A sabotagem de Bibi e a submissão de Biden:
como se destrói a salvação de Gaza
A revelação em 31 de
maio das principais ideias do projeto de paz dos EUA, que Biden mentirosamente
atribuiu a Israel, agradou aos países envolvidos na busca de um ponto final
para a brutal Guerra de Gaza. Mas não ao premiê de Israel.
E assim, apesar do
otimismo de John Kirby, chefe do conselho de segurança da Casa Branca, o acordo
entre Israel e o Hamas, mediado pelos EUA, Catar e Egito, não deve sair tão
cedo do papel.
Biden e Blinken, seu
secretário de Estado, repetem enfaticamente que o Hamas é o culpado, que se
nega a aceitar a proposta apresentada pelo ainda presidente dos EUA.
A verdade é bem outra.
O Hamas aplaudiu a solução, fazendo apenas alguns reparos nos detalhes. Foi o
que bastou para o sibilino Blinken afirmar que essas modificações eram
totalmente absurdas.
Embora oficialmente em
silêncio, Israel era tratado por ele como um firme apoiador da nova proposta.
Porém o próprio líder,
o premiê Netanyahu, disse o contrário, em entrevista ao canal 12, Telavive: “a
afirmação de que Israel concordou em acabar com a guerra antes de todos os seus
objetivos serem conseguidos é uma mentira total”.
E esclareceu que seu
país continuaria lutando até o Hamas ser eliminado, “voltarem todos os nossos
reféns e se assegurando que nunca mais Gaza representará uma ameaça a Israel
(Times of Israel, ‘10/6/2014)”.
·
Submissão
inacreditável a Israel
Indignados com a
atuação negativa de seu chefe, membros da comissão de mediação, revelaram
(anonimamente) que Bibi estava sabotando as negociações.
Num ato de coragem
(raro nele) Biden disse: “Há todas as razões para acreditar que o primeiro
ministro Benjamin Netanyahu está continuando a atacar Gaza por razoes
políticas, dele” (Turnout, 4/6/2024).
O inquilino da Casa
Branca está certo. Bibi sabe que, enquanto houver guerra, o povo israelense
apoiará seu comandante em chefe.
Face um acordo de paz
com o Hamas, o povo não tem porque aceitar a permanência de um
primeiro-ministro a quem é fortemente hostil. Ele seria forçado a marcar novas
eleições. Conforme recente pesquisa, 69% das pessoas ouvidas exigem a renúncia
de Bibi e novas eleições, nas quais ele seria proibido de concorrer.
Nesse caso, Netanyahu
se veria transladado das macias almofadas do poder para o duro banco dos réus,
onde o espera um processo criminal, com boas chances de condená-lo.
É para evitar essa
incômoda perspectiva, que ele vem sabotando as negociações que visam pôr fim à
Guerra de Gaza. O que faz seus liderados na comissão de paz arrancarem seus
cabelos, tomados de justa ira.
Sob anonimato, eles
procuraram a imprensa, delatando os atos de seu chefe: “a manifestação de
Netanyahu objetiva explodir as negociações, não há outro meio de explicar. Ele
sabe que está havendo progressos, então ele vem com declarações que são o
oposto do que concordaram com os mediadores” (Times of Israel, 20/8/2024)”.
Por fim, as duas
partes apesentaram alterações, que desejavam que fossem feitas na proposta em
discussão.
Num esforço para
tornar o acordo mais palatável, o Hamas retirou a exigência de um cessar fogo
permanente.
Por sua vez, Blinken
foi a Telavive para conferenciar com Bibi. Voltou sorridente, com o rosto
tomado de santa alegria, anunciando que a reunião foi muito construtiva e o
premier aceitara a nova versão da iniciativa norte-americana.
Claro, o documento
acolhia todas as alterações de Israel, rejeitando as dos palestinos. O mais
importante para Telavive é manter em suas mãos os corredores Filadélfia e
Netzarim.
O corredor Filadélfia,
a única ligação de Gaza com o ambiente externo, completaria o fechamento da
fronteira com o Egito.
Gaza continuaria uma
prisão a céu aberto, com seus habitantes dependendo da autorização israelense
para entrar ou sair do estreito.
O corredor Netzarim,
por sua vez, é uma faixa de terra que divide a cidade de Gaza em duas partes.
