Genes que aumentam risco de Alzheimer podem
ser herdados, diz estudo
A doença de
Alzheimer pode ser herdada com mais frequência do que previamente
conhecido, de acordo com um novo estudo que pinta uma imagem mais clara de um
gene há muito tempo ligado à forma comum de demência.
Os autores do estudo,
publicado na segunda-feira (6) na revista Nature Medicine, afirmam
que isso pode até ser considerado uma forma distinta e herdada da doença e que
abordagens diferentes para testes e tratamento podem ser necessárias.
Entre as pessoas
diagnosticadas com Alzheimer, os pesquisadores
reconhecem formas familiares da doença e casos esporádicos. A maioria dos casos
é considerada esporádica, ou seja, que se desenvolvem mais tarde na vida. As
formas familiares, causadas por mutações em qualquer um dos três genes, tendem
a ocorrer mais cedo e são conhecidas por serem raras, representando cerca de 2%
de todos os diagnósticos de Alzheimer, ou cerca de 1 em 50 casos.
Sob o novo paradigma,
1 em cada 6 casos de Alzheimer seria considerado herdado, ou familiar.
Essa apreciação em
mudança do risco herdado, dizem os pesquisadores, é devido a uma melhor
compreensão do papel de um quarto gene que carrega os planos para fazer uma
proteína transportadora de lipídios chamada apolipoproteína E, conhecida como
APOE. APOE transporta colesterol por todo o corpo e cérebro e pode desempenhar
um papel no depósito ou na remoção de placas beta amiloides adesivas, que são
uma das características do Alzheimer.
Existem três tipos do
gene APOE que uma pessoa pode carregar. Um chamado APOE2 é considerado protetor
contra o desenvolvimento da doença de Alzheimer. APOE3 é considerado conferir
um risco neutro da doença.
APOE4, por outro lado,
é má notícia. Há muito tempo é reconhecido que pessoas com pelo menos uma cópia
do gene APOE4 têm um risco elevado de desenvolver a doença de Alzheimer,
enquanto pessoas com duas cópias tinham um risco ainda maior.
Agora, os
pesquisadores dizem que APOE4 não deve ser apenas reconhecido como um fator de
risco, mas deve ser visto como uma forma herdada da doença, virtualmente
assegurando que uma pessoa que tenha duas cópias desenvolverá as mudanças
biológicas associadas à doença de Alzheimer em seus cérebros.
·
Extraindo o papel do
gene na doença de Alzheimer
No novo estudo,
pesquisadores da Espanha e dos Estados Unidos compararam pessoas em estudos
clínicos que tinham duas cópias do gene APOE4 com pessoas que tinham outras
formas do gene APOE.
Eles também compararam
pessoas com duas cópias de APOE4 com pessoas com outras formas herdadas da
doença: doença de Alzheimer autossômica dominante de início precoce e doença de
Alzheimer associada à síndrome de Down. O estudo incluiu dados de quase 3.300
cérebros armazenados no National Alzheimer’s Coordinating Center e
dados de mais 10.000 pessoas que participaram de cinco ensaios clínicos.
Não apenas as pessoas
com duas cópias do gene APOE4 eram muito mais propensas a desenvolver as
mudanças biológicas que levam à doença de Alzheimer, semelhantes às pessoas com
outras formas genéticas da doença, elas estavam quase garantidas ao diagnóstico:
Quase 95% das pessoas nos estudos com duas cópias do gene APOE4 tinham a
biologia da doença de Alzheimer até os 82 anos de idade.
Os autores do estudo
dizem que enquanto APOE4 causa confiavelmente as mudanças biológicas associadas
à doença — a criação de placas beta amiloides no cérebro — ter uma ou duas
cópias desse gene nem sempre leva ao declínio cognitivo.
Raramente, pessoas
podem ter APOE4 e ter muita beta amiloide em seus cérebros, mas não ter
sintomas, talvez por causa de outros fatores genéticos ou ambientais que
protegem seus cérebros ao mesmo tempo. No grande conjunto de dados de quase
3.300 cérebros mantidos pelo National Alzheimer’s Coordinating Center,
por exemplo, 273 indivíduos tinham duas cópias do gene APOE4, e 240, ou 88%,
tinham demência.
