O passo a
passo do plano de golpe encontrado na sede do PL
O
relatório da Polícia Federal que indiciou o ex-presidente Jair Bolsonaro e
outras 36 pessoas por tentativa de golpe de Estado contém documentos feitos a
caneta de como funcionaria a operação.
Os
policiais disseram ter encontrado na sede do Partido Liberal (o partido de
Bolsonaro) um esboço de um plano intitulado Operação 142.
Esse
documento foi achado na mesa do coronel Flávio Botelho Peregrino, que era
assessor do general Braga Netto — candidato à vice-presidente em 2022 na chapa
de Bolsonaro.
O
documento conclui que o "estado final desejado político" é:
"Lula não sobe a rampa". Entre os passos descritos pela operação do
golpe, estão:
• Anulação das eleições de
2022
• Prorrogação dos mandatos
dos políticos
• Substituição de todo
Tribunal Superior Eleitoral
• Preparação de novas
eleições
• Discurso em cadeia
nacional de TV e rádio
• Preparação das tropas
para as ações diretas
• Anulação de atos
arbitrários do STF
O
documento foi encontrado dentro de uma pasta com o título "memórias
importantes".
"O
nome dado ao documento faz alusão ao artigo 142 da Constituição Federal (CF), o
qual trata das Forças Armadas e era uma possibilidade aventada pelos
investigados como meio de implementar uma ruptura institucional após a derrota
eleitoral do presidente Jair Bolsonaro", diz o relatório da Polícia
Federal, cujo sigilo foi levantado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal
(STF), Alexandre de Moraes, na terça-feira (26/11).
A
Polícia Federal acredita que o esboço tenha sido elaborado entre novembro e
dezembro de 2022.
"O
documento demonstra que Braga Netto e seu entorno (...) tinha clara intenção
golpista, com o objetivo de subverter o Estado Democrático de Direito,
utilizando uma intepretação anômala do art. 142 da CF, de forma a tentar
legitimar o golpe de Estado", diz o relatório.
O
passo a passo do golpe no documento "Operação 142" é escrito da
seguinte forma:
<><>
"Avaliação da conjuntura"
O
documento sugere "relacionar todas as ingerências do Judiciário nas ações
do Executivo e do Legislativo desde 2019".
"Linhas
de esforço"
Nesse
trecho, há oito passos descritos:
• Enquadramento jurídico
do decreto 142 (Advocacia Geral da União e Ministério da Justiça)
• Comprometimento
político: convocação do Conselho da República e da Defesa
• Discurso em cadeia
nacional de TV e rádio
• Preparação (ensaios) da
tropa para as ações diretas
• Mobilização de juristas
e formadores de opinião pública
• Preparar releases para
difusão posterior
• Interrupção do processo
de transição
• Anulação de atos
arbitrários do STF
"Centro
de gravidade estratégico"
"Decretar
o artigo 142 'Dia D'".
"Estado
final desejado estratégico"
"Reestabelecer
a ordem constitucional e o livre exercício dos direitos fundamentais."
"Centro
de gravidade político"
• Anulação das eleições
• Prorrogação dos mandatos
• Substituição de todo TSE
(Tribunal Superior Eleitoral)
• Preparação de novas
eleições
"Estado
final desejado político"
"Lula
não sobe a rampa"
• General Freire Gomes e
brigadeiro Baptista Junior: quem são os militares que se negaram a aderir ao
golpe
O
ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes retirou o sigilo
sobre o relatório da Polícia Federal (PF) que detalha a tentativa de um
"golpe de Estado e abolição do estado democrático de direito" no
Brasil.
De
acordo com o inquérito, o objetivo era "tentar manter o então presidente
da república Jair Bolsonaro (PL) no poder", restringir "o exercício
do Poder Judiciário" e impedir "a posse do então presidente da
república eleito" — no caso, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A
investigação aponta para a existência de uma "organização criminosa"
dividida em vários grupos, com diversas ações planejadas, que envolviam até
planos de assassinar Moraes, Lula e o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin
(PSB).
A
apuração apontou que toda a operação não foi para frente, entre outros motivos,
pela falta de adesão de duas figuras-chave do alto escalão militar brasileiro:
o general Marco Antonio Freire Gomes, comandante do Exército, e o
tenente-brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior, líder da Aeronáutica.
O
nome de Freire Gomes é citado 141 vezes no relatório da PF recém-divulgado. Já
Baptista Junior aparece em 48 trechos do texto.
"Após,
finalizar os termos do decreto [do golpe], o então presidente Jair Bolsonaro
mandou chamar ao Palácio do Alvorada os Comandantes das Forças Armadas
almirante Garnier (Marinha), general Freire Gomes (Exército) e o ministro da
Defesa Paulo Sérgio", relata a PF.
"O
objetivo naquele momento era obter o apoio dos comandantes, para que as Forças
Armadas garantissem a consumação da empreitada criminosa. Os comandantes do
Exército e da Aeronáutica se posicionaram contrários a aderir a qualquer plano
que impedisse a posse do governo legitimamente eleito. Já o comandante da
Marinha, almirante Garnier, colocou-se à disposição para cumprimento das
ordens", complementa o texto.
• Quem é o general Freire
Gomes
Marco
Antonio Freire Gomes nasceu em Pirassununga, no interior de São Paulo, em 31 de
julho de 1957.
Ele
entrou para o meio militar no início dos anos 1980, quando virou aspirante a
oficial de cavalaria.
O
futuro general também atuou como instrutor na Academia Militar das Agulhas
Negras (Aman), trabalhou como adido militar na Espanha e comandou o 1º Batalhão
de Ações e Comandos, em Goiânia.
Já
como general, Freire Gomes foi secretário-executivo do Gabinete de Segurança
Institucional (GSI), comandou a Brigada de Operações Especiais em Goiânia,
liderou a 10ª Região Militar, em Fortaleza, e assumiu o posto de comandante
Militar do Nordeste.
Antes
de comandar o Exército, ele liderava o Comando de Operações Terrestres (Coter),
que é considerado um dos postos de maior prestígio do Exército brasileiro.
Freire
Gomes foi promovido à comandante do Exército por Bolsonaro em março de 2022 e
ocupou o posto até dezembro desse mesmo ano. Ele substituiu o general Paulo
Sérgio Nogueira, que saiu do cargo para assumir o Ministério da Defesa — e
aparece na lista de investigados da PF.
A
investigação da tentativa de golpe relata que o general tinha uma postura
"legalista" e mostrou "resistência" a qualquer empreitada
de desrespeitar o resultado das eleições de 2022.
"Diante
do cenário de resistência do general Freire Gomes, no dia 9 de dezembro de
2022, o então Presidente Jair Bolsonaro, após realizar alguns ajustes,
'enxugando' a minuta do Decreto, convocou o general Estevam Cals Theophilo
Gaspar de Oliveira, comandante do Comando de Operações Terrestres - COTER para
uma reunião no Palácio do Alvorada. No encontro, o general aceitou cumprir as
determinações, relacionadas ao Golpe de Estado, caso o então Presidente da
República assinasse o decreto", diz um trecho do relatório.
A
resistência do comandante do Exército gerou pressões e ataques das chamadas
"milícias virtuais".
"Nesse
contexto, Braga Netto [candidato a vice-presidente da chapa de Bolsonaro]
determinou a Ailton Gonçalves Barros que direcionasse ataques pessoais
(inclusive a familiares) ao então comandante do Exército", diz a PF.
Em
depoimento colhido durante a investigação, Freire Gomes confirmou que foi
pressionado diversas vezes a aderir ao plano golpista.
