quinta-feira, 28 de novembro de 2024

Yaël Lerer: Os judeus que querem punir Israel

As sanções são necessárias, afirma chamado, como a única forma de deter a corrida louca do Estado de Israel para a violência, uma vez que isso foi pouco foi tentado até agora.

“Nós imploramos: salve-nos de nós mesmos! Exerçam uma pressão internacional real sobre Israel para um cessar-fogo imediato e permanente”: esta é a conclusão do chamado dos “cidadãos israelenses para uma pressão internacional real sobre Israel”, assinado até agora por milhares de israelenses, para além do setor habitual da “esquerda radical”, e publicado pelo Libération The Guardian.

Esta demanda sem precedentes de envolvimento da comunidade internacional – “as Nações Unidas e as suas instituições, os Estados Unidos, a União Europeia, a Liga Árabe e todos os países do mundo” – reflete a urgência sentida pelos signatários.

As sanções são necessárias, afirma o chamado, como a única forma de deter a corrida louca do Estado de Israel para a violência, uma vez que muito pouco, demasiadamente pouco, foi tentado até agora.

Mediação? O Catar jogou a toalha e suspendeu a sua mediação até que o Hamas e Israel demonstrem “vontade e seriedade”.

Resoluções internacionais? A resolução de 10 de junho de 2024, proposta pelos Estados Unidos e aprovada pelo Conselho de Segurança da ONU, sobre um cessar-fogo trifásico adormece nas gavetas de decisões que nunca foram implementadas. As ordens do Tribunal Internacional de Justiça, de janeiro e maio, não fizeram o governo israelita nem os estados que o apoiam mudarem algo.

Mediapart conversou com Yaël Lerer, editora franco-israelense, tradutora e candidata da Nova Frente Popular (NFP) nas eleições parlamentares contra Meyer Habib (membro de Les Républicains e amigo de Netanyahu), e articuladora do chamado.

LEIA A ENTREVISTA:

·        O apelo “cidadãos israelenses para uma verdadeira pressão internacional sobre Israel” dirige-se à comunidade internacional e apela a “todas as sanções possíveis” contra Israel. A que se deve esse chamado?

Estive em julho em Israel, meu país com o qual nunca rompi laços, onde tenho toda a minha família e onde continuo comprometida. Era insuportável, irrespirável. A sociedade israelense está em uma deriva muito grave. A maioria não está claramente consciente do que nós, israelense, estamos fazendo em Gaza. Não compreendem o aspecto genocida do que estamos fazendo em Gaza. A mídia israelense não mostra nada, além da ruína ocasional, dizendo que o exército está matando líderes do Hamas, e ponto final. Esta deriva da sociedade israelense é tão forte que nenhuma mudança pode vir de dentro. É necessária uma ação externa.

Há mais de um ano, todas as manhãs, quando acordo e olho as redes sociais, vejo dezenas de pessoas assassinadas na Faixa de Gaza, e agora no Líbano. Os soldados israelenses também morrem em vão. O urgente é deter tudo isso já. Agora. Para que amanhã não acordemos com mais cem pessoas bombardeadas até à morte, queimadas vivas dentro de tendas. Mas os israelense que se opõem à guerra, tal como os signatários deste chamado, são minoria. E estamos desesperados. Precisamos ser salvos de nós mesmos.

·        Seu apelo já reuniu 3.600 assinaturas. Você encontrou um eco fora dos círculos habituais perto da extrema esquerda?

É a primeira vez que um pedido de sanções vai além dos habituais signatários da “esquerda radical. Já assinaram professores eméritos que não necessariamente foram militantes durante a carreira, um ex-embaixador, um ex-procurador-geral, parentes de reféns e até pessoas assassinadas no dia 7 de outubro.

Em breve chegaremos a 3.700 assinaturas. Um terço dos signatários vive no estrangeiro, principalmente na Europa. É importante enfatizar que dois terços dos que assinaram vivem em Israel. E não é fácil assinar um chamado como este. Até agora, muitos dos signatários pensavam que a mudança poderia vir de dentro, que jogar o jogo democrático – manifestando-se e votando, ou fazendo campanha pela paz, pelo diálogo e pela coexistência – seria suficiente. Hoje eles sabem que a mudança não virá de dentro.

Existem poucos palestinos que são cidadãos de Israel. Recebi muitas mensagens de apoio, mas é muito difícil para elas assinarem. Muitos foram detidos e encarcerados por simples mensagens nas redes sociais.

·        Que tipo de sanções poderiam ser impostas e quão eficazes seriam?

