É interessante observar como [parece] que grande parte da imprensa brasileira perdeu a memória ! De repente, há um sentimento de uma [falsa] indignação no ar, como se a “falta de ética” tão propalada tivesse começado ontem, com as últimas eleições majoritárias”. O que será que quer dizer tudo isso, isto é, a “indignação” com a “falta de ética” e a “ falta de memória”, a “ignorância da história política brasileira”?
Filho desta cidade bendita que por sua vez é filha amada de Santana, não conheci um nome ilustre desta Feira querida que não tivesse empregado seus filhos, parentes e aderentes na máquina pública, em qualquer uma das três esferas: federal, estadual ou municipal. E se uma empresa fosse instalada, entre outras benesses, os melhores cargos e até mesmo aqueles menos desejados, quem tivesse a sorte de ter um bilhete de um “padrinho”, desempregado não ficava, nem ganhando pouco também, não. Em alguns setores do serviço público, ainda hoje, a depender das datas de nomeação, pode esclarecer o “QI” (“uem indicou”) de cada servidor público ainda em atividade.
Jatinhos de empresários (antes de se falar em Parceria Público Privada) estavam a serviço de políticos célebres, deputados, senadores da República, sem que seus nomes jamais fossem associados à “falta de ética”, tão emaranhadas eram as relações entre o público e o privado, onde começava de fato a res publica e quais fronteiras poderiam limitar a atividade empresarial.
Empreiteiras que estão no cenário empresarial há mais de três décadas cobriam os gastos com casamentos de filhos e filhas de políticos famosos, paladinos da “moralidade” pública. Aniversários e bodas, qualquer festa era bancada por grandes empresários, que faziam “mimos” aos seus padrinhos. E depois, nos tempos do neoliberalismo mais escancarado, quem pode esquecer a função do “lobby” que tinha batalhões (femininos e masculinos) em Brasília, ou circulando livre e abertamente nos gabinetes de deputados e senadores, sem esquecer de procurar os edis nestes rincões brasileiros?
O serviço público estava a serviço do governante de plantão. Nesta cidade onde as pessoas mais letradas e bem instruídas são aquelas que parecem ter perdido a memória, se não me enganam as datas, houve um tempo em que alguns comerciantes que ousavam fazer oposição tinham suas contas devassadas, arcavam com pesadas multas, viam-se a todo momento com fiscais lavrando autos de infração, enquanto, pelos mesmos motivos e condições, seus concorrentes passavam incólumes sob os mesmos olhares dos mesmos fiscais. Dizia-se que havia um lema no governo: “para os amigos, tudo. Para os inimigos, o rigor da lei”. Ninguém se queixava de “falta de ética”.
Tempos em que “o argumento da autoridade” determinava que os indivíduos fossem subalternos, pois era o tempo do “ manda quem pode, obedece quem tem juízo”. Qualquer divergência era inimizade. Qualquer dúvida sobre uma ordem, era uma subversão, um “desrespeito”. Um exemplo: dizia-se que servidores públicos podiam ser remanejados, transferidos de domicílio, ao bel prazer de um chefe mal humorado. Quem fala em ética?
Como o presente é construído sobre um passado, não seria o caso de pensarmos que estamos vivendo uma transição, com o passado resistindo a desaparecer, forçando uma continuidade no futuro mais imediato?
Por que nos recusarmos a entender que a Justiça - mesmo se lenta e se equivocada em alguns casos (afinal, o juiz é humano, é também falho)-, começa a se fazer presente no cenário político nacional, com cassação e prisão de políticos, algo jamais visto neste país e na América Latina, em especial?
Como deixarmos de reconhecer que o Ministério Público e a Polícia Federal agem de maneira inequívoca na defesa do erário público, na defesa dos interesses do Estado e do cidadão contra uma série de atores sociais que sempre se locupletaram do tesouro público, fazendo sua a res publica?
Sentir-se “indignado” é um direito de cada um. Mas esta indignação é sempre movida pela descrença em qualquer saída democrática. É uma espécie de “chiste”, de gente supostamente “bem informada” que, numa tradição que remonta aos tempos da ditadura,(era “de bom tom”, (só de bom tom, pois não era nada mesmo para se levar a sério falar “mal” do governo). E por defeito moral e preguiça intelectual, a ditadura acabou, mas uma parcela da classe média, ainda vive o que Nelson Rodrigues chamou de “complexo de vira lata” achando que o “país não tem jeito”, que o “povo” não presta, que o eleitor que elege o candidato que não lhe agrade é “imbecil” ou “analfabeto”. Essa gente continua com o mesmo tique nervoso, o mesmo chiste e finge uma indignação que é toda ela fundada na inércia e na não-vontade de querer mudar qualquer coisa. Tem cheiro de mofo. E ranço.
Essa “indignação” é toda ela fruto de um pensamento de classe, de uma maneira autoritária de ver e viver no mundo. Que pensa que o problema da pobreza é do pobre, que o problema da violência é da vítima e que todo o mal sobre a terra está no outro: no pobre, no mendigo, no Negro, no Índio, no Sem-Terra, no Sem-Teto....
