Líderes
indígenas alertam para 'genocídio aprovado' por deputados no Brasil
Vários líderes da luta indígena brasileiros,
incluindo o cacique Raoni Metuktire, pediram ao presidente Lula que
"vete" um projeto de lei para limitar a demarcação de terras
indígenas que, em sua opinião, representa um "genocídio aprovado"
pelos deputados.
"Esta aprovação do projeto de lei ameaça nossos
direitos. Todos nós, povos indígenas do Brasil, não aceitamos", disse à
AFP o nonagenário Raoni na língua kayapó, em Paris, traduzido por seu sobrinho
Bemoro Metuktire.
No dia 31 de maio, a Câmara dos Deputados aprovou um
projeto que limita a demarcação de terras indígenas àquelas ocupadas por eles
em 1988, quando foi promulgada a atual Constituição. Agora o texto deve ser
submetido à votação do Senado.
Promovida por deputados simpatizantes do agronegócio
e opositores, essa aprovação foi um revés para as promessas ambientais do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que anunciou a demarcação de novas
reservas de terras indígenas.
"Significa um genocídio aprovado pela Câmara
dos Deputados. É tirar o nosso direito de viver, é acabar com o futuro dos
nossos filhos. Acabar com o futuro dos povos indígenas é também acabar com o
futuro das florestas", acrescentou Watatakalu Yawalapiti, líder do
movimento de mulheres indígenas do Xingu.
No Brasil há um total de 764 territórios de povos
indígenas, mas cerca de um terço ainda não foi demarcado, segundo dados da
Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
As comunidades indígenas rejeitam o "marco
temporal", já que muitos povos não ocuparam determinados territórios em
1988 por terem sido expulsos, principalmente durante a última ditadura militar
(1964-1985).
E "matar os direitos indígenas é também matar a
vida do planeta, porque nós cuidamos das florestas, nós ensinamos as pessoas a
valorizarem o meio ambiente", enfatizou Watatakalu, pedindo a Lula que
"vete" esse projeto.
- Pressão internacional -
A votação caiu como um balde de água fria durante a
passagem das lideranças indígenas pela Europa para conscientizar e arrecadar
fundos para proteger a Amazônia, e agora buscam uma manifestação no Brasil no
dia 7 de junho.
Nesse dia, o Supremo Tribunal Federal (STF) deve se
pronunciar sobre o "marco temporal" e as lideranças indígenas esperam
que seus membros "tomem as decisões certas", nas palavras do cacique
Tapi Yawalapiti.
Além de "pressionar" o Senado e o STF,
Tapi pede para não votar nos parlamentares que aprovarem o projeto, denunciar a
violação dos direitos indígenas e alertar o mundo sobre a situação.
"Nesse momento, peço a união de todo mundo, a
força de todo mundo para que a gente salve a floresta. Estamos gritando aqui,
pedindo socorro porque estamos protegendo a floresta para o mundo",
acrescentou Tapi.
Enquanto o mundo busca limitar o aquecimento global,
cientistas afirmam que a demarcação de terras indígenas é uma barreira
fundamental para o avanço do desmatamento na Amazônia, a maior floresta
tropical do mundo.
Watatakalu Yawalapiti enfatizou que o objetivo do
projeto de lei é "autorizar mais desmatamento, autorizar a construção de
ferrovias, mais plantações de soja" e "produzir mais carne".
E pediu aos presidentes, empresas e cidadãos do
mundo inteiro que pressionem e apoiem Lula diante dos deputados, principalmente
quando "tudo o que acontece é em nome do povo de fora", para produzir
coisas para a "Europa" e a "China".
"De que adianta falar em mudança climática se
vocês compram produtos que estão matando os povos indígenas e matando a
floresta?", questionou o líder indígena, pedindo um boicote a esses
produtos, se a situação não mudar.
Entenda
o esvaziamento dos ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas
A medida provisória da Esplanada dos Ministérios
aprovada no Congresso nesta semana esvaziou o Ministério do Meio Ambiente e da
Mudança do Clima, comandado por Marina Silva (Rede), e o Ministério dos Povos
Indígenas, liderado por Sonia Guajajara (PSOL).
