Intolerância no judiciário: No Pará,
justiça fecha terreiro e mãe de santo alega intolerância
Um caso recente
reacendeu o debate sobre intolerância religiosa em Belém: a Justiça do Pará
determinou o fechamento do terreiro de umbanda Casa Mãe Mariana, comandado há
quatro anos pela mãe de santo Jussilene Natividade Maia, a Mãe Ju, no bairro de
Canudos. A decisão foi tomada após uma série de denúncias feitas por uma
vizinha por perturbação sonora.
Para mãe Ju, o
episódio reflete um cenário maior de perseguição e discriminação contra as
religiões afro-brasileiras. À CENARIUM, o advogado de defesa Rodrigo Leite
disse que a mãe de santo buscou resolver os problemas e realizou mudanças no
terreiro, como o fechamento do espaço para diminuir o som. No entanto, mesmo
após essas tentativas de conciliação, a vizinha resolveu levar o caso ao
Ministério Público do Estado do Pará (MP-PA).
Na audiência, mãe Ju
compareceu desacompanhada de um advogado, enquanto a denunciante estava
representada por uma advogada. “A promotora fez uma fala bastante intolerante,
comparando a umbanda ao Carnaval”, relatou mãe Ju, que se sentiu constrangida e
desamparada durante o processo. O advogado aponta que a promotora, durante a
audiência, sugeriu que a religião era simplesmente “aquela batucada que fica
tocando lá”. Para ele, isso representa uma clara demonstração de intolerância
religiosa dentro do próprio MP-PA.
Após a audiência, o
caso foi encaminhado ao Judiciário, que determinou a desocupação do espaço em
30 dias. A decisão judicial inclui ainda restrições como a proibição de
manifestações sonoras no terreiro, caracterizando um Termo de Ajuste de Conduta
(TAC) que evoluiu para uma sentença de despejo do local.
“Realizo sessões de
desenvolvimento uma vez por semana, até no máximo 22h30. No entanto, devido às
denúncias, precisei interromper as atividades. Hoje, realizo o desenvolvimento
dos meus filhos com medo de que apareçam aqui mandando parar tudo, e não posso
tocar tambor ou bater palmas. Até mesmo o uso da sineta gerou reclamações. Além
da interrupção das atividades, tenho que mudar para outro local, mas aqui
também é minha residência, não só o terreiro”, diz mãe Ju.
Em resposta à
sentença, a defesa de mãe Ju registrou uma queixa na Delegacia de Crimes
Discriminatórios, acusando a vizinha de intolerância religiosa. “Este não é o
primeiro caso. Há outras situações em que o Ministério Público está pedindo o
fechamento de casas de Umbanda”, afirmou o advogado, que também destacou a
falta de legalização como um dos principais motivos para o fechamento dos
terreiros.
Leite aponta que a
maioria dos terreiros de Umbanda em Belém enfrentam dificuldades para se
legalizar devido à dependência de doações para sua manutenção. “Muitos
terreiros sobrevivem de doações, e os processos de legalização, apesar de serem
similares aos de qualquer outro estabelecimento, demandam recursos que muitas
vezes são escassos”, afirma.
A situação de mãe Ju
evidencia um cenário mais amplo de intolerância religiosa institucionalizada,
segundo o advogado. “É uma luta constante para assegurar o direito à liberdade
de culto e prática religiosa, especialmente para as religiões de matriz africana,
que continuam sendo alvo de discriminação”.
Rodrigo Leite
ressaltou ainda a importância da atuação das entidades representativas dos
terreiros na proteção e na promoção do respeito às religiões de matriz
africana. Para ele, a inserção dos terreiros em entidades representativas, como
a Federação Espírita Umbandista e de Cultos Afro-Religiosos do Estado do Pará
(Feucabep), é fundamental. “Essas entidades funcionam como guarda-chuvas de
proteção, especialmente no enfrentamento à intolerância religiosa. A associação
a essas organizações não só fortalece a união entre os terreiros, mas também
proporciona um espaço seguro para denúncias e orientações”, destacou.
