quinta-feira, 27 de abril de 2023

Milton Alves: GSI foi o epicentro do ‘combo golpista’ de 8 de janeiro e sua extinção é uma demanda democrática

O governo do presidente Lula, após os primeiros cem dias, enfrenta a sua mais grave crise política, provocada, mais uma vez, pelo golpismo bolsonarista, que conta com apoio de setores das Forças Armadas — especificamente de um núcleo de generais palacianos que serviram ao governo da extrema direita, derrotado nas urnas.

Um documento dado a conhecer pela jornalista Denise de Assis, em meados de dezembro de 2022, revelou as exigências e expectativas do setor bolsonarista da caserna e de militares de altas patentes no serviço ativo. O texto elaborado pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI), intitulado “Propostas Ao Governo Lula”, enumerava um verdadeiro roteiro de diretrizes e sugestões.

Entre as diversas questões levantadas pelo texto, aparece, com destaque, o indicativo sobre o caráter e o papel do GSI: “Manutenção no Gabinete de Segurança Institucional (GSI) sob chefia de um general do Exército, pela sua complexidade e interoperabilidade com os outros órgãos de governo”. Além disso, a exigência da permanência da “Agência Brasileira Informação (Abin) subordinada ao GSI”.

O partido militar ainda formulou uma pérola de chantagem golpista para o novo governo: “Um deslocamento do Governo das Forças Armadas certamente levará a um ambiente de desconfiança e desunião, agravando o quadro existente e fortalecendo o bolsonarismo no meio militar”. Ou seja, um recado direto — abusivo e arrogante. O documento também elogiava a escolha do ministro da Defesa, José Múcio, o que é bastante revelador.

Vale lembrar que as questões envolvendo os militares não compareceram ao debate das equipes de transição, indicando uma aparente tentativa do governo Lula de não mexer em vespeiro. Enfim, a velha tática da conciliação com os militares.

Enquanto isso, no mês de dezembro, os militares encastelados no GSI conspiravam contra a posse do governo Lula, incentivando as ações golpistas em curso como a baderna em Brasília no dia da diplomação, o implante de explosivos nas cercanias do aeroporto do DF, os acampamentos nos quartéis militares e, principalmente, maquinando para impedir a consolidação do governo eleito democraticamente pela maioria da população brasileira — o que culminou com a intentona bolsonarista do dia 8 de janeiro contra as sedes dos três poderes.

Neste sentido, é impossível não enxergar as digitais do general Heleno no comando do processo golpista, agindo de forma combinada com o ex-ministro Anderson Torres, o rábula do projeto de golpe, setores das PMs estaduais e do Distrito Federal e um conjunto de empresários, que financiaram as caravanas para Brasília.

O GSI, portanto, foi epicentro do combo golpista planejado pelos generais bolsonaristas da reserva e da ativa, e sob inspiração e comando político ativo do ex-presidente Jair Bolsonaro e de seu grupo político. É uma conclusão inevitável e lógica de todo o processo.

A difusão das imagens por uma emissora de TV (a CNN) apenas confirmaram as suspeitas sobre o papel do GSI, aparelhado por militares bolsonaristas, e o despreparo do general Gonçalves Dias, o então ministro-chefe do órgão, que foi incapaz de ordenar a evacuação da sede do governo e prender os criminosos. Se é verdade que G. Dias, como é mais conhecido, não foi um cúmplice do intento golpista, tampouco sua conduta foi adequada para o momento, que exigia uma ação repressiva enérgica contra os bandidos bolsonaristas civis e militares.

•        CPMI e a extinção do GSI – uma demanda democrática

A nomeação de Ricardo Capelli, que foi o interventor em Brasília após a tentativa golpista, é um primeiro passo para apurar o envolvimento do setor castrense, definindo claramente os responsáveis pelos crimes de 8 de janeiro e dos acampamentos nas portas dos quartéis. Além de investigar e punir os empresários financiadores do projeto de golpe contra a posse de Lula.

Na futura CPMI, a ação dos parlamentares da base governista deve priorizar, logo no início dos trabalhos, a convocação dos generais bolsonaristas e do ex-presidente Jair Bolsonaro, com isso, esvaziando a tentativa da extrema direita parlamentar de dividir a responsabilidades do 8 de janeiro com os apoiadores do governo Lula, uma falsa narrativa que tenta confundir e semear dúvidas entre a população.

A disputa política na CPMI indica que vai ser concentrada na questão da definição das responsabilidades.

No momento, o futuro do GSI é uma questão política importante. Trata-se de enfrentar um braço da tutela militar. Um aparato político que serve aos interesses dos generais da extrema direita para interferir e controlar a agenda política do governo civil.

A partidarização das Forças Armadas pela extrema direita é um fato presente na atual conjuntura do país, é uma condição inescapável do governo popular de Lula desarmar as armadilhas dos generais contra o poder eleito.