Para passar de uma parte para a outra, os habitantes seriam submetidos ao
controle dos militares de Israel.
A situação ficaria
ainda pior do que antes da guerra, já que seria acrescentado ao domínio
sionista o estabelecimento de tropas israelenses no interior do território de
Gaza.
O Hamas se deu conta
de que a comissão criada para pôr termo à guerra não era para valer. Apenas uma
jogada de Netanyahu para se mostrar interessado na paz e assim suavizar a
péssima imagem que agora Israel apresenta, devido às barbaridades cometidas na Guerra
de Gaza.
Diante do viés
israelense da proposta original, o Hamas retirou-se das negociações, que,
teoricamente, continuam, embora sem uma das partes não tenham sentido mais.
Certamente, Netanyahu
brindou com o horroroso vinho do seu país o fracasso de uma iniciativa pela paz
em Gaza, que ameaçava seu alto cargo.
Quanto aos EUA, nada
fez para pressionar o premiê e impedir sua ação em favor da guerra. Pelo
contrário, chegou a deturpar a proposta que apresentara, a qual merecera
elogios de toda a parte, impondo modificações ditadas por Bibi, sabidamente
inaceitáveis pelo Hamas.
Estranho pois, para
Biden, a aprovação do seu acordo seria um maná. Não porque se sentisse
satisfeito em interromper a escalada dos ataques tão mortíferos quanto
criminosos de Israel contra o inocente povo de Gaza, mas porque poderia trazer
preciosos e abundantes votos de eleitores felizes pelo término do massacre de
Gaza, o que possivelmente garantiria a vitória do candidato democrata contra a
ameaça Trump.
No entanto, o
incondicional apoio a Israel o obrigou a favorecer esse país, contrariando seus
próprios interesses e os do seu próprio partido.
E, na hora do vamos
ver, os EUA apresentam uma proposta feita sob medida para o premiê israelense,
destinada à rejeição, pois o pessoal do Hamas pode ser louco, mas não é burro,
jamais aceitaria um texto que impunha quase todas as medidas exigidas por Israel.
Nessa ocasião, um
oficial sênior da força aérea israelense informou ao Haaretz que os “EUA
estariam em condições de pressionar Telavive a aceitar um acordo equânime já
que sem o enorme fornecimento de armas e munições do país amigo, Israel
dificilmente poderia continuar sua guerra por mais uns poucos meses” (Haaretz,
2/2/2024)”.
·
Autossabotagem
democrata?
Difícil entender as
razões do masoquismo do presidente democrata. Afinal, Israel não é mais dono
dos “hearts and minds” dos norte-americanos. Ano a ano, aumenta a posição
pró-palestinos dos súditos de Joe Biden.
Pesquisa Gallup de
16/3/2024 mostra que 49% dos entrevistados têm mais simpatia pelos palestinos
do que pelos israelenses, estes apoiados por apenas 38%. Esse inesperado índice
aumentou 11% relação a 2023.
Muitos democratas
ainda torcem por Israel, mas bem menos de forma incondicional. Em recente
pesquisa, 62% dos democratas se manifestam pela suspensão do envio de armas e
bombas ao exército de Israel; 56% dos membros desse partido acham que Israel
está cometendo genocídio em Gaza; e 7 em 10 defendem um cessar-fogo permanente
(Truthout – 8/5/2014).
Há outra hipótese para
explicar o incondicional apoio do establishment democrata a Israel: a conquista
dos votos dos judeus-americanos. Mas não parece haver fundamento. Em primeiro
lugar porque sempre esse segmento do eleitorado tem votado nos democratas por
ampla vantagem. Além disso, já não se faz mais judeus-americanos como
antigamente. A maioria deles não aprova Netanyahu de olhos fechados. Muitos se
pronunciam criticando o governo sionista em pesquisas sobre questões como a
matança do povo de Gaza, o direito à independência dos palestinos e o cessar
fogo permanente na guerra.
Grande número de
jovens judeus-americanos tem participado das manifestações de rua em favor dos
palestinos, até mesmo coliderando algumas delas, como recentemente em Chicago.
Acredita-se que o
principal motivo da adesão do Partido Democrata às posições e atos de Israel
(mesmo os que violam os direitos humanos) seja ganhar o respaldo e o dinheiro
de milionários e bilionários que fecham com Israel.