Além de atuar como um
ponto de apoio para as comunidades religiosas, essas federações também recebem
denúncias de atos de intolerância e oferecem esclarecimentos sobre os direitos
dos praticantes. Rodrigo enfatiza que qualquer pessoa interessada em conhecer
mais sobre a federação ou que precise fazer uma denúncia pode procurar a sede
da entidade para receber suporte, localizada na travessa Enéas Pinheiro, N. ⁰
697, entre Pedro Miranda e Marquês de Herval, no bairro da Pedreira, em Belém.
• Missionária peruana procurada por
família há 16 anos é encontrada em situação de rua no ES
Uma missionária
peruana que era procurada pela família há 16 anos foi localizada a poucos meses
andando pelas ruas de Vila Velha, na Grande Vitória, Espírito Santo. Segundo
familiares de Zenovia Gonzales Arce, 67 anos, a mulher veio para o Brasil em
dezembro de 1996 com uma igreja, mas desde 2008 a família perdeu o contato com
ela.
A localização da
peruana só foi possível a partir de uma publicação nas redes sociais. A família
compartilhava informações sobre a mulher em um grupo de peruanos no Facebook.
Foi por meio dessa página que o peruano Christian Rissi, que vive no Espírito Santo
há alguns anos, viu a postagem.
Ele contou que, um
dia, estava andando de ônibus em Vila Velha quando viu a mulher dentro de um
terminal de passageiros. Foi ele quem fez o contato com os parentes dela, lá no
país de origem, e desde então tem ajudado os parentes de Zenovia a tentar levá-la
para casa.
Uma sobrinha da
peruana, Hilda Gonzalez, chegou ao Brasil nesta segunda-feira (10) para
procurar por Zenovia com a ajuda de Christian. O Consulado Peruano e a
Prefeitura de Vila Velha também foram acionadas para ajudar a família.
Com a chegada da
parente no Brasil, Christian vai ajudar Hilda em uma força-terefa. Eles vão
buscar saber qual é a situação legal de Zenovia no país, já que faz anos que
ela está no Brasil. Depois, vão procurá-la por alguns pontos da cidade. Isso
por que eles acreditam que a peruana não deve ter casa.
"Geralmente, ela
é vista carregando sacolas e, à noite, busca os terminais de ônibus para
dormir. Ela recebe até ajuda de vários fiscais desses locais, que oferecem água
e comida", relatou Christian.
A dificuldade de
encontrar Zenovia é por que ela vive em situação de rua, portanto, fica andando
pela cidade. Além disso, mesmo quando foi abordada por uma equipe de
Assistência Social da prefeitura, não quis ir para um abrigo (os agentes não
podem obrigar as pessoas a irem).
A sobrinha Hilda
conseguiu vir para o Brasil por meio de uma vaquinha feita no Peru com
familiares e amigos para tentar levar a tia de volta para o país de origem.
O g1 procurou o
Consulado Peruano para saber se a família acionou o órgão e se está ajudando a
família, mas não teve retorno até a última atualização desta reportagem.
<><>
Missionária
Uma outra sobrinha de
Zenovia, Carmen Gonzalez, explicou ao g1 como a tia chegou no Brasil. Segundo
ela, o contato foi perdido totalmente depois de 2008.
"Ela foi para o
Brasil há aproximadamente 30 anos junto com uma igreja. Hilda chegou a trocar
cartas com ela até 2008, depois o contato foi perdido. Foi então que sua irmã
pediu para minha sobrinha que a procurasse através das redes sociais. Foi assim
que conheceu alguns conterrâneos peruanos que vivem fora. Um deles, que mora no
Espírito Santo, disse que a conheceu de vista e que ela mora nas ruas",
disse Carmen.
Preocupados com o
estado de saúde de Zenovia, a ideia dos familiares é realizar algum tratamento
da peruana ainda no Brasil antes de levá-la para casa.
<><> Ajuda
da internet
Christian é formado em
Comunicação Social no Peru e mora em Vila Velha há 15 anos. Ele contou que
ficou sabendo da história de Zenovia a partir de outro peruano que mora em Vila
Velha e por meio de publicações em uma rede social.
