Primeiro, eles ofenderam e
insultaram os negros nas cozinhas e nas portarias dos prédios.
Como temos a pele um pouco
clara, não nos incomodamos.
Encorajados, passaram a
chamar os negros de macacos em shoppings e estádios de futebol.
Nossos filhos, ao ouvir os
insultos públicos e ver a nossa indiferença, achavam que isso era normal.
Aí, os sociopatas decidiram
agredir verbalmente os pobres de maneira geral, acusando-os de preguiçosos,
esmolés de bolsas e parasitas sociais.
Como não queremos nos
passar por pobres, fingimos que não era com a gente.
E as agressões públicas
passaram a ser publicadas.
Midiatizados, os valentes
midiotas direcionaram sua ira contra os nordestinos.
E o que temos nós a ver com
o nordeste, já até nos mudamos de lá?
Fortes e encorajados, certa
vez entraram, em bando, em um estádio, e já sem pudor, para o mundo inteiro
ouvir, xingaram e mostraram o dedo médio para a presidenta.
Como não votamos nela,
achamos graça daquilo.
E de repente, sufocando
ainda mais o nosso silêncio, o bando tomou as ruas, as praças, e a ágora que é
as redes sociais.
Ódio e ranger de dentes.
Destemidos, insultam
políticos - impunemente - em clínicas médicas, restaurantes, casamentos,
aviões, e no próprio Congresso.
Como nãos somos políticos,
achamos é pouco.
Quando abrimos os olhos, os
vimos, odiosos e violentos, a chacoalhar um cadeirante que ousou sair à rua
vestido com uma camiseta da cor que eles detestam.
Hoje, quem ousar adornar-se
de vermelho, mesmo não sendo presidenta, negro, pobre, cadeirante ou
nordestino, corre risco de ser agredido.
Agora, senhores das ruas,
das praças, dos estádios, dos shoppings, dos noticiários e das redes sociais,
eles invadiram as nossas casas.
De suas varandas, gritam e
rufam panelas para nos impedir de escutar o pronunciamento da presidenta, só
porque eles mesmos não querem ouvi-la.
Estupefatos, assistimos
pela TV a turba agredir um pai de família com um bebê no colo; com mil diabos,
dizemos.
Em seguida, insultaram um
senhor por ler uma revista com a qual eles não concordam.
Até que um dia, num belo
domingo de sol, no churrasco à beira da piscina, vimos que estes sujeitos
odiosos faziam parte do nosso grupo mais seleto.
Ébrios de cerveja, com os
dedos melados de gordura e a boca cheia de farofa, passaram a se agredir
verbalmente cunhados, primos, tios e amigos: petralha, vagabundo, vitimista,
heterofóbico, vaca, viado, comunista...
Foi aí que percebemos que
também era com a gente.
Mas já era tarde demais.
Palavra da salvação.
Autor:
Lelê Teles - Jornalista e publicitário. Roteirista do
programa Estação Periferia (TV Brasil), apresentador do programa Coisa de Negro
(Aperipê FM) e editor do blog FALA QUE EU DISCUTO
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