sábado, 3 de junho de 2023

Líderes indígenas alertam para 'genocídio aprovado' por deputados no Brasil

Vários líderes da luta indígena brasileiros, incluindo o cacique Raoni Metuktire, pediram ao presidente Lula que "vete" um projeto de lei para limitar a demarcação de terras indígenas que, em sua opinião, representa um "genocídio aprovado" pelos deputados.

"Esta aprovação do projeto de lei ameaça nossos direitos. Todos nós, povos indígenas do Brasil, não aceitamos", disse à AFP o nonagenário Raoni na língua kayapó, em Paris, traduzido por seu sobrinho Bemoro Metuktire.

No dia 31 de maio, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto que limita a demarcação de terras indígenas àquelas ocupadas por eles em 1988, quando foi promulgada a atual Constituição. Agora o texto deve ser submetido à votação do Senado.

Promovida por deputados simpatizantes do agronegócio e opositores, essa aprovação foi um revés para as promessas ambientais do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que anunciou a demarcação de novas reservas de terras indígenas.

"Significa um genocídio aprovado pela Câmara dos Deputados. É tirar o nosso direito de viver, é acabar com o futuro dos nossos filhos. Acabar com o futuro dos povos indígenas é também acabar com o futuro das florestas", acrescentou Watatakalu Yawalapiti, líder do movimento de mulheres indígenas do Xingu.

No Brasil há um total de 764 territórios de povos indígenas, mas cerca de um terço ainda não foi demarcado, segundo dados da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).

As comunidades indígenas rejeitam o "marco temporal", já que muitos povos não ocuparam determinados territórios em 1988 por terem sido expulsos, principalmente durante a última ditadura militar (1964-1985).

E "matar os direitos indígenas é também matar a vida do planeta, porque nós cuidamos das florestas, nós ensinamos as pessoas a valorizarem o meio ambiente", enfatizou Watatakalu, pedindo a Lula que "vete" esse projeto.

- Pressão internacional -

A votação caiu como um balde de água fria durante a passagem das lideranças indígenas pela Europa para conscientizar e arrecadar fundos para proteger a Amazônia, e agora buscam uma manifestação no Brasil no dia 7 de junho.

Nesse dia, o Supremo Tribunal Federal (STF) deve se pronunciar sobre o "marco temporal" e as lideranças indígenas esperam que seus membros "tomem as decisões certas", nas palavras do cacique Tapi Yawalapiti.

Além de "pressionar" o Senado e o STF, Tapi pede para não votar nos parlamentares que aprovarem o projeto, denunciar a violação dos direitos indígenas e alertar o mundo sobre a situação.

"Nesse momento, peço a união de todo mundo, a força de todo mundo para que a gente salve a floresta. Estamos gritando aqui, pedindo socorro porque estamos protegendo a floresta para o mundo", acrescentou Tapi.

Enquanto o mundo busca limitar o aquecimento global, cientistas afirmam que a demarcação de terras indígenas é uma barreira fundamental para o avanço do desmatamento na Amazônia, a maior floresta tropical do mundo.

Watatakalu Yawalapiti enfatizou que o objetivo do projeto de lei é "autorizar mais desmatamento, autorizar a construção de ferrovias, mais plantações de soja" e "produzir mais carne".

E pediu aos presidentes, empresas e cidadãos do mundo inteiro que pressionem e apoiem Lula diante dos deputados, principalmente quando "tudo o que acontece é em nome do povo de fora", para produzir coisas para a "Europa" e a "China".

"De que adianta falar em mudança climática se vocês compram produtos que estão matando os povos indígenas e matando a floresta?", questionou o líder indígena, pedindo um boicote a esses produtos, se a situação não mudar.

 

       Entenda o esvaziamento dos ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas

 

A medida provisória da Esplanada dos Ministérios aprovada no Congresso nesta semana esvaziou o Ministério do Meio Ambiente e da Mudança do Clima, comandado por Marina Silva (Rede), e o Ministério dos Povos Indígenas, liderado por Sonia Guajajara (PSOL).

