sexta-feira, 30 de junho de 2023

Lula não pode governar!

A derrota de outubro passado foi recebida com enorme surpresa pelos líderes do bolsonarismo. Foi como se o impossível tivesse acontecido, pois, mesmo enfrentando sua poderosa máquina de propaganda, rios de dinheiro e uma avalanche de corrupção no processo eleitoral, Lula venceu. Atônitos, enviavam mensagens obscuras aos apoiadores mobilizados contra o resultado eleitoral, onde recomendavam que esperassem pois algo iria acontecer. Alguns imaginaram antecipar o golpe planejado para ocorrer em algum momento do que seria o segundo mandato de Jair Bolsonaro e instigavam seus apoiadores a se manterem engajados, enquanto outros, mais cautelosamente, tratavam de formular novos planos.

Implantar um regime autoritário sempre foi o objetivo das lideranças militares e civis desse movimento neofascista. Esse objetivo está explicitado no documento que pode ser considerado a expressão mais acabada de sua estratégia: “Projeto Nação: o Brasil em 2035”. O trabalho foi coordenado pelo general Rocha Paiva e elaborado por diversos autores a partir de entrevistas e questionários em que foram ouvidas lideranças militares e civis da direita. Sabe-se, inclusive, que estruturas do Exército foram usadas para tal.

O texto final foi divulgado pelo Instituto Sagres, pelo Instituto Federalista e pelo Instituto Villas Bôas, criado pelo general homônimo. Dessas instituições participa, além dos dois já mencionados e de diversos outros militantes do reacionarismo nacional, também Sérgio Etchegoyen, primeiro general a assumir um cargo ministerial desde a redemocratização e que ampliou o escopo do GSI ainda no governo de Michel Temer para funções propriamente políticas e de centralização e coordenação de todas as atividades de informações e inteligência do Estado. Até então, esse organismo era um sucedâneo da antiga Casa Militar, uma espécie de ajudância da presidência.

O documento fala de uma reorganização autoritária do Estado nacional a ocorrer em algum momento da década de 2020 através da criação de um novo organismo, o Centro de Governo – CdG, que se sobreporia aos três poderes e trataria de garantir a continuidade do projeto cuja execução começara no governo de Jair Bolsonaro. Os objetivos do tal projeto são pouco claros, mas de alguma forma apontam para, em primeiro lugar, uma continuidade do ataque aos direitos de trabalhadores, pretos e pobres que permita a recuperação das margens de lucro das empresas; em segundo lugar, a ampliação do patrimonialismo neoliberal na forma de privatizações e concessões em todas as áreas, como educação ou saúde, a mercantilização de toda a vida social, transformada em todas as suas dimensões em novos espaços de valorização do capital e, em terceiro lugar, um reposicionamento internacional do Brasil como um ator subalterno do declinante império americano.

Villas Bôas é o líder dos militares que se organizaram desde os tempos da Lava-jato em torno do projeto de poder que visou implantar esse regime autoritário e que conta, além do mencionado Sérgio Etchegoyen, com outros generais como Augusto Heleno, Braga Neto e Luiz Eduardo Ramos, além de expressivo apoio entre as fileiras das três forças armadas e das polícias militarizadas. Foi algo como um bolsonarismo antes do próprio Jair Bolsonaro.

O capitão enxotado do Exército por indisciplina e mentiras, por sua popularidade e convergência ideológica, apareceu como o instrumento para essa organização chegar ao poder. Ao mesmo tempo, o ambiente de criminalização da esquerda e do PT com o tema da corrupção e a ação da operação Lava Jato de perseguição a Lula vão proporcionar o ingresso na arena política da classe média conservadora na sequência das mobilizações de 2013, dessa vez com uma pauta moralista e reacionária. As mobilizações que se seguiram acabaram derrubando a presidenta Dilma Rousseff no golpe de 2016.

A crise econômica que se instalara no final de 2014 e que foi respondida equivocadamente com uma guinada ortodoxa no começo de 2015, cortando gastos e subindo a taxa de juros, acabou por erodir o apoio popular de Dilma Rousseff até sua derrubada em 2016. Na sequência, o aprofundamento da pauta neoliberal sob Michel Temer só fez agravar o quadro recessivo, destruindo o crescimento do PIB, aumentando o desemprego e arrastando uma parcela grande da população para abaixo da linha de pobreza. Depois de ter saído do Mapa da Fome da ONU em 2014, o Brasil retornou a esse triste lugar em 2019.

Após sua vitória em uma eleição que foi maculada pela prisão de Lula – decisão do juiz declarado parcial Sérgio Moro –, o movimento que teve Jair Bolsonaro como aríete tratou de implantar sua linha política. A administração bolsonarista que se segue pôs-se a destroçar o máximo possível das políticas e organizações do Estado brasileiro voltadas à proteção social, às garantias de subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico. Da mesma forma, orgulhava-se de ter feito do país um pária internacional. Seu método de gestão foi a crise permanente, ambiente no qual seus estrategistas imaginavam ser mais viável fazer avançar tal projeto.

Tratava-se de um governo-movimento e a crise permanente era a tática que permitiria isolar e combater a parte indesejada da população: mulheres independentes, pobres, negros, esquerdistas, indígenas, quilombolas, e comunidades LGBTQIA+. Ou seja, a maioria esmagadora dos brasileiros. Toda a semelhança com os métodos do nazismo não é coincidência, o reacionarismo de extrema-direita não é muito imaginativo.

Ao mesmo tempo, controlando um superministério da economia, Guedes tratava de produzir o melhor ambiente de negócios possível para seus colegas no sistema financeiro. Novas oportunidades com privatizações, mudanças de regulação “a favor do mercado” (market friendly), benefícios fiscais, maior espaço para arbitragem de câmbio e juros com grandes oscilações nestas taxas e mais internacionalização. Ao mesmo tempo, seguiu impulsionando a lucratividade com arrocho salarial, novas “reformas” redutoras de direitos dos trabalhadores e a desorganização das atividades de fiscalização.

A aniquilação da função reguladora do Estado foi uma decisão implementada desde o primeiro dia e em todas as áreas de atuação. O que se viu como consequência foi o aumento de todo o tipo de crime: invasões de terras indígenas, desmatamento ilegal, garimpo ilegal, trabalho análogo à escravidão, proliferação de armas e da violência armada, perseguição a comunidades e grupos sociais vulneráveis, assédio generalizado e estimulado em todo o serviço público, especialmente na áreas da educação e da segurança, machismo, racismo, sexismo, misoginia e todo o tipo de preconceito se manifestando de forma violenta e agressiva, estimulados pelo próprio presidente da república.

Os casos das políticas de saúde e educação, ciência e tecnologia são paradigmáticos dos objetivos do desgoverno de extrema-direita, bem como o estímulo aos abusos e à letalidade policiais. A pandemia da Covid-19 e a política de “contaminem-se todos que assim a peste vai passar logo” deixou um legado de mais de 700 mil mortes das quais cerca de 400 mil foram provocadas intencionalmente pelo governo ao contrariar e deixar de adotar as recomendações da comunidade científica e da ONU. Na esteira dessa tragédia viram-se todos os indicadores de saúde, da cobertura vacinal à distribuição de medicamentos ou a abrangência da atenção básica piorarem.

A redução drástica do financiamento das políticas em prol do ensino e pesquisa se traduziu num arrocho orçamentário das universidades e escolas federais, corte de bolsas e verbas para a ciência com a consequente paralisação de inúmeros programas. A redução calamitosa da participação de estudantes nas provas do ENEM é um espelho desse desastre, assim como o crescimento dos indicadores de abandono escolar e de déficit de aprendizado.

