O
recente afastamento de José Serra do governo não eleito por motivos de saúde
foi interpretado por alguns analistas como um episódio que carregava também
motivações políticas e emocionais. No que diz respeito à saúde pessoal, os
votos são de melhoras e de um acompanhamento médico ético e respeitoso. Fora do
governo, Serra tem condições de melhorar a saúde, o que é bom. Sem Serra nas
relações exteriores, a saúde diplomática do país só tem a ganhar, o que é
promissor.
O
que passa a ganhar interesse público a partir de agora é a consequência do ato.
Ao deixar o Ministério das Relações Exteriores, no qual se esforçou para
reduzir a altivez alcançada pelo Brasil nos últimos anos, Serra parece
sinalizar para uma fratura no bloco do poder. Mas é sempre bom lembrar que em
sua gestão ele imprimiu uma ação menor, sempre submissa aos países ditos
centrais e aos interesses do capital internacional em matéria de comércio e
exploração das riquezas nacionais. Essa direção não deve se alterar, o que
indica motivações pessoais no gesto.
No
campo político, a atitude significa uma torção do interesse público às ambições
pessoais. Todos sabem que Serra tem anseios maiores e que sua opção desde o
início da aventura golpista se dirigia para pastas mais influentes. Não foi um
acaso que sua atuação como incentivador do entreguismo das riquezas brasileiras
tenha reforçado a dimensão econômica do ministério. Ao mesmo tempo, virava as
costas para o caminho trilhado com êxito em direção a um novo concerto
multilateral.
A
substituição de Serra por outra plumagem do mesmo partido – como também deve
ocorrer na pasta da Justiça –, vai consagrando uma divisão de tarefas sórdida.
De um lado a ideologia neoliberal extrema dos tucanos dá as cartas, de outro o
pragmatismo sem ética do peemedebismo viabiliza o jogo. Todas as ações voltadas
para a desmontagem do estado social, para a entrega do patrimônio nacional e
para o extermínio das conquistas da Constituição de 1988 não são tiros dados a
esmo, mas componentes de um programa antipopular orgânico, jamais bancado pelas
urnas.
O
sucesso da arquitetura do golpe foi substituir a legitimidade da democracia
direta e de seus instrumentos pela composição de uma base parlamentar venal. O
que os tucanos tecem em seus ninhos ideológicos, os peemedebistas e acólitos
bancam em votações dirigidas. Neste sentido, Temer mantém a postura dúbia de
fiador e síndico de um poder que não emana de seus projetos, mas que só se
concretiza por meio de sua ação e de sua base de apoio. O parlamento deixa de
ser uma casa do diálogo para se configurar como um cartório. Sai a palavra,
entra o carimbo.
Mas
a renúncia de Serra tem ainda um componente simbólico forte. O ex-chanceler,
pelo que noticiaram comentaristas próximos ao poder, estava, além de desgastado
fisicamente, padecendo de depressão. Parte vinha da ausência de protagonismo,
parte de um real déficit de vitalidade em razão das críticas que se avolumavam
em torno de sua atuação. Serra tem motivo para se deprimir. Fez um péssimo
trabalho, rebaixou o Brasil no contexto internacional e retirou da diplomacia
brasileira a elegância. É bom ficar atento a esse sinal. Os tristes decaem.
O
momento por que passa o país, com o risco de naturalização do atraso, tem
servido para ampliar a perda de vitalidade dos que se contrapõem ao poder do
arbítrio. Pior que a ditadura é a ditadura sem oposição enérgica. Além de
restabelecer a força dos argumentos, a defesa de valores e a mobilização
popular, cabe aos cidadãos que se identificam na luta contra o poder sem
legitimidade, preservar a cota necessária de esperança e, por que não, de alegria.
Este não é um desafio menor.
Deixemos
a depressão para os inimigos do povo. O futuro precisa ser desenhado na luta
ferrenha e destemida. Deve ainda ser provida de força política, mobilização
popular e disposição para conhecer melhor a realidade e propor alternativas
consequentes de transformação. Interpretar para mudar o mundo. Mas os novos
dias devem ser alimentados em doses poderosas pela felicidade do encontro e
pela esperança de justiça social. A revolução, como a alegria, é a prova dos
nove.
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