Quando pessoas com
duas cópias de APOE4 têm sintomas, elas tendem a desenvolvê-los mais cedo do
que outros. Em média, desenvolvem Alzheimer cerca de 10 anos mais cedo — por
volta dos 65 anos — do que pessoas com outras formas do gene APOE. Os
pesquisadores também descobriram que o acúmulo de beta amiloide e tau em seus
cérebros seguiu quase a mesma trajetória observada em pessoas com outras formas
herdadas da doença. Sua doença foi mais grave mais cedo na vida.
Em todas as formas
herdadas da doença, “há semelhanças impressionantes, impressionantes na forma
como a doença progride e nos sintomas que aparecem”, disse o autor principal do
estudo, Juan Fortea, neurologista e diretor da Unidade de Memória do Departamento
de Neurologia do Hospital de la Santa Creu i Sant Pau em
Barcelona, Espanha, em uma coletiva de imprensa.
Fortea e seus
coautores argumentam que, por essas razões, ter duas cópias do gene APOE4 deve
ser considerado uma forma genética da doença, não apenas um risco para ela.
Charles Bernick, diretor médico associado do Centro de Saúde Cerebral Lou Ruvo
da Cleveland Clinic, disse que o estudo mostrou o quão poderoso é ter duas
cópias do gene APOE4.
“Realmente impulsiona
um processo de doença”, disse Bernick, que não esteve envolvido no estudo.
·
Compreensão em mudança
dos riscos genéticos
A força do papel de
APOE4 no desenvolvimento do Alzheimer não foi reconhecida anteriormente, os
pesquisadores pensam, porque APOE4 também desempenha um papel importante na
saúde do coração, e eles acham que muitas pessoas com duas cópias do gene
provavelmente morreram por causas cardiovasculares antes
de desenvolverem o Alzheimer. Estudos anteriores estimavam que 30% a 35% das pessoas com duas cópias do
gene APOE4 desenvolveriam comprometimento cognitivo leve ou demência.
Os pesquisadores dizem
que também encontraram um efeito de dose gênica. Enquanto ter duas cópias de
APOE4 garantia que uma pessoa veria o acúmulo de beta amiloide e tau em seus
cérebros, ter apenas uma cópia do gene também aumentava o risco de uma pessoa —
mas não tanto quanto duas cópias desse gene.
Isso significaria que
o gene APOE4 é semi-dominante, disse Fortea. Outras doenças em que os genes
mostram semi-dominância incluem anemia falciforme e hipercolesterolemia. Na
anemia falciforme, por exemplo, duas cópias do gene causam a doença falciforme,
mas uma cópia causa o traço falciforme.
Pessoas com traço
falciforme geralmente não têm sintomas, mas podem ter mais propensão a sofrer
de insolação ou quebra muscular durante exercícios intensos, e podem ter crises
de dor em determinadas condições.
Classificar APOE4 como
uma forma herdada da doença tem algumas grandes implicações. Primeiro,
significaria que uma proporção muito maior de casos de Alzheimer é causada por
genes do que se entendeu anteriormente.
Antes do APOE4, as
únicas mudanças genéticas reconhecidas como causadoras do Alzheimer estavam
associadas às formas de início precoce da doença e à síndrome de Down. Elas
representavam cerca de 2% dos casos de Alzheimer, aproximadamente 1 em 50.
Pessoas com duas
cópias do gene APOE4 representam cerca de 15% das pessoas diagnosticadas com
Alzheimer, ou 1 em 7 casos da doença.
Aproximadamente 2% da
população geral carrega duas cópias do gene APOE4, o que o tornaria uma das
doenças herdadas mais prevalentes.
A principal lição do
estudo, diz Constantine Lyketsos, diretor do centro de tratamento de memória e Alzheimer da
Johns Hopkins, é que a doença de Alzheimer não deve ser tratada como um
monólito. Em vez disso, mostra que existem diferentes formas da doença que
precisam de tratamento personalizado.
