sábado, 21 de setembro de 2024

Teoria de que a realidade é uma simulação ganha fôlego na física quântica

Um grupo de físicos liderado por Thomas Campbell, ex-cientista da Nasa, está investigando uma teoria que pode revolucionar a compreensão do universo: a hipótese da simulação, que propõe que a realidade pode ser uma simulação complexa.

A equipe de cientistas, que também inclui Farbod Khoshnoud, da Universidade Politécnica Estadual da Califórnia, em Pomona (CalPoly), está atualmente na vanguarda dessa teoria controversa. A hipótese é que o universo poderia funcionar como um videogame, gerando uma realidade “sob demanda” para observadores conscientes.

•        Experimento da dupla fenda

Tal hipótese, há muito teorizada por filósofos e popularizada pelo filme sucesso de bilheteria Matrix, de 1999, baseia-se numa interpretação não convencional da mecânica quântica, especificamente no famoso experimento da dupla fenda.

Nesse experimento, quando a luz é disparada através de duas fendas, observa-se um padrão de interferência, indicando que a luz age como uma onda. Entretanto, ao observar a luz com detectores, esse padrão desaparece, sugerindo que a própria observação afeta o comportamento das partículas. Em outras palavras, as partículas subatômicas parecem se comportar de forma diferente quando observadas, algo que tem intrigado os físicos.

Campbell sugere que esse fenômeno pode ser um de que a realidade só é “renderizada” no momento da observação, da mesma forma que um jogo de computador só gera as partes do mundo virtual que o jogador está vendo na medida em que ele joga.

•        Experimentos para testar a hipótese da simulação

Para verificar essa hipótese, a equipe desenvolveu uma série de experimentos, descritos em seu artigo On testing the simulation theory, publicado em 2017 no The International Journal of Quantum Foundations, que são variações do experimento da dupla fenda.

“Duas estratégias podem ser seguidas para testar a teoria da simulação”, explica a equipe no artigo, também publicado no servidor de preprints eletrônicos arXiv. ” (1) Testar o momento da renderização; (2) Explorar requisitos conflitantes de preservação de consistência lógica e prevenção de detecção para forçar o mecanismo de renderização de RV a criar descontinuidades em sua renderização ou produzir um evento de assinatura mensurável em nossa realidade que indique que nossa realidade deve ser simulada.”

Num dos experimentos mais simples, eles propõem armazenar dados sobre a trajetória das partículas e os padrões que elas formam em pendrives separados e, em seguida, destruir aleatoriamente alguns deles antes que alguém veja os resultados.

Se os padrões de interferência só aparecerem quando os dados da trajetória correspondente tiverem sido destruídos, eles argumentam que isso poderia indicar que a realidade está sendo gerada no momento da observação.

A equipe propôs outras versões mais complicadas do experimento, que estão disponíveis em seu artigo.

•        Consciência, um elemento essencial da realidade

De acordo com um comunicado recente, a teoria da simulação de Campbell difere do conceito de “simulação ancestral” proposto pelo filósofo Nick Bostrom, da Universidade de Oxford, no Reino Unido, que formulou a hipótese da simulação. “Nossa hipótese difere da de Bostrom por considerar a consciência como um elemento essencial da realidade, e não como resultado da simulação”, diz Campbell.

“Se todos os cinco experimentos funcionarem como esperado, eles desafiarão a compreensão convencional da realidade e revelarão conexões profundas entre a consciência e o cosmos”, acrescentou o cientista especialista em física aplicada da Nasa e do Departamento de Defesa dos EUA.

Para financiar esses experimentos, Campbell criou uma organização sem fins lucrativos, o Centro para a Unificação da Ciência e da Consciência (Cusac, na sigla em inglês). Segundo um comunicado de imprensa, ele também arrecadou fundos por meio do site de financiamento coletivo Kickstarter para realizar a pesquisa.

•        Teoria especulativa e controversa

É importante observar que essa teoria é altamente especulativa e controversa. Muitos físicos acreditam que há explicações mais plausíveis para os fenômenos quânticos que não exigem a suposição de que a realidade humana seja uma simulação.

Nesse sentido, é improvável que esses experimentos forneçam uma prova definitiva da hipótese. No entanto, há cientistas que persistem em suas pesquisas nessa área, como Melvin Vopson, da Universidade de Portsmouth.

Vopson explorou a possibilidade de que uma nova lei da física poderia sustentar a teoria do universo simulado, um conceito que chamou a atenção de figuras como Elon Musk. Esse campo, parte da física da informação, sugere que a realidade poderia ser composta principalmente de unidades de informação, semelhantes a bits. Numa pesquisa anterior, Vopson propôs que a própria informação possui massa e que as partículas elementares contêm informações sobre sua identidade, de forma análoga ao DNA humano.

