domingo, 22 de janeiro de 2017

Previdência e a "revolução demográfica". Por Osvaldo Bertolino

Sua vida será pior quando você se aposentar? Essa pergunta foi feita a 5.500 pessoas em 11 países. Os entrevistados tinham mais de 25 anos, estavam empregados e nos melhores níveis de renda. Céticos, 56% dos franceses disseram que sim. Temerosos da crise, 53% dos japoneses concordaram. Desesperançados, 38% dos brasileiros assinaram embaixo. “O Brasil registrou o pior nível entre os países emergentes”, disse Norman Sorensen, responsável pelas operações internacionais da seguradora norte-americana “Principal”, que promoveu a pesquisa. “Os brasileiros estão profundamente desconfiados de que não vão receber seu dinheiro quando se aposentarem”, afirmou.
Há tanto melodrama nos debates sobre o déficit do sistema de aposentadoria que os assuntos de maior importância se perdem. Um deles é o papel do Estado, tema que vem motivando intensos confrontos sociais pelo mundo afora. A razão principal é que a hegemonia neoliberal simplesmente não tem resposta para a nova realidade da população mundial. O mundo passa pela maior revolução demográfica de sua história. Na maior parte dos países, a proporção de idosos cresce a ritmo jamais visto. O envelhecimento é fruto do aumento da expectativa de vida, que foi de 47 anos em 1950 para os atuais 65 anos, em média — em alguns países, como o Japão, essa expectativa ultrapassa os 80 anos.
Fonte de problemas
Como decorrência, o número de idosos no planeta deve triplicar até 2050, chegando a 2 bilhões. Em outras palavras, em poucas décadas o conjunto de pessoas com mais de 65 anos ficará pouco abaixo da soma das populações de Índia e China. O envelhecimento veio acompanhado de outra mudança social: a queda nas taxas de natalidade. Na década de 1950, cada mulher tinha, em média, cinco filhos. Hoje, o índice é de 2,6 filhos e deve cair ainda mais. A combinação desses dois fenômenos — aumento de longevidade e queda na taxa de nascimentos — está produzindo um planeta grisalho. Aprender a lidar com ele é provavelmente o maior desafio da humanidade nas décadas que vêm pela frente.
Visto pelos neoliberais como fonte de problemas, o fenômeno do envelhecimento revela, acima de tudo, uma grande vitória da civilização. Devido aos avanços da medicina e dos sistemas públicos de saúde, as pessoas vivem cada vez mais e melhor, fato que pode e deve ser comemorado. A mudança traz consigo, porém, uma série de questões a ser enfrentadas. Embora seja um fenômeno global, o envelhecimento ocorre em ritmos e com efeitos diferentes em cada país. No caso das nações desenvolvidas, o desafio é parcialmente atenuado pela própria riqueza dessas sociedades. Isso não quer dizer que ajustes econômicos não serão necessários — por exemplo, na forma de arrecadação para garantir o valor pago em aposentadorias.
Casos dramáticos
Mas as perspectivas são bem mais sombrias para os países pobres, que estão envelhecendo antes de enriquecer — e num ritmo muito mais rápido. Na França, por exemplo, a população de idosos levou 115 anos para dobrar. Na China, o mesmo fenômeno levará apenas 27 anos. Diferenças à parte, o peso crescente das aposentadorias no orçamento dos Estados aparece como tendência geral. E fazer algo, para o neoliberalismo, significa tomar medidas socialmente perversas. Alguns, como o Chile, largaram na frente — ainda no regime do general Augusto Pinochet — e implementaram “reformas” profundas nos sistemas de aposentadoria. O Estado foi completamente afastado do assunto.
Os casos mais dramáticos ocorrem na Europa. Até países com sólida tradição de Estado de bem-estar social, como a Suécia, já suprimiram alguns benefícios dos aposentados. A Alemanha quer seguir caminho semelhante — o governo alemão pretende aprovar uma lei que vai aumentar de 65 para 67 anos a idade para se aposentar. Na França, o tema já motivou grandes manifestações populares. Montados logo após a Segunda Guerra Mundial, dentro das premissas do Estado de bem-estar social, as dificuldades para fazer a conta desses sistemas fechar começaram a ser notadas no início dos anos 1980.
Seria natural o Estado cobrir a diferença com a cobrança de impostos dos mais ricos. É a lógica daqueles regimes, uma forma de compensar todos pelos crescentes índices de produtividade. Aqueles países, apesar da crise econômica mundial, não deixaram de elevar a produção de riqueza mesmo com a redução do uso da força de trabalho. Fazer o Estado assegurar uma aposentadoria minimamente decente seria a coisa mais natural do mundo. O problema é que isso passou a ser pecado mortal no mundo do mercado-deus dos neoliberais. Daí o conflito.
Solução chilena
As propostas de “reforma” variam pouco de país para país. Os pontos principais são o aumento da idade mínima para começar a receber os benefícios, barreiras à aposentadoria antecipada e restrições a benefícios por invalidez — modelo que vem sendo tentado na Espanha após a assinatura do Pacto de Toledo, em 2002, pelo então primeiro-ministro José Maria Aznar. Obviamente, a resistência às mudanças é parte importante das pautas dos trabalhadores. “Reformas” também são o assunto do dia nos Estados Unidos. O sistema público norte-americano é muito mais espartano que a maioria dos sistemas europeus. O benefício médio é de US$ 875 por mês, pouco mais da metade da renda que define a linha de pobreza daquele país.
Hoje, um trabalhador norte-americano tem de completar 67 anos de idade para ter direito à aposentadoria integral. A expectativa é que a idade mínima avance para 75 anos. Mesmo pagando um benefício relativamente reduzido para os padrões de renda norte-americanos, a seguridade social beneficia milhões de pessoas. Por isso, já existem mobilizações para impedir qualquer mudança. Recentemente, as maiores associações de aposentados anunciaram planos de gastar cerca de US$ 50 milhões em campanhas publicitárias para impedir alterações no sistema. Qual a saída? Para os neoliberais não há muitas alternativas à radical solução chilena. Para os trabalhadores de todo mundo, resta o caminho da resistência. E uma compreensão ideológica do fenômeno.
Coisa pecaminosa
Para os neoliberais, a defesa do Estado na equalização dessa questão não passa de um saudosismo dos tempos das utopias candentes. Hoje, dizem, no mundo “moderno”, vigora a hegemonia do individualismo. Cada qual que cuide de sua vida no presente e no futuro — uma reação, no fundo, à ideia de que a prosperidade de todos só pode ser gerada pela democratização do Estado. É comum encontrar na mídia brasileira, por exemplo, menções a “aposentadorias exorbitantes”. Mas que diabo seria isso? A partir de que ponto uma aposentadoria deixa de ser decente e vira “exorbitante”? Quem fixa esse número? O termo tem a ver com a mania generalista dos neoliberais. Como se houvesse, ou precisasse haver, um deus qualquer que normatizasse as aposentadorias — e estabelecesse uma espécie de “tablita”: “até aqui, pode; a partir dali, é pecado”.

O termo também explicita a ideia de que se aposentar com um ganho minimamente decente é algo indecente. No Brasil, um país em que 15 desbravadores chegaram há mais de 500 anos com uma capitania hereditária à sua disposição e todos os outros vieram na condição de degredados, a elite impõe a visão de que a aposentadoria decente é fruto de algo escuso. Tal visão, além de falsa, é hipócrita — pois essa gente acha que o seu patrimônio é legítimo e trata de mantê-lo a salvo de qualquer iniciativa democratizante. São, em sua imensa maioria, pessoas que não precisaram trabalhar para chegar lá, que têm ligações escusas com o poder, que não precisam cumprir as leis e jogar pelas regras democráticas. Daí a importância de uma ampla mobilização em defesa da previdência pública.

Trump, Lava-Jato e a era das incertezas. Por Ricardo Kotscho

O que tem a ver a posse do bufão Donald Trump na presidência dos Estados Unidos e o futuro da Lava Jato no Brasil após a morte trágica de Teori Zavascki?
Estes dois fatos sem nenhuma ligação entre si têm um ponto em comum: jogam o Brasil e o mundo na era da incerteza.
Incerteza é a palavra mágica para definir o que está acontecendo neste começo de 2017 no momento em que ninguém pode prever o que vai acontecer amanhã, na semana que vem ou no próximo ano.
Duas manchetes de cadernos especiais da Folha desta sexta-feira resumem a ópera:
"Queda da aeronave mata Teori e joga incerteza sobre a Lava Jato".
"Sob incerteza, Trump se torna o 45º presidente dos EUA nesta sexta".
Vamos começar pelo destino da Lava Jato no Brasil, um assunto que está mais perto de nós e pode definir o futuro próximo.
Primeira incerteza: quem vai definir o substituto de Teori na relatoria da Lava Jato? Michel Temer ou Carmen Lúcia?
Como leis e regimentos internos nunca deixam nada muito claro, a decisão será de quem atirar primeiro.
Não há prazo para o presidente da República indicar um novo ministro do STF e, como Temer costuma ser lento nas suas decisões, a presidente do STF sai em vantagem.
Por tudo que acabei de ler, Carmen Lúcia tem várias opções: pode indicar o novo relator por sorteio; pode passar o processo para o sub-relator e decano Celso de Mello e pode jogar a decisão para o plenário, quando o tribunal reabrir suas portas após o recesso, dia 1º de fevereiro.
Segunda incerteza: qual o perfil do ministro a ser indicado por Temer?
A julgar pelo que vimos na formação do ministério, o substituto de Teori deve ter um perfil conservador e ser de absoluta confiança do presidente - como, por exemplo, o ministro da Justiça Alexandre de Moraes, que queimou o filme na crise dos presídios, ou o ex-procurador do Ministério Público de São Paulo, Luiz Antonio Marrey.
"Você acha que o presidente vai indicar um ministro que construirá o patíbulo para julgá-lo da acusação de ter pedido R$ 10 milhões a Marcelo Odebrecht em 2014, segundo a delação de Cláudio Melo?", pergunta Mario Cesar Carvalho, repórter da Folha, o mais bem informado sobre o processo.
E mais adiante ele mesmo adverte: "Há o risco de que um ministro que não seja imparcial como Teori imprima um novo ritmo às investigações, com o resultado de sempre: a ação prescreve, e o político escapa ileso".
Este é, afinal, o sonho de dez entre dez políticos denunciados na Lava Jato.
Só uma coisa é certa neste momento: a morte de Teori, que era considerado "o coração da Lava Jato" e carregava toda a memória da operação desde o início, há mais de dois anos, vai desacelerar todo o processo e a homologação das 77 delações da Odebrecht.
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que antecipou seu retorno da Suíça, prevê que a homologação dos 950 depoimentos de executivos da empreiteira deve atrasar pelo menos três meses.
Terceira incerteza: ainda que tudo corra normalmente, e sejam logo indicados o relator substituto e o novo ministro do STF, após a sabatina no Senado, quanto tempo vai levar para que o novo responsável pelo processo da Lava Jato examine as milhares de páginas que compõem os autos?
Pulando de um assunto a outro: daqui para a frente, Donald Trump será o mesmo fanfarão da campanha eleitoral ou assumirá de fato o papel de presidente da República?
Sobre as incertezas provocadas pela posse do novo presidente americano, não tenho muito a acrescentar ao brilhante texto de Nirlando Beirão publicado aqui no R7.
Prefiro reproduzir a abertura do artigo do veteraníssimo Gilles Lapouge publicado no Estadão, sob o título "Esperamos o bufão ou o caubói durão", que dá uma boa ideia do que nos espera:
"Todos esperamos Trump, um pouco como as crianças no circo querem saber quando aparecerá o palhaço ou o leão no picadeiro. Esperamos fazendo graça, mas também com o coração um pouco acelerado.
Porque será tudo isso ao mesmo tempo: um número de teatro de variedades, um número com palhaços ou com animais ferozes, em que todas as figuras se misturam e se confundem. E a incapacidade de saber quem é o verdadeiro Trump: o bufão? O sujeito do teatro de variedades cercado de todas estas Barbies que compõem sua família? Ou o caubói, o durão, aquele que é mais rápido no gatilho do que a própria sombra?"
Resta apenas uma certeza: o Brasil e o mundo não serão mais os mesmos depois da Lava Jato e de Donald Trump.
E vamos que vamos.


Cunha vai detonar o palanque de Bolsonaro? Por Altamiro Borges

Na semana passada, o jornal Estadão noticiou que o lobista suíço Eduardo Cunha, que está preso desde outubro passado, já teria definido uma contagem regressiva para iniciar a negociação da sua delação premiada no bojo da midiática Operação Lava-Jato. Ele estaria insatisfeito com a possiblidade da prisão de sua esposa e com a “traição” dos seus comparsas no Congresso Nacional e no covil golpista de Michel Temer, que o abandonaram por completo. Ainda segundo jornal, ele já teria “mandado recados” aos seus antigos aliados e deu um prazo até final de janeiro para abrir o bico. Um dos alvos da sua irritação é o PSC, legenda presidida pelo “pastor” Everaldo que pretende dar voos mais altos com o lançamento da candidatura presidencial do fascista Jair Bolsonaro.
O ex-presidente da Câmara Federal, que deu a largada ao golpe do impeachment de Dilma Rousseff, é um explosivo arquivo vivo. A recente operação da Polícia Federal que alvejou o ex-ministro Geddel Vieira Lima, o “boca de jacaré”, teve como base justamente as informações obtidas em um celular apreendido na então residência oficial de Eduardo Cunha. O farto material arquivado no aparelho é apenas uma mostra do seu poder de fogo. Ele revelou mais uma esquema de corrupção chefiado pelo correntista suíço – o da liberação de créditos junto à Caixa Econômica Federal entre 2011 e 2013. À época, Geddel Vieira era o vice-presidente de Pessoa Jurídica da CEF, por indicação do então vice-presidente nada decorativo Michel Temer.
Segundo a Folha, em artigo assinado por Fábio Zanini, a ação contra o ex-ministro põe em pânico os seus ex-aliados. “A operação lembrou ao mundo político e empresarial do poder destrutivo de Cunha. Um único celular tem a capacidade de comprometer com um punhado de mensagens um ex-ministro e algumas das principais empresas do país. Imagine uma delação premiada”. A mesma Folha dá outra pista em uma notinha no Painel que deve ter desesperado o valentão Jair Bolsonaro: “Eduardo Cunha, pego em mensagens dizendo que o PSC o ‘perturbava’ por recursos, prepara o troco, ao que tudo indica. Antes de ser preso, Cunha pediu a auxiliares levantamentos das doações recebidas por certos aliados. A sigla era um dos principais alvos dessas tabelas”.
A revista Época confirma que o Ministério Público Federal já decidiu investigar as sinistras relações entre lobista e o PSC, com base nas informações coletadas pela Polícia Federal. “A PF identificou mensagem de telefone misteriosa entre o ex-presidente da Câmara e o ex-ministro Geddel Vieira Lima em agosto de 2012. ‘Caso da Dinâmica de Everaldo resolvido’. Segundo os investigadores, Everaldo é o Pastor Everaldo, presidente nacional do Partido Social Cristão (PSC). Em setembro de 2012, Cunha e Geddel trocam outras mensagens sobre o PSC. Eles comentam que o PSC estava fazendo cobranças. O fato ocorreu há menos de um mês das eleições municipais. ‘Mas é melhor soltar algo...eu solto sexta para aliviar...tão apertados...’, afirmou Cunha numa das mensagens”.

O fascista Jair Bolsonaro, que se traveste de paladino da ético, corre o risco de perder o seu palanque eleitoral. Fiel aliado de Eduardo Cunha, ele agora precisará também se afastar do "pastor" Everaldo. O triste é que não dá para deletar tantas fotos risonhas ao lado destas figuras. A vida é cruel!

O PT também é golpista? Por Robson Sávio Reis Souza

Essa é a pergunta que não quer calar.  Afinal, políticos pragmáticos do PT, e não são poucos, acham que os brasileiros são otários.
Mesmo depois do golpe à democracia (e não ao partido, que fique bem claro), o PT aceitou seguir com sua prática de coalizões com o PMDB (e como diz o ditado, “quem dorme com porco amanhece na lama”) e votou junto ao núcleo golpista para a eleição da presidência da Câmara dos Deputados. Nesse caso, não somente aliou-se aos golpistas, para assegurar “governabilidade” ao impostor, como votou favoravelmente a um dos políticos mais conservadores e retrógrados do parlamento, de um partido que abriga políticos dos mais desprezíveis, o DEM.
Lembremos que o partido fez o mesmo tipo de aliança nas eleições municipais de 2016. E ameaça repetir a patifaria deslavada agora, nas eleições à mesa do senado e da câmara.
Quais seriam as vantagens do PT ocupar postos nas mesas diretoras da câmara e senado, compondo com a direita golpista nas duas casas?
- Teria alguns membros presidindo comissões. Na prática, isso é numa nulidade, haja vista uma ampla coalizão parlamentar que vota hermeticamente contra o povo, como já comprovado em inúmeras outras situações, desde 2014.
- Ficaria próximo dos presidentes da Câmara e do Senado, que definem as pautas de votação. Acontece, que quem conhece o processo legislativo sabe da falácia desse argumento. A pauta de votação é prerrogativa do presidente ou o conjunto dos líderes, juntamente com o presidente. Então, o que isso significaria? Talvez, um espaço para a prática do puxa-saquismo (ou talvez outros compromissos e acertos), como ocorreu recentemente com o vice-presidente do PT, no Senado, no episódio da suspensão de Renan Calheiros da presidência, pelo ministro Marco Aurelio.
- Teria uns minguados cargos a mais para, como é de praxe e amplamente denunciado pela direita e com razão, alocar os fisiológicos e os lambe-botas, aqui inclusos alguns que perderam os cargos depois do golpe.
Mas, certamente, o que mais ganharia com essa postura - característica do cretinismo parlamentar - seria o desprezo do cidadão que tem um pingo de vergonha na cara.
Provavelmente, o que deseja a turma que transformou o PT (desde que foi assunto ao poder central) numa irmã siamesa do PSDB é contribuir com aqueles que tentam arrancar a dignidade e a honra de militantes do partido e das esquerdas, desmobilizando a já desidratada luta popular contra o golpe. Isso, sim, é um crime!
Com as desculpas das mais esfarrapadas, esses políticos são tão corruptos quanto aqueles que (eles) denunciam. Afinal, corrupção não é somente a rapinagem financeira (da qual o PT não está livre, como sabemos).  É todo o tipo de conchavo que privilegia os ganhos pessoais ou de grupos em detrimento de interesses públicos e coletivos. A bem da verdade, essa turma deseja manter privilégios, sabotando o eleitor que votou num partido que prometia ética e decência.
Em relação a outros partidos de esquerda não vou gastar minha bílis para tecer comentários...
Afinal, não existe máscara, práxis política, síndrome de Estocolmo ou discurso vitimista capazes de justificar apoios aos partidos que arquitetaram uma violência tão grave à democracia, como um golpe de estado.

E não adianta vir com o mimimi, dizendo que o PT é a bola da vez e por isso só apanha. Se em boa medida o partido está num fosso e se seus grão-mestres insistem nos velhos erros, digo: o PT fez por merecer!

Artigo: “2017: O Brasil em viés de baixa”. Por Cynara Menezes

Um ano atrás, nesta mesma época, ao desejar aos leitores um “feliz ano novo”, imaginei, pensando de forma otimista, que 2016 pudesse ser o ano em que afinal sairíamos da “deprê”. Nossa, nunca errei tanto. O ano de 2016 conseguiu ser pior do que 2015. Nem me arrisco a pensar o que será de 2017.
O Brasil entrou inegavelmente num viés de baixa desde que a direita, ops, o gigante acordou, em 2013. Depois disso, perdemos até de 7 a 1 para a Alemanha... Mas, ao contrário de muitos esquerdistas, não culpo os manifestantes de junho pela escalada fascista que se seguiu àquela jornada. É preciso reconstituir os fatos para entender o que se passou desde então. Os protestos de junho de 2013 começaram com a ameaça de aumento da tarifa de ônibus em São Paulo. Foram ampliados com a adesão de parte da esquerda, insatisfeita com os rumos do governo Dilma e com as promessas não cumpridas pelo PT, que decidiu se juntar à turma do MPL (Movimento Passe Livre). Até este momento, é bom lembrar, a mídia hegemônica era contra e atacou as manifestações. Foi só quando viu que os protestos, originalmente de esquerda, tinham potencial para atrair setores da classe média contra o governo petista (como de verdade atraíram), é que a mídia passou a apoiá-los abertamente. De “vândalos”, como os manifestantes eram chamados na primeira fase, passaram a ser “patriotas”. Quando estes “patriotas”, vestidos de verde e amarelo, começaram a tomar as ruas, a esquerda se recolheu.
Mas já era tarde: o troll fascista, nacionalista, racista e misógino perdera o pudor de mostrar sua face monstruosa. A partir dali, se organizaram em bandos, financiados por partidos de direita e sabe-se lá mais por quem. Suas marchas, sempre hostis aos esquerdistas, são como hordas de fantasmas redivivos do macarthismo, tantos anos após o final da Guerra Fria. São estes zumbis anticomunistas que volta e meia retornam às ruas, puxando o astral do Brasil cada vez mais para baixo. O papel dos justiceiros da Lava Jato foi, neste aspecto, nefasto. Toda uma aura religiosa, de seita, cerca os procuradores, que a alimentam sem reservas. Deltan Dalagnoll, aquele do PowerPoint de Lula, apareceu de joelhos na igreja batista; o juiz Sergio Moro posou, todo enfatiotado, sendo premiado pela maçonaria. Não há como não relacionar tais visões a épocas medievais e à própria Inquisição. Há até calabouços onde as pessoas “confessam”.
Ninguém questiona operações contra a corrupção. Pelo contrário, elas são bem-vindas. Mas, como a Lava Jato, ao que tudo indica, busca atingir apenas petistas – os novos “hereges” desta caça às bruxas –, o caráter seletivo da operação acaba tendo um efeito colateral perverso, o de gerar uma onda de fascismo em certos setores. Ou será que foi proposital e não colateral?
O fato é que, aliados, mídia e Lava Jato agem no sentido de manter o tal “gigante” eternamente acordado e disposto a esmagar os vermelhos, como é da natureza dos fascistas. Com o tempo, porém, ficou claro que a imprensa burguesa perdeu o controle dos fascistas que alimentaram. Cría cuervos y te sacarán los ojos: não é à toa que a rede Globo foi derrotada em seu próprio reino por um fundamentalista religioso nas eleições de outubro. Enquanto a Lava Jato caça corruptos seletivamente, os resultados para o País estão longe de compensarem o estrago em uma das maiores empresas de petróleo do mundo. A Petrobras recebeu de volta R$ 661 milhões da Lava Jato, mas teve um prejuízo de quase R$ 35 bilhões apenas no ano passado, o maior de sua história. Acabar com a corrupção dentro da empresa é uma coisa; acabar com a empresa, patrimônio do povo brasileiro, é outra. A não ser que queiram vendê-la, não é mesmo?
Desde que Dilma foi arrancada do cargo, em agosto, o País só piorou. Aumentou o desemprego, começaram a lotear o Pré-sal, comprometeram o futuro da saúde e da educação, ameaçam os direitos trabalhistas. A corrupção continua lá, inclusive envolvendo o presidente ilegítimo Michel Temer e seus ministros. O País, que nos últimos anos ganhara respeito internacional, está cada vez mais no fundo do poço, real e espiritualmente. É impressionante: onde a direita chega, a “deprê” vem junto. O ano de 2017 começa com um bufão reacionário na presidência do País mais poderoso do planeta e com a possibilidade de outros como ele chegarem ao poder, como Marine Le Pen na França.

A escalada fascista assusta os progressistas em toda parte, prenunciando um repugnante revival do clima pré-Segunda Guerra Mundial. Como ser otimista num momento destes? Nossa obrigação, como cidadãos progressistas, é continuar alertando a sociedade destes perigos. Mesmo com as redes sociais (ou talvez por conta delas) a população parece cada vez menos informada sobre o que realmente está em jogo. O ano de 2017 será, sem dúvida, um ano de muita luta para a esquerda. E não garanto a vocês que será o último. Não é preciso ser vidente para perceber quando nuvens pesadas se avizinham. No mais, um recado: curtam mais suas famílias, seus amigos, aproveitem as horas livres, celebrem a natureza. Saiam mais da internet, desintoxiquem-se. Não é ficando on-line 24 horas por dia que iremos conseguir um Brasil melhor. Podemos começar sendo mais atentos com nossas próprias vidas e com quem amamos. Um bom ano a todos.