neste contexto a palavra “marítimas” é mais
significante do que “irregulares”. A batalha não é contra a imigração irregular
como um todo; é sobre impedir a chegada de imigrantes navegando pelas rotas do
Mediterrâneo. Meloni insiste no controle rigoroso das fronteiras “marítimas” da
Itália e em uma campanha contra traficantes marítimos. Mas no fundo estão
estratégias que poderiam melhorar os controles internos para identificar outras
formas de imigração irregular, como permanências com vistos vencidos, e abordar
a brutalização de imigrantes irregulares em certos segmentos do mercado de
trabalho italiano.
A
questão central está na visão que essas políticas representam — o futuro da
Itália como concebido por Meloni e sua turba. Nesse sentido, é importante notar
que a Itália precisa desesperadamente da imigração. Com 24,9% de sua população
com mais de 65 anos, a Itália é o segundo país mais velho do mundo, superado apenas pelo Japão. Essa estrutura demográfica, na
qual uma parcela desproporcionalmente pequena da população trabalhadora deve
sustentar uma crescente população idosa e pagar por seus cuidados e pensões,
está se tornando cada vez mais insustentável.
Meloni,
tendo que enfrentar uma escassez de mão de obra como seus antecessores nunca
lidaram, certamente está ciente desses números angustiantes. Seu “decreto
flussi” (decreto de fluxo) propõe aceitar 452.000 cidadãos estrangeiros não
pertencentes à UE entre 2023 e 2025. O país também acolheu a chegada de
refugiados ucranianos e mantém uma política mais liberal em relação à cidadania
para estrangeiros — principalmente cidadãos brasileiros, argentinos e
venezuelanos — que podem provar que um de seus ancestrais nunca perdeu a
cidadania italiana. Mas o que, então, distingue essa imigração desejada das
chegadas marítimas irregulares — uma categoria tão intimidadora que está
impulsionando novas medidas de dissuasão e a redução dos direitos de asilo?
·
Decreto de fluxo
Aresposta
está nos países de origem das pessoas que migram pelo mar. A maioria dos que
chegam pela rota marítima vêm de nações não incluídas na “lista comum” — a
lista europeia de países de fora do bloco cujos cidadãos não precisam de visto
para cruzar as fronteiras. Eles são principalmente da África Subsaariana, da
região MENA (Oriente Médio-Norte da África) e do Sul da Ásia. De acordo
com dados da agência de refugiados da ONU, as nacionalidades mais frequentemente representadas entre os
imigrantes marítimos em 2023 incluíam guineenses, tunisianos, marfinenses,
bengaleses e egípcios. Para esses indivíduos, a oportunidade de entrar na
Europa por vias regulares é severamente limitada por requisitos de visto
rigorosos, obrigando muitos a optar por rotas irregulares perigosas e muitas
vezes fatais.
O
decreto de fluxo italiano, que permite entradas de imigrantes provenientes de
países africanos e asiáticos fora da “lista comum”, visa fundamentalmente
abordar a demanda imediata de mão de obra. Alguém pode ser tentado a concluir
que o governo de Meloni está apenas implementando políticas para coibir a
migração irregular enquanto simultaneamente cria caminhos para a imigração
regular. No entanto, essa interpretação perde um ponto central desse modelo
jurídico de imigração.
O
decreto é estreitamente adaptado para suprir a escassez de mão de obra
específica em setores onde a necessidade é particularmente urgente. Enquanto o
decreto de fluxo descreve procedimentos regulares de imigração, seu foco
principal é preencher lacunas do mercado de trabalho em transporte, construção,
hospitalidade, pesca, assistência doméstica e agricultura. O decreto de fluxo,
quando considerado juntamente com os regulamentos para aquisição de cidadania
para estrangeiros não europeus — uma lei que permaneceu inalterada por trinta e
dois anos — indica claramente aos imigrantes que eles devem aproveitar os
empregos disponíveis enquanto podem, sem criar expectativas excessivas de se
tornarem membros totalmente reconhecidos da comunidade nacional.