A desidratação das pastas ambientais entrou na balança da disputa de forças do governo do presidente Lula (PT) na Câmara e no Senado. O Palácio do Planalto escolheu como estratégia preservar a Casa Civil, de Rui Costa (PT), e ceder à pressão da bancada ruralista nas outras duas, para não deixar a medida caducar.

A estrutura da Esplanada foi determinada por Lula logo no início do governo e ampliou o número de ministérios de 23 para os atuais 37.

A seguir, entenda os principais pontos de disputa entre ambientalistas e ruralistas na política do governo federal e como ficam as atribuições das pastas com as mudanças.

O QUE MUDOU

A estrutura da Esplanada aprovada no Congresso retirou o CAR (Cadastro Ambiental Rural) do Ministério do Meio Ambiente e o colocou sob a pasta da Gestão.

Também transferiu a ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico) da pasta ambiental para a da Integração e do Desenvolvimento Regional, comandada por Waldez Góes -indicação do União Brasil, apesar de estar licenciado do PDT.

Já o Sinisa (Sistema Nacional de Informações em Saneamento Básico), o Sinir (Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos) e Singreh (Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos) deixaram o Meio Ambiente e foram para Cidades, de Jader Filho.

A competência pela demarcação de terras indígenas, que estava com o Ministério dos Povos Indígenas, passou para a Justiça, de Flávio Dino.

IMPACTOS

As mudanças foram duramente criticadas por Marina Silva e Sonia Guajajara.

A demarcação de terras indígenas está no centro da política indigenista do governo Lula. No último Acampamento Terra Livre, em abril, o presidente anunciou a homologação de seis novos territórios, após quatro anos sem nenhuma nova demarcação durante a gestão Bolsonaro.

Com a mudança, a Funai segue responsável por fazer os estudos antropológicos para a identificação e a determinação da área de direito dos povos.

Dali em diante, porém, há mudanças. Antes, a equipe de Sonia Guajajara analisaria o material e, se aprovado, o repassaria para a Casa Civil, que, então, despacharia para a Presidência, para a demarcação final. Agora, esse passo ficará com o Ministério da Justiça.

"A retirada da atribuição do ato declaratório do Ministério dos Povos Indígenas, com certeza, tira nossa autonomia", disse Guajajara após a derrota. Ela afirmou, no entanto, que confia que o ministro Flávio Dino e Lula manterão o compromisso de dar celeridade às demarcações.

A pasta de Marina Silva perdeu o CAR (Cadastro Ambiental Rural), instância que originalmente é do Meio Ambiente, mas que havia sido passada à Agricultura durante a gestão Bolsonaro e que voltou à origem no novo governo petista.

O CAR é o principal instrumento de catalogação de propriedades rurais e de fiscalização de crimes ambientais cometidos por proprietários de terra.

O registro no cadastro é obrigatório e, ao entrar nele, o proprietário rural se compromete também a seguir um plano de preservação do meio ambiente, que inclui o reflorestamento em caso de desmatamento além do permitido.

Recentemente, por exemplo, o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) tem cruzado registros no CAR com outros sistemas para identificar e realizar operações contra fazendeiros que cometeram desmatamento ilegal ou venderam carne de gado em situação irregular.

Já a ANA é responsável, entre outras funções, por regulamentar instituições de saneamento, além de gerir políticas hídricas e o acesso à água.

A mudança na gestão de resíduos sólidos também é criticada por integrantes do Meio Ambiente.

"Eu sinceramente não entendo a lógica, porque toda a parte de regulação, formulação, avanço tecnológico nessa agenda [dos resíduos] têm a ver com a gestão ambiental brasileira", afirmou a ministra.

"Querem mudar a medida provisória da Esplanada para implementar o governo Bolsonaro no governo Lula", afirmou à Folha, no final de maio.

HISTÓRICO

Quando presidente, Jair Bolsonaro (PL) decidiu esvaziar o Ministério do Meio Ambiente, então comandado por Ricardo Salles, hoje deputado federal.

Retirou da pasta ambiental o Serviço Florestal, o CAR e a ANA. Os dois primeiros passaram à Agricultura e a última, para o Desenvolvimento Regional.