Israel não é a Rússia; não se pode travar uma guerra isoladamente. Precisa de outros países para travar esta guerra. Sem os Estados Unidos, sem a União Europeia, a guerra não poderia continuar nem mais um dia. Sem os Estados Unidos porque são os Estados Unidos que fornecem as bombas, embora estas venham da Alemanha, Itália e Grã-Bretanha. Israel não produz caças ou mísseis. Precisamos de um embargo de armas.

Mas o apoio não é apenas militar. O principal parceiro comercial de Israel é a União Europeia. Nos termos do Acordo de Associação, Israel é tratado quase como um Estado europeu e desfruta dos mesmos benefícios. Este acordo de associação deveria ter sido automaticamente cancelado devido a violações dos direitos humanos, mas continua em vigor.

Por seu lado, os israelenses não compreendem o que está acontecendo na Europa. Quando vêem que o presidente francês e os seus dois antecessores, de direitas e de esquerdas, estão no palanque num jogo França-Israel, pensam que tudo está indo bem. Eles sentem que estão lutando pelo Ocidente. Netanyahu disse: “Nós travamos uma guerra por vocês contra a barbárie”, e os israelenses acreditam.

·        Por que não houve sanções até agora?

Os europeus não compreendem o que está acontecendo em Israel. Existe uma visão de Israel como um Estado democrático, quando este não é o caso, e a maioria da população, especialmente os jovens, considera absolutamente normal que o Estado de Israel seja um Estado judeu para judeus e que outros cidadãos, não-judeus, não têm os mesmos direitos. Tenho a impressão de que esta noção de Estado judeu tem sido considerada como algo simbólico. Mas não há nada de simbólico nisso, aplicam-se leis diferentes.

Aqui na Europa, vemos os grandes escritores, artistas, cineastas que leem o Haaretz, que é um jornal liberal no sentido político e cujas opiniões são muito minoritárias, e têm a impressão de que Israel é isso. Mas não é nada disso. Na minha opinião, nem 2% dos israelenses leem o Haaretz.

·        Que reações este apelo provocou?

Em Israel, um deputado prometeu apresentar um projeto de lei para demitir os professores universitários que assinaram o apelo. E o ministro da Justiça, Yariv Levin, escreveu ao consultor jurídico do governo pedindo-lhe que examinasse um projeto de lei que prevê penas de prisão de dez anos para qualquer pessoa que peça sanções contra Israel, que seriam aumentadas para vinte anos em tempo de guerra.

Na comunidade internacional, ouvimos alguns pequenos ecos nos círculos diplomáticos dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha, mas até agora nada em França. No entanto, é urgente. As sanções deveriam ter sido adotadas ontem!

 

¨      Uma Nação em negação: A reformulação de velhas fantasias não salvará Israel. Por Ramzy Baroud and Palestine Chronicle

A frase paradoxal “fugir para frente” é uma das descrições mais adequadas para ilustrar o estado atual de Israel.

Parece que tudo o que Israel fez no último ano é uma tentativa de negar, dissuadir ou escapar de cenários futuros iminentes – todos eles sombrios.

De fato, o último ano provou repetidamente que a supremacia militar de Israel já não é capaz de vencer guerras ou determinar desfechos políticos.

Além disso, o genocídio em Gaza e o acelerado roubo de terras palestinas na Cisjordânia expuseram, como nunca antes, o lado mais cruel dos assentamentos coloniais sionistas. Somente aqueles completamente doutrinados ou desatentos ainda argumentam que Israel defende algum ideal moral ou é uma “luz para as nações”.

As tentativas incessantes do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, de marginalizar, ou mesmo apagar completamente, a causa palestina fracassaram totalmente. O sofrimento, a resistência e o orgulho do povo palestino transformaram sua luta em uma causa global e, desta vez, de forma irreversível.

Mesmo assim, apesar de tudo isso, os líderes israelenses continuam a arrastar seu povo em buscas intermináveis rumo a destinos arbitrários, prometendo “vitórias totais” e outras fantasias.

Monitorar as declarações de líderes israelenses e as conversas na imprensa de direita deixa qualquer um perplexo.

Enquanto mais de 55 mil soldados israelenses tentaram, sem sucesso, ao longo de semanas, subjugar o norte de Gaza, líderes de assentamentos estão ocupados planejando leilões imobiliários e imaginando novos assentamentos e resorts na destruída Faixa de Gaza.

O jornal israelense Haaretz relatou, em 21 de outubro, que Israel quer construir diversos blocos de assentamentos dentro de Gaza. Mas como Israel protegeria essas áreas ao longo dos meses e anos, se não conseguiu proteger o sul do próprio país há apenas um ano?

Na Cisjordânia, onde uma rebelião armada está em formação, mas ainda não se concretizou em larga escala devido à “coordenação de segurança” entre Israel e a Autoridade Palestina, o governo de direita de Netanyahu fala em anexação total.

“O ano de 2025 será, com a ajuda de Deus, o ano da soberania na Judeia e Samaria”, disse o Ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, referindo-se à ocupada Cisjordânia. Seja convertendo sua anexação de fato em uma anexação jurídica ou não, isso pouco alterará o status legal da Cisjordânia sob o direito internacional, que continua sendo um território palestino ocupado ilegalmente. O mesmo vale para Jerusalém Oriental, cidade palestina oficialmente anexada por Israel em 1980 sob a chamada “Lei de Jerusalém”.

Mesmo assim, poucos na comunidade internacional estão dispostos a aceitar o esquema de Israel na Cisjordânia, já que – exceto Washington – muitos ainda se recusam a reconhecer a soberania israelense sobre Jerusalém. Na verdade, o oposto é verdadeiro, como foi determinado pela Corte Internacional de Justiça (CIJ) em 19 de julho. A decisão, respaldada pelo consenso internacional, afirmou que “o Estado de Israel tem a obrigação de pôr fim à sua presença ilegal no Território Palestino Ocupado o mais rápido possível”. Em 17 de setembro, a Organização das Nações Unidas (ONU) adotou plenamente a decisão da CIJ.

Ao anexar a Cisjordânia, Israel também decretaria o fim da Autoridade Palestina, transformando toda a região em uma plataforma para a resistência popular palestina. Como Israel enfrentaria essa nova frente de guerra, quando já está lutando – ou falhando – para garantir vitórias em Gaza e no sul do Líbano?

Em um artigo recente, o historiador israelense Ilan Pappé escreveu sobre a “Israel Fantasia”, uma construção política de décadas baseada na crença de que o “Ocidente apoia Israel porque ele adere a um ‘sistema de valores’ ocidental fundamentado na democracia e no liberalismo”.

Essa Israel fictícia já está em colapso há anos, muito antes da atual guerra em Gaza – embora a guerra genocida tenha acelerado esse processo. O colapso da Israel Fantasia “expôs rachaduras na coesão social e na disposição de muitos israelenses em dedicar tanto tempo e energia ao serviço militar como faziam no passado”, argumenta Pappé.

Hoje, Israel está sob o controle de uma nova geração de políticos, apoiados por uma superestrutura intelectual extremista e de mente fechada. Esse grupo está envolvido em um conjunto completamente diferente de ilusões, convencendo-se de que está vencendo quando não está; de que pode impor sua vontade aos palestinos e ao resto do mundo quando não pode; de que continuar a guerra lhes permitiria completar um trabalho que, em suas mentes, deveria ter sido concluído há muito tempo: a destruição total do povo palestino.

Como esse grupo é motivado por ideologias religiosas extremistas, ele é incapaz de aceitar qualquer forma de pensamento racional, mesmo quando vem de figuras sionistas respeitadas dentro de Israel.

“Essa guerra carece de um objetivo claro, e é evidente que estamos, sem dúvida, perdendo-a”, afirmou o ex-vice-chefe do Mossad, Ram Ben-Barak, em uma entrevista à rádio pública israelense em 18 de maio.

Nada disso parece importar para Netanyahu e seus ministros de direita. Eles continuam a reciclar velhos dogmas religiosos e rezar fervorosamente por milagres. Ao fazer isso, insistem em construir um novo “Israel Fantasia”, que, como fantasias costumam fazer, inevitavelmente entrará em colapso.

 

¨      Como funcionará cessar-fogo entre Israel e Hezbollah anunciado por Netanyahu e confirmado por Biden

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, confirmou nesta terça-feira (26/11) que Israel e Hezbollah aceitaram um acordo de cessar-fogo para o conflito em curso no Líbano.

O cessar-fogo entrará em vigor a partir de 4h de quarta-feira (27/11) no horário local (23h de terça-feira no horário de Brasília).

Biden acrescentou que, pelos próximos 60 dias, Israel retirará gradualmente suas forças da zona de conflito.

Por sua vez, os combatentes do Hezbollah se retirarão ao sul do rio Litani, uma fronteira estabelecida durante a última guerra entre Israel e Hezbollah, em 2006.

"Os combates terminarão. Terminarão. Isto foi concebido para ser um fim permanente das hostilidades."

O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, havia anunciado mais cedo que seu governo aceitaria o acordo para suspender os combates com o Hezbollah.

"Um acordo pode ser cumprido e nós o cumpriremos", disse Netanyahu.

Após o anúncio, o primeiro-ministro do Líbano, Najib Mikati, pediu à comunidade internacional que "aja rapidamente" e "implemente um cessar-fogo imediato".