“O ponto é que
precisamos começar a fazer medicina de precisão e desmembrar isso. Começar com
a genética”, disse Lyketsos, que não esteve envolvido no estudo.
·
Teste genético não é
recomendado
Também é provável que
isso mude como as pessoas que carregam o gene APOE4 são diagnosticadas e
tratadas.
Existem testes
disponíveis para determinar o status de APOE4 de uma pessoa, mas não são
recomendados como parte rotineira do diagnóstico. Isso pode precisar mudar,
disseram os autores do estudo.
“O consenso e as
diretrizes atuais não recomendam o teste para APOE4 e isso foi porque o
consenso era de que não ajudava no diagnóstico”, disse Fortea.
O teste de APOE é
recomendado para pacientes que estão sendo avaliados para tomar novos
medicamentos que limpam amiloides, como lecanemabe.
Porque pacientes com
Alzheimer que têm duas cópias do gene APOE4 estão em maior risco de efeitos
colaterais graves, como inchaço cerebral, causado por esses medicamentos que
limpam amiloides, alguns centros de tratamento decidiram não oferecer esses
medicamentos, disse a autora do estudo, Dra. Reisa Sperling, diretora do Centro
de Pesquisa e Tratamento de Alzheimer no Brigham and Women’s Hospital.
“Acho isso muito
problemático, dado esses dados”, disse ela, observando que seria importante
fazer pesquisas para ver se seria possível encontrar dosagens mais seguras ou
tratamentos mais seguros para esse grupo de pacientes.
“Para mim, isso
significa apenas que precisamos tratá-los mais cedo”, disse Sperling, “e esta
pesquisa realmente sugere que devemos tratá-los bastante cedo, em uma idade
mais jovem e em um estágio inicial da patologia, porque sabemos que eles têm
uma probabilidade muito, muito alta de progredir para o comprometimento
rapidamente.”
Sterling Johnson, um
dos autores do estudo que lidera o Registro de Wisconsin para Prevenção do
Alzheimer na Universidade de Wisconsin, diz que seria muito importante que os
ensaios clínicos começassem a levar em conta o status de APOE4 dos
participantes.
“Pode ser necessário
começar a tratar esses como um grupo separado em nossos artigos de pesquisa
para que possamos realmente entender a relação entre amiloide e tau e os
sintomas” em pessoas com duas cópias do gene APOE4, de uma maneira que não
conseguimos fazer antes”, afirmou Johnson na coletiva de imprensa.
¨ Demência: estudo sugere um novo tipo da doença
Há mais de 30 anos,
pesquisadores identificaram variantes do gene Apoe como fatores de risco para o
Alzheimer. Agora, uma equipe espanhola sugere que portadores de duas cópias da
versão Apoe4 são, na verdade, pacientes de um tipo diferente da enfermidade
neurodegenerativa, de origem genética. A descoberta, publicada na revista Nature
Medicine, tem implicações para diagnósticos e buscas de tratamentos para a
doença, afirmaram, em uma coletiva de imprensa on-line.
Segundo Juan Fortea,
diretor de pesquisa em neurologia e saúde mental do Instituto de Pesquisa Sant
Pau, em Barcelona, entre 2% e 3% da população mundial carrega, no DNA, duas
cópias do Apoe4. Fortea, líder do estudo, explica que, embora as manifestações
clínicas sejam semelhantes, o Alzheimer não é uma doença única. Uma versão que
vem sendo estudada há mais de uma década, por exemplo, é a de início precoce,
conhecida como Daip. Nesse caso, os sintomas surgem antes dos 65 anos e há uma
forte relação genética e hereditária.
Para a equipe, o
resultado do estudo indica que os homozigotos Apoe4 — dupla cópia do gene —
podem representar um grupo geneticamente determinado da doença. "Nós
propomos uma reconceitualização do Alzheimer. Até agora, variantes do Apoe são
consideradas fatores de risco. Mas nossa sugestão é que o caso dos homozigotos
seja inserido na crescente família da doença de Alzheimer geneticamente
determinada", defende.