"Em 2021, uma
sobrinha da senhora Zenovia pediu ajuda em um grupo no Facebook. Colocou várias
fotos e disse que estava procurando por ela. Um outro peruano que também mora
em Vila Velha respondeu e disse que tinha visto uma senhora parecida na cidade.
Esse amigo entrou em contato comigo e contou essa história, mas na época eu
nunca tinha visto Zenovia", relatou o peruano.
Em julho, Christian
estava dentro de um Transcol quando encontrou a peruana carregando algumas
sacolas e resolveu tentar conferir se era mesmo Zenovia.
"Eu vi uma
senhora com um monte de sacolas, falando sozinha. Vi que não era brasileira,
tinha traços de indígena. Tirei uma foto e mandei para o meu amigo e ele
confirmou que era ela mesmo. Peguei contato de familiares e segui ela até o
terminal. Fiz uma vídeochamada com a família, que disse era era a mesma pessoa.
Foi uma surpresa para todos, ela não reconhecia as sobrinhas, não lembrava de
ninguém, mas os familiares confirmaram e ela também atende pelo nome de
Zenovia", contou.
O peruano disse que
ainda tentou diversas vezes encontrar Zenovia pela cidade, mas que todas as
vezes em que eles se encontraram, a peruana acabava o afastando. No sábado (7),
Christian conseguiu encontrá-la em um terminal de ônibus em Vila Velha.
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Tentativas da Prefeitura
A Secretaria de
Assistência Social da Prefeitura de Vila Velha confirmou que tentou algumas
vezes abordar Zenovia nas ruas, mas relatou que ela recusou qualquer
intervenção da equipe de assistência social.
A equipe disse ainda
que uma representante do Consulado também esteve na cidade, no dia 19 de
agosto, para conversar com Zenovia para que ela aceitasse o acolhimento. Mas a
peruana negou a ajuda.
A família entrou em
contato com a prefeitura novamente no início de setembro, mas que em todas as
tentativas a mulher não aceitou ajuda, e ressaltou que o trabalho é apenas de
convencimento.
• Filósofos africanos consideram que a
palavra 'África' é uma injúria racial, e que continente deveria ser renomeado.
PorJonathan O. Chimakonam
Os africanos devem ser
chamados de negros ou a categorização das pessoas pela cor da pele é uma
prática racista? E quanto à África? O nome do continente é uma injúria racial
porque foi escolhido pelos exploradores europeus e baseado no clima, e não nas
pessoas, e deveria ser renomeado?
Essas são perguntas
que o estudioso de filosofia africana Jonathan Okeke Chimakonam considera em
sua pesquisa. O The Conversation perguntou o que ele e seu coautor concluíram.
LEIA A ENTREVISTA:
Quem batizou a África e qual o
significado do nome?
O nome África foi dado
ao continente pelos exploradores, escravagistas e colonizadores europeus que
chegaram como comerciantes e exploradores nos anos 1400. Acredita-se que
“África” tenha sido tirado do grego aphrike, que significa sem frio; em latim,
traduz-se para aprica, que significa ensolarado.
Você sabe como é. Os
seres humanos costumam dar nomes a estranhos ou a novos lugares que encontram.
Em geral, isso ocorre para que possam identificar essas pessoas ou lugares. Mas
a história também mostra que esses “batizados” geralmente não são agradáveis
devido ao espírito doentio de competição que naturalmente caracteriza as novas
descobertas.
De fato, em muitos
casos, os nomes são calúnias destinadas a rebaixar essas pessoas ou lugares.
Por exemplo, aprendemos com os relatos de Homero, o antigo poeta grego, que,
quando os gregos encontraram pela primeira vez os povos do leste da África,
eles os chamaram de aethiops ou Aithiops, que significa rosto queimado pelo
sol.
Os antigos judeus se
referiam a pessoas de outras nações e crenças como gentios, o que era uma
calúnia porque os identificavam como forasteiros. Os antigos chineses se
referiam aos povos da Mongólia como bárbaros, e a lista continua.