O GSI é um trambolho antidemocrático, uma herança do nefasto SNI, age ainda com uma mentalidade persecutória contra os movimentos sociais e populares, tidos como inimigos internos nos velhos manuais do Exército. Um instrumento de arapongagem e sabotador da democracia. Não há remédio para um cranco tão pernicioso.

A extinção do GSI é uma medida profilática para defender e resguardar o país da sanha golpista dos militares da extrema direita e das ameaças do fascismo. É a oportunidade, em nome e por determinação do governo democrático, de Ricardo Capelli entrar para a história como o "coveiro" do Gabinete de Segurança Institucional.

 

       Está na hora de apurar e punir os ataques da cúpula militar ao regime democrático. Por Mario Vitor Santos

 

O presidente já recebeu o general Marco Antonio Amaro dos Santos para uma conversa sobre o futuro do Gabinete de Segurança Institucional, como informa a coluna Painel,  da Folha de S.Paulo. A reunião foi de apenas dez minutos, na presença de Rui Costa (Casa Civil) e do chefe de gabinete Marco Antônio Ribeiro, o Marcola.

 Não houve convite, como  o próprio Amaro reconhece, mas noticia-se que uma outra reunião ficou acertada agora, na volta da viagem de Lula à Europa.

 Há uma associação de boas vontades para facilitar a nomeação de Amaro ao cargo que até recentemente fora ocupado pelo general Gonçalves Dias, o GDias, homem que se é evidentemente ingênuo, demonstrou fidelidade total ao presidente da República e gozava da estima deste.

 GDias foi derrubado por um vídeo malignamente editado pela CNN com a intenção evidente de implicá-lo como cúmplice das depredações dos golpistas no Palácio do Planalto.

 Quando, pela divulgação da íntegra não adulterada  das imagens, ficou claro que GDias, em momento algum se solidarizou com a escumalha que vagava ensandecida pelo Planalto, ele já tinha sido defenestrado, por motivo secundário. Ao que se sabe, ele não comunicara ao presidente ter estado em palácio na ocasião. E mais: teria informado não haver imagens das câmeras colocadas na antesala do presidente.

 É plausível especular sobre as diversas possíveis intenções de GDias, ao ocultar e mentir. não excludentes entre si. Poderia querer esconder seu erro de avaliação e  sua passividade diante da invasão.  Poderia querer reunir informações e evidências sobre subordinados.

 O fato é que o GSI estava e está infestado de militares bolsonaristas remanescentes da gestão de um dos mais empedernidanente reacionários colaboradores de Bolsonaro,  o general Augusto Heleno.

 Nomeado às pressas para sanear a lambança, o ministro interino, Ricardo Capelli, vem apontando exatamente para os generais Heleno e Braga Netto pela infestação de militares golpistas implicados no apoio à destruição do Palácio. Não se sabe por que essa gente flagrada nos vídeos segue solta.

 Com tantas provas da participação de generais do Exército nos fatos, é estranho que o presidente Lula, o ministro da Defesa, José Mucio Monteiro, o chefe do Exército,  Thomas Paiva, e o interino Capelli se unam na defesa de mais um general para a chefia do GSI.

 Se não fosse extinto, o GSI deveria ser mantido à distância dos militares, ainda mais de quem é indicado pelo Alto Comando do Exército, instância que unificadamente decidiu  hospedar em área militar acampamentos golpistas ao longo de semanas e meses.

 Quem pode ainda duvidar dos desígnios dos generais da cúpula do Exército?

 A sociedade brasileira tem direito de suspeitar que por trás do vazamento da CNN que incinerou Dias há a intenção de limpar a área no GSI para alguém mais confiável ao alto comando.

 A apuração sobre a participação da cúpula militar nas manifestações antidemocráticas e na tentativa de golpe, inclusive na invasão aos  palácios, é muito mais importante ainda do que a investigação e o julgamento, que correm com rapidez, da ralé que arruinou o Planalto,  o Congresso,  o STF.

 Neste inquérito,  se levado a cabo com coragem, o país terá afinal que acertar as contas com o cerne das turbulências institucionais que geraram a ditadura militar e o fenômeno Bolsonaro.

 Qualquer tergiversação com o esclarecimento,  doa a quem doer, desse aquadrilhamento da estrutura superior da força armada com o crime implicará a contratação de novos golpes originados por patentes ocultas no interior do  aparelho de Estado, mas sempre atentas a novas estocadas contra a democracia.

 

       O apagão tecnológico do general G. Dias. Por Denise Assis

 

O declarante Marcos Edson Gonçalves Dias, ou, o general G. Dias (seu nome de guerra), acredita que houve “um apagão de inteligência”. Ninguém tem dúvida. Principalmente a dele.

G. Dias entrou no Exército em 1969, na Escola Preparatória de Cadetes do Exército. No auge da ditadura e seus horrores. Todo o seu início de carreira foi forjado por instrutores que, se não praticaram a repressão e seus “efeitos colaterais” – a tortura -, sabiam de tudo o que se passava nos corredores cinzas das dependências onde os militantes contra o regime eram moídos no pau, muitos até a morte. Os primeiros cinco anos de sua formação foram os piores do sistema dos militares no poder. A resistência foi dizimada nesse período. E ninguém sai ileso de uma experiência como essa. G. Dias é um legítimo “filhote da ditadura”, ou seja, formado por agentes repressores.

O general integra a “família militar”, e como tal não trairia “os seus”. É também um sujeito antigo, de hábitos analógicos e habituado a receber relatórios com cinco carimbos, para assinar embaixo um “ciente”, com devolução de uma via. Por isto, não considerou os alertas oriundos da Abin, via whatsApp, sobre o acirramento dos ânimos nos acampamentos em frente ao Comando Militar, e a chegada de ônibus aos borbotões, a Brasília, desde o dia 6 de janeiro, com ameaças de invasões dos prédios públicos.

Disse-o com todas as letras, no depoimento oficial concedido à Polícia Federal, no dia 21 de abril de 2023, data símbolo para a democracia que ele deveria ter defendido. Mas, tal como Barbosa, o nosso goleiro da Copa de 1950, que falhou no segundo gol do Uruguai, em pleno Maracanã - e passou a vida remoendo aquele momento -, G. Dias vai repassar mil vezes a sua chegada ao Planalto naquele domingo.

Ao longo de 20 anos servindo ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, aprendeu a conjugar o verbo “conciliar”. No final do ano de 2022, logo após a vitória de Lula para um terceiro mandato, porém, elevou a um nível radical essa prática, quando trabalhou, juntamente com o ministro José Múcio, pela não existência de um grupo de transição na área de Defesa, onde apostavam estar, desde que cumprissem a agenda importa pelo Alto Comando: levar ao novo governo uma pauta de reivindicações. Nesta pauta cabiam desde a exigência de não tocar no famigerado e ambíguo Artigo 142, da Constituição, até a manutenção, na íntegra, do sistema de previdência recém-instituído, e mais o bendito currículo das Escolas Militares, onde pretendem continuar ensinando que em 1964 o “bravo” Exército Brasileiro varreu do país a “ameaça comunista”. O que quer que isso signifique, pois eles não vão além da página 2, sobre o tema.

A “missão” de G. Dias e do “emissário” e “escolhido” da caserna, José Múcio, para o cargo de ministro da Defesa, foi revelada em um programa do grupo Prerrogativas, no dia 17 de janeiro, de 2023, quando ainda se tentava adivinhar que nomes estavam na cabeça do presidente recém-eleito, para compor o seu ministério. Com o cumprimento de tal tarefa, Múcio e G. Dias eram certezas. Múcio para a Defesa e ele para estar próximo de Lula, na estrutura de Segurança, seu assunto.

Com o redesenho da área, coube-lhe ser ministro do Gabinete Institucional da Presidência da República (GSI), onde deveria antecipar cenários do entorno do presidente e do governo, traçar estratégias de segurança, se antecipar aos fatos que por ventura se constituíssem ameaça para o seu chefe, seu governo e o país.

No dia 21, sexta-feira, depois de “se desligar” do cargo, em função de imagens manipuladas, que vieram a público pelo canal CNN, com a nítida intenção de colocar em dúvida, inclusive a sua fidelidade ao presidente, indagado sobre o sistema do qual deveria cuidar, declarou que houve “um apagão” geral do sistema “pela falta de informações para a tomada de decisões”. Disse, também, que não chegou até ele “qualquer relatório de inteligência”.

O general as recebeu, por whatsApp. Foram várias as mensagens entre os dias 2 e 7 de janeiro, enviadas pela Abin, mas ele “não as considerou relevantes” e declarou que essas mensagens não podem ser vistas “tecnicamente” como “um relatório de inteligência para produção de conhecimento para assessorar a decisão do gestor”.

Declarou que às 14h50 solicitou reforço de efetivo do Comando Militar do Planalto – CMP. E, mais: caso o nível de criticidade fosse alto, conseguiria utilizar todo o efetivo do CMP acrescidas outras tropas, como ocorreu na posse presidencial. G. Dias estava no coração do golpe, mas não o viu. O chefe da inteligência não conseguiu avaliar a gravidade do que se passava no entorno. Era o homem errado, no lugar errado. Contou ter temido por sua vida, mas circulou desarmado entre os terroristas. Disse que estava fazendo um “gerenciamento de crise”, quando não conseguiu debelar a sua própria.

Ao receber um telefonema para adiar a prisão dos golpistas, permitindo a fuga em massa dos integrantes do acampamento em frente ao quartel, repassou a decisão para o chefe que deveria defender.

G. Dias viu ao seu redor um clima de confraternização, quase de churrasco de domingo, entre os seus comandados e os que tocavam o terror, mas permitiu que aflorasse nele o espírito da família militar: primeiro os seus. Como o goleiro Barbosa, deixou de fazer a defesa decisiva. Enquanto no Maraca estava em jogo o nosso brio, naquele domingo o que corria risco era a nossa democracia. G. Dias o desconsiderou, porque as ameaças chegaram por zap.

 

Fonte: Brasil 247

 

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