Por que Brasil
enfrenta julgamento na Corte Interamericana de Direitos Humanos
A
Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) iniciiu nesta quarta-feira
(26/4) a audiência pública que julgará o Brasil por possíveis violações de
direitos humanos contra as comunidades quilombolas de Alcântara, no Maranhão.
O
caso está relacionado à instalação do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA),
base de lançamentos de foguetes da Força Aérea Brasileira (FAB), e à remoção de
mais de 300 famílias da região onde o projeto foi construído na década de 1980,
durante o regime militar.
O
julgamento deve se estender até a quinta-feira (27) e acontece após uma
denúncia apresentada por representantes das comunidades afetadas e entidades da
sociedade civil em 2001.
A
Corte é uma instituição autônoma ligada à Organização dos Estados Americanos
(OEA), que tem como objetivo aplicar a Convenção Americana sobre Direitos
Humanos, ratificada pelo Brasil em 1992.
É
um dos tribunais regionais de proteção dos direitos humanos, ao lado do
Tribunal Europeu dos Direitos Humanos e da Corte Africana dos Direitos Humanos
e dos Povos.
A
audiência pública acontecerá de forma presencial na sede do Tribunal
Constitucional do Chile, em Santiago, mas será transmitida pelas redes sociais.
Entenda
a seguir quais foram as consequências do caso, quais são as acusações contra o
Brasil e qual a posição oficial do governo.
O
que aconteceu?
O
conflito na região remonta à década de 1980, quando a base começou a ser
construída durante o governo do general João Figueiredo.
Município
com 22 mil habitantes a cerca de 100 km de São Luís, Alcântara fica numa
península com localização privilegiada para o lançamento de foguetes e
satélites.
Próximo
à linha do Equador, o centro - inaugurado pela Força Aérea Brasileira (FAB) em
1983 - possibilita uma economia de até 30% no combustível usado nos
lançamentos.
A
construção, porém, levou um território de 52 mil hectares a ser declarado como
de “utilidade pública”, segundo a CIDH.
Parte
dessa área era habitada por 32 comunidades quilombolas que foram realojadas em
sete "agrovilas" concebidas pelos militares.
E
as disputas territoriais seguem até hoje. Alcântara é o município que tem o
maior número de comunidades quilombolas do país, com mais de 17 mil pessoas,
distribuídas em quase 200 comunidades.
O
quilombola Nonato Masson, advogado do Centro de Cultura Negra do Maranhão,
afirmou à BBC Brasil que os quilombos de Alcântara viveram sem interferências
externas de 1700 até o início da construção do centro de lançamentos.
O
que será julgado?
A
principal violação denunciada pelas organizações sociais e representantes locais
é a remoção de 312 famílias quilombolas para a construção da base, a qual a
CIDH se referiu como “usurpação do patrimônio coletivo” das comunidades.
A
Corte também analisa a questão da titularidade do território - concessão do
direito de posse de uma área - e da reparação às comunidades.
A
Constituição Federal de 1988 assegura o direito aos remanescentes das
comunidades quilombolas, que estejam ocupando suas terras, à propriedade
definitiva de seus territórios. Além disso, a Convenção n° 169 da Organização
Internacional do Trabalho (OIT) também garante o direito fundiário dos povos
originários a suas terras.
O
caso chegou ao tribunal internacional após organizações peticionarem a denúncia
na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, também ligada à OEA.
O
órgão recomendou em duas ocasiões ao Estado brasileiro que fosse feita a
titulação do território, a reparação financeira dos removidos e um pedido de
desculpas públicas.
Em
2008, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), chegou a
publicar um relatório apontando que mais de 78 mil hectares deveriam ser
titulados em favor dos quilombolas, mas o processo não foi encaminhado.
Como
as recomendações não foram cumpridas, a Comissão levou o caso à Corte em
janeiro de 2022.
Há
ainda mais um ponto que deve ser discutido: a realização de consultas públicas
para efetuar novos deslocamentos de comunidades na região ou fazer obras de
ampliação da base aérea.
Esse
tópico tem relação principalmente com um projeto de expansão da CLA,
incentivado por um acordo entre Brasil e Estados Unidos assinado em 2019.
Apoiadores
da proposta afirmam que seria de grande importância para ampliar o
aproveitamento da base, que no passado foi pouco utilizada, e desenvolver o
setor no país - mais recentemente o centro passou a negociar a operação de
lançamentos comerciais.
Mas
segundo Servulo Borges, militante do movimento quilombola de Alcântara afirmou
à BBC, a ampliação estudada desde os anos 2000 poderia levar ao despejo de mais
de 40 comunidades da região.
Na
audiência pública serão ouvidos representantes quilombolas e moradores da
região, além de especialistas na área, indicados tanto pelos denunciantes como
pelo Estado brasileiro.
·
O
que dizem os quilombolas?
Segundo
as organizações que apresentaram a denúncia à Comissão, a instalação da base
alterou intensamente o modo de vida e as práticas culturais das comunidades.
“Nas
sete agrovilas nas quais as comunidades foram reassentadas, elas sofreram uma
alteração dos costumes e práticas atuais e são até os dias atuais privadas de
condições adequadas de vida, com a falta de saneamento básico e de políticas
públicas de educação, transporte e saúde, de liberdade perante o território e
de organização social”, afirmaram as instituições quilombolas e de outros
setores da sociedade civil em um comunicado divulgado à imprensa.
Os
denunciantes também se queixam da falta de iniciativas de reparação ou
reconhecimento da propriedade do território. “O governo brasileiro teve
diversas oportunidades de reconhecer e reparar as violações, mas não o fez. Os
Quilombos de Alcântara ainda não contam com títulos de propriedade coletiva
sobre os seus territórios tradicionais”, dizem.
Danilo
Serejo, quilombola e representante do Movimento dos Atingidos pela Base
Espacial de Alcântara (MABE), uma das organizações envolvidas no processo,
afirma também que mesmo as famílias que não foram deslocadas em um primeiro
momento tiveram suas vidas afetadas. Por isso a compensação buscada é para
todas as comunidades locais.
“A
área desapropriada alcança mais de 150 comunidades. Mas além das pessoas
deslocadas na década de 1980, outras muitas perderam os direitos sobre suas
terras e vivem há mais de 40 anos em uma situação de incerteza, sempre com o
temor de serem despejadas”, afirmou à BBC Brasil.
Serejo
explica ainda que o objetivo das instituições denunciantes não é encerrar as
operações da base ou obrigar o centro a se retirar da região, mas garantir o
direito de propriedade e que as comunidades quilombolas tenham voz em projetos
futuros envolvendo suas terras.
“Ninguém
está pedindo que a base seja retirada do município, mas é preciso que se
discuta formas de compensação. Nosso entendimento é de que a base está no nosso
território e não o contrário”, diz.
E
o que diz o governo brasileiro?
Em
nota enviada à reportagem, a Força Aérea Brasileira (FAB), responsável pela
base, afirmou que há no caso uma “sobreposição geográfica de duas políticas
públicas”.
“Uma
voltada ao atendimento do direito constitucional relacionado ao reconhecimento
de propriedade e titulação das comunidades remanescentes de quilombos, e outra
voltada às demandas por um espaço-porto brasileiro”.
A
Aeronáutica afirmou ainda que o assunto foi objeto de conciliação na Câmara de
Conciliação da Administração Federal (AGU) em 2009, porém o resultado desse
trabalho não foi implementado até a presente data. “A demora do Estado
Brasileiro nesse processo ensejou a submissão das reivindicações da comunidade
supostamente afetada àquela egrégia Corte”, diz.
“A
Força Aérea Brasileira, enquanto Instituição que compõe a República Federativa
do Brasil, está trabalhando conjuntamente com as demais Instituições envolvidas
(MRE, AGU, MDHC, MIR) no processo de defesa do Estado Brasileiro perante à
Corte IDH e reitera o firme propósito de alcançar um resultado que atenda, de
forma equilibrada, os direitos das comunidades quilombolas de Alcântara e as
necessidades do Programa Espacial Brasileiro, o qual certamente trará
benefícios socioeconômicos para todo o município de Alcântara e região.”
Ø
GT
buscará alternativas para titulação territorial de comunidades de quilombos de
Alcântara
Decreto
presidencial, publicado no Diário Oficial da União desta
quarta-feira, 26, institui Grupo de Trabalho (GT) Interministerial para buscar
alternativas para a titulação territorial das Comunidades Remanescentes de
Quilombos de Alcântara.
Segundo
o texto, compete ao grupo: propor alternativas para a titulação territorial das
Comunidades Remanescentes de Quilombos de Alcântara, que compatibilizem os
interesses dessas Comunidades e do Centro Espacial de Alcântara; e formular
proposta de ato normativo que regulamenta o Protocolo de Consultas Prévias,
Livres e Informadas às Comunidades Remanescentes de Quilombos de Alcântara.
O
Grupo de Trabalho Interministerial será composto por um representante dos
seguintes órgãos: Advocacia-Geral da União, que o coordenará; Casa Civil;
Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação; Ministério da Defesa; Ministério
do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar; Ministério dos Direitos
Humanos e da Cidadania; Ministério da Igualdade Racial; Ministério das Relações
Exteriores; Secretaria-Geral; da Agência Espacial Brasileira; Comando da
Aeronáutica; Fundação Cultural Palmares; e Incra; e por quatro representantes
das Comunidades Remanescentes de Quilombos de Alcântara.
·
Lula
diz que Bolsonaro deveria ser julgado por “chacina”
O
presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse nesta 4ª feira (26.abr.2023)
que o ex-chefe do Executivo Jair Bolsonaro (PL) deveria ser julgado por uma
“chacina” durante a pandemia. A declaração foi feita em discurso ao lado do
premiê espanhol, Pedro Sánchez, em Madri. Lula não citou o nome de Bolsonaro,
mas falava sobre as ações do governo brasileiro na época em que a covid-19
surgiu e afirmou: “Esse homem um dia vai ter que ser julgado num tribunal
internacional por uma chacina que aconteceu no nosso país”.
Fonte:
BBC News Brasil/IstoÉ
Nenhum comentário:
Postar um comentário