O argumento de Trump para fugir de novo
debate com Kamala Harris
Donald Trump descartou a
possibilidade de outro debate presidencial contra a adversária Kamala Harris antes
das eleições de novembro.
Ele disse na
quinta-feira (12/9) — dois dias após o primeiro confronto entre os dois na Filadélfia — que Kamala só queria uma revanche porque
ele "claramente" venceu.
Várias pesquisas de
opinião instantâneas realizadas após o debate de terça-feira (10/9) indicaram
que os eleitores achavam que Kamala teve um desempenho melhor do que seu oponente republicano.
Trump acrescentou que
a candidata democrata deveria, em vez disso, "se concentrar" em seu
trabalho como vice-presidente.
Pouco tempo depois, em
um comício de campanha na Carolina do Norte, Kamala respondeu dizendo que eles
"devem" aos eleitores outro debate, porque "o que está em jogo
não poderia ser mais importante".
As pesquisas de intenção de votos sugerem
que os dois candidatos estão em uma disputa extremamente acirrada, faltando
apenas dois meses para a eleição.
Ambos reivindicaram a
vitória após o debate de 90 minutos na rede americana ABC News na terça-feira,
no qual Kamala tirou Trump do sério com uma série de ataques pessoais que o
deixaram na defensiva. Entre eles, comentários sobre o tamanho da plateia presente
em seus comícios e sua conduta durante a invasão do Capitólio dos EUA em
6 de janeiro de 2021.
Desde então, Trump e
seus apoiadores acusaram os dois jornalistas da ABC News que moderaram o debate
de serem injustos e tendenciosos a favor de Kamala. Ele disse na quinta-feira
que não precisava de outro debate.
"Quando um
pugilista perde uma luta, as primeiras palavras que saem da sua boca são:
'Quero uma revanche'", escreveu Trump em uma longa publicação na Truth
Social (sua própria plataforma de rede social) na quinta-feira.
"As pesquisas
mostram claramente que ganhei o debate contra a camarada Kamala Harris, a
candidata de esquerda radical dos democratas... e ela imediatamente pediu um
segundo debate", acrescentou.
O ex-presidente
realizou um comício no Arizona na quinta-feira, e deu uma entrevista ao canal
Telemundo Arizona nos bastidores. "Simplesmente não achamos que seja
necessário", ele disse sobre um segundo debate com Kamala. "Achamos
que já discutimos tudo, e acho que eles também não querem."
A campanha de Kamala,
no entanto, solicitou um segundo debate logo após o confronto na Filadélfia — e
continuou a fazer isso na quinta-feira. Eles disseram que os eleitores
"precisavam ver a escolha que vão enfrentar nas urnas: seguir em frente
com Kamala Harris ou retroceder com Trump".
"A
vice-presidente Kamala Harris está pronta para um segundo debate. Donald Trump
está?", questionou a campanha.
Em conversa após o
debate, vários representantes da campanha de Trump —incluindo o deputado
republicano pela Flórida, Matt Gaetz — afirmaram acreditar que o ex-presidente
aceitaria outro debate.
No entanto, Trump
disse à Fox News na manhã seguinte que o debate havia sido
"manipulado" — e que ele estava "menos inclinado" a
participar de outro depois de sua "grande noite".
Sua decisão na
quinta-feira também pareceu contradizer mensagens anteriores da sua própria
campanha. Na manhã de quarta-feira, Jason Miller, um assessor do ex-presidente,
afirmou à rede CNN que Trump "já disse que vai fazer três debates".
As duas campanhas
teriam discutido a possibilidade de um debate na rede NBC News em 25 de
setembro. O canal não comentou a última declaração de Trump.
<><>
'Trump precisa de um novo ângulo'
Adam Green, cofundador
do Progressive Change Campaign Committee —organização que assessorou a campanha
da chapa Harris-Walz sobre mensagens na área econômica — disse à BBC que a
decisão de Trump foi um "duplo favor" à campanha de Kamala.
"Os eleitores vão
ter uma impressão duradoura de Kamala Harris como uma presidenciável — e que
está ao lado deles", avalia.
"Isso
provavelmente vai fazer muito bem a ela."
"Outro debate
ajudaria Kamala Harris, mas também poderia chacoalhar o brilho existente que a
cerca", observa Green.
Jeremy Petersen, um
eleitor independente de Utah, disse à BBC que não ficou surpreso com a decisão
de Trump.
"Se [Trump] não
acha que pode conseguir algumas frases de efeito nas redes sociais, não há
vantagem para ele aparecer", afirmou Petersen, acrescentando que
provavelmente apoiaria Kamala após o debate na Filadélfia.
"Ele achava que
Kamala Harris não teria o tipo de desempenho que ela teve, e agora está com
medo."
"Ele não pode
deter o ímpeto dela por meio do debate, então precisa de um novo ângulo",
completou.
Os debates
televisionados datam de 1960, quando John F. Kennedy enfrentou Richard Nixon.
Tradicionalmente, são
realizados dois ou três debates presidenciais na maioria dos ciclos eleitorais,
além de pelo menos um debate vice-presidencial.