Embora as teorias possam ser radicais demais para muitos, o mundo científico continua a observá-las com uma mistura de ceticismo e curiosidade. Independentemente do resultado, o que parece claro é que a pesquisa de Campbell capturou não apenas a imaginação dos cientistas, mas também do público em geral. E não é de se admirar: a ideia de que a realidade poderia ser uma simulação, que tem sido um tema recorrente na ficção científica, está finalmente sendo explorada nos laboratórios de física.

 

•        No reino quântico, nem mesmo o tempo flui como você poderia esperar

Uma equipe de físicos das Universidades de Bristol (Reino Unido), Ilhas Baleares (Espanha), de Viena e do Instituto de Óptica Quântica e Informação Quântica (ambas da Áustria) mostrou como os sistemas quânticos podem evoluir simultaneamente ao longo de duas setas de tempo opostas – tanto para a frente quanto para trás no tempo.

O estudo, publicado na revista Communications Physics, nos leva a repensar como o fluxo do tempo é compreendido e representado em contextos onde as leis quânticas desempenham um papel crucial.

Durante séculos, filósofos e físicos refletiram sobre a existência do tempo. No entanto, no mundo clássico, nossa experiência parece extinguir qualquer dúvida de que o tempo existe e continua. De fato, na natureza, os processos tendem a evoluir espontaneamente de estados com menos desordem para estados com mais desordem, e essa propensão pode ser usada para identificar uma flecha do tempo. Na física, isso é descrito em termos de “entropia”, que é a quantidade física que define a quantidade de desordem em um sistema.

<><> Entropia grande e pequena

A drª Giulia Rubino, dos Laboratórios de Tecnologia de Engenharia Quântica (laboratórios QET) da Universidade de Bristol e autora principal da publicação, disse: “Se um fenômeno produz uma grande quantidade de entropia, observar sua reversão no tempo é tão improvável que se torna essencialmente impossível. No entanto, quando a entropia produzida é pequena o suficiente, há uma probabilidade não desprezível de ver a reversão de um fenômeno ocorrer naturalmente”.

Ela prosseguiu: “Podemos tomar a sequência de coisas que fazemos em nossa rotina matinal como exemplo. Se nos mostrassem nossa pasta de dente movendo-se da escova de dente de volta para o tubo, não teríamos dúvidas de que era uma gravação retrocedida de nosso dia. No entanto, se apertássemos o tubo suavemente para que apenas uma pequena parte da pasta de dente saísse, não seria tão improvável observá-la reentrando no tubo, sugada pela descompressão do tubo”.

Os autores do estudo, sob a orientação do professor Caslav Brukner, da Universidade de Viena e do IQOQI-Viena, aplicaram essa ideia ao domínio quântico. Uma das peculiaridades desse reino é o princípio da superposição quântica, segundo o qual se dois estados de um sistema quântico são possíveis, então esse sistema também pode estar em ambos os estados ao mesmo tempo.

“Estendendo esse princípio às setas do tempo, isso resulta que os sistemas quânticos que evoluem em uma ou outra direção temporal (a pasta de dente saindo ou voltando para o tubo) também podem evoluir simultaneamente ao longo de ambas as direções temporais”, afirmou a drª Rubino. “Embora essa ideia pareça um tanto sem sentido quando aplicada à nossa experiência do dia a dia, em seu nível mais fundamental, as leis do universo são baseadas em princípios da mecânica quântica. Isso levanta a questão de por que nunca encontramos essas superposições de fluxo de tempo na natureza.”

<><> Vantagens de desempenho

O dr. Gonzalo Manzano, da Universidade das Ilhas Baleares e coautor do estudo, disse: “Em nosso trabalho, quantificamos a entropia produzida por um sistema que evolui em superposição quântica de processos com flechas de tempo opostas. Descobrimos que isso geralmente resulta em projetar o sistema em uma direção de tempo bem definida, correspondendo ao processo mais provável dos dois. E ainda, quando pequenas quantidades de entropia estão envolvidas (por exemplo, quando há tão pouca pasta de dente derramada que se pode vê-la sendo reabsorvida no tubo), então pode-se observar fisicamente as consequências do sistema ter evoluído ao longo das direções temporais para frente e para trás ao mesmo tempo.”

Além da característica fundamental de que o próprio tempo pode não ser bem definido, o trabalho também tem implicações práticas na termodinâmica quântica. Colocar um sistema quântico em uma superposição de setas de tempo alternativas pode oferecer vantagens no desempenho de máquinas térmicas e refrigeradores.

“Embora o tempo seja frequentemente tratado como um parâmetro continuamente crescente, nosso estudo mostra que as leis que regem seu fluxo em contextos de mecânica quântica são muito mais complexas”, observou a drª Rubino. “Isso pode sugerir que precisamos repensar a maneira como representamos essa quantidade em todos aqueles contextos onde as leis quânticas desempenham um papel crucial.”

 

Fonte: DW Brasil/Planeta

 

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