Às vezes, o insulto
não se dirige diretamente às pessoas - por exemplo, quando a cultura e os povos
do continente são ignorados na nomeação, como África ou África do Sul. Aphrike
se refere ao clima; África do Sul se refere à geografia. O que os dois exemplos
têm em comum é o silêncio sobre os habitantes, sua cultura e realizações. Isso
implica que a história do lugar começou com o nomeador, como se fosse
desabitado antes da chegada dele.
<><> O
nome África é uma injúria racial?
A nomenclatura é uma
ferramenta que usamos para identificar objetos e dar sentido ao mundo ao nosso
redor. Até esse ponto, é uma coisa boa e poderosa. O problema é quando algumas
pessoas decidem transformá-la em uma arma, como, por exemplo, usar insultos
para desonrar outras pessoas.
A escravidão, o
colonialismo e as ideologias racializadas, como o apartheid na África do Sul,
continuam sendo algumas das piores armas de utilização de nomes por meio de
difamações.
Meu coautor e eu
argumentamos em nosso artigo que o nome África é uma injúria racial. Aphrike ou
aprica refere-se ao clima quente do continente, talvez em exagero, com a falsa
impressão de que o continente é “sem frio”. Se o continente é quente e não tem
frio, isso o tornaria o proverbial fogo do inferno, não é mesmo?
Veja o significado de
aethiops. Aqui, as pessoas encontradas no continente chamado ensolarado, ou sem
frio, tornaram-se pessoas com rostos queimados pelo sol. A dedução é que o sol
implacável queimou a pele dos habitantes. Quando algo está queimado ou carbonizado,
nós o chamamos de preto.
Alguém se pergunta por
que os defensores do racismo científico em algumas universidades europeias nos
anos 1700 e 1800, especialmente na Universidade de Göttingen, na Alemanha,
decidiram classificar os povos indígenas africanos com a cor preta, os índios
americanos com o vermelho, alguns povos asiáticos com o marrom, outros com o
amarelo e os europeus com o branco?
Argumentamos que esses
são vários níveis de degeneração, com exceção da cor branca, que é intocada,
pura e imaculada. Em nossa opinião, identificar um ser humano com qualquer cor
é racismo. Identificar-se como branco é desconsiderar os outros como não brancos,
o que é racismo indireto, e chamar alguém de qualquer outra cor - como negro -
é uma subordinação racial direta.
A essência do projeto
de categorização de cores da humanidade era estabelecer a hierarquia racial
como parte de uma tentativa de defender o racismo científico e justificar a
escravidão, a opressão colonial e a exploração.
<><> Vocês
defendem que o nome da África seja mudado?
Sim, defendemos.
Acreditamos que é uma coisa hedionda um continente inteiro ser chamado por uma
calúnia. Muitos países da África, como Zâmbia (Rodésia do Norte), Zimbábue
(Rodésia do Sul), Burkina Faso (Alto Volta), Gana (Costa do Ouro), mudaram seus
nomes após a independência política porque eram alcunhas que rebaixavam sua
cultura e negavam suas realizações como civilizações.
Argumentamos que é
isso que o continente também deve fazer. Neste caso, é ainda mais pertinente
porque o nome África tem alguns cognatos (nomes que têm a mesma natureza ou
origem semelhante) realmente terríveis, como aethiops e black (negro), que são
a base da moderna segregação racial antiafricana nos Estados Unidos, do
apartheid na África do Sul e da contínua subjugação racial em outras partes do
mundo.
Em nosso artigo de
pesquisa, propusemos pensar em um nome como Anaesia - derivado de duas palavras
Igbo-Africanas, ana e esi, que significam terra ou local de origem - como um
substituto para o nome África. Um nome como Anaesia fala aos fatos da história
sobre o continente como o primeiro lar de todos os seres humanos e onde a
primeira língua humana foi falada.
Fonte: Revista
Cenarium/g1/The Conversation Brasil
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