A desidratação das pastas ambientais entrou na
balança da disputa de forças do governo do presidente Lula (PT) na Câmara e no
Senado. O Palácio do Planalto escolheu como estratégia preservar a Casa Civil,
de Rui Costa (PT), e ceder à pressão da bancada ruralista nas outras duas, para
não deixar a medida caducar.
A estrutura da Esplanada foi determinada por Lula
logo no início do governo e ampliou o número de ministérios de 23 para os
atuais 37.
A seguir, entenda os principais pontos de disputa
entre ambientalistas e ruralistas na política do governo federal e como ficam
as atribuições das pastas com as mudanças.
O QUE MUDOU
A estrutura da Esplanada aprovada no Congresso
retirou o CAR (Cadastro Ambiental Rural) do Ministério do Meio Ambiente e o
colocou sob a pasta da Gestão.
Também transferiu a ANA (Agência Nacional de Águas e
Saneamento Básico) da pasta ambiental para a da Integração e do Desenvolvimento
Regional, comandada por Waldez Góes -indicação do União Brasil, apesar de estar
licenciado do PDT.
Já o Sinisa (Sistema Nacional de Informações em
Saneamento Básico), o Sinir (Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão dos
Resíduos Sólidos) e Singreh (Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos
Hídricos) deixaram o Meio Ambiente e foram para Cidades, de Jader Filho.
A competência pela demarcação de terras indígenas,
que estava com o Ministério dos Povos Indígenas, passou para a Justiça, de
Flávio Dino.
IMPACTOS
As mudanças foram duramente criticadas por Marina
Silva e Sonia Guajajara.
A demarcação de terras indígenas está no centro da
política indigenista do governo Lula. No último Acampamento Terra Livre, em abril,
o presidente anunciou a homologação de seis novos territórios, após quatro anos
sem nenhuma nova demarcação durante a gestão Bolsonaro.
Com a mudança, a Funai segue responsável por fazer
os estudos antropológicos para a identificação e a determinação da área de
direito dos povos.
Dali em diante, porém, há mudanças. Antes, a equipe
de Sonia Guajajara analisaria o material e, se aprovado, o repassaria para a
Casa Civil, que, então, despacharia para a Presidência, para a demarcação
final. Agora, esse passo ficará com o Ministério da Justiça.
"A retirada da atribuição do ato declaratório
do Ministério dos Povos Indígenas, com certeza, tira nossa autonomia",
disse Guajajara após a derrota. Ela afirmou, no entanto, que confia que o
ministro Flávio Dino e Lula manterão o compromisso de dar celeridade às
demarcações.
A pasta de Marina Silva perdeu o CAR (Cadastro
Ambiental Rural), instância que originalmente é do Meio Ambiente, mas que havia
sido passada à Agricultura durante a gestão Bolsonaro e que voltou à origem no
novo governo petista.
O CAR é o principal instrumento de catalogação de
propriedades rurais e de fiscalização de crimes ambientais cometidos por
proprietários de terra.
O registro no cadastro é obrigatório e, ao entrar
nele, o proprietário rural se compromete também a seguir um plano de
preservação do meio ambiente, que inclui o reflorestamento em caso de
desmatamento além do permitido.
Recentemente, por exemplo, o Ibama (Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) tem cruzado
registros no CAR com outros sistemas para identificar e realizar operações
contra fazendeiros que cometeram desmatamento ilegal ou venderam carne de gado
em situação irregular.
Já a ANA é responsável, entre outras funções, por
regulamentar instituições de saneamento, além de gerir políticas hídricas e o
acesso à água.
A mudança na gestão de resíduos sólidos também é
criticada por integrantes do Meio Ambiente.
"Eu sinceramente não entendo a lógica, porque
toda a parte de regulação, formulação, avanço tecnológico nessa agenda [dos
resíduos] têm a ver com a gestão ambiental brasileira", afirmou a
ministra.
"Querem mudar a medida provisória da Esplanada
para implementar o governo Bolsonaro no governo Lula", afirmou à Folha, no
final de maio.
HISTÓRICO
Quando presidente, Jair Bolsonaro (PL) decidiu
esvaziar o Ministério do Meio Ambiente, então comandado por Ricardo Salles,
hoje deputado federal.
Retirou da pasta ambiental o Serviço Florestal, o
CAR e a ANA. Os dois primeiros passaram à Agricultura e a última, para o
Desenvolvimento Regional.