Em
particular, a lei sobre aquisição de nacionalidade exige dez anos de residência
ininterrupta e legalmente permitida, com cada ano em si exigindo uma
autorização de residência vinculada a um emprego formal. Esta é certamente uma
situação incomum entre trabalhadores que frequentemente se encontram em
posições precárias, sem proteções trabalhistas essenciais. Mesmo que os
requisitos de tempo e autorização sejam cumpridos, as autoridades mantêm o
poder discricionário de avaliar a independência financeira dos requerentes. A
mensagem subjacente desta estrutura legislativa é inconfundível: imigrantes
etnicamente não brancos são aceitos apenas na medida em que atendem às demandas
imediatas da economia italiana e que estejam dispostos a assumir papéis
subordinados. A menos que consigam garantir contratos de trabalho estáveis nos setores específicos onde são necessários, espera-se que,
mais cedo ou mais tarde, deixem o país.
Para
a extrema direita italiana e uma parcela significativa dos italianos — o apoio
a Meloni não mostrou sinais de diminuição desde que ela assumiu o cargo em
outubro de 2022 — os migrantes africanos e asiáticos são vistos como muito
distintos cultural e etnicamente para serem integrados perfeitamente à
comunidade nacional sem comprometer sua coesão interna.
·
Não há como voltar no tempo
Nas
últimas três décadas, a migração internacional transformou a Itália em
uma sociedade etnicamente diversa —à qual muitos italianos não estavam
acostumados. Essa diversificação étnica é, dada a posição do país na Europa — a
Itália sendo o segundo maior fabricante da UE — e sua população envelhecida,
uma questão de inevitabilidade. Em 1910, os italianos representavam mais de 2%
da população global; hoje, esse número caiu para apenas 0,7%.
Dadas
as tendências reprodutivas da população local, a Itália e seu Estado de
bem-estar social exigem um fluxo constante de imigração para manter sua forma
atual e evitar que o país se retraia. De acordo com a extrema direita italiana,
para combater essa ameaça existencial, a nação deve contar apenas com a
imigração que seja amplamente compatível com sua homogeneidade étnica e
religiosa. Caso contrário, a Itália corre o risco de enfrentar outro perigo
mortal: perder sua relativa coesão étnica e religiosa. Assim, enquanto
ucranianos e argentinos são bem-vindos para fortalecer o tecido da sociedade
italiana, o mesmo não pode ser dito para nigerianos e senegaleses.
Não
há como voltar no tempo. Os movimentos migratórios internacionais transformaram
o cenário étnico da Itália; ser italiano não significa mais ser branco e
cristão. Para preservar o domínio da maioria sobre as minorias, é fundamental
manter em posições precárias aqueles que não se conformam a esse padrão
étnico-religioso. Restringir oportunidades para africanos e asiáticos ao
trabalho manual, juntamente com controles mais rígidos nas rotas migratórias do
Mediterrâneo, são movimentos calculados nessa direção. Em uma nação que serviu
como uma encruzilhada para a migração internacional por décadas, a recriação
uma identidade nacional homogênea só pode se realizar por meio de políticas
agressivas de dissuasão — muito parecidas com as tentativas de externalizar a
migração para a Albânia — fomentando assim um ambiente hostil para certos
grupos étnicos considerados inassimiláveis.
Onde
a presença de minorias étnicas e religiosas é inevitável, a extrema direita
acredita que salvaguardar a unidade nacional requer segregar esses grupos em
guetos sociais, isolados de espaços democráticos onde eles podem defender seus
direitos e levantar suas vozes. No entanto, em um país de aproximadamente
cinquenta e nove milhões de pessoas, com mais de cinco milhões de estrangeiros
e 1,62 milhões de cidadãos italianos de origem não europeia, a tentativa de
transformar imigrantes em uma subclasse permanente corre o risco de incitar
conflitos sociais em vez de preveni-los.