Passados os quatro anos de mandato do genocida todas as forças sociais que apoiaram esse descalabro se mobilizaram para a continuidade do projeto neofascista e neoliberal. Se a derrota eleitoral foi um revés significativo, a ideia de antecipar o golpe que instalaria um Estado autoritário “em algum momento da década de 2020” foi antecipado com o plano de criar um episódio de caos e desordem política para justificar uma convocação das Forças Armadas em uma intervenção de suporte à mudança de regime.

É assim que se pode compreender o ataque à sede da Polícia Federal e as depredações e incêndios de 12 de dezembro, o episódio da bomba no aeroporto de Brasília no dia 24 e, superando todos em destruição e vandalismo, a invasão das sedes dos três poderes em 8 de janeiro.

Felizmente a estratégia de enfrentamento daquela movimentação insurrecional não utilizou efetivos das forças armadas, apenas as polícias federal e do Distrito Federal. Dessa forma o governo há pouco empossado conseguiu controlar completamente a situação até o final da noite, em que pese a ação deletéria e subversiva dos poucos contingentes do Exército envolvidos nos acontecimentos.

O fracasso da intentona de 8 de janeiro pode ser explicado também pela hesitação da ala militar do bolsonarismo, que acabou recuando da tentativa de tomada do poder sustentada por tropas militares. Assim, o fim melancólico da opção golpista, com seus milhares de aprisionados respondendo à justiça, levou a uma mudança tática. A palavra de ordem de agora é “Lula não pode governar”. Bolsonaristas e seus aliados passaram a usar os espaços de poder de que dispõem para tentar paralisar o governo eleito enquanto preparam seu retorno. Para tanto, abriram quatro frentes de batalha contra o governo Lula.

A primeira dentro da própria administração, onde servidores bolsonaristas tratam de sabotar o funcionamento de órgãos essenciais para a realização do projeto do PT e aliados de desenvolvimento econômico e democracia social, redução da pobreza, da desigualdade e da discriminação. A sabotagem é facilitada pelo desmonte de inúmeros departamentos e organismos deixados à míngua de pessoal e recursos desde o governo de Michel Temer. A nova administração está tendo que realizar inúmeros concursos para preencher milhares de postos de trabalho deixados vagos, além de fazer enormes esforços de remobilização de servidores para dar conta de reorganizar serviços abandonados pelo governo anterior, especialmente nas funções de fiscalização e controle nas áreas sociais e de proteção e cuidado de populações vulneráveis, como o caso chocante dos yanomamis.

Além disso, segue em frente o processo de desaparelhamento do Estado com a remoção de bolsonaristas de postos de decisão na administração dos ministérios, autarquias e empresas estatais. Esse processo está também, desde que começaram a ser revelados os subterrâneos do 8 de janeiro, avançando, ainda que de forma tímida, no interior das Forças Armadas, em especial do Exército.

A segunda frente da contraofensiva da extrema direita são as políticas fiscal e monetária. Em se tratando da política fiscal, o absurdo Teto de Gastos foi substituído pelo chamado Arcabouço, mecanismo que autoriza um pequeno crescimento das despesas. Mesmo assim, ainda representa um freio para o financiamento das políticas sociais e para o investimento. Vai ser necessária muita criatividade da Fazenda para viabilizar recursos às áreas de infraestrutura, saúde e educação. E o BNDES precisará suprir com seus financiamentos os investimentos que o Tesouro não poderá fazer. Mas, desafortunadamente, um elefante restou no meio da sala, o compromisso de fazer decrescer a relação dívida PIB que causará, inevitavelmente, restrição às despesas.

A outra perna da política econômica, a política monetária, poderia impulsionar o crescimento ao reduzir a despesa estéril do pagamento de serviços da dívida baixando os juros. Entretanto, o monetarismo tosco do Banco Central mantém a taxa em inacreditáveis 13,75%. Ora, a inflação brasileira caiu, está abaixo de 4%, menor que sua média histórica neste século e, de forma inédita, também menor do que aquelas de Europa e EUA. Juros num índice que fosse a metade do atual, entre 6 ou 7%, ainda atrairiam capital estrangeiro e alcançariam remunerar positivamente os investidores. Entretanto, o presidente do BC alega que a taxa precisa permanecer elevada porque a dívida pública é grande. O curioso é não haver qualquer medida objetiva do que seria “grande”, os 264% do Japão, os 129% dos EUA? De qualquer forma, e para comparar, valor para o Brasil está em 73%, um pouco acima dos 66% do segundo mandato de Dilma.

Os juros altos não apenas fizeram a dívida crescer como foram a causa da crise de crédito que não apenas quebrou as Lojas Americanas como está produzindo recessão e desemprego. A medida de renegociação de dívidas de pessoas físicas que foram induzidas a um endividamento arriscado pelo desgoverno anterior vai no sentido correto, mas há uma necessidade de equacionar o endividamento empresarial, particularmente grave no comércio. E isso vai requerer alguma forma de desconto com taxas muito menores do que as atuais.

A terceira frente de combate é o Congresso, onde a maioria de direita pode se aliar aos bolsonaristas para obstruir o governo com pautas negativas. Como princípios não são o que motiva essa gente, fica a possibilidade de, com sabedoria e arte, o governo fazer alguns agrados e isolar o neofascismo em troca de autorização para efetivar suas políticas. É o que tem sido levado nas negociações sempre difíceis com o bloco parlamentar do dito “Centrão”, em especial com seu líder, o amoral presidente da Câmara Arthur Lira. Enquanto for possível restringir o “preço” desses parlamentares a verbas dentro de programas prioritários, o governo sairá bem. Entretanto, o desgaste será permanente e a obstrução recorrente.

Por fim, na quarta frente, temos a grande mídia. Seu alinhamento com os interesses das classes dominantes, em especial do sistema financeiro, a coloca em uma mal disfarçada oposição a Lula, defendendo juros altos e “austeridade” fiscal, sempre apresentados como recomendações da ciência. É assim que se explica o desfile interminável de “economistas chefes” de empresas do mercado financeiro, com sua arrogância mal disfarçando os interesses de seus patrões e que arrotam sua pretensa ciência por telejornais, entrevistas e colunas de opinião. Seu jogral monocórdio diz sempre “austeridade, austeridade, menos Estado e mais mercado”. É indigesto.

O destino do terceiro mandato de Lula vai depender de sua capacidade de vencer as batalhas travadas nessas quatro frentes. Será preciso prevalecer sobre empresários do agro, banqueiros e outros endinheirados e também as classes médias que os seguem. Herdeiros dos senhores de escravos no ódio ao povo e na falta de compaixão, farão de tudo para impedi-lo de dar aos sofridos, desamparados e explorados uma vida melhor. E para isso precisam que o governo fracasse.

 

Fonte: Por Luiz Augusto Estrella Faria, em A Terra é Redonda

 

 

Mario Sabino: Com Jair Bolsonaro neutralizado, o amor venceu o ódio e está tudo bem

Agora que Jair Bolsonaro está inelegível“o nosso país mudou. Está trocando o ódio pelo amor. Os interesses pessoais pelos coletivos. O Brasil quer voltar a ser grande. Acabar com a fome. Melhorar a qualidade da educação. E quem quiser construir esse país, estamos juntos!”

As aspas são da conta oficial de Lula no Twitter. A postagem é da noite em que o relator do julgamento no TSE proferiu o seu voto favorável à inelegibilidade do ex-presidente. Missão dada é missão cumprida. Afinal de contas, isto aqui, ô, ô, não é os Estados Unidos, onde até preso pode ser eleito presidente da República.

Felizmente, não chegamos a tamanho grau de democracia, e espero que o uso do advérbio não me cause problemas. Aqui, somos menos maleáveis do ponto de vista das instituições-que-estão-funcionando: o cidadão precisa ter a condenação criminal anulada para poder se candidatar.