·
Teste
Uma das implicações da
descoberta é que o teste da duplicidade do Apoe4 deve ser considerado quando
pessoas de meia-idade surgem com sintomas de demência, acredita Paul Matthews,
líder do Instituto de Pesquisa Demência do Reino Unido, no Imperial College
London. "Pessoas com os homozigotos do Apoe4 desenvolvem geralmente os
sintomas na mesma época, têm taxa de progressão semelhante e biomarcadores
fáceis de identificar à medida que a doença evolui, diz Matthews, que não
participou do estudo. "Por isso, é uma população atraente para ensaios
clínicos de novos tratamentos para a doença."
A descoberta do
grupo catalão baseia-se em dados de 3.297 cérebros doados à ciência para o
Centro Nacional de Alzheimer dos Estados Unidos. Dessas amostras, 273 eram de
pacientes com duplo Apoe4. Os pesquisadores também avaliaram exames clínicos e
biomarcadores de mais de 10 mil de pessoas com demência — incluindo 519
homozigotos do gene —, de cinco grandes estudos europeus.
Os resultados
confirmam que praticamente todas as pessoas com a variante dupla tinham
Alzheimer e apresentavam mais marcadores da doença no organismo aos 55 anos,
comparado a indivíduos com a versão Apoe3 do gene. Aos 65, 95% com homozigoto
Apoe4 apresentavam níveis anormais da proteína beta-amiloide no cérebro, uma
conhecida patologia inicial da doença.
·
Benefício
"Os dados
mostram, claramente, que ter duas cópias do gene Apoe4 não só aumenta a risco,
mas também antecipa o aparecimento da doença de Alzheimer, reforçando a
necessidade de ações preventivas e estratégias específicas", assinala
Victor Montal, coautor do estudo e especialista na análise de imagens de
doenças neurodegenerativas. "Está claro que se trata de uma forma genética
da doença."
Reisa Sperling,
diretora do Centro de Pesquisa e Tratamento de Alzheimer no Brigham and Women's
Hospital, nos Estados Unidos, e coautora do estudo, acredita que a descoberta
poderá beneficiar os portadores da cópia dupla da variante, antes que os
sintomas clínicos, como esquecimento, se manifestem. Como esses pacientes têm
um acúmulo maior de proteína amiloide no cérebro, ao serem identificados por um
exame genético, teriam a chance de se tratar mais precocemente. "Esse,
para mim, é o aspecto mais importante do nosso estudo."
Atualmente, existem
duas drogas aprovadas para o Alzheimer leve no mercado internacional, que atuam
retardando os sintomas da doença. Porém, somente nos Estados Unidos, que
lideram, em número, as pesquisas sobre a doença, há pelo menos 500 ensaios
clínicos atualmente, conforme o Instituto Nacional de Envelhecimento do país.
>> Palavra
de especialista // Otávio Castello, médico geriatra, professor de
psiquiatria e psicologia médica da Universidade de Brasília (UnB)
# Aconselhamento
genético
O estudo traz uma
mudança de paradigma em relação ao alelo Apoe4. Cada um de nós tem dois alelos
— um que recebeu do pai, um que recebeu da mãe. O que a gente já sabia era que
um Apoe4 aumenta um pouco o risco de ter doença de Alzheimer, e dois elevam ainda
mais. Mas não estávamos falando de causa. O que esse estudo indica é que aquilo
que vimos tratando como fator de risco pode ser determinante para ter a doença.
É importante lembrar que a genética não é modificável. Porém, ela responde por
menos de 10% dos fatores de risco de desenvolver a doença, então a pessoa pode
controlar os demais, como tratar hipertensão, diabetes, depressão, vai
empurrando mais para frente o início do Alzheimer. Se a pessoa resolve fazer um
teste para descobrir se tem o risco genético da doença, é um processo que
precisa ser conduzido por um médico especialista, sendo que ainda não há
tratamento nem cura para Alzheimer. A pessoa precisa estar preparada para lidar
com a informação. Lembrando que essa testagem não é disponível em laboratórios,
o plano de saúde não cobre e a maioria é feita no exterior. É um processo que
tem de ser conduzido por um especialista na área. Não é o geriatra, o
psiquiatra ou o neurologista, mas o geneticista médico.
Fonte: CNN Brasil/Correio
Braziliense
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