terça-feira, 25 de abril de 2023

Terror digital sobre ataque a escolas dificulta ações de segurança

Menos de 1% das mensagens e postagens com ameaça de ataques a escolas e supostas informações sobre ocorrências do tipo se mostraram reais, é o que estima o coordenador do Laboratório de Inteligência Cibernética da Polícia Civil (Ciberlab), Delmar Bittencourt. O Ciberlab tem avaliado e investigado os conteúdos denunciados ou localizados via monitoramento, atuando para coibir a criação de pânico.

A atuação da Polícia Civil neste campo levou, até a última quarta-feira, à identificação de 21 perfis de autores de possíveis ameaças na internet.  Além disso, 30 adolescentes e dois adultos foram conduzidos a delegacias em decorrência da disseminação de possíveis ameaças e incitação ao crime.

Foi a disseminação dessas mensagens em redes sociais que levaram o filho da professora de inglês Carol Pinho – Luiz, de 15 anos -, a “contar” para ela que na quinta-feira, 20, aconteceriam ataques generalizados às escolas. O mesmo aconteceu na casa da assistente social Sueli da Conceição Oliveira, onde Júlia, 11 anos, estava hesitante em ir para a aula na data citada. Ambos estudam na rede privada.

Reforçando o apontado pelo Ciberlab e argumentação das mães sobre a inconsistência desses conteúdos, a última quinta terminou sem registro de intercorrências do tipo em escolas. Principal data mencionada nas falsas ameaças, o dia 20 de abril provavelmente foi escolhido por conta do Massacre de Columbine, ocorrido em 1999, no Colorado (EUA). 

Diante do espanto com o dito por Luiz, Carol logo ponderou que era impossível cada escola ter ao menos uma criança disposta a cometer atos violentos contra os colegas. O passo seguinte foi entender de onde vinham essas “notícias” e de que forma tinham chegado a ele, para então assistirem esses vídeos juntos. Ela buscou acolher o medo do filho, mas ressaltando que é preciso observar esses boatos com um olhar crítico, verificando fontes confiáveis.

“A gente precisa olhar de onde está vindo a informação. É de um jornal, é de uma fonte que a gente sabe quem está escrevendo ou é um vídeo que você não sabe quem fez”, defendeu Carol, fazendo paralelo com as notícias falsas sobre as quais comentavam no período eleitoral. Ela também buscou dados concretos que pudessem aumentar a sensação de segurança do filho, como conversar com a equipe da escola sobre o assunto e pesquisar medidas governamentais.

Carol e Luiz foram juntos pesquisar sobre possíveis ataques no dia 20 e encontraram notícias sobre a atuação do Ministério da Justiça, a exemplo da criação do canal Escola Segura para o recebimento de denúncias de ameaças em ambiente virtual. “Está vendo? Eles já estão fazendo uma análise, os adolescentes que estão disseminando isso de maneira maldosa serão responsabilizados”, concluiu.

No decorrer da última semana, o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes defendeu a inclusão na legislação brasileira de um artigo que deixe claro a prevalência das regras do “mundo real” no ambiente virtual. E o governo federal anunciou a promulgação da Convenção sobre o Crime Cibernético, firmada em Budapeste (Hungria), um dispositivo para promover a cooperação internacional na troca de informações sobre crimes cibernéticos.

•        Fiscalização

A escola de Júlia mandou três comunicados para Sueli, entre o caso de Blumenau e a última semana, apontando as ações internas para manter os estudantes em segurança, mas também pedindo apoio dos pais. “Para que possamos verificar as mochilas, porque muitas vezes a gente pensa que é sempre de fora, mas o próprio aluno pode estar levando algo indevido, e acompanhar as redes sociais também dos filhos”, conta.