Desde o início da guerra, mais de 70 mil israelentes e 300 mil libaneses foram forçados a viver como refugiados, disse Biden, enquanto observam as suas comunidades “destruídas”.

“Este foi o conflito mais letal entre Israel e o Hezbollah em décadas”, afirmou o presidente americano, que acrescentou que recursos têm sido direcionados para “para defender Israel e para dissuadir o nosso inimigo comum num momento crítico”.

“Sejamos claros, Israel não começou esta guerra, o povo libanês também não procurou esta guerra, nem os Estados Unidos.”

O conflito tem sido devastador para o Líbano, onde há mais de 3,8 mil mortos, 15 mil feridos e 1 milhão de residentes deslocados.

Biden reiterou que os civis de ambos os lados poderão em breve regressar em segurança às suas comunidades.

Os Estados Unidos, junto com a França e outros aliados, comprometeram-se a trabalhar com Israel e o Líbano para garantir que o acordo seja é “totalmente” implementado, disse Biden.

O presidente americano fez ainda questão de enfatizar que nenhuma tropa americana estaria envolvida.

Caso o Hezbollah quebre o acordo, Israel terá o direito à legítima defesa, de acordo com o direito internacional, afirmou Biden.

Netanyahu fez um alerta no mesmo sentido ao dizer que Israel "responderá duramente" a qualquer tentativa de ataque por parte do Hezbollah.

O líder israelense disse que alguns aliados o alertaram de que o cessar-fogo significa que Israel não poderá voltar a entrar no Líbano, caso necessário.

Em seu discurso, Netanyahu disse que o Hezbollah não é mais o mesmo, acrescentando que o exército de Israel matou seus comandantes.

Israel também destruiu a infraestrutura do Hezbollah e "atingiu grandes alvos", acrescentou o primeiro-ministro.

Netanyahu afirmou ainda que encerrar os combates contra o Hezbollah no Líbano permitiria a Israel aumentar a pressão sobre o Hamas em Gaza e focar na "ameaça iraniana".

"Quando o Hezbollah sair de cena, o Hamas ficará sozinho na luta. Nossa pressão sobre ele irá se intensificar", disse o premiê israelense.

Sobre Gaza, Biden afirmou que as pessoas que vivem na região também merecem ver o fim dos combates.

"O povo de Gaza passou por um inferno. Seu mundo foi destruído", disse Biden, enfatizando que seu governo continuará a pressionar por um cessar-fogo também no território palestino, onde Israel trava um conflito com o Hamas.

O Hamas tem uma escolha a fazer, acrescentou Biden, dizendo que a “única saída” é libertar os reféns israelenses capturados no ano passado.

Nos próximos dias, o governo americano fará outro esforço para “alcançar um cessar-fogo em Gaza”, disse Biden, tendo em vista reestabelecer a paz no Oriente Médio.

Os Estados Unidos também continuam empenhados em fazer “acordos históricos” para estabelecer um Estado palestino e uma normalização das relações entre a Arábia Saudita e Israel.

“Acredito que esta agenda continua a ser possível”, afirmou o presidente norte-americano, que disse que trabalhará “incansavelmente” nesse sentido nos dias que lhe restam no cargo.

Biden foi derrotado por Donald Trump nas eleições de novembro. Trump assume como novo presidente americano em 20 de janeiro.

¨      Israel x Hezbollah

Israel e o Hezbollah, um grupo armado apoiado pelo Irã e que também é um partido político no Líbano, trocaram tiros quase diários através da fronteira desde outubro de 2023, após os ataques do Hamas e a seguinte invasão israelense à Faixa de Gaza.

Os combates se intensificaram no final de setembro de 2024, quando Israel aumentou os bombardeios aéreos contra o território libanês e lançou uma invasão terrestre limitada.

Nesta terça-feira, as Forças de Defesa de Israel realizaram uma nova série de ataques aéreos na capital libanesa, Beirute, matando pelo menos sete pessoas.

Israel afirma que quer garantir o retorno seguro de cerca de 60 mil residentes das áreas do norte de Israel deslocados por ataques com foguetes, lançados pelo Hezbollah em apoio aos palestinos.

A estimativa do Banco Mundial é de perdas econômicas e danos para o Líbano no valor de 8,5 bilhões de dólares (cerca de 6,8 bilhões de libras). A recuperação levará tempo, e ninguém sabe quem pagará por isso.

Como ficará o Hezbollah após a guerra é incerto. O grupo foi enfraquecido, alguns diriam humilhado, mas não foi destruído.

 

Fonte: Tradução de Rônei Rodrigues, em Outras Palavras/BBC News

 

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