Inclusive,
ele detalhou que partipou de reuniões no Palácio do Alvorada após o segundo
turno das eleições "em que o então Presidente da República Jair Bolsonaro
apresentou hipóteses de utilização de institutos jurídicos como Garantia da Lei
e da Ordem (GLO), Estado de Defesa, Estado de Sítio em relação ao processo
eleitoral".
Freire
Gomes afirmou "que sempre deixou evidenciado [...] que o Exército não
participaria na implementação desses institutos jurídicos visando reverter o processo
eleitoral".
De
acordo com depoimentos colhidos pela PF, Freire Gomes chegou a advertir o então
presidente Bolsonaro que seria forçado a prendê-lo caso seguisse com os planos
de um golpe de Estado.
• Quem é o brigadeiro
Baptista Junior
Carlos
de Almeida Baptista Junior nasceu em Fortaleza, no Ceará, em 5 de setembro de
1960.
De
família militar — seu pai, o tenente-brigadeiro Carlos de Almeida Baptista, foi
comandante da Aeronáutica de 1999 a 2003 — Baptista Junior estudou na Escola
Preparatória de Cadetes do Ar, em Barbacena, Minas Gerais.
Ele
foi promovido a tenente-brigadeiro em março de 2018.
O
site da Força Aérea Brasileira ainda destaca que Baptista Junior "possui 4
mil horas de voo, sendo 2.200 horas em aeronaves de caça".
O
militar assumiu o posto de comandante da Aeronáutica em 12 de abril de 2021 e
permaneceu no cargo até 2 de janeiro de 2023.
Citado
48 vezes no relatório da PF, Baptista Junior também rechaçou "qualquer
adesão de suas forças no intento golpista".
Em
depoimentos, ele afirma que tentou informar "constantemente" ao
presidente Bolsonaro "de que não existia qualquer fraude no sistema
eletrônico de votação".
Baptista
Junior também confirmou que ele e Freire Gomes se mostraram contrários a
qualquer tentativa de ruptura institucional — enquanto o almirante Almir
Garnier (comandante da Marinha) "se colocou à disposição".
"O
brigadeiro Baptista Junior descreveu a dinâmica dos fatos, após o então
Ministro da Defesa Paulo Sérgio apresentar o Decreto [relacionado ao golpe]. O
depoente disse que fez o seguinte questionamento ao ministro: 'Esse documento
prevê a não assunção do cargo pelo novo presidente eleito?'."
"Baptista
Junior afirmou que, após sua indagação, Paulo Sérgio ficou calado, e diante
disso entendeu que haveria uma ordem que impediria a posse do novo governo
eleito. Em seguida, o depoente relatou que disse ao Ministro da Defesa que não
admitiria sequer receber o documento e que a Aeronáutica não admitiria um golpe
de Estado. Em seguida, retirou-se da sala."
O
tenente-brigadeiro detalhou que foi alvo de ataques e chegou a ser chamado de
"traidor da pátria" e "melancia" — numa referência a ser
verde "por fora" (cor associada aos militares) e vermelho "por
dentro" (cor associada ao comunismo).
Num
trecho do inquérito da PF, há evidências de que Braga Netto determinou ataques
direcionados à família do então comandante da Aeronáutica.
Num
aplicativo de mensagens, Braga Netto escreveu: "Senta o pau no Baptista
Junior [...] traidor da pátria. Daí para frente, inferniza a vida dele e da
família."
Baptista
Junior disse que precisou suspender as contas nas redes sociais — mas as
pressões continuaram mesmo assim.
"O
depoente disse que no dia 08/12/2022, após a formatura dos aspirantes à oficial
da FAB, na cidade de Pirassununga/SP, foi interpelado pela deputada federal
Carla Zambelli com a seguinte indagação: 'Brigadeiro, o senhor não pode deixar
o Presidente Bolsonaro na mão'."
"O
depoente afirmou que entendeu que a deputada estava propondo que aderisse a um
ato ilegal", revela o documento da PF.
Fonte:
BBC News Brasil
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