Humberto de Oliveira
Prof. Dr. Do Departamento de Letras da Universidade Estadual de Feira de Santana - UEFS
(Publicação autorizada)
Filho desta cidade bendita que por sua vez é filha amada de Santana, não conheci um nome ilustre desta Feira querida que não tivesse empregado seus filhos, parentes e aderentes na máquina pública, em qualquer uma das três esferas: federal, estadual ou municipal. E se uma empresa fosse instalada, entre outras benesses, os melhores cargos e até mesmo aqueles menos desejados, quem tivesse a sorte de ter um bilhete de um “padrinho”, desempregado não ficava, nem ganhando pouco também, não. Em alguns setores do serviço público, ainda hoje, a depender das datas de nomeação, pode esclarecer o “QI” (“uem indicou”) de cada servidor público ainda em atividade.
Jatinhos de empresários (antes de se falar em Parceria Público Privada) estavam a serviço de políticos célebres, deputados, senadores da República, sem que seus nomes jamais fossem associados à “falta de ética”, tão emaranhadas eram as relações entre o público e o privado, onde começava de fato a res publica e quais fronteiras poderiam limitar a atividade empresarial.
Empreiteiras que estão no cenário empresarial há mais de três décadas cobriam os gastos com casamentos de filhos e filhas de políticos famosos, paladinos da “moralidade” pública. Aniversários e bodas, qualquer festa era bancada por grandes empresários, que faziam “mimos” aos seus padrinhos. E depois, nos tempos do neoliberalismo mais escancarado, quem pode esquecer a função do “lobby” que tinha batalhões (femininos e masculinos) em Brasília, ou circulando livre e abertamente nos gabinetes de deputados e senadores, sem esquecer de procurar os edis nestes rincões brasileiros?
O serviço público estava a serviço do governante de plantão. Nesta cidade onde as pessoas mais letradas e bem instruídas são aquelas que parecem ter perdido a memória, se não me enganam as datas, houve um tempo em que alguns comerciantes que ousavam fazer oposição tinham suas contas devassadas, arcavam com pesadas multas, viam-se a todo momento com fiscais lavrando autos de infração, enquanto, pelos mesmos motivos e condições, seus concorrentes passavam incólumes sob os mesmos olhares dos mesmos fiscais. Dizia-se que havia um lema no governo: “para os amigos, tudo. Para os inimigos, o rigor da lei”. Ninguém se queixava de “falta de ética”.
Tempos em que “o argumento da autoridade” determinava que os indivíduos fossem subalternos, pois era o tempo do “ manda quem pode, obedece quem tem juízo”. Qualquer divergência era inimizade. Qualquer dúvida sobre uma ordem, era uma subversão, um “desrespeito”. Um exemplo: dizia-se que servidores públicos podiam ser remanejados, transferidos de domicílio, ao bel prazer de um chefe mal humorado. Quem fala em ética?
Como o presente é construído sobre um passado, não seria o caso de pensarmos que estamos vivendo uma transição, com o passado resistindo a desaparecer, forçando uma continuidade no futuro mais imediato?
Por que nos recusarmos a entender que a Justiça - mesmo se lenta e se equivocada em alguns casos (afinal, o juiz é humano, é também falho)-, começa a se fazer presente no cenário político nacional, com cassação e prisão de políticos, algo jamais visto neste país e na América Latina, em especial?
Como deixarmos de reconhecer que o Ministério Público e a Polícia Federal agem de maneira inequívoca na defesa do erário público, na defesa dos interesses do Estado e do cidadão contra uma série de atores sociais que sempre se locupletaram do tesouro público, fazendo sua a res publica?
Sentir-se “indignado” é um direito de cada um. Mas esta indignação é sempre movida pela descrença em qualquer saída democrática. É uma espécie de “chiste”, de gente supostamente “bem informada” que, numa tradição que remonta aos tempos da ditadura,(era “de bom tom”, (só de bom tom, pois não era nada mesmo para se levar a sério falar “mal” do governo). E por defeito moral e preguiça intelectual, a ditadura acabou, mas uma parcela da classe média, ainda vive o que Nelson Rodrigues chamou de “complexo de vira lata” achando que o “país não tem jeito”, que o “povo” não presta, que o eleitor que elege o candidato que não lhe agrade é “imbecil” ou “analfabeto”. Essa gente continua com o mesmo tique nervoso, o mesmo chiste e finge uma indignação que é toda ela fundada na inércia e na não-vontade de querer mudar qualquer coisa. Tem cheiro de mofo. E ranço.
Essa “indignação” é toda ela fruto de um pensamento de classe, de uma maneira autoritária de ver e viver no mundo. Que pensa que o problema da pobreza é do pobre, que o problema da violência é da vítima e que todo o mal sobre a terra está no outro: no pobre, no mendigo, no Negro, no Índio, no Sem-Terra, no Sem-Teto....
Humberto de Oliveira
Prof. Dr. Do Departamento de Letras da Universidade Estadual de Feira de Santana - UEFS
(Publicação autorizada)
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