Os 6 números que
definem todo o Universo
Como
estudamos o Universo como um todo?
Meu
trabalho se concentra na radiação cósmica de fundo em micro-ondas (CMB, na
sigla em inglês) — os tênues resquícios de energia do Big Bang — e como medi-la
pode guiar nosso caminho para a compreensão do Universo.
As
observações provêm de lugares próximos e dos confins mais distantes do espaço.
Todas
essas evidências e teorias podem ser reunidas em um modelo padrão
surpreendentemente simples de cosmologia, que tem apenas seis parâmetros.
Esses
são os números que definem todo o Universo.
• O conteúdo do Universo
Os
primeiros três parâmetros nos falam sobre o conteúdo do Universo.
Nós
os descrevemos como frações de uma estimativa total de matéria e energia, como
os componentes de um gráfico de pizza.
O
primeiro parâmetro descreve a quantidade de matéria normal, átomos, no
Universo, e diz que eles representam apenas 5% do Universo.
O
segundo parâmetro descreve a matéria escura, um tipo de partícula elementar
nova que ainda não entendemos, que representa 25% do Universo.
Surpreendentemente,
a quantidade de matéria escura, que podemos derivar das nossas medições das
diminutas flutuações de temperatura da radiação cósmica de fundo, coincide com
o valor deduzido das observações dos movimentos das estrelas e galáxias.
No
entanto, o valor que obtemos das medições da CMB é muito mais preciso.
Nossas
medições também nos dizem algo mais.
Como
a CMB chega até nós desde a Era da Recombinação (ou do Desacoplamento), quando
o Universo primordial se resfriou o suficiente para liberar os fótons do plasma
quente que os uniu por várias centenas de milhares de anos após o Big Bang,
fazendo com que o Universo se tornasse transparente, podemos ver que a matéria
escura claramente existia nos primórdios do Universo.
Além
disso, podemos ver que os átomos, a matéria de que somos feitos, representam
apenas um sexto da massa total do Universo.
O
terceiro parâmetro é a constante cosmológica, a misteriosa energia escura que
está na raiz da expansão acelerada do Universo.
Ela
representa 70% da estimativa total de matéria e energia do Universo. Também não
sabemos o que é essa energia escura, mas sabemos que ela existe, porque medimos
diretamente sua presença por meio da aceleração cósmica.
Estrelas
e galáxias em formação
O
quarto parâmetro é a profundidade óptica, ou quão opaco o Universo era para os
fótons que viajam por ele.
Este
é o mais astrofísico de todos os parâmetros do modelo padrão da cosmologia.
Com
isso, queremos dizer que ele captura nosso escasso conhecimento de todo o
complexo processo de formação e subsequente explosão das primeiras estrelas e
formação das primeiras galáxias no Universo.
A
intensa luz dessas primeiras estrelas e galáxias quebrou o hidrogênio que
prevalecia no cosmos em prótons e elétrons que o compõem, causando a
reionização do Universo.
Nesse
processo, cerca de 5 a 8% dos fótons da CMB, os fótons que haviam sido
liberados no momento do desacoplamento, se dispersaram novamente.
Para
fazer uma analogia, considerando que o Universo antes era transparente, é como
se tivesse entrado um pouco de névoa.
Não
muito forte, você ainda consegue ver um litoral distante, mas a visibilidade
foi reduzida. Curiosamente, para determinar a profundidade óptica do Universo,
é feita uma medição da polarização da CMB.
A
polarização, junto com a intensidade e o comprimento de onda, é uma das três
características de uma onda de luz. A polarização especifica a direção na qual
uma onda de luz oscila.
Por
exemplo, a luz que reflete no capô do seu carro está polarizada
horizontalmente. Ou seja, a onda de luz oscila de um lado para o outro
horizontalmente.
Os
óculos escuros polarizados bloqueiam essa direção de oscilação e seu reflexo
associado.
Da
mesma forma, os elétrons liberados pelo processo de reionização dispersaram e
polarizaram os fótons da CMB.
Se
você pudesse olhar para a CMB com ou sem "óculos escuros"
polarizados, veria que parece ligeiramente diferente.
• Flutuações quânticas
Os
dois últimos parâmetros descrevem as origens das diminutas flutuações que deram
origem a toda a estrutura que observamos hoje no Universo.
Se
tivéssemos um modelo completo do Universo, que começasse com pequenas
flutuações quânticas e previsse com sucesso quais seriam as flutuações da
matéria em esferas com 25 milhões de anos-luz de diâmetro, poderíamos eliminar
um desses dois parâmetros.
Infelizmente,
embora tenhamos um esboço muito bem sucedido para entender como o Universo
evoluiu, ainda não conhecemos todas as conexões, por isso precisamos desse
parâmetro.
É
chamado de espectro de potência primordial e descreve as flutuações na
densidade do Universo no espaço tridimensional.
No
início do Universo, essas flutuações eram pequenas, mas à medida que o Universo
se expandiu, essas variações de densidade se tornaram grandes em todo o cosmos.
Onde
havia áreas ligeiramente mais densas no cosmos primordial, a matéria continuou
a se agrupar, e agora podemos ver galáxias ou aglomerados de galáxias; em
outras, onde havia menos densidade, não vemos quase nada.
O
parâmetro restante, chamado índice espectral escalar, é o mais difícil de
entender, mas também é nossa melhor janela para o nascimento do Universo.
Ele
nos diz como as flutuações primordiais, as pequenas variações de energia que
estavam presentes no Universo primitivo, dependem da escala angular.
Para
compreender isso melhor, vamos usar uma analogia musical.
Este
último parâmetro cosmológico nos permite distinguir entre "ruído
branco" e, digamos, "ruído rosa", em que as notas graves
(análogas às escalas angulares grandes) têm um volume maior do que as notas
agudas (análogas às escalas angulares pequenas).
Usando
a CMB, descobrimos que as flutuações primordiais eram ligeiramente maiores em
amplitude em escalas angulares grandes do que em escalas menores. Em outras
palavras, o ruído cósmico primordial é ligeiramente rosado.
Com
esses seis parâmetros, podemos calcular as características não apenas da CMB,
mas também de qualquer medição cosmológica que desejamos fazer.
Podemos,
por exemplo, calcular a idade do Universo: 13,8 bilhões de anos (pode haver uma
variação aproximada de 40 milhões de anos).
A
observação mais restritiva é a da anisotropia da CMB: as diminutas flutuações
da temperatura.
No
entanto, o modelo padrão da cosmologia é consistente com todas as medições de
todas as áreas da física e da astronomia.
Em
suma, não importa como olhamos para o cosmos — por meio de sondagens de
galáxias, de estrelas em explosão, da abundância de elementos de luz, das
velocidades das galáxias ou da CMB —, nós só precisamos de todos os seis
parâmetros explicados acima, e processos físicos conhecidos, para descrever o
Universo que observamos.
O
que significa ser capaz de descrever algo de forma tão simples e quantitativa?
Significa que entendemos como as peças do Universo se encaixam para formar o todo.
Entendemos algumas conexões profundas na natureza.
Isso
significa que se pode demonstrar que estamos errados, não com diferentes
argumentos, mas com um modelo quantitativo melhor que descreve mais aspectos da
natureza.
Há
poucos sistemas estudados por cientistas que podem ser descritos de forma tão
simples, completa e com tanta precisão. Temos sorte de o Universo observável
ser um deles.
Fonte:
Por Lyman Page, da BBC Science Focus
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