Os interesses pessoais estão sendo substituídos pelos coletivos, não resta a menor sombra de dúvida, como no caso da liberação, em um único dia, de 1,7 bilhão de reais em emendas parlamentares, para o governo conseguir passar a MP dos Ministérios no Congresso mais honesto do mundo. E a bufunfa das emendas continuará jorrando para deputados e senadores, porque o ódio deixou quase 9 bilhões em restos para o amor pagar, e as raparigas em flor estão sempre em busca da governabilidade perdida.

Os interesses coletivos foram privilegiados, ainda, nas constantes viagens internacionais de Lula, que já custaram 7,3 milhões de reais aos pagadores de impostos, sem contabilizar a recente excursão à Itália e à França. Foi nos palácios desses dois países sem tradição gastronômica que o pai dos pobres afirmou ter comido mal, consolidando a sua imagem de amigo do Ocidente.

Erra quem acha que o comentário foi um jeito de Lula alcançar maior repercussão com o seu programa semanal no Youtube, que anda fraco de audiência. Não, companheiro, o amor não precisa copiar o ódio nesse tipo de apelo cultural, talquei? Lula sabe ser popular, ao contrário de Jair Bolsonaro, essa invenção da Revolução Industrial e das elites brasileiras.

Nada de cópias. O amor do MST, por exemplo, é original e lindo contra o direito à propriedade do agro fascista. Precisamos conter o fascismo em todas as suas formas, inclusive sem o “s”, sempre tendo presente que fascista é quem eles acham que é fascista. A cruzada contra o fascismo, para trocar o ódio pelo amor, é o que move as restrições à liberdade de expressão, ora a liberdade de expressão.

Temos agora, ainda bem, procuradores amorosos empenhados em tirar uma rádio de São Paulo do ar, além da autocensura desprendida de jornais e jornalistas e da suspensão de perfis de opositores nas redes sociais. Tudo vai melhorar ainda mais quando finalmente aprovarem a lei contra as fake news, mas só as de um lado, o lado do ódio. Como todo mundo sabe, o amor não comporta falsidades.

E o que dizer, então, da defesa carinhosa das ditaduras de esquerda latino-americanas autodeterminadas pelos seus povos? Do alinhamento natural com a Rússia de Vladimir Putin?. Da indignação amorosamente seletiva com a democracia americana por causa de Julian Assange? Da volta do Foro de São Paulo, igualmente conhecido como Fofo de São Paulo, e do reflorescimento da militância digital que enlameia gente honesta, mas sem perder a ternura?

Como dizem os brasileiros na sua riqueza vocabular, estou sem palavras, sejam elas censuráveis ou incensuráveis.

Só sei dizer que, com Jair Bolsonaro neutralizado no páreo eleitoral, está tudo resolvido, viva eu, viva tu, viva o rabo do tatu. Love is in the air, inclusive em Lisboa neste momento. É tanto perfume no ar, que ele está irrespirável.

 

Ø  A marcha solitária de Bolsonaro ao encontro da guilhotina. Por Ricardo Noblat

 

Para que não se diga que os bolsonaristas abandonaram o seu guia quando ele mais precisava deles – nenhum foi visto nas vizinhanças do prédio do Tribunal Superior Eleitoral até agora; nenhum protestou indignado do alto das tribunas da Câmara e do Senado; foram poucos os que se manifestaram nas redes sociais…

Para que não se diga que Bolsonaro, o rei das multidões, o encantador de serpentes pelo qual batia o coração de milhões de evangélicos, militares, caminhoneiros, motoqueiros, invasores de terras indígenas, agenciadores de trabalho escravo, empresários da Faria Lima, afortunados do agronegócio e outros negócios…

Para que não se diga que ele, sozinho, subiu ao patíbulo para ser guilhotinado, o deputado Sanderson (PL-RS), à caça de fama, apresentou projeto de lei que anistia políticos condenados por crimes eleitorais em 2022. Por que não em 2021, 2020 ou 2019? Porque Bolsonaro será condenado pelo que fez em 2022.

Em julho do ano passado, Bolsonaro convidou embaixadores estrangeiros para ouvi-lo atacar o processo eleitoral brasileiro, tentando desacreditá-lo. E o fez dentro do Palácio da Alvorada. Plantou, ali, a semente do golpe que pretendia aplicar no 7 de Setembro com o apoio dos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica.

Abusou do poder político ao usar o palácio e a TV estatal que transmitiu ao vivo suas palavras, e atentou contra a democracia, cláusula pétrea da Constituição. A democracia é imexível. Bolsonaro deixou de ser imbrochável. Sobre ele, em resumo, disse o ministro Benedito Gonçalves em voto histórico:

“O primeiro investigado [Bolsonaro] violou ostensivamente deveres de presidente da República inscrito no artigo 85 da Constituição, em especial zelar pelo exercício livre dos poderes instituídos e dos direitos políticos e pela segurança interna, tendo em vista que assumiu antagonização injustificada ao TSE, buscando vitimizar-se e desacreditar a competência do corpo técnico e a lisura do comportamento de seus ministros para levar a atuação do TSE ao absoluto descrédito internacional; e ainda despejou sobre as embaixadoras e embaixadores mentiras atrozes a respeito da governança eleitoral brasileira”.

O projeto de lei de Sanderson não dará em nada. Para que desse, teria de tramitar com urgência na Câmara, ser aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça, presidida por um deputado do PT, depois em plenário pela maioria dos 513 deputados, mais tarde pelo Senado, e sancionado pelo presidente da República. Imagine!

Não será surpresa para este blog se, ao invés dos cinco votos a essa altura garantidos para condená-lo, Bolsonaro amargue uma derrota por 7 x 0. É possível que o ministro bolsonarista Nunes Marques limite-se a obrigá-lo a pagar uma multa por julgar que a inelegibilidade por oito anos seria uma punição extrema.

Mas se proceder assim, ao invés de simplesmente absolvê-lo, reconhecerá que Bolsonaro infringiu a lei. É o que importa.

 

Ø  Bolsonaro: de imbrochável a inelegível dentro das quatro linhas. Por Tânia Maria de Oliveira

 

A autodesignação de “imbrochável” feita pelo então presidente da República e candidato à reeleição Jair Bolsonaro no palanque em Brasília no dia 07 de setembro de 2022 entrou no topo da coleção de bizarrices por ele protagonizadas a que assistimos nos quatro anos de seu mandato.

O linguajar chulo, o neologismo de masculinidade tóxica, a “macheza” respondida com gargalhadas pelos ali presentes, fazia parte do espetáculo cotidiano do homem que deveria dirigir os destinos políticos da nação, onde coube também, por todo o tempo em que ocupou a cadeira de presidente, toda sorte de ataques às instituições da democracia, com discursos, criação e divulgação de notícias falsas, ameaças. Tudo feito dentro da estrutura de governo, com o uso da máquina pública.

Um desses atos começou a ser julgado na quinta-feira (22) no Tribunal Superior Eleitoral e tem continuidade hoje (29). O longo e denso voto do relator, ministro Benedito Gonçalves, proferido na última terça-feira (27), não se limitou a analisar o objeto específico dos autos sem antes pontuar toda a trajetória que levou à reunião que Bolsonaro realizou com representantes de embaixadas no mês de julho de 2022, em evidente abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação, onde atacou o sistema eleitoral brasileiro, com transmissão ao vivo pela TV pública de comunicação.

O ministro destacou a reunião com os embaixadores como um evento inserido em um contexto de diversos ataques ao sistema de votação do país em entrevistas, transmissões ao vivo e discursos proferidos durante o mandato. Um voto que se expande para os demais processos que estão aguardando julgamento no TSE, afirmando não ser possível fechar os olhos para mentiras e discursos violentos na eleição. E criticou a banalização do golpismo nas atitudes do ex-presidente. 