Parece inegável que os
próceres democratas considerem o dinheiro um fator essencial para sua campanha
eleitoral. Esta, digamos estratégia, tem dado certo, as doações para a campanha
de Kamala Harris superam as do problemático Trump.
E, 1 em cada 3
doadores de mais de mais de 900 mil dólares à dupla Harris-Walz, manifesta-se
publicamente contra os apelos palestinos, colocando Israel no céu.
Não quer dizer que os
2/3 restantes não pensem do mesmo modo, apenas que são discretos, preferindo
evitar falações políticas em público.
No entanto, nothing is
perfect, como filosofou Joe E. Brown no final do filme “Quanto mais quente
melhor”. Posicionar-se totalmente ao lado de Israel tem seus riscos.
O massacre de 40 mil
palestinos, inclusive 17 mil crianças, comoveu boa parte do mundo,
principalmente os jovens.
Nos EUA, a maioria
deles vota nos democratas e perfila ideias progressistas, de defesa dos
direitos humanos. E estão indignados com a política do governo democrata no
Oriente Médio.
Movimentos
espalharam-se pelos EUA, concitando os eleitores democratas a abandonar Biden.
Em Michigan, que
concentra a maioria dos cidadãos árabe-americanos, foi fundado o movimento VOTE
DESCOMPROMISSADO, propondo que as pessoas votem num candidato independente ou
se omitam, mas não em Biden (quando ainda era candidato), caso não mudasse a política
externa no Oriente Médio. Por todo o país, jovens e progressistas exortavam as
pessoas a abandoná-lo.
Os resultados foram
surpreendentes nas eleições primárias do Partido Democrata. Em Michigan, o VOTE
UNCOMPROMISED conseguiu 100 mil votos.
·
Kamala não mostra
firmeza
Diante da renúncia de
Biden e a entrada de Kamala Harris, renovaram-se as esperanças dos
progressistas e dos demais jovens democratas. Depois de algumas frases
isoladas, interpretadas com otimismo como avançadas, Harris logo mostrou-se
adepta das posições de Biden. Pretende manter o envio de armas a Telavive, o
apoio total ao governo sionista, o direito de Israel “se defender” etc.
Decepção geral no
campo dos progressistas e dos jovens do partido democrata. Quase todos
resolveram continuar pregando o agora ABANDONE HARRIS, enquanto a nova
candidata continuar rezando pela cartilha de Israel.
Os chefes da campanha
democrata acreditam que mesmo os jovens progressistas do partido acabarão
votando na sua candidata, para livrar o país da devastação que a vitória de
Trump provocaria.
Em parte, depende do
que Biden fará na guerra de Gaza ou em outras batalhas que Bibi poderá
empreender para se manter no seu cargo. Mesmo que prefira a omissão, típica dos
patos mancos como ele, ainda assim Kamala poderá ter de pagar pelos maus atos
do presidente que ela vem endossando.
Os jovens constituem
17% do eleitorado, a maioria favorável aos democratas.
Se a eleição fosse hoje, estima-se que Kamala desfrutaria de uma confortável
vantagem: entre 50% e 60% dos votos jovens, contra cerca de 34% a Donald Trump.
Mas as eleições serão
a daqui a 2 meses. Muita coisa pode mudar. Os jovens não são grandes
apreciadores do ato de votar. Em recente pesquisa, 77% do total dos jovens
informou que deverá votar, o que é bem inferior às intenções de 90% dos
cidadãos mais velhos.
Nas últimas eleições
52,5% dos jovens acorreram às urnas. Foi um recorde. Biden soube convencer
parte dos jovens de que compartilhava muitas das suas teses sobre os eventos no
Oriente Médio.
A participação
entusiasta do principal líder progressista do país, o senador Bernie Sanders,
foi considerada um aval à presidência Biden. Hoje, o apoio desse político à
candidata dos democratas vem sendo extremamente discreto.
Continuando a
proclamar amor eterno a Israel, no Bem e no Mal, Kamala certamente amanhará
mais algumas milionárias doações de campanha. Mas conseguirá motivar um grande
número de jovens a sufragar seu nome, em vez de aproveitar o feriado para fazer
algo mais divertido?
Fonte: Por Luiz Eça,
em Correio da Cidadania
Nenhum comentário:
Postar um comentário