O
fato de líderes como Scholz, Starmer e Von der Leyen observarem atentamente os
experimentos da Itália reflete uma mudança inconfundível na política europeia
em direção à extrema direita. O modelo italiano não é apenas sobre estreitar
fronteiras; ele aspira manter uma comunidade homogênea, resistindo à
diversidade étnica enquanto mantém os mecanismos de representação democrática
para a maioria. Isso representa um recuo em direção a um Estado-nação
etnicamente e culturalmente uniforme — uma ambição que pode parecer anacrônica,
mas para muitos em nosso mundo contemporâneo, parece surpreendentemente
convincente. A busca por tal objetivo, no entanto, inevitavelmente incorrerá em
um custo humano considerável. Isso significa uma contração dos princípios
democráticos, reduzidos ao domínio da maioria sobre as minorias e seus
direitos.
¨
A coligação alemã
entrou em colapso, mas a recessão veio para ficar. Por Lukas Scholle
cholz
rompe com Lindner.” Três palavras que causam impacto nos alemães, depois de
três anos em que o líder do Partido Democrata Livre (FDP), Christian Lindner,
deu um tom austero para o governo de coalizão. A divisão entre o chanceler Olaf
Scholz e o ministro das Finanças Lindner tem outras consequências importantes:
um governo paralisado, um voto de confiança iminente e novas eleições, de fato,
no meio de uma crise econômica. A situação da economia e das famílias deve
piorar ainda mais. Pois não há fim à vista para a recessão na Alemanha — e
com Donald Trump eleito apenas um
dia antes desta crise governamental, novas guerras comerciais estão no
horizonte.
A
chamada coalizão do semáforo — até a primeira semana de novembro composta pelos
Social-democratas (SPD) de Scholz, os Verdes e o menor FDP — foi minada pela
mesma coisa que a condenou desde o início: o estado das finanças públicas. O
freio da dívida (uma emenda constitucional de 2009 que limita os déficits do
governo a minúsculos 0,35%) permaneceu em vigor mesmo sob a autointitulada
administração “progressista”, e não houve aumentos de impostos para bilionários
para ajudar a estabilizar o navio.
No
início, a coalizão conseguiu contornar o freio da dívida usando vários truques.
Mas com o aumento da crise, uma decisão do Tribunal Constitucional Federal em novembro de 2023 e a recessão em curso, o nó se apertou
ainda mais. O governo ficou praticamente paralisado. Ele só podia tomar novas
iniciativas que não custassem nada e pudessem gerar receita tributária — por
exemplo, os incentivos usados para motivar aposentados ou trabalhadores
de meio período a retornar ao
trabalho ou trabalhar mais. O resultado: todos os partidos da coalizão tiveram que esquecer a maioria das
promessas que fizeram aos eleitores antes da eleição no outono de 2021. Os resultados também são miseráveis — o projeto de auxílios de custo de vida conhecido como Bürgergeld (literalmente
“renda dos cidadãos”) está cheio de buracos, a economia está vacilando, a
infraestrutura está desmoronando e os planos de auxílios para crianças foram
adiados. Ao mesmo tempo, os índices nas pesquisas de avaliação dos três
partidos que compõem o governo continuaram caindo — para a alegria da oposição
conservadora e de extrema direita.
Freio
da dívida
Acrise
culminou em uma recessão prolongada — e em documentos do SPD, do vice-chanceler
Robert Habeck dos Verdes e de Lindner, cada um explicando o que gostaria de
fazer, mas que era supostamente impossível na coalizão. Com um pouco de vontade
política, a coalizão provavelmente poderia ter encontrado um meio-termo para
permanecer no poder. Mas, de acordo com o chanceler Scholz, Lindner não estava
disposto a fazer um acordo, apesar das concessões de longo alcance que havia
oferecido.
Ao
demitir seu ministro das finanças, Scholz disse: “Não vejo outra maneira senão
tomar essa medida para evitar danos ao nosso país”. Esta foi certamente uma declaração
forte: se você não tivesse ouvido falar sobre o histórico de Scholz, poderia
pensar que ele era realmente um social-democrata. Os Verdes fizeram o que era
esperado deles: em resposta à eleição de Trump, pediram mais apoio financeiro
para a Ucrânia.