Muito significativa a análise do potencial deletério e violento dos discursos de Bolsonaro, simbolizada na expressão “quatro linhas da Constituição”, fartamente utilizada pelo ex-Presidente durante o seu mandato. 

As “quatro linhas” não eram explicadas, mas utilizadas para sugerir supostos desvios do Poder Judiciário que deveriam ser enquadrados. A menção não vinha ao acaso, pois toda a fala era guiada para atacar o sistema eleitoral de votação, alimentando o sentimento de que uma ameaça pairava sobre as eleições de 2022, acionando o conspiracionismo cultivado por seus correligionários, seguidores, base radicalizada.

Jair Bolsonaro usou um palanque para evocar sua credencial em matéria sexual, que certamente a ninguém deveria interessar além dele mesmo e sua parceira, ao mesmo tempo em que criava e alimentava a desconfiança, sem qualquer prova, nas instituições e no sistema eleitoral, sempre utilizando a retórica de que se encontrava respaldado pela liberdade de expressão e pelas prerrogativas inerentes à posição de Chefe de Estado.

Improvável que o julgamento seja concluído no dia de hoje, tendo em conta que serão mais seis juízes a votar, e que existe a possibilidade de pedido de vistas. De todo modo, difícil que haja argumentos jurídicos ou sociológicos contrários às teses trazidas pelo relator do processo, que descortinam todas as etapas de um golpismo militante que intencionava viabilizar um projeto autoritário de poder.

 

Fonte: Metrópoles/Brasil 247

 


 Viciado em Fake News, Bolsonaro volta a mentir sobre ação no TSE

Na véspera de ser banido das eleições por oito anos, Jair Bolsonaro postou mensagens a seus seguidores nas redes sociais distorcendo a razão pela qual caminha para ser condenado pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Ele sabe que a inelegibilidade é inevitável, por isso tenta reforçar sua imagem como vítima de complô. Usou um velho conhecido seu: o voto impresso.

Em uma postagem na noite desta quarta (28), o ex-presidente disse que está sendo acusado de abuso de poder político por defender a impressão de comprovantes de votação em uma reunião com embaixadores estrangeiros no dia 18 de julho do ano passado.

Para mostrar que está sendo vítima de um exagero resgatou um vídeo de 2017 em que já defendia o tema em entrevista à TV Bandeirantes

Conversa para boi dormir.

A causa da denúncia de abuso de poder político é que ele gastou ilegalmente recursos públicos para organizar um evento de campanha eleitoral no Palácio do Alvorada e transmiti-lo por uma TV pública.

E usando sua força como presidente, convocou embaixadores estrangeiros para reforçar servir de plateia para um ataque sem provas à Justiça Eleitoral, acusando-a de estar mancomunada com Lula.

Horas antes, na mesma quarta, Bolsonaro já havia investido na mesma estratégia, postando um outro vídeo, em que o presidente do PDT, Carlos Lupi, defendia o voto impresso.

“No dia de ontem, 27 de junho, o senhor ministro Benedito Gonçalves, relator, deu o seu voto pela minha inelegibilidade por oito anos, sob a acusação de abuso de poder político numa reunião com embaixadores. Agora, o autor da ação é o senhor Carlos Lupi, presidente do PDT e atual ministro da Previdência Social do Lula. Veja o que ele disse há poucos meses sobre esse mesmo assunto”, disse Bolsonaro.

A questão é que o PDT não moveu uma ação contra Bolsonaro por ele defender o voto impresso, tampouco o ex-presidente está sendo julgado por isso, mas por (vamos lá novamente) atacar o sistema eleitoral sem provas e usar recursos públicos para um evento de campanha.

O ministro Benedito Gonçalves mostrou como isso fazia parte de algo maior, ou seja, uma tentativa de golpe de Estado.

É uma falácia bem infantil a que Bolsonaro está usando, mas costuma pegar desavisados.

Ele desvia o foco da acusação real apresentando e, depois, martelando um elemento que não tem nada a ver com a história. Com isso, o voto impresso, que não é protagonista da ação no TSE, agora está na boca do (seu) povo.

Aproveitando que se trata de um julgamento complexo, ele diz e repete que pode vir a ser condenado por um outro motivo que não o real.

Como esse motivo falso é simples de ser compreendido, e já é conhecida por seus seguidores, a narrativa acaba sendo assumida como verdadeira.

Como a manutenção de poder depende da perspectiva futura de poder, algo que Bolsonaro perderá significativamente, a sua preocupação neste momento é manter o máximo de seu capital político.

Para tanto, depende que seus seguidores fanáticos acreditem que foi injustiçado por defender algo em que eles acreditam. Funciona?

Não vai constranger os outros ministros que vão torna-lo inelegível.

Mas em grupos bolsonaristas no Telegram e no WhatsApp já circulam mensagens de que o ex-presidente vai ser injustamente sacrificado porque corajosamente defendeu o voto impresso contra as conspirações comunistas em nome de Deus, da família e dos patriotas brasileiros.

 

Ø  Lulistas e bolsonaristas travam guerra digital sobre julgamento

 

Durante o julgamento da ação que pode tornar Jair Bolsonaro inelegível no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), aliados e opositores do ex-presidente disputam narrativas nas redes sociais. Nomes como Gilvan da Federal (PL-ES) e Bibo Nunes (PL-RS) defendem o “legado” do ex-mandatário, enquanto parlamentares como Lindbergh Farias (PT-RJ) celebram o “grande dia”.

“Hoje Bolsonaro vai se tornar inelegível por conspirar um golpe contra a democracia brasileira. GRANDE DIA!”, escreveu o petista no Twitter.

André Janones (Avante-MG) acompanhou o movimento: “Sem anistia”, defendeu.

Do outro lado, o deputado federal Gilvan da Federal defendeu a memória de Bolsonaro, “independente do resultado” desta quinta-feira: “o povo brasileiro jamais esquecerá da semente de patriotismo que o Presidente Jair Messias Bolsonaro levou a todos os brasileiros”, disse.

Outro aliado do ex-presidente, Bibo Nunes, admitiu que os ataques contra ao sistema eleitoral proferido pelo ex-presidente são sim passíveis de punição, mas mais branda como uma advertência. O parlamentar defende que “nada justifica” a cassação dos direitos políticos.

“Nada justifica deixar inelegível Bolsonaro por oito anos, como causa uma reunião com Embaixadores, onde manifestou opinião sobre eleição. Esse fato não influenciou a eleição, até porque, os Embaixadores não votam no Brasil. Uma advertência seria aceitável, mas oito anos inelegível, envergonha um principiante em Direito. Não existe razão para estarmos neste mundo, se o bem não vencer o mal”, afirmou.

Bolsonaro é acusado de abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação por ter atacado o sistema eleitoral em reunião com embaixadores em julho do ano passado.

·         Lula chama Bolsonaro de “cidadãozinho que quis dar golpe”

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ironizou o ex-presidente Jair Bolsonaro e afirmou que o Brasil teve um “cidadãozinho” que “quis dar golpe”. Na ocasião, o petista foi questionado se acreditava que a Venezuela vivia em um regime democrático, mas respondeu que “muitas vezes a oposição não aceita” o resultado eleitoral e criticou o ex-presidente na sequência.

— Eu tinha apenas 20 dias de governo (no primeiro mandato) e criei o grupo de amigos da Venezuela. Participaram EUA, Espanha, Brasil, Argentina e parece que Canadá. E conseguimos fazer com que acontecesse o referendo lá. O referendo foi legítimo. Foi um resultado eleitoral e muitas vezes a oposição não aceita.

Lula completou:

— Não tivemos um cidadão aqui, um sabidinho que não quis aceitar o resultado eleitoral? Não tivemos um cidadãozinho aqui que quis dar golpe no dia 8 de janeiro? Tem gente que não quer aceitar o resultado eleitoral. Nem todo mundo é como Lula, que perdeu do (Fernando) Collor e aceitou o resultado, que perdeu duas vezes do Fernando Henrique Cardoso e aceitou o resultado, vai para a casa lamber as suas feridas, como diria o Brizola, e se prepara para outra luta.