Esta tradição, no
entanto, foi quebrada em julho, quando o presidente americano, Joe Biden, se retirou da disputa semanas
após um desempenho desastroso contra
Trump no primeiro debate.
O debate subsequente
entre Kamala e Trump aconteceu após semanas de idas e vindas sobre se iria
adiante e sob quais condições.
Trump sugeriu
anteriormente debates adicionais na Fox e na NBC News, embora Kamala tenha
concordado apenas com o da ABC News.
Em sua postagem na
plataforma Truth Social na quinta-feira, Trump disse que sua adversária
"se recusou" a participar dos debates adicionais.
As estatísticas da
empresa de análise de mídia Nielsen mostram que 67,1 milhões de pessoas
assistiram ao debate de terça-feira, um número significativamente maior do que
os 51,3 milhões que assistiram ao debate de junho entre Trump e Biden.
As pesquisas de
opinião sugerem que Kamala e Trump estão em uma disputa bastante acirrada
em Estados considerados decisivos,
como Pensilvânia, Michigan e Wisconsin.
Uma pesquisa da
Reuters/Ipsos indicou na quinta-feira que Kamala tinha cinco pontos de vantagem
sobre Trump a nível nacional, enquanto 53% dos entrevistados disseram que ela
venceu o debate de terça-feira.
¨ Por que mensagem de Trump de que EUA estão em declínio tem tanto
apelo
A
vice-presidente Kamala Harris pode
ter tirado Donald Trump do sério no
palco do debate, mas a promessa do ex-presidente de salvar
uma nação em declínio reverbera entre os eleitores indecisos nesta parte de
um Estado considerado decisivo para
a eleição presidencial de
novembro.
Paul Simon levou
quatro dias para pegar uma carona em Saginaw — ou pelo menos é o que ele diz na
letra de America, sua icônica balada dos anos 1960, com almas
perdidas nas estradas de um país em transformação.
Naquela época, o longo
e lento declínio desta cidade já havia começado, à medida que as outrora
poderosas fábricas de automóveis do Estado de Michigan fechavam as portas,
fustigadas pelos ventos da concorrência estrangeira.
Hoje, a angústia e a
solidão da música, de autoria de Simon e Art Garfunkel, são muito maiores.
Encontrei Rachel
Oviedo, de 57 anos, sentada em sua varanda, olhando para a paisagem de móveis
abandonados na rua e, mais além, para a estrutura de uma fábrica que produzia
peças de automóveis para a Chevrolet e a Buick, mas que acabou fechando suas
portas em 2014.
"Nós sentamos
aqui o dia todo", ela me disse. "Vemos moradores de rua entrando e
saindo de lá, eles precisam derrubar e fazer algo com aquilo."
"Um
supermercado", ela sugeriu. "Porque não temos supermercados por
aqui."
Eu a conheci no dia
anterior ao debate de terça-feira à noite na Filadélfia,
quando ela me disse que ainda não tinha certeza de como votaria.
Donald Trump, ela
falou, parecia uma aposta conhecida e "um homem de palavra", enquanto
Kamala Harris parecia promissora, mas ainda um tanto desconhecida.
"Eu gosto
dela", ela acrescentou.
"Mas não sabemos
o que ela vai fazer."
A maioria dos Estados
americanos pende tão fortemente para os democratas ou para os republicanos que
o resultado pode ser antecipado.
E se Michigan é um dos
poucos swing states (ou Estados-pêndulo), como são chamados,
então Saginaw é um dos poucos lugares em que o voto pode realmente ir para
qualquer lado.
Quando forem às urnas,
serão os eleitores indecisos como Rachel, em lugares como este, que vão ter
literalmente o futuro dos Estados Unidos em suas mãos.
Chuck Brenner, um
policial aposentado de Saginaw, é outro exemplo.
O homem de 49 anos,
que ainda trabalha meio período como agente de liberdade condicional e
administra sua própria agência imobiliária, diz que viu de perto os problemas
daqui.
"O pai de quase
todo mundo trabalhava na indústria automobilística", ele conta.
"Naquela época,
todo mundo tinha dinheiro e havia empregos disponíveis. Você vê a mudança, as
pessoas estão em dificuldade porque estão crescendo pobres, e depois tem as
drogas e tudo mais."
A mensagem de Trump
sobre o declínio americano toca Chuck.
"Absolutamente",
ele diz. "Porque você pode ver."
Mas, embora tenha
votado em Trump em 2016, ele optou por Joe Biden em 2020.
"Houve muito
drama com Trump", ele acrescentou. "E os problemas na Justiça. Eu
meio que cansei disso."
Desta vez, ele
insistiu que só tomaria uma decisão depois de assistir ao debate — e ouvir o
que ambos os candidatos tinham a dizer.
Saginaw, assim como o
Estado de Michigan de uma forma mais ampla, já foi fortemente democrata — a
lista de candidatos que apoiou ao longo das décadas revelou sua inclinação
política: Bill Clinton, Al Gore, John Kerry, Barack Obama e Joe Biden.