Nos primeiros dias de governo, por meio da medida provisória da Esplanada, Lula e Marina desfizeram essas alterações e devolveram os órgãos para o Meio Ambiente. Também foi criado o Ministério dos Povos Indígenas, uma promessa de campanha, que assumiu o controle da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas).

Como mostrou a Folha, parlamentares fizeram uma ofensiva para alterar esses trechos da medida provisória e apresentaram emendas para retomar o organograma da gestão antiga.

As emendas queriam retornar o CAR à Agricultura, a ANA para o Desenvolvimento Regional e a Funai para a Justiça -extinguindo a pasta indígena.

Sem força no Congresso, Lula acabou cedendo em parte à pressão ruralista.

No mesmo dia em que o Congresso aprovou o relatório que desidratou as pastas ambientais, a Câmara também aprovou a urgência do marco temporal -o projeto foi aprovado pelo plenário nesta terça (30)- e o projeto de lei da anistia ao desmatamento, com um "jabuti" que afrouxou a Lei da Mata Atlântica.

REDUÇÃO DE DANOS

Agora o governo estuda maneiras para reduzir o prejuízo.

Após os reveses no Congresso, Lula reuniu Marina e Sonia Guajajara, junto com Rui Costa e Alexandre Padilha (Relações Institucionais).

Segundo interlocutores disseram à Folha, o presidente assegurou que, independentemente do setor onde instrumentos como o CAR e a demarcação de terras estejam, sua gestão cumprirá o compromisso de preservar o meio ambiente e a defesa dos indígenas.

Durante o encontro, Lula discutiu com os ministros a possibilidade de realizar, por exemplo, uma gestão compartilhada tanto da demarcação de terras indígenas quanto do CAR.

O governo busca agora alternativas para construir essa estrutura e que dependam apenas de normas internas ao Executivo. Por exemplo, a publicação de portarias.

Uma das possibilidades, por exemplo, é que tanto as decisões do CAR quanto sobre demarcação de terras sejam referendadas por Meio Ambiente e Povos Indígenas, respectivamente.

Outra é a criação de conselhos, chefiados pela Casa Civil, mas com presença de membros dessas pastas, para atuar no processo de cada um desses instrumentos retirados de suas áreas originais.

Segundo presentes, o tom da reunião ditado por Lula foi o de que o governo vai assegurar a efetivação das políticas ambientais.

No encontro, não se chegou a uma conclusão sobre qual a melhor solução. As alternativas de veto ou de judicialização, no entanto, foram descartadas.

 

       Indígenas do Amapá e Pará comemoram negativa do Ibama para exploração de petróleo

 

A negativa do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) para a exploração de petróleo na Foz do Amazonas foi recebida com comemoração por entidades indígenas do Amapá e do Pará, assim como por ONGs internacionais de preservação da natureza que atuam na região.

A Apoinp (Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Amapá e Norte do Pará), o CCPIO (Conselho de Caciques dos Povos Indígenas do Oiapoque), o Greenpeace, o WWF e o Observatório do Clima manifestam preocupação, desde antes da negativa, em relação à falta de informações para as comunidades que podem ser afetadas pelo projeto de perfuração da bacia.

Para a Apoinp e o CCPIO, a Petrobras não apresentou um estudo de impactos sociais adequado diante do inevitável crescimento populacional que ocorreria em Oiapoque (AP), município localizado no extremo norte, na fronteira do Brasil com a Guiana Francesa, onde se concentra a maior parte da população indígena do Amapá.

As entidades lançaram uma nota conjunta "contra projetos de exploração que desrespeitam o direito à consulta livre, prévia e informada, garantido pela Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) sobre povos indígenas e tribais".

Em nota, a Petrobras afirmou que a atividade de pesquisa de petróleo, pedida ao Ibama, é temporária, de baixo risco, com duração aproximada de cinco meses. Caso seja confirmado o potencial produtivo, a empresa confeccionará, afirma, um novo procedimento de licenciamento ambiental com a elaboração de estudos e projetos ambientais mais detalhados.

A estatal disse, ainda, que a estrutura de resposta a emergências é a maior já apresentada no país, composta por 12 embarcações, cinco aeronaves, cem profissionais e sistemas de contenção de óleo e bloqueio de poços.