Lula deu as declarações durante entrevista para a Rádio Gaúcha, nesta quinta-feira.

Em maio, Lula recebeu Maduro no Palácio do Planalto e classificou o encontro como “histórico”. Lula ainda chamou de “narrativas” as acusações de que a Venezuela não vive sob um regime democrático.

O governo do ex-presidente Jair Bolsonaro cortou relações diplomáticas com a Venezuela. A presença de Maduro no Brasil não era permitida desde agosto de 2019, quando o ex-presidente editou uma portaria que proibia o ingresso no país do líder venezuelano e de outras autoridades do vizinho latino-americano.

Em seguida, Lula afirmou ainda que as “pessoas precisam aprender a respeitar o resultado das eleições” e que não é “correto a interferência de um país dentro de outro país”. O presidente criticou o dirigente opositor na Venezuela Juan Guaidó, que chegou a ser reconhecido como presidente interino pelos EUA e mais 50 países, incluindo o Brasil, durante o governo de Bolsonaro, do início de 2019 a janeiro de 2023.

— As pessoas precisam aprender a respeitar o resultado das eleições. O que não está correto é interferência de um país dentro de outro país. O que fez o mundo tentando eleger o Guaidó presidente da Venezuela, um cidadão que não tinha sido eleito, se a moda pega não tem mais garantia na democracia e garantia do mandato das pessoas. Quem quiser derrotar o Maduro, derrote nas próximas eleições. Agora vai ter eleição. Derrota e assuma o poder. Vamos lá fiscalizar. Se não tiver uma eleição honesta, a gente fala.

Após uma tentativa fracassada de tirar Maduro do poder, o opositor acabou perdendo legitimidade interna e externamente.

Durante a entrevista, Lula afirmou ainda que vai conversar com o presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, para “resolver os problemas com a igreja”.

— Temos um problema na Nicarágua, eu vou conversar com o presidente da Nicarágua, porque tenho relação para conversar, porque eu acho que tem que resolver os problemas com a igreja. Mas cada país toca o seu destino.

Desde os protestos contra o governo de Ortega, em 2018, o ditador endureceu o regime e passou a perseguir quem faz oposição. O bispo Rolando Álvarez, por exemplo, foi condenado em fevereiro a 26 anos de prisão por, entre outras acusações, atentar contra a integridade nacional.

O religioso estava detido desde agosto do ano passado por conspiração e se recusou a ser deportado aos Estados Unidos com outros 222 opositores libertados e expulsos do país com a pecha de “traidores da pátria”.

Em Roma, na semana passada, Lula declarou que negociará pessoalmente com Daniel Ortega para libertar o religioso. Também disse que Ortega deveria ter “a coragem” de reconhecer que houve um erro.

As declarações de Lula ocorrem no mesmo dia em que o petista participa do “Foro de São Paulo”, encontro que reúne partidos de esquerda da América Latina e do Caribe. Como mostrou o GLOBO, Lula e aliados do PT traçaram uma estratégia para se distanciar do regime de Daniel Ortega. A cúpula inclui convidados de regimes totalitários na região, como políticos ligados ao líder sandinista.

 

Ø  Ministro bolsonarista do TSE mostra que Lula não aparelhou judiciário

 

Durante a terceira sessão de julgamento da ação que pode tornar Jair Bolsonaro inelegível, o ministro Raul Araújo, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), julgou improcedente e votou contra à cassação dos direitos políticos do ex-presidente. Antes da sessão, como antecipou Malu Gaspar, a expectativa da defesa de Bolsonaro era de que Raul Araújo pedisse vista do processo, o que não ocorreu.

Com posições mais ideológicas e alinhadas ao bolsonarismo, o ministro Raul Araújo foi quem proibiu manifestações políticas no festival Lollapalooza no ano passado. Na ocasião, artistas como Pabllo Vittar faziam menções positivas ao adversário de Bolsonaro, o atual presidente Lula (PT).

O magistrado afirmou que as manifestações caracterizavam propaganda eleitoral. Em seu despacho, definiu uma pena de multa de R$ 50.000,00 por ato de descumprimento. A medida atendeu um pedido do PL e teve repercussão nacional. Dias depois, o PL desistiu da ação e Raul Araújo revogou a decisão.

O ex-presidente é acusado de abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação por questionamentos, sem provas, ao processo eleitoral.

Em julho do ano passado, Bolsonaro recebeu 72 embaixadores no Palácio do Planalto para uma reunião em que colocou em xeque o sistema eleitoral brasileiro. O encontro foi transmitido pela TV Brasil.

O julgamento foi iniciado na quinta-feira passada, mas a sessão foi encerrada antes que os sete ministros do TSE votassem. A deliberação continua hoje e na próxima quinta-feira, 29 de junho.

Empossado como membro oficial do TSE no ano passado, o ministro Raul Araújo entrou para Corte na vaga de Mauro Campbell em 2020. Natural de Fortaleza, antes da Corte exerceu as funções de procurador-geral do Ceará, desembargador do Tribunal de Justiça e corregedor-geral da Justiça Federal.

Apesar da esperança de Bolsonaro, chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) por indicação de Lula, ainda em 2010.

Formado em direito e economia, Araújo é mestre em Direito Público e professor licenciado da Universidade de Fortaleza, instituição na qual já coordenou o curso de especialização em direito tributário.

Primeiro ministro a votar após o voto do relator, Raul Araújo votou pela improcedência da ação e contra a inelegibilidade do ex-presidente. Apesar de ter reconhecido em seu voto que Bolsonaro “se excedeu” na reunião com os embaixadores, o ministro defendeu que o ex-mandatário não teve êxito em deslegitimar o sistema eleitoral.

Sobre a acusação de abuso dos meios de comunicação, pela reunião ter sido transmitida pela TV Brasil, o magistrado trouxe a tese de que, por ser um evento da Presidência, o serviço faria parte do escopo de trabalho da emissora.

 

       Raúl Araújo recua de voto pró-uso da minuta golpista

 

O ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Raul Araújo, o segundo a votar no julgamento sobre a inelegibilidade de Jair Bolsonaro, recuou da própria posição tomada em fevereiro passado e rejeitou a inclusão da minuta golpista encontrada na casa do ex-ministro Anderson Torres no processo que está em análise nesta manhã.

O magistrado adotou a tese da defesa do ex-presidente, que questiona a consideração do documento no processo que trata sobre os ataques feitos por Bolsonaro ao sistema eleitoral na reunião com embaixadores em julho de 2022.

Em seu voto, Araújo afirmou que a minuta golpista não tem relação com os fatos que motivaram a ação do PDT contra o ex-presidente e argumentou que não se sabe nem sequer quem é o autor do documento, que na prática é um rascunho de decreto de intervenção do poder Executivo no TSE.

A inclusão da minuta golpista na ação do PDT foi aprovada por unanimidade no plenário do TSE em fevereiro deste ano, por unanimidade, inclusive com o voto de Raul Araújo.

“Independentemente do referendo da decisão do relator, o tema daquela questão processual persiste aberto à discussão”, justificou-se Raul Araújo. Para o ministro, a análise, quanto à pertinência da inclusão do documento, é um tema que deve ser enfrentado no julgamento final da ação.

“Ainda que admitida a inclusão de documento dentro do conjunto de elementos de prova que participam do universo da lide, sua efetiva aptidão para sustentar o convencimento do julgador quanto à qualificação da reunião como ato abusivo permanece tema em aberto, dependente da efetiva comprovação de pertinência, o que não ocorreu. Ficaria bastante dificultado ou até impedido o direito de ampla defesa e contraditório aos investigados”, declarou o magistrado.