Poucos
minutos depois, Christian Lindner tentou jogar a culpa para cima: o chanceler
havia feito a exigência final de que o freio da dívida fosse suspenso, o que
significaria abrir a perspectiva de mais empréstimos do governo. Lindner disse
que não poderia ter aceitado isso sem violar seu juramento de posse. “A
frase-chave na declaração de Lindner estava factualmente, simplesmente — quase
dramaticamente — errada”, o economista Jens Suedekum corretamente
conjecturou. Lindner então sugeriu a Scholz que eles seguissem juntos o caminho
de novas eleições. Mas Scholz o dispensou. Tudo isso havia sido planejado —
como fica claro, de acordo com Lindner, por conta da declaração preparada pelo chanceler
e o momento.
Com
base nisso, Scholz deve tirar proveito da vantagem de ter tomado a iniciativa
política. Quem mostrar alguma coragem primeiro tem mais probabilidade de ser
recompensado pelos eleitores, embora isso possa não ser suficiente.
De
acordo com o plano de Scholz, o parlamento federal (Bundestag) deve
realizar um voto de confiança em seu governo minoritário em 15 de janeiro. Se
perder — como ele certamente espera, já que agora conta apenas com o apoio do
SPD e dos Verdes — novas eleições devem ocorrer, presumivelmente em março. De
acordo com Scholz, antes do Natal, o Bundestag deve aprovar
leis como o ajuste de faixas de impostos para pessoas com altos rendimentos
para lidar com a inflação e fornecer alívio fiscal corporativo. Essas são
prioridades notáveis, quando em sua declaração de ruptura com Lindner, o
chanceler o acusou de pensar apenas nos ricos.
Agora,
Jörg Kuckies, que antes era secretário de Estado na chancelaria, assumirá como
ministro das finanças. Ele é membro do SPD desde o final da adolescência — mas
também foi chefe do escritório do Goldman Sachs em Frankfurt por quase uma
década. Repetidamente, ele expressou grande interesse público em subsídios
industriais multibilionários, que certamente ajudou a negociar. Ele é o
primeiro economista a ocupar o cargo de ministro das finanças em mais de uma
década — e também o primeiro incapaz de contar com maioria no Bundestag.
Campanha
econômica
Os
próximos seis meses provavelmente continuarão tão mal quanto antes para a
economia da Europa como um todo. Qualquer iniciativa legislativa requer uma
maioria incluindo o FDP de Lindner (o que é dificilmente concebível) ou uma
maioria com os democratas-cristãos (possível somente se for intencionalmente
neoliberal). Os democratas-cristãos também estão enfrentando um dilema entre
mostrar “responsabilidade” ou então pressionar Scholz por eleições antecipadas.
Eles já anunciaram ambos, mas explicitamente descartaram apoio a um orçamento
de Scholz.
Essa
situação provavelmente continuará até meados de 2025, pelo menos, e, no pior
dos casos, até o fim do ano. Em linguagem simples, isso significa mais seis
meses de crise econômica, no mínimo — e uma incerteza massiva para todos os
envolvidos. As empresas adiarão investimentos e os cidadãos usarão suas
economias. No pior dos casos, o novo governo Trump introduzirá mais tarifas
contra a União Europeia em janeiro. Isso provavelmente aponta para um
desemprego crescente e uma desindustrialização acelerada, se o governo
permanecer paralisado.
Isso
também significa que a próxima campanha eleitoral federal, em algum momento de
2025, certamente será travada em torno dos problemas econômicos. Em princípio,
esse é um bom ponto de partida para a esquerda alavancar uma mensagem econômica
populista. Mas o partido de esquerda Die Linke não tem braços para isso — a
política econômica sempre teve dificuldade em ganhar força no partido, e com a
saída de Fabio De Masi (para se juntar ao partido de Sahra Wagenknecht, BSW) e
a morte de Axel Troost no ano passado, perdeu seus últimos economistas
importantes. O BSW tem economistas, mas está pouco interessado em
defender um ponto de vista estritamente da classe trabalhadora. Isso é vital se
a esquerda quiser mudar o curso atual da Alemanha.
Fonte:
Tradução de Pedro Silva, para Jacobin Brasil
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