O Amapá possui uma população indígena estimada em 5.802 habitantes em Oiapoque, 3.043 no parque do Tumucumaque (unidade de conservação entre AP e PA) e 1.220 em Pedra Branca do Amapari, totalizando 10.065, segundo dados da Secretaria Extraordinária dos Povos Indígenas, do governo estadual.

A porta-voz da Apoinp, Luene Karipuna, conta que tentou contato com a Petrobras para consulta prévia, mas não obteve retorno. Por este motivo, a organização rejeitou os convites de audiências públicas.

A entidade é composta pelas etnias apalai, akuriyó, galibi-marworno, galibi kali'na, karipuna, katxuyana, palikur-arukwayene, sikyiana, wajãpi, wayana, tiriyó e txikuyana.

"Nós entendemos que eles [da Petrobras] poderiam usar a nossa presença em audiências públicas gerais como justificativa de consulta prévia. Sendo que, na verdade, a consulta prévia segue outro modelo de critério e atende um protocolo diferente, de acordo com as nossas necessidades", disse Karipuna.

O CCPIO reúne as etnias karipuna, galibi-marworno, galibi kali'na e palikur, que estão divididas em cinco regiões, entre elas as próximas aos rios Curipi, Uaçá, Urucauá, Oiapoque e a BR-156.

As principais atividades econômicas e de subsistência desses povos são a agricultura, a caça e a pesca. Para o Conselho dos Caciques, a exploração na região gera diversos riscos aos indígenas.

Para um dos caciques ouvidos pela reportagem, que pediu anonimato, quando o estudo dizia que a terra indígena estava fora de perigo, a informação não seria a realidade, porque a terra indígena já está sendo impactada de alguma forma.

Segundo ele, os indígenas têm relatado problemas causados pelas aeronaves que passam por cima das aldeias e afugentam animais, além do maior fluxo de pessoas em Oiapoque propiciado pelas atividades de preparação para explorar petróleo na bacia da Foz do Amazonas.

Em maio, a Assembleia Legislativa do Amapá organizou audiência pública para reunir políticos, associações e a sociedade civil para debater a possível exploração de petróleo na região de Oiapoque.

O porta-voz de oceanos do Greenpeace Brasil, Enrico Marone, relata que a região da disputa entre a Petrobras e o Ibama é muito sensível, por abrigar uma faixa contínua de mangues que vai do Amapá até o Maranhão.

O ativista explica que o bioma tem um papel fundamental para o equilíbrio climático do planeta, pois compensa a emissão de gases do efeito estufa, retendo carbono. Outro ponto é a presença dos recifes de corais na foz do Amazonas, descobertos em 2016 e ainda pouco estudados pela ciência.

"Em 2017, a Greenpeace fez uma expedição a bordo do navio Esperanza para vários levantamentos. Mapeamos a presença do grande sistema de recifes de corais 'da Amazônia'. Nunca tinham sido vistos ou registrados numa região que supostamente não existiriam, por ter muita carga e sedimento do rio Amazonas ali", conta Marone.

Com base em relatório da ONU (Organizações das Nações Unidas), o WWF, em nota, diz ser "urgente reduzir as emissões de gases de efeito estufa, como os decorrentes da queima de combustíveis fósseis". "Seria, portanto, um erro se o Brasil fosse na contramão da ciência e apostasse em novas fronteiras exploratórias de petróleo e gás, que estão entre os mais poluentes".

O Observatório do Clima, rede de mais de 90 organizações socioambientais, ressaltou que tratados internacionais, como o Acordo de Paris, miram mitigação, adaptação e financiamento para uma transição de energia limpa até 2030.

"O momento é de estabelecer um calendário para a eliminação dos combustíveis fósseis e acelerar a transição justa para os países exportadores de óleo", diz Suely Araújo, especialista-sênior em políticas públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Ibama.

"Quem dorme hoje sonhando com a riqueza petroleira tende a acordar amanhã com um ativo encalhado, ou um desastre ecológico, ou ambos."

 

Fonte: AFP/FolhaPress

 

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