A votação de 2016,
quando Saginaw — assim como Brenner — escolheram Trump, marcou uma mudança.
Você não precisa
passar muito tempo aqui para perceber o quão notável foi essa mudança.
Jeremy Zehnder dirige
uma empresa de polimento de caminhões, fazendo o tipo de trabalho do qual os
democratas costumavam depender para obter apoio.
Cercado por caminhões
e reboques gigantes, a força vital das redes de distribuição da economia americana, ele
me diz que não são as performances no debate, mas o custo de vida que
vai determinar como ele vai votar.
E a maioria dos
eleitores diz nas pesquisas de opinião que
confia mais em Trump quando o assunto é economia.
"No caso dos
caminhoneiros, todos os que conhecemos estão se inclinando para a
direita", ele afirmou.
"O quê,
todos?", perguntei a ele, um pouco incrédulo.
"Não conheço
nenhum que não esteja", ele respondeu. "Quero dizer, recebemos
centenas de caminhões todos os anos. E todos (os caminhoneiros) querem falar
sobre isso, todo mundo fala sobre isso."
Em um evento do
sindicato de trabalhadores do setor automotivo (UAW, na sigla em inglês), onde
os membros assistiram ao debate, conheci um dos organizadores do sindicato, Joe
Losier.
O UAW prometeu apoiar
Kamala Harris — e grande parte da multidão no recinto gritava e aplaudia a cada
crítica que ela fazia a Trump.
Mas se analisarmos um
pouco mais fundo, as divisões do cenário político dos EUA também podem ser
encontradas aqui.
"Meu pai e todos
os meus tios, de ambos os lados da minha família, que são todos do UAW, se
tornaram republicanos", diz Losier, incapaz de esconder a incredulidade em
sua própria voz.
"São imigrantes
de segunda geração que vieram para cá, e começaram a trabalhar na indústria
automobilística na Primeira Guerra Mundial, e me espanta que muitos dos meus
familiares sejam comerciantes que estão apoiando Donald Trump."
Ele não tem nem
certeza de como seus dois filhos adultos vão votar.
A hora do jantar é
"terrível", ele diz.
Com os trabalhadores
temendo mais cortes de turnos e demissões, o sindicato se vê cada vez mais fora
de sintonia com seus membros.
Há um grande apoio
aqui à promessa de Trump de impor tarifas rígidas sobre as importações — e uma
discordância em relação ao argumento de Kamala Harris no debate de que a
política simplesmente aumentaria os preços.
Após o debate, liguei
para Chuck Brenner para saber o que ele havia achado. Ele tinha boas notícias
para os democratas.
"Acredito que
Kamala foi a grande estrela", ele me disse. "E a conclusão é que ela
ganhou meu voto. Fiquei impressionado com o que ela tinha a dizer, com sua
apresentação."
"No caso do
Trump", ele continuou, "foi mais ou menos o que eu esperava. Não
houve surpresas. É mais ou menos a mesma coisa. Mais do mesmo."
Mas Rachel Oviedo
ainda estava indecisa, ela me disse, só que agora mais inclinada para Trump.
"Acho que ele vai
fazer mais por nós aqui", ela afirmou.
"Sabe como é, ele
fez coisas que não deveria ter feito", acrescentou. "Mas você precisa
perdoar as pessoas."
Já Jeremy Zehnder, da
empresa de polimento de caminhões, admitiu ter ficado um pouco surpreso com o
desempenho de Harris.
"Ela se saiu
muito melhor do que eu imaginava", ele disse. “Acho que ela ganhou (o
debate)."
Mas ele está fechado
com Trump. É sobre política, ele afirmou. Os impostos, a fronteira e o custo de
vida.
Nas ruas de Saginaw,
Kathleen Skelcy batia de porta em porta, fazendo campanha para Harris.
Ela me disse que acha
difícil ver qualquer lógica por trás das motivações políticas de seus
oponentes.
"É assustador
tentar entender essas pessoas e seu pensamento", ela completou.
"Acho
simplesmente que elas não receberam educação, ou dormiram na escola ou algo do
tipo."
É fácil ver isso como
paternalismo, outro sinal de que alguns democratas consideram o apelo de Trump
meramente ilusório.
Está claro, no
entanto, que a confiança e a compreensão podem ser escassas em ambos os lados.
Enquanto conversamos,
um apoiador de Trump, sai gritando de sua casa, em tom agressivo e ameaçador, e
segue Kathleen pela rua.
"Harris é uma
palhaça", ele grita, acrescentando alguns palavrões.
E na porta de casa, um
eleitor democrata recusou a oferta para colocar um cartaz de Harris no jardim,
com medo de sofrer abuso semelhante.
Em algumas semanas,
Saginaw vai às urnas.
Antes disso, é
praticamente certo que muitos outros jornalistas vão passar por este
distrito-chave que é um termômetro da campanha, todos em busca dos Estados
Unidos, como diz a canção.
Ele está aqui, em todo
seu afinco e luta, e em uma história vivenciada hoje em meio a uma divisão
política gritante.
Um debate precisa de
meio termo. E resta muito pouco disso.
Fonte: BBC News Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário