A cultura do levar vantagem em tudo, independentemente
de ser por merecimento ou regida pela legalidade, está nos levando ao abismo
social, moral e político sem qualquer possibilidade de volta. Ainda agora,
tivemos o caso do mensalão do PT, que é posterior ao do PSDB e, mesmo assim, foi
o primeiro a ser julgado e, pelo jeito, será o único a receber punição.
Escândalo elevado ao grau de atração jornalística, a um quase palco de
entretenimento, não se nos apresenta como simples caso de dois pesos e duas
medidas, mas de explícita demonstração, através de ampla e partidária cobertura
da grande mídia, de que realmente convivemos com duas justiças, passando para a
população a tangível explicação para o fato de termos tantos negros, pardos e
mulatos, componentes das camadas mais pobres da sociedade, trancafiados nas
verdadeiras masmorras que são os presídios brasileiros.
Não somos juristas e não vamos nos meter em tal seara,
pois pelo visto há um comprometimento generalizado com a estruturação de
brechas e de senões legais, que não podem ser sanados nem estancados, pois há
um inconfessável desejo de que a lei jamais alcance o patamar de ser igual para
todos. Como pode, por exemplo, um presidente do Supremo Tribunal Federal (STF)
dizer que inflou penas com o objetivo exclusivo de evitar prescrição; que
afirma abertamente que um de seus pares tem capangas no Mato Grosso do Sul (?)
e, para completar o quadro dantesco, deliberadamente coíbe o acesso de réus a
processo no qual, agora se sabe, existe uma farta gama de documentos favoráveis
aos condenados pelo mensalão petista, tomados como ao tempo da Alemanha
nazista, um regime de exceção, como inimigos da nação, a ponto de introduzir na
democracia brasileira o “domínio do fato”, pelo qual as provas são dispensadas,
sobrepondo os indícios, as suposições e até os humores das figuras constituídas
que se incumbem do julgamento.
A lógica racional, ou melhor, o amor e o respeito pelo
próximo e os pilares da igualdade democrática em que se assentam os ideais de
uma sociedade em busca da extirpação da discórdia social não deveriam permitir
tal disparate, mas os grupos que se sentem beneficiados pela ilegalidade
revestida com o manto da legalidade, que “parece mas não é”, defendem de unhas
e dentes a obscuridade jurídica abraçada como se fosse luzidia centelha.
Todavia, jamais se transformará em jurisprudência, porque até os seus aliados
momentâneos sabem que não podem tê-la como regra – cientes de que os julgadores
de hoje podem ser os julgados de amanhã. E quem pode admitir a hipótese de ser
julgado sem provas, sob a égide esdrúxula do domínio do fato, que é instrumento
tão elástico e flexível, que se Deus fosse colocado na cadeira do STF, ao certo
seria condenado pelas atrocidades de que o ser humano, no exercício do livre
arbítrio, se tornou capaz.
Nossa caixa de e-mails e nosso facebook estão repletos
de mensagens eivadas de radicalismo: uns não querem Copa (e ela está aí com o
maior número de ingressos vendidos na história do evento); outros querem dar um
“rolezinho”; há os que continuam insistindo que o filho do ex-presidente Lula é
dono de grande frigorífico; e acompanhando a viseira imposta pelo radicalismo,
ainda tem gente repassando matéria publicada em jornal francês contra a Copa,
apesar de o desmentido já ter sido divulgado, relatando que um criador de
boatos do âmbito político burlou a reportagem internacional, colocando-a no
mesmo nível de seus interesses radicais.
A essas alturas, o proeminente falsificador, sabedor
de que não será punido, já prepara novas peripécias na internet, que serão
prontamente repassadas pelos seguidores de sua linha de pensamento. Ou seja,
não importa aos usuários das ferramentas de comunicação virtual se a mensagem é
verdadeira ou circunscrita ao plano da legalidade, basta-lhe que o conteúdo
sirva aos seus planos e projetos de poder.
Já dissemos em nossos livros que ninguém é animal
marinho porque de vez em quando toma banho de mar e que, da mesma forma, ser
humano algum pode ser considerado racional por usar a razão uma vez ou outra em
sua vida cotidiana. Na atualidade, o que observamos claramente é que
atravessamos no Brasil um momento da mais absoluta irracionalidade.
Autor: Carlos
Lúcio Gontijo - poeta, escritor e jornalista. www.carlosluciogontijo.jor.br
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