sábado, 21 de setembro de 2024

Bruno Paes Manso: ‘Estelionatos, apostas e “bets” - as novas fronteiras do crime

Apesar de ser proibido desde 1941, o jogo do bicho sempre esteve presente no cotidiano das cidades brasileiras. Parecia funcionar como uma espécie de amortecedor para uma sociedade desigual, estratificada, que oferecia poucas oportunidades de ascensão social. O sonho de “fazer a boa” acabava mantendo acesa a esperança de driblar o destino e enriquecer a partir de um golpe de sorte. Reformar ou derrubar o sistema se tornava menos urgente enquanto houvesse a chance de pegar um atalho para o sucesso. Bastava acreditar nos próprios sonhos e “acertar na cabeça”.

A proximidade do bicho com a cultura popular se fortaleceu pelo financiamento do futebol e das escolas de samba, instituições que também ajudavam a fugir da dura realidade cotidiana. A vida ficava mais leve e festiva com futebol, samba e a esperança viva de ficar rico. Essa tolerância velada com o jogo, contudo, permitiu às autoridades faturarem com a proibição e a venda de facilidades, criando uma cultura do “arrego” que aproximou policiais, contraventores e criminosos.

Compreendi alguns dos efeitos colaterais desse convívio quando estava escrevendo o livro A República das Milícias – dos esquadrões da morte à era Bolsonaro. Lobo, um miliciano aposentado, me contou em uma entrevista sobre o medo que seus chefes tinham dos bicheiros. Seu grupo era liderado por dois policiais cascas-grossas, temidos por todos, que só abaixavam a cabeça para os chefes do bicho. Lobo se lembrou de uma ocasião em que um bicheiro pediu para colocar maquininhas de caça-níquel na área de sua milícia em troca de uma comissão. Os milicianos, no entanto, aceitaram a instalação das máquinas sem cobrar nada, para evitar problemas.

Enquanto escrevia o livro, as investigações sobre o assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes, ocorrido em 2018, trouxeram mais elementos para confirmar o poder da contravenção na cena criminal fluminense. Foi revelado que os bicheiros vinham contratando matadores especializados, recrutados até de dentro do Bope. A impunidade era garantida porque o bicho tinha no bolso alguns investigadores e delegados da divisão de homicídios, o que garantia ao grupo carta branca para matar.

A proibição, portanto, nunca reduziu o poder dos capos. Depois de décadas de proibição, porém, nos últimos cinco anos, sem muito debate ou alarde, os jogos, em suas diversas modalidades, invadiram a realidade brasileira como um tsunami, entrando por todas as brechas. Afetou a economia popular, sobrecarregou hospitais, atingiu crianças, promoveu a evasão de divisas e passou a lavar dinheiro do crime. As casas de apostas regulamentadas passaram a fazer propagandas em camisas de times, estádios, campeonatos e programas esportivos. Incentivavam, ao mesmo tempo, a disposição individual para o risco e a meta de aumentar o patrimônio sem trabalhar.

Apesar das sucessivas crises econômicas, enriquecer parecia um objetivo ao alcance de todos. As próprias redes sociais, principal palco dos jogos, mostrava como esse sonho era concreto, celebrando a ostentação e o consumo de pessoas vindas de baixo, que brindavam com champanhe em iates ou em frente de carros importados. A prosperidade se tornou o propósito maior de muitas trajetórias, como se a riqueza fosse um fim em si mesmo, sinônimo de virtudes, sinal da graça divina.

Nesse mesmo ambiente virtual, contudo, a economia formal também avançava, dando prosseguimento a uma mudança estrutural irreversível. No Brasil, o e-commerce já representa cerca de 17% das vendas no varejo brasileiro. O dinheiro eletrônico, aos poucos, assumiu o lugar do papel moeda, mudança que se acelerou depois da criação do Pix, que movimentou em maio 2,1 trilhões de reais no País. O ladrão-moderno percebeu que o espaço virtual se tornou mais seguro e lucrativo para a prática de crime do que as ruas.

Junto com as bets, os jogos de azar, as rifas, os cassinos e a ostentação, vieram os golpes financeiros e o estelionato, mudando o perfil do crime contra o patrimônio no Brasil. O último Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública revelou uma mudança importante nas modalidades de crime contra o patrimônio no Brasil. Os estelionatos passaram de 426,8 mil casos em 2018 para 1,965 milhão em 2023, um crescimento de 359% em cinco anos. Já os roubos em geral (a transeuntes, comércio, residências, banco e carga) caíram de 1,506 milhão para 870,3 mil no mesmo período, uma redução de 42%.

O estado de São Paulo, que registra mais da metade do total absoluto de estelionatos no País, foi um dos que puxou essa tendência. Os mais de 750 mil casos em 2023 representam uma taxa de 1.670 ocorrências por 100 mil habitantes, a segunda maior do Brasil, um pouco abaixo do Distrito Federal. Já os roubos registraram no ano passado 265 mil casos e taxa de 597,8 casos por 100 mil habitantes, 6,7% menor do que no ano anterior e a sexta maior do Brasil.

Cresceu também em 2023 o total de furto de celulares (494,3 mil), que ultrapassaram os casos de roubo (423 mil). O furto, como nas modalidades das gangues da bicicleta, segundo análise do FBSP, propicia a possibilidade de o ladrão conseguir entrar no aparelho antes de ser bloqueado, o que facilita acesso às redes e contas do proprietário para aplicação de golpes financeiros variados.

As possibilidades de ganhar e lavar dinheiro também aumentaram com a profusão dos sites de jogos. No Brasil, cresceu ainda o faturamento da venda de cocaína pelas facções brasileiras para o mundo, diante do estreitamento dos negócios com as máfias internacionais. O surgimento das bitcoins ampliou oportunidades de transações internacionais à margem da lei e novas tecnologias de lavagem passaram a despontar. Nesse ambiente, parece cada vez mais desafiador separar o dinheiro legal do ilegal.

O mundo da economia informal e ilegal se sofisticou: o faturamento do crime, os instrumentos de lavagem, os profissionais especializados nesse tipo de trabalho, tudo parece bem à frente da capacidade de reação do Estado, cujas instituições estão longe de conseguir controlar e punir esses desvios. Com o descrédito do Estado e da política, resta o salve-se-quem-puder, como se a vida fosse uma corrida individual pela sobrevivência.

Os laços de confiança se fragilizam, a mentira impera, a falta de caráter se torna natural e corriqueira, misturada a um moralismo retrógrado. A criação de um projeto coletivo, capaz de seduzir as mentes e apontar propósitos que vão além da vontade individual de enriquecer, parece ser o meio de evitar o caminho apressado para a ruína. Talvez, porém, a consciência da mudança só venha depois que estivermos arruinados.

 

¨      Operação contra pirataria tira do ar 675 sites e 14 apps de streaming ilegal e prende suspeitos no Brasil e na Argentina

Uma operação do Ministério da Justiça e Segurança Pública tirou do ar, nesta quinta-feira (19), 675 sites e 14 aplicativos de streaming ilegal.

A ação é a sétima fase da "Operação 404" – o nome faz referência ao "erro 404" que, no protocolo de internet, indica que o usuário tentou acessar uma página não encontrada.

A operação, segundo o governo, faz parte de uma mobilização internacional contra infrações a direitos autorais.

Além de derrubar os sites, os conteúdos (áudio, vídeo e jogos, por exemplo) foram removidos dos servidores e desindexados dos mecanismos de buscas. Páginas e perfis também foram derrubados das redes sociais.

Ao todo, de acordo com o minstério, foram cumpridos 30 mandados de busca e apreensão. Cinco pessoas foram presas.

Ainda segundo o governo, os investigados são "suspeitos de distribuir conteúdo pirata em sites e plataformas digitais, prática que causa prejuízos significativos à economia e à indústria criativa, além de ferir os direitos de autores e artistas".

"As perdas para o setor cultural e criativo são significativas, mas os danos vão além do impacto econômico", diz o Ministério da Justiça.

Em operação recente, também sobre pirataria, policiais identificaram que os mesmos sites que distribuíam conteúdo sem autorização também espalhavam vírus e malwares – deixando os computadores dos usuários vulneráveis a roubo de dados e outros tipos de ataque.

•        Cooperação internacional

Segundo o governo, a ação foi coordenada pelo Laboratório de Operações Cibernéticas da Secretaria Nacional de Segurança Pública, vinculada ao ministério.

Cumpriram os mandados as polícias civis de nove estados: Espírito Santo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo.

Os ministérios públicos de São Paulo e de Santa Catarina também participaram da ação.

Houve, ainda, o envolvimento de órgãos de cinco países (Argentina, Reino Unido, Estados Unidos, Peru e Paraguai); dois continentes (América Latina e União Europeia); e de entidades de defesa dos direitos artísticos e autorais nacionais e internacionais.

<><> Veja abaixo a lista de associações, entidades e órgãos de investigação:

•        Unidad Fiscal Especializada en Investigación de Ciberdelitos (UFEIC), da Argentina;

•        City of London Police – Police Intellectual Property Crime Unit e Intellectual Porperty Office (IPO), do Reino Unido;

•        Departamento de Justiça e Departamento de Comércio, dos EUA;

•        Instituto Nacional de Defensa de la Competencia y de la Protección de la Propiedad Intelectual (INDECOPI), do Peru;

•        Unidad Especializada en Hechos Punibles Contra la Propiedad Intelectual do Paraguai;

•        Premier League;

•        Alliance for Creativity and Entertainment (ACE);

•        Associação Brasileira de Televisão por Assinatura (ABTA);

•        Aliança Contra a Pirataria de Televisão Paga (ALIANZA) – América Latina;

•        Conselho Nacional de Combate à Pirataria (CNCP);

•        Associação Protetora dos Direitos Intelectuais e Fonográficos (APDIF);

•        Motion Picture Association (MPA) - América Latina;

•        Representing the Recording Industry Worldwide (IFPI);

•        Entertainment Software Association (ESA);

•        Instituto de Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO); e

•        Dirección Nacional de Propiedad Intelectual (DINAPI), do Paraguai.

 

•        Deolane e Apae movimentaram milhões do jogo do bicho, diz polícia

Antes de ser presa junto com a mãe sob suspeita de envolvimento na lavagem de dinheiro proveniente de jogos de azar e do jogo do bicho, a influenciadora e advogada Deolane Bezerrra, de 36 anos, fez campanhas publicitárias para empresas investigadas pela Polícia Civil de Pernambuco.

Entre elas está a Edscap, que comercializa títulos de capitalização na modalidade “filantropia premiável”, na qual o direito de resgate dos pagamentos, feito pela pessoa que adquire o título, é cedido para uma entidade beneficente.

A Federação Nacional da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae Brasil) era quem recebia os valores da Edscap. A empresa pertence a Darwin Henrique da Silva, também dono da Esportes da Sorte.

Era pela Edscap que Darwin lavava dinheiro proveniente do jogo do bicho e de apostas ilegais. Ele está preso desde o dia 5 setembro, quando se entregou à polícia para o cumprimento de um mandado de prisão.

Deolane usou as redes sociais, com dezenas de milhões de seguidores, para realizar rifas, nas quais sorteou prêmios como maletas de dinheiro em espécie e carros de luxo, como um Porsche 911 Carrera S Cabriolet, avaliado em R$ 1 milhão.

As rifas, como mostra investigação policial obtida pelo Metrópoles, eram realizadas por meio da Edscap. A investigação mostra que os valores totais dos resgates dos títulos de capitalização eram revertidos para a Apae Brasil, que mandava uma quantia para a influencer.

A reportagem questionou a entidade e a defesa de Deolane, nessa quarta-feira (18/9), sem sucesso. A defesa de Darwin não foi localizada. O espaço segue aberto.

<><> Depósitos milionários

A polícia localizou a divulgação dos sorteios somente no perfil de uma rede social da Edscap. Nada foi mencionado nos perfis de Deolane e da Apae.

No entanto, um relatório de inteligência financeira (RIF) feito pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), do governo federal, ajudou a identificar transações suspeitas.

“O fato nos chamou atenção, tendo em vista que localizamos crédito de R$ 2.930.588,00, no período de 11/01/2024 a 07/03/2024, realizado pela Federação Nacional das Apaes na conta corrente de Bezerra Publicidade [empresa da influenciadora], o qual foi justificado como serviços de publicidade de Deolane para a Apae”, diz trecho do RIF.

A empresa de títulos de capitalização divulgou na internet oito sorteios promovidos pela influenciadora, nos quais foram sorteados R$ 880 mil em dinheiro, uma viagem para os Estados Unidos, cinco carros — entre eles um Porsche, uma Toyota Hilux e um Land Rover Discovery — além de quatro motos. Os vencedores do Porsche e da Hilux optaram em receber o valor dos veículos em dinheiro.

Desmentida pelo Imposto de Renda

O Coaf questionou Deolane sobre a origem dos bens rifados e sobre os créditos da Apae.

Com relação aos itens das rifas, ela afirmou não ser proprietária de nenhum, explicando que havia feito “somente” propaganda e publicidade. Porém, o emplacamento da Land Rover Discovery, sorteada em 18 de novembro de 2023, mostra que o veículo foi declarado no Imposto de Renda da influenciadora, no ano calendário 2022.

Sobre os créditos da Apae, primeiramente foram fornecidas 11 notas fiscais. Após consultá-las, o Coaf notou que oito estavam canceladas. Um novo pedido foi feito e cinco notas fiscais foram enviadas, somando R$ 2,275 milhões, emitidas pela Bezerra Publicidade em favor da Apae.

A descrição das notas afirmava que os valores eram referentes a serviços de gravação de conteúdos audiovisuais para divulgação da Edscap e da Apae. Os contratos de publicidade foram solicitados à empresa de Deolane, para confirmar as justificativas da influenciadora, que “se reusou a entregá-los”.

<><> Organização criminosa

Deolane e a mãe dela, Solange Alves Bezerra Santos, de 55 anos, foram presas no último dia 4 apontadas pela Polícia Civil de Pernambuco como integrantes de uma organização criminosa envolvida com jogos ilegais e lavagem de dinheiro.

Para movimentar os lucros resultantes de atividades criminosas, como mostra a investigação policial, o grupo se valia de um método conhecido como “smurfing“, usado também pelo Primeiro Comando da Capital (PCC).

Como mostram informações enviadas à Polícia Civil pelo Coaf, Deolane e os outros denunciados realizaram transações financeiras atípicas com 34 empresas, além de pessoas físicas, com depósitos em dinheiro vivo, de forma fracionada.

Essa é uma característica do método com nome em inglês, recurso por meio do qual criminosos movimentam grandes valores, mas diluídos em pequenos depósitos, com o intuito de dificultar o monitoramento das autoridades financeiras.

No processo do caso é afirmado que documentos apontam “fundados indícios” da prática reiterada “do crime de lavagem de dinheiro por parte dos investigados, ao longo dos últimos anos”.

O “dinheiro sujo”, seguem os registros judiciais, foi lavado pela organização “com a aquisição de imóveis e carros de luxo”, além de “loterias”.

<><> Carrões de luxo

Como revelado pelo Metrópoles, os carros de luxo ostentados pela influenciadora para os mais de 21 milhões de seguidores nas redes sociais são um dos indícios de lavagem de dinheiro encontrados pela polícia. Deolane foi presa e teve a oportunidade de responder às acusações em liberdade.

Ela, porém, ficou menos de 24 horas em prisão domiciliar, após descumprir uma das medidas cautelares impostas pela Justiça de Recife, que a impedia de falar com a imprensa. Deolane deu entrevistas assim que colocou os pés fora da cadeia, em 9/9.

A influenciadora foi presa novamente no dia seguinte, assim que chegou ao Fórum da capital pernambucana, para assinar papéis antes de seguir para São Paulo, onde iria ficar em uma de suas três mansões.

Ela e a mãe foram presas em cumprimento a mandados de prisão preventiva, durante a Operação Integration, deflagrada pela Polícia Civil .

•        Deolane usou filho adolescente para lavar dinheiro de bet, diz polícia

O filho de 17 anos da influenciadora e advogada Deolane Bezerra foi usado no esquema de lavagem de dinheiro atribuído a ela e à mãe, Solange Alves Bezerra, de 55.

Ambas foram presas no último dia 4, em cumprimento a mandados de prisão resultantes de uma investigação da Polícia Civil de Pernambuco, que as aponta como integrantes de uma organização criminosa envolvida com jogos ilegais e lavagem de dinheiro.

Um dos indícios do suposto envolvimento de Deolane e Solange no esquema foi transações bancárias milionárias, incluindo na conta corrente do filho adolescente da influenciadora.

Entre 1 de dezembro de 2022 e 31 de maio de 2023, quase R$ 1,4 milhão foi movimentado na conta do jovem de 17 anos, conforme dados do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Na ocasião, a renda mensal atribuída ao adolescente era de R$ 2 mil.

A autoridade financeira identificou que, deste total, 99% foi debitado via Pix para outras contas, de forma fracionada, indicando um esquema de lavagem de dinheiro conhecido como “smurfing” — uma prática na qual criminosos movimentam grandes valores em pequenos depósitos para dificultar o monitoramento das transações suspeitas.

Segundo a Polícia Civil de Pernambuco, ocorreram “transações expressivas” entre o adolescente e sua avó. A mãe de Deolane também usava, de acordo com as investigações, um e-mail com o nome do neto para realizar negócios.

Em 22 de julho deste ano, o nome do adolescente aparecia como proprietário de uma empresa de estética, por meio da qual foram gastos R$ 735.720 em cosméticos, como perfumes e cremes hidratantes. No contrato, ao qual o Metrópoles teve acesso, constavam a assinatura do jovem, seu nome e CPF, além de uma foto dele segurando o documento de identificação.

 

Fonte: g1/Metrópoles

 

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