Araújo defendeu ainda que não seria possível atribuir a minuta ao ex-presidente.

“Aliás, como se sabe, a medida ou sanção de inelegibilidade é de natureza personalíssima, o que reforça ainda mais a impossibilidade de se atribuir ao primeiro investigado a responsabilidade objetiva pela existência da referida minuta de desconhecida autoria ou pelas nefastas consequências do 8 de janeiro de 2023, dado que, repita-se, inexiste nesses autos qualquer que eventualmente vincule Jair Messias Bolsonaro a tais fatos”, defendeu.

Logo após a fala, o voto do magistrado foi interrompido pela ministra Cármen Lúcia, que ponderou que o relator da ação, Benedito Gonçalves, não baseou sua defesa pela inelegibilidade de Bolsonaro na minuta golpista e nem se debruçou sobre sua autoria. O presidente do TSE, Alexandre de Moraes, concedeu brevemente a palavra a Gonçalves, que reiterou a defesa da inclusão do documento a título de contexto.

Apesar da intervenção dos colegas, Raul Araújo manteve a linha de argumentação do seu voto. O ministro, até a publicação deste texto, ainda não havia se manifestado sobre a condenação ou a absolvição do ex-presidente.

 

Fonte: UOL/O Globo

Estamos vivendo a desdolarização?

A desdolarização aparentemente chegou, “gostemos ou não”, como afirma um vídeo de maio de 2023 do Quincy Institute for Responsible Statecraft, um think tank voltado para a paz com sede em Washington, D.C. O Quincy não é o único a discutir a desdolarização: os economistas políticos Radhika Desai e Michael Hudson descreveram sua mecânica em quatro episódios entre fevereiro e abril de 2023 em seu programa quinzenal no YouTube, Geopolitical Economy Hour. O economista Richard Wolff forneceu uma explicação de nove minutos sobre esse tópico no canal Democracy at Work. Por outro lado, veículos de mídia como o Business Insider asseguram aos leitores que o domínio do dólar não está à beira do precipício. O jornalista Ben Norton reportou sobre uma audiência bipartidária de duas horas no Congresso, realizada em 7 de junho – “Dollar Dominance: Preserving the U.S. Dollar’s Status as the Global Reserve Currency” (Dominância do dólar: preservando o status do dólar como moeda de reserva global) – sobre a defesa da moeda americana contra a desdolarização. Durante a audiência, os membros do Congresso expressaram tanto otimismo quanto ansiedade com relação ao futuro do papel supremo do dólar. Mas o que motivou esse debate?

Até recentemente, a economia global aceitava o dólar dos EUA como a moeda de reserva mundial e a moeda de transações internacionais. Os bancos centrais da Europa e da Ásia tinham um apetite insaciável por títulos do Tesouro dos EUA denominados em dólares, o que, por sua vez, concedia a Washington a capacidade de gastar dinheiro e financiar sua dívida à vontade. Se algum país saísse da linha política ou militarmente, Washington poderia sancioná-lo, excluindo-o do sistema de comércio global do resto do mundo, denominado em dólares.

Mas por quanto tempo? Após uma reunião de cúpula em março deste ano entre o presidente da Rússia, Vladimir Putin, e o presidente da China, Xi Jinping, Putin declarou: “Somos a favor do uso do yuan chinês para acordos entre a Rússia e os países da Ásia, África e América Latina”. Colocando essa declaração em perspectiva, Fareed Zakaria, da CNNdisse: “A segunda maior economia do mundo e seu maior exportador de energia estão juntos tentando ativamente diminuir o domínio do dólar como âncora do sistema financeiro internacional”. Zakaria observou que a Rússia e a China já estão mantendo menos reservas de seus bancos centrais em dólares e liquidando a maior parte de seu comércio em yuan, enquanto outros países sancionados pelos Estados Unidos estão se voltando para o “comércio de escambo” para evitar a dependência do dólar.

Um novo sistema monetário global, ou pelo menos um sistema em que não haja uma moeda de reserva quase universal, representaria uma reorganização do poder político, econômico e militar: uma reordenação geopolítica não vista desde o fim da Guerra Fria ou mesmo da Segunda Guerra Mundial. Porém, como fica claro ao analisarmos suas origens e evolução, a noção de um sistema de câmbio global padronizado é relativamente recente e não há regras rígidas que determinem como ele deve ser organizado. Vamos fazer um breve passeio pela tumultuada história monetária do comércio global e, em seguida, considerar os fatores que poderiam desencadear outro estágio em sua evolução.

·         Moeda-mercadoria imperial

Antes da dolarização da economia mundial, o sistema internacional tinha um padrão-ouro ancorado na supremacia naval do Império Britânico. Mas um sistema monetário lastreado em ouro, um bem extraído de minas, tinha uma falha inerente: a deflação. Enquanto a mineração de metais pudesse acompanhar o ritmo do crescimento econômico, o padrão ouro poderia funcionar. Mas, como Karl Polanyi observou em seu livro de 1944, The Great Transformation (A Grande Transformação), “a quantidade de ouro disponível pode [apenas] ser aumentada em alguns por cento ao longo de um ano… e não em tantas dúzias em algumas semanas, como seria necessário para suportar uma súbita expansão das transações. Na ausência de dinheiro simbólico, os negócios teriam de ser reduzidos ou realizados a preços muito mais baixos, induzindo assim uma queda e criando desemprego.”

Essa espiral deflacionária, suportada por todos na economia, foi o que o ex-candidato à presidência dos EUA William Jennings Bryan descreveu em seu famoso discurso na convenção do Partido Democrata de 1896, no qual declarou: “Não crucifiquem a humanidade em uma cruz de ouro”. Para os verdadeiramente ricos, é claro, o padrão-ouro era uma coisa boa, pois protegia seus ativos da inflação.

A alternativa à “cruz de ouro” era que os governos garantissem a circulação de moeda suficiente para manter os negócios funcionando. Para esse fim, eles poderiam produzir, em vez de moeda-mercadoria de ouro ou prata, moeda simbólica ou “fiduciária”: papel-moeda emitido à vontade pelo tesouro do Estado. O problema com a moeda simbólica, entretanto, é que ela não podia circular em solo estrangeiro. Como, então, em uma economia global, seria possível conduzir o comércio exterior com moeda-mercadoria e os negócios domésticos com dinheiro simbólico?

Os impérios espanhol e português tinham uma solução para manter o fluxo de metais: cometer genocídio contra as civilizações das Américas, roubar seu ouro e prata e forçar os povos indígenas a trabalhar até a morte nas minas. Os impérios holandês e britânico puseram as mãos neste mesmo ouro usando vários mecanismos, inclusive a monopolização do comércio de escravos por meio do Asiento de 1713 e o roubo de terras indígenas nos Estados Unidos e no Canadá. A prata roubada foi usada para comprar produtos comerciais valiosos na China. A Grã-Bretanha roubou essa prata de volta da China após as Guerras do Ópio, pelas quais a China teve de pagar imensas indenizações (em prata) por ter sido derrotada.