Júlia mudou de ideia sobre faltar a aula após conversar com a mãe, mas a boataria ainda ficou rolando. A estudante disse que colegas estavam fazendo vários planos de como agir diante de um ataque e até falavam em levar spray de pimenta caseiro no dia 20. Embora tenha um grupo de colegas no whatsapp, ela afirmou que tratam apenas dos trabalhos em grupo, e as notícias falsas acabam sendo comentadas pessoalmente, no intervalo das aulas.

Na rede municipal, a rotina em sala de aula foi suspensa no dia 20, dando lugar a atividades direcionadas ao fortalecimento do senso de comunidade e da cultura de paz, realizadas dentro ou fora da sede das escolas, conforme nota da Secretaria de Educação de Salvador.

No Estado, a Secretaria ressaltou, em nota, que “atividades pedagógicas têm sido realizadas em todas as unidades escolares orientando estudantes ao não compartilhamento de mensagens anônimas e mensagens com conteúdo violento e/ou informações não verificadas”.

Professor de duas escolas particulares e presidente do sindicato da categoria, Alysson Mustafa alerta para o “estado de coisas” revelado pela ocorrência de ataques e pela disseminação dos boatos. “A escola e a educação, como valores, como símbolos de uma sociedade, estão sendo alvo de uma violência que foi nutrida nos últimos anos”, analisa, remetendo ao incentivo à filmagem de aulas para fins de patrulhamento ideológico e pedagógico.

•        Cuidados

“Muitas pessoas pensam: ‘ah não, a gente tem que compartilhar para que as pessoas fiquem sabendo que tem uma ameaça’. Mas se essa ameaça não for real, isso gera um pânico desnecessário numa escola, numa comunidade, com adolescentes e com professores”, defende o gerente de projetos da Safernet, Guilherme Alves.

Alves ressalta a importância de a sociedade entender que provocar uma sensação de insegurança faz parte do “modus operandi” desses grupos, organizados em fóruns da deep web e outras comunidades virtuais de acesso restrito, interessados  em fomentar essa violência nas escolas”.  Ele reforça: “isso já é uma violência! Não é só o ato em si que é uma violência, esse clima de insegurança, essa ameaça também é violenta”.

A orientação da Safernet é sempre resistir ao impulso de passar esses conteúdos adiante e fazer o encaminhamento para o canal Escola Segura (www.gov.br/mj/pt-br/escolasegura). “Se você tiver acesso a um áudio, um print, um link, alguma coisa que supostamente tem a ver com algum tipo de ameaça a escolas, a melhor coisa que você pode fazer é denunciar esse conteúdo”, defende o gerente.

O impacto do pânico digital na saúde mental é enfatizado pela coordenadora do curso de pedagogia da Unifacs, a especialista em psicopedagogia Sâmia Oliveira. “O cérebro da pessoa não distingue o que é real e o que é virtual, então quando nós somos expostos a uma notícia, a uma foto, a um print de tela... nosso cérebro não entende se é real ou virtual e todo o ciclo de ansiedade, de preocupação, de medo é disparado. Nós nos comportamos como se estivéssemos vivendo aquela situação”, explica.

Sâmia comenta que às vezes os pais dão explicações detalhadas sobre os ataques ocorridos e criam cenários de fuga para os filhos, o que não considera adequado, pois a criança não consegue “filtrar e elaborar que é uma situação que pode acontecer, uma situação com chance remota”. No seu cotidiano mais recente atuando em escolas, ela testemunhou casos de alunos que passaram o turno chorando e os pais tiveram de buscar.

“Algo que julgo também muito importante é uma comunicação efetiva da escola com as famílias a respeito das medidas de segurança, até para os pais ficarem tranquilos e repassarem essa segurança para suas crianças. Porque quando os pais estão em pânico, as crianças são como esponjas e absorvem isso, então elas ficam em pânico também”, recomenda.

 

       Violência nas escolas: estados definem protocolos de combate

 

Governos estaduais divulgaram na última semana protocolos de ações para combater ameaças à comunidade escolar.

Em geral, a partir das características e estruturas de cada unidade federativa, foi proposto que as secretarias atuem de forma integrada também com os órgãos de inteligência As alternativas incluem, por exemplo, ampliação do policiamento escolar, telefones para denúncia e até medidas como o "botão do pânico".

Por outro lado, professores chamam a atenção para o fato de que é necessário aperfeiçoar medidas protetivas, e que as secretarias atuem em rede.

Diretora do Sindicato dos Professores de Escolas Públicas do Distrito Federal, Luciana Custódio afirma que é preciso evitar militarização de escolas, que tem se mostrado ineficiente. “Temos múltiplas realidades: escolas com estrutura e outras sem condições, em comunidades desassistidas. É preciso que a escola seja, de fato, um ambiente de paz.”

Nas administrações estaduais, o fluxo que deve ser seguido para dar agilidade às denúncias foi pormenorizado para que as reações contra a violência sejam mais rápidas.

<<<< Confira propostas do DF e de nove estados

•        São Paulo

Em São Paulo, o governo do estado anunciou a contratação (temporária) de 550 psicólogos para atendimento nas escolas estaduais, além de mil vigilantes de empresas de segurança privada que vão trabalhar nas unidades, desarmados. Nessas contratações serão gastos R$ 240 milhões.

Segundo o governo paulista, cada psicólogo deverá atuar em, ao menos 10 escolas, e fazer uma visita por semana em cada colégio. Quanto à vigilância privada, o objetivo é que o segurança esteja todos os dias nas unidades.

•        Rio de Janeiro

No Rio de Janeiro, o governo estadual criou o Comitê Permanente de Segurança Escolar, com representantes da segurança pública e da Secretaria da Educação para atuar na prevenção às situações de violência nas escolas públicas e privadas.

Também foi apresentado pela Polícia Militar (PM) o aplicativo Rede Escola, inspirado no Rede Mulher. A ferramenta, que deve entrar em operação em até dois meses, vai conectar diretamente os profissionais da rede de ensino à Polícia Militar.

A PM destacou o reforço da patrulha escolar e a criação do aplicativo Rede Escola, que já está em fase de implantação. “Uma ação desenvolvida pela secretaria e em fase de conclusão é o treinamento de gerenciamento de crise e protocolos de segurança para os profissionais da educação”, informou o secretário de Polícia Militar, coronel Henrique Pires.

Quanto às ameaças, a secretaria tem um protocolo contra ameaças implementado em todas as 1.549 escolas.

•        Distrito Federal

No Distrito Federal (DF), o governo anunciou, na semana passada, um conjunto de medidas para prevenção da violência e reforço da segurança para as 1.624 escolas e creches das redes pública e privada, além de faculdades e universidades.O reforço inclui aumento no efetivo policial, com a participação de vigilantes.

Outra ação é a ampliação do monitoramento de perfis em redes sociais com histórico de apologia à violência e também investigação de postagens da deep web (área da internet não encontrada pelas ferramentas de busca, o que é aproveitado para compartilhamento de conteúdo ilegal).

“O efetivo do batalhão escolar da PM está sendo aumentado para estar presente na grande maioria das unidades do DF”, disse o secretário Sandro Avelar, conforme divulgou a agência de comunicação do governo local.

•        Mato Grosso do Sul

O governo de Mato Grosso do Sul anunciou reforço da ronda policial nas escolas, com viaturas e helicópteros, ampliação do monitoramento com novas câmeras e um dispositivo chamado de “botão do pânico” para eventuais emergências.

Para usar corretamente o dispositivo, os profissionais da educação passarão por treinamento e capacitação. As ações são consideradas preventivas e terão parceria com iniciativas como o Programa Educacional de Resistência às Drogas e a Violência (Proerd) e os projetos Bom de Bola, Bom na Escola, Projeto Florestinha e Bombeiros do Amanhã.

Outra ação é ampliação de câmeras de vigilância 24 horas por dia nas 348 escolas estaduais do estado. Outra ação foi o lançamento do Núcleo de Inteligência e Segurança Escolar, que será um espaço dentro da Central de Monitoramento das Escolas com policiais que vão acompanhar as investigações. O treinamento para professores em casos de necessidade de evacuação da escola vai ser intensificado, informou o governo.

•        Pernambuco

Em Pernambuco, o governo anunciou a ativação de um número de telefone exclusivo para emergências escolares (197). A finalidade é que  professores, alunos, pais ou qualquer pessoa que tenha conhecimento de ameaças possa acionar a segurança pública. As informações terão sigilo garantido.

A Secretaria de Segurança Pública enfatizou que a comunicação com as famílias é primordial para o combate à violência nas escolas. Dentre as resoluções contidas no protocolo estadual, está prevista o treinamento dos profissionais como caminho de prevenção, além de ampliação do policiamento escolar. Os trabalhos incluem ainda o videomonitoramento, reforço da patrulha escolar e criação de uma central de monitoramento.

•        Bahia

A Segurança Pública da Bahia divulgou também um canal para comunicação de possíveis ameaças (reais ou falsas). O número disponibilizado é o 181. O governo informou que as informações serão tratadas de maneira emergencial pela Superintendência de Inteligência e repassadas para as forças policiais

Os trabalhos preveem ainda a intensificação do patrulhamento especializado da Ronda Escolar e das unidades da Polícia Militar. As ações de inteligência e investigação da Polícia Civil têm apoio da Coordenação de Inteligência Cibernética (Cyberlab).

Segundo a Assessoria de Comunicação do governo estadual, o delegado Delmar Bittencourt, coordenador do Laboratório de Inteligência Cibernética da Polícia Civil, garantiu que haverá compartilhamento de dados com outros estados.

•        Ceará

A Segurança Pública do Ceará anunciou que, além das ações de vigilância nas cercanias das escolas, tem investido em ações de inteligência contra desinformação e perfis que espalham ameaças.

O governo usa monitoramento realizado pela Coordenadoria de Inteligência. Um dos resultados é que entre 3 e 11 de abril foram identificados 18 perfis em mídias sociais que relataram ameaças.

As denúncias podem ser encaminhadas para o número 181 ou para o (85) 3101-0181.

•        Pará

O governo do Pará informou que vai enviar à Assembleia Legislativa do estado um projeto de lei (PL) para instituir o Programa Escola Segura e criar o Núcleo de Segurança Pública e Proteção Escola.

De acordo com o governo, o projeto viabilizará o monitoramento por câmeras de segurança nas escolas, o fortalecimento da ronda escolar nos 144 municípios do estado e a definição de protocolos de segurança, com participação de psicólogos e assistentes sociais.

Segundo o governo, o foco é o desenvolvimento de ambientes seguros e harmônicos, com agentes públicos treinados para melhor atender alunos, familiares, a comunidade e equipes escolares.

•        Amazonas

O governo do Amazonas informou que trabalha na elaboração de projetos para aderir ao edital de chamamento público do Ministério da Justiça e Segurança Pública para o Programa Nacional de Segurança nas Escolas.

De acordo com o governo estadual, as ações de segurança já estão sendo fortalecidas, com iniciativas nas escolas do Departamento de Prevenção à Violência em parceria com a Secretaria de Educação.

•        Rio Grande do Sul

O governo do Rio Grande do Sul anunciou a intensificação do policiamento nas proximidades das escolas e o monitoramento dos chamados grupos de ódio.

Segundo o governo gaúcho, o reforço policial será mantido pelo tempo que for necessário para tranquilizar a população quanto à segurança de alunos, professores e demais profissionais da educação.

O estado também vai promover ações de comunicação para orientar sobre os canais oficiais para denúncias: o telefone 190, para situações de emergência, e telefone 181 para denúncias. Não há necessidade de identificação do autor, e os canais funcionam 24 horas.

 

Fonte: A Tarde/Agencia Brasil

 

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