Nos primeiros dias de governo, por meio da medida
provisória da Esplanada, Lula e Marina desfizeram essas alterações e devolveram
os órgãos para o Meio Ambiente. Também foi criado o Ministério dos Povos
Indígenas, uma promessa de campanha, que assumiu o controle da Funai (Fundação
Nacional dos Povos Indígenas).
Como mostrou a Folha, parlamentares fizeram uma
ofensiva para alterar esses trechos da medida provisória e apresentaram emendas
para retomar o organograma da gestão antiga.
As emendas queriam retornar o CAR à Agricultura, a
ANA para o Desenvolvimento Regional e a Funai para a Justiça -extinguindo a
pasta indígena.
Sem força no Congresso, Lula acabou cedendo em parte
à pressão ruralista.
No mesmo dia em que o Congresso aprovou o relatório
que desidratou as pastas ambientais, a Câmara também aprovou a urgência do
marco temporal -o projeto foi aprovado pelo plenário nesta terça (30)- e o
projeto de lei da anistia ao desmatamento, com um "jabuti" que
afrouxou a Lei da Mata Atlântica.
REDUÇÃO DE DANOS
Agora o governo estuda maneiras para reduzir o
prejuízo.
Após os reveses no Congresso, Lula reuniu Marina e
Sonia Guajajara, junto com Rui Costa e Alexandre Padilha (Relações
Institucionais).
Segundo interlocutores disseram à Folha, o
presidente assegurou que, independentemente do setor onde instrumentos como o
CAR e a demarcação de terras estejam, sua gestão cumprirá o compromisso de
preservar o meio ambiente e a defesa dos indígenas.
Durante o encontro, Lula discutiu com os ministros a
possibilidade de realizar, por exemplo, uma gestão compartilhada tanto da
demarcação de terras indígenas quanto do CAR.
O governo busca agora alternativas para construir
essa estrutura e que dependam apenas de normas internas ao Executivo. Por exemplo,
a publicação de portarias.
Uma das possibilidades, por exemplo, é que tanto as
decisões do CAR quanto sobre demarcação de terras sejam referendadas por Meio
Ambiente e Povos Indígenas, respectivamente.
Outra é a criação de conselhos, chefiados pela Casa
Civil, mas com presença de membros dessas pastas, para atuar no processo de
cada um desses instrumentos retirados de suas áreas originais.
Segundo presentes, o tom da reunião ditado por Lula
foi o de que o governo vai assegurar a efetivação das políticas ambientais.
No encontro, não se chegou a uma conclusão sobre
qual a melhor solução. As alternativas de veto ou de judicialização, no
entanto, foram descartadas.
Indígenas
do Amapá e Pará comemoram negativa do Ibama para exploração de petróleo
A negativa do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) para a exploração de petróleo na
Foz do Amazonas foi recebida com comemoração por entidades indígenas do Amapá e
do Pará, assim como por ONGs internacionais de preservação da natureza que
atuam na região.
A Apoinp (Articulação dos Povos e Organizações
Indígenas do Amapá e Norte do Pará), o CCPIO (Conselho de Caciques dos Povos
Indígenas do Oiapoque), o Greenpeace, o WWF e o Observatório do Clima
manifestam preocupação, desde antes da negativa, em relação à falta de
informações para as comunidades que podem ser afetadas pelo projeto de
perfuração da bacia.
Para a Apoinp e o CCPIO, a Petrobras não apresentou
um estudo de impactos sociais adequado diante do inevitável crescimento
populacional que ocorreria em Oiapoque (AP), município localizado no extremo
norte, na fronteira do Brasil com a Guiana Francesa, onde se concentra a maior
parte da população indígena do Amapá.
As entidades lançaram uma nota conjunta "contra
projetos de exploração que desrespeitam o direito à consulta livre, prévia e
informada, garantido pela Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do
Trabalho) sobre povos indígenas e tribais".
Em nota, a Petrobras afirmou que a atividade de
pesquisa de petróleo, pedida ao Ibama, é temporária, de baixo risco, com
duração aproximada de cinco meses. Caso seja confirmado o potencial produtivo,
a empresa confeccionará, afirma, um novo procedimento de licenciamento
ambiental com a elaboração de estudos e projetos ambientais mais detalhados.
A estatal disse, ainda, que a estrutura de resposta
a emergências é a maior já apresentada no país, composta por 12 embarcações,
cinco aeronaves, cem profissionais e sistemas de contenção de óleo e bloqueio
de poços.
O Amapá possui uma população indígena estimada em
5.802 habitantes em Oiapoque, 3.043 no parque do Tumucumaque (unidade de
conservação entre AP e PA) e 1.220 em Pedra Branca do Amapari, totalizando
10.065, segundo dados da Secretaria Extraordinária dos Povos Indígenas, do
governo estadual.
A porta-voz da Apoinp, Luene Karipuna, conta que
tentou contato com a Petrobras para consulta prévia, mas não obteve retorno.
Por este motivo, a organização rejeitou os convites de audiências públicas.
A entidade é composta pelas etnias apalai, akuriyó,
galibi-marworno, galibi kali'na, karipuna, katxuyana, palikur-arukwayene,
sikyiana, wajãpi, wayana, tiriyó e txikuyana.
"Nós entendemos que eles [da Petrobras]
poderiam usar a nossa presença em audiências públicas gerais como justificativa
de consulta prévia. Sendo que, na verdade, a consulta prévia segue outro modelo
de critério e atende um protocolo diferente, de acordo com as nossas
necessidades", disse Karipuna.
O CCPIO reúne as etnias karipuna, galibi-marworno,
galibi kali'na e palikur, que estão divididas em cinco regiões, entre elas as
próximas aos rios Curipi, Uaçá, Urucauá, Oiapoque e a BR-156.
As principais atividades econômicas e de
subsistência desses povos são a agricultura, a caça e a pesca. Para o Conselho
dos Caciques, a exploração na região gera diversos riscos aos indígenas.
Para um dos caciques ouvidos pela reportagem, que
pediu anonimato, quando o estudo dizia que a terra indígena estava fora de
perigo, a informação não seria a realidade, porque a terra indígena já está
sendo impactada de alguma forma.
Segundo ele, os indígenas têm relatado problemas
causados pelas aeronaves que passam por cima das aldeias e afugentam animais,
além do maior fluxo de pessoas em Oiapoque propiciado pelas atividades de
preparação para explorar petróleo na bacia da Foz do Amazonas.
Em maio, a Assembleia Legislativa do Amapá organizou
audiência pública para reunir políticos, associações e a sociedade civil para
debater a possível exploração de petróleo na região de Oiapoque.
O porta-voz de oceanos do Greenpeace Brasil, Enrico
Marone, relata que a região da disputa entre a Petrobras e o Ibama é muito
sensível, por abrigar uma faixa contínua de mangues que vai do Amapá até o
Maranhão.
O ativista explica que o bioma tem um papel
fundamental para o equilíbrio climático do planeta, pois compensa a emissão de
gases do efeito estufa, retendo carbono. Outro ponto é a presença dos recifes
de corais na foz do Amazonas, descobertos em 2016 e ainda pouco estudados pela
ciência.
"Em 2017, a Greenpeace fez uma expedição a
bordo do navio Esperanza para vários levantamentos. Mapeamos a presença do
grande sistema de recifes de corais 'da Amazônia'. Nunca tinham sido vistos ou
registrados numa região que supostamente não existiriam, por ter muita carga e
sedimento do rio Amazonas ali", conta Marone.
Com base em relatório da ONU (Organizações das
Nações Unidas), o WWF, em nota, diz ser "urgente reduzir as emissões de
gases de efeito estufa, como os decorrentes da queima de combustíveis
fósseis". "Seria, portanto, um erro se o Brasil fosse na contramão da
ciência e apostasse em novas fronteiras exploratórias de petróleo e gás, que
estão entre os mais poluentes".
O Observatório do Clima, rede de mais de 90
organizações socioambientais, ressaltou que tratados internacionais, como o
Acordo de Paris, miram mitigação, adaptação e financiamento para uma transição
de energia limpa até 2030.
"O momento é de estabelecer um calendário para
a eliminação dos combustíveis fósseis e acelerar a transição justa para os
países exportadores de óleo", diz Suely Araújo, especialista-sênior em
políticas públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Ibama.
"Quem dorme hoje sonhando com a riqueza
petroleira tende a acordar amanhã com um ativo encalhado, ou um desastre
ecológico, ou ambos."
Fonte: AFP/FolhaPress

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