Uma vez estabelecido como gerente imperial global, o Império Britânico insistiu no padrão ouro e colocou a Índia em um padrão prata. Em sua tese de doutorado de 2022, o economista político Jayanth Jose Tharappel chamou esse esquema de “apartheid bimetálico”: A Grã-Bretanha usou o padrão prata para adquirir commodities indianas e o padrão ouro para negociar com os países europeus. A Índia era então usada como uma bomba de dinheiro para o controle britânico da economia global, sendo pressionada conforme necessário: A Índia tinha um superávit comercial com o resto do mundo, mas, enquanto isso, tinha um déficit comercial com a Grã-Bretanha, que cobrava de sua colônia “encargos internos” pelo privilégio de ser saqueada. A Grã-Bretanha também cobrava impostos e receitas alfandegárias em suas colônias e semicolônias, simplesmente confiscando dinheiro e mercadorias, que eram revendidos com lucro, muitas vezes a ponto de causar fome e muito mais – causando dezenas de milhões de mortes. O sistema de Council Bills era outro esquema inteligente: o papel-moeda era vendido pela Coroa Britânica aos comerciantes em troca de ouro e prata. Esses comerciantes usavam as Council Bills para comprar produtos indianos para revenda. Os indianos que ficavam com as Council Bills as trocavam por rúpias (suas próprias receitas fiscais). O resultado de toda essa atividade foi que a Grã-Bretanha drenou 45 trilhões de dólares da Índia entre 1765 e 1938, de acordo com a pesquisa do economista Utsa Patnaik.

·         Do ouro à moeda lastreada em ouro e ao dólar flutuante

Com o passar do século XIX, um resultado indireto da administração altamente lucrativa da Grã-Bretanha sobre suas colônias e, principalmente, da facilidade excessiva com que despejava suas exportações nos mercados destas, foi o atraso da Grã-Bretanha em relação à Alemanha e aos Estados Unidos em termos de manufatura e tecnologia avançadas: países nos quais a Grã-Bretanha havia despejado a riqueza dos investimentos drenados da Índia e da China. A superioridade industrial da Alemanha e a saída da Rússia do lado da Grã-Bretanha após a Revolução Bolchevique fizeram com que os britânicos enfrentassem uma possível derrota para a Alemanha na Primeira Guerra Mundial, apesar de a Grã-Bretanha ter atraído mais de 1 milhão de pessoas do subcontinente indiano para servir (mais de 2 milhões de indianos serviriam à Grã-Bretanha na Segunda Guerra Mundial) durante a guerra. Os financistas americanos emprestaram tanto dinheiro à Grã-Bretanha que, se o país tivesse perdido a Primeira Guerra Mundial, os bancos dos EUA teriam sofrido uma perda imensa. Quando a guerra terminou, para surpresa da Grã-Bretanha, os Estados Unidos insistiram em ser pagos de volta. A Grã-Bretanha pressionou a Alemanha por reparações para pagar os empréstimos dos EUA, e o sistema financeiro mundial entrou em colapso com “desvalorizações competitivas, guerras tarifárias e autarquia internacional”, como Michael Hudson relata em seu livro de 1972, Super imperialism (Super imperialismo), preparando o terreno para a Segunda Guerra Mundial.

Depois dessa guerra, Washington insistiu no fim da zona da libra esterlina; os Estados Unidos não permitiriam mais que a Grã-Bretanha usasse a Índia como sua própria bomba monetária privada. Mas John Maynard Keynes, que havia escrito Indian Currency and Finance (Moeda e finanças indianas – 1913), The Economic Consequences of the Peace (As consequências econômicas da paz  – 1919) e General Theory of Employment, Interest, and Money (Teoria geral do emprego, do juro e da moeda – 1936), acreditava ter encontrado uma maneira nova e melhor de fornecer o dinheiro de commodities necessário para o comércio exterior e o dinheiro simbólico necessário para os negócios domésticos, sem crucificar ninguém em uma cruz de ouro.

Na conferência econômica internacional de 1944 em Bretton Woods, em New Hampshire, Keynes propôs um banco internacional com uma nova moeda de reserva, o bancor, que seria usada para resolver desequilíbrios comerciais entre países. Se o México precisasse vender petróleo e comprar automóveis da Alemanha, por exemplo, os dois países poderiam realizar o comércio em bancors. Se o México estivesse devendo mais bancors do que possuía, ou se a Alemanha tivesse um excedente cada vez maior de bancors, uma União Internacional de Compensação pressionaria os dois lados: depreciação da moeda para os devedores, mas também valorização da moeda e pagamentos de juros punitivos para os credores. Enquanto isso, os bancos centrais das nações devedoras e credoras poderiam seguir o conselho doméstico de Keynes e usar seus poderes de criação de moeda para estimular a economia doméstica conforme necessário, dentro dos limites dos recursos e da força de trabalho disponíveis no país.

Keynes fez sua proposta, mas os Estados Unidos tinham um plano diferente. Em vez do bancor, o dólar, lastreado nas reservas de ouro mantidas na base do Exército americano em Fort Knox, no Kentucky, seria a nova moeda de reserva e o meio de comércio mundial. Tendo saído da guerra com sua economia intacta e com a maior parte do ouro do mundo, os Estados Unidos lideraram a guerra ocidental contra o comunismo em todas as suas formas, usando armas que variavam de golpes e assassinatos a financiamento e ajuda ao desenvolvimento. Do ponto de vista econômico, as ferramentas dos EUA incluíam empréstimos para a reconstrução da Europa, empréstimos para o desenvolvimento do Sul Global e empréstimos para a balança de pagamentos de países em dificuldades (os infames “pacotes de resgate” do Fundo Monetário Internacional (FMI)). Ao contrário da União Internacional de Compensação proposta por Keynes, o FMI impôs todas as penalidades aos devedores e deu todas as recompensas aos credores.

A posição única do dólar deu aos Estados Unidos o que um ministro das finanças francês chamou de “privilégio exorbitante“. Enquanto todos os outros países precisavam exportar algo para obter dólares para comprar produtos importados, os Estados Unidos podiam simplesmente emitir moeda e sair comprando os ativos do mundo. O lastro em ouro permaneceu, mas o custo da dominação mundial tornou-se considerável até mesmo para Washington durante a Guerra do Vietnã. A partir de 1965, a França, seguida por outros países, começou a fazer valer a palavra dos Estados Unidos e trocou dólares americanos por ouro americano, insistindo nisso até que Washington cancelasse o lastro em ouro e o dólar começasse a flutuar livremente em 1971.

·         O dólar flutuante e o petrodólar

O cancelamento do lastro em ouro para a moeda do comércio internacional foi possível devido à posição excepcional dos Estados Unidos no mundo como a potência militar suprema: eles possuíam o domínio de espectro total e tinham centenas de bases militares em todo o mundo. Os EUA também eram um ímã para os imigrantes do mundo, detentores do soft power de Hollywood e do estilo de vida americano, e líderes em tecnologia, ciência e manufatura.

O dólar também tinha um respaldo mais tangível, mesmo após o rompimento das amarras do ouro. A commodity mais importante do planeta era o petróleo, e os Estados Unidos controlavam a torneira por meio de seu relacionamento especial com a superpotência do petróleo, a Arábia Saudita; uma reunião em 1945 entre o rei Abdulaziz Al Saud e o então presidente Franklin Delano Roosevelt em um cruzador americano, o USS Quincy, no Great Bitter Lake, no Egito, selou o acordo. Quando os países produtores de petróleo formaram um cartel eficaz, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), e começaram a aumentar o preço do petróleo, os países deficientes em petróleo do Sul Global sofreram, enquanto os exportadores de petróleo trocaram seus recursos por grandes quantidades de dólares (“petrodólares“).

Os Estados Unidos proibiram que esses detentores de dólares adquirissem ativos ou setores estratégicos dos EUA, mas permitiram que eles devolvessem seus dólares aos Estados Unidos comprando armas ou títulos do Tesouro dos EUA: simplesmente detendo dólares em outra forma. Os economistas Jonathan Nitzan e Shimshon Bichler chamaram isso de nexo “weapondollar-petrodollar” (algo como nexo armadólar-petrodólar) em seu livro de 2002, The Global Political Economy of Israel (A economia política global de Israel). Conforme documentado no livro de 1977 de Michael Hudson, Global Fracture (Fratura global – uma continuação de “Super Imperialism”), os países da OPEP esperavam usar seus dólares para se industrializar e alcançar o Ocidente, mas os golpes e as contrarrevoluções dos EUA mantiveram a fratura global e empurraram a economia global para a era do neoliberalismo.

O relacionamento entre a Arábia Saudita e os EUA foi a chave para conter o poder da OPEP, pois a Arábia Saudita seguiu os interesses dos EUA, aumentando a produção de petróleo em momentos importantes para manter os preços baixos. Pelo menos um autor, James R. Norman, em seu livro de 2008, The Oil Card: Global Economic Warfare in the 21st Century (A carta do dólar: guerra econômica global no século XXI), argumentou que o relacionamento também foi fundamental para outras prioridades geopolíticas dos EUA, inclusive seu esforço para acelerar o colapso da União Soviética na década de 1980. Um estudo do Tesouro dos EUA de 1983 calculou que, como cada queda de US$ 1 no preço do barril de petróleo reduziria as receitas em moeda forte da Rússia em até US$ 1 bilhão, uma queda de US$ 20 por barril a colocaria em crise, de acordo com o livro de Peter Schweizer, Victory (Vitória).

Em 1985, Norman relatou em seu livro que a Arábia Saudita “[abriu] as comportas, [reduziu] seus preços e [bombeou] mais petróleo para o mercado”. Embora outros fatores também tenham contribuído para o colapso do preço do petróleo, “o acadêmico russo Yegor Gaidar, primeiro-ministro interino da Rússia de 1991 a 1994 e ex-ministro da economia, descreveu [a queda nos preços do petróleo] como claramente o golpe mortal que destruiu a União Soviética”.

·         Do petrodólar à desdolarização

Quando a URSS entrou em colapso, os Estados Unidos proclamaram uma nova ordem mundial e lançaram uma série de novas guerras, inclusive contra o Iraque. A moeda da nova ordem mundial era o petrodólar–weapondollar. Um bombardeio inicial e a ocupação parcial do Iraque em 1990 foram seguidos por mais de uma década de aplicação de uma arma econômica sádica com um efeito muito mais devastador do que jamais teve sobre a URSS (ou outros alvos como Cuba): sanções abrangentes. Esqueça as manipulações de preços; o Iraque foi proibido de vender seu petróleo, bem como de comprar os medicamentos ou a tecnologia de que precisava. Como resultado, centenas de milhares de crianças morreram. Vários autores, inclusive a Unidade de Pesquisa de Economia Política da Índia, no livro Behind the Invasion of Iraq (Por trás da invasão do Iraque), de 2003, e o autor norte-americano William Clark, em um livro de 2005, Petrodollar Warfare (Guerra dos petrodólares), argumentaram que a derrubada final de Saddam Hussein foi desencadeada por uma ameaça feita por ele de começar a comercializar petróleo em euros em vez de dólares. O Iraque está sob ocupação dos EUA desde então.

Parece, no entanto, que a era do petro-weapondólar está chegando ao fim, e em um “ritmo impressionante“. Após a cúpula Putin-Xi em março de 2023, Fareed Zakaria, da CNN, manifestou publicamente sua preocupação com a situação do dólar diante dos esforços da China e da Rússia para a desdolarização. Os problemas do dólar só aumentaram desde então. Todos os pilares que sustentam o petrodólar-weapondólar são instáveis:

– Os Estados Unidos não são mais o fabricante industrial dominante e a China também os estão alcançando em ciência e tecnologia.

– Os Estados Unidos não parecem mais ser um modelo de desenvolvimento atraente para os países do Sul Global e não conseguem competir com os acordos da Iniciativa Cinturão e Rota da China na África e em outras partes do mundo em desenvolvimento.

– Os Estados Unidos sancionaram tantos países (Rússia, Irã, Venezuela, Cuba e China) que eles estão começando a atingir uma massa crítica comercializando uns com os outros.

– O poder militar dos EUA não é mais visto como supremo depois de sua falta de sucesso em promover uma mudança de regime na Síria e sua retirada do Afeganistão.

– Embora os Estados Unidos possam ter conseguido reduzir drasticamente as vendas de gás russo para a Europa – se a reportagem de fevereiro de Seymour Hersh, amplamente acreditada, for confirmada – explodindo o Nordstream, eles não conseguiram convencer a Índia ou a China a seguir seus planos nesse sentido: ambos os países estão comprando energia russa e revendendo-a também.

– Depois de ver os Estados Unidos roubarem as reservas da Rússia e o ouro da Venezuela e forçarem a venda da empresa petrolífera venezuelana CITGO, até mesmo os aliados dos EUA estão relutantes em manter ativos em dólares ou em manter seus ativos nos Estados Unidos, para que não sejam confiscados. A Arábia Saudita negociará com a China em yuan em vez de dólares, cancelou sua guerra contra o Iêmen, apoiada pelos EUA, fez as pazes com o Irã e recebeu o presidente da Síria, Bashar al-Assad, na cúpula da Liga Árabe em maio de 2023.

Mas o que substituirá o dólar?

“Uma economia globalizada precisa de uma moeda única”, disse Zakaria na CNN após a cúpula entre Xi e Putin. “O dólar é estável. Você pode comprar e vender a qualquer momento e ele é regido em grande parte pelo mercado e não pelos caprichos de um governo. É por isso que os esforços da China para expandir o papel do yuan internacionalmente não funcionaram.” Mas a governança do dólar americano pelos “caprichos de um governo” – ou seja, os Estados Unidos – é exatamente o motivo pelo qual os países estão buscando alternativas.

Zakaria se consolou com o fato de que o substituto do dólar não será o yuan. “Ironicamente, se Xi Jinping quisesse causar a maior dor aos Estados Unidos, ele liberalizaria seu setor financeiro e tornaria o yuan um verdadeiro concorrente do dólar. Mas isso o levaria na direção dos mercados e da abertura, que é o oposto de suas metas domésticas atuais.” Zakaria está errado. A China não precisa se liberalizar para internacionalizar o yuan. Quando o dólar era supremo, os Estados Unidos simplesmente excluíam os detentores estrangeiros de dólares da compra de empresas ou ativos dos EUA e os restringiam a possuir títulos do Tesouro dos EUA.

Mas, como argumentou o economista chinês Yuanzheng Cao, ex-economista-chefe do Banco da China, em seu livro de 2018, Strategies for Internationalizing the Renminbi (Estratégias para a internacionalização do Renminbi, nome oficial da moeda cuja unidade é o yuan), Pequim pode internacionalizar o yuan sem tentar substituir o dólar e sem incorrer no ressentimento generalizado que isso acarretaria. Ela só precisa garantir o uso estratégico do yuan como uma das várias moedas e em uma variedade maior de transações, como swaps cambiais.

Em outros lugares, a ideia de Keynes do pós-guerra de uma moeda de reserva global está sendo revivida em uma base mais limitada. Uma versão regional do bancor, o sur, foi proposta pelo presidente do Brasil, Luis Inácio Lula da Silva. O economista equatoriano e ex-candidato à presidência Andrés Arauz descreveu o sur da seguinte forma em uma entrevista em fevereiro: “A ideia não é substituir a moeda nacional e soberana de cada país, mas sim ter uma moeda adicional, uma moeda complementar, uma moeda supranacional para o comércio entre os países da região, começando com o Brasil e a Argentina, que são as duas potências do Cone Sul, e que poderia se expandir para o resto da região.” Lula deu prosseguimento à ideia do sur com uma ideia de uma moeda do BRICS; o economista russo Sergey Glazyev propõe uma espécie de banco apoiado por uma cesta de commodities.

Os sistemas monetários refletem as relações de poder no mundo: eles não as alteram. O padrão ouro anglo-saxão e o padrão dólar americano refletiram o poder de monopólio imperial durante séculos. Em um mundo multipolar, no entanto, devemos esperar arranjos mais diversificados.

 

Fonte: Por Justin Podur, no Globetrotter, com tradução na Revista Opera