Na Bahia, construtora
que fez parceria com associação não entrega condomínio e PMs denunciam
O
que era para ser um sonho, acabou se tornando um pesadelo para um grupo de
pessoas que investiram, em 2018, em um empreendimento de uma construtora de
Feira de Santana. Previsto para entrega em 2023, o espaço, que devia abrigar
edifícios - e seus moradores - ainda é ocupado por um matagal, e o problema,
que envolve integrantes da Aspra (Associação de Policiais e Bombeiros e de Seus
Familiares do Estado da Bahia), não tem previsão para ser solucionado.
Em
conversa com o BNews, uma das vítimas, com o sonho da casa própria, relatou que
recebeu indicação do empreendimento, localizado na Rua Silveira Martins, que
prometia ser o “novo luxo no Cabula” e um “residencial diferenciado”.
O
condomínio, de nome Residencial Reserva Pelicano, contaria com piscina, garagem,
salão de festas, playground, churrasqueira, quadra poliesportiva, praças
verdes, área privativa e duas torres de morada, sendo um destinado ao público
geral e outro, apenas a integrantes da Aspra. As torres teriam 16 andares, cada
um com oito apartamentos.
“Trabalho
em um hospital e um colega meu, enfermeiro, me indicou o empreendimento. Um dos
aspectos pelo qual me interessei é porque tinha unidades destinadas aos
associados da Aspra”, afirmou Ana Cleide Pio, enfermeira de 38 anos, que
afirmou ter se sentido ‘mais segura’ em investir no imóvel ao saber que
integrantes da Aspra estavam ‘no mesmo barco’.
Ana
Cleide conta que não demorou muito para abrir as portas ao seu novo sonho.
Fechou com o empreendimento pelo valor de R$ 85 mil, sendo parcelas de R$ 750,
e valores de intermediárias por R$ 3.500. Segundo ela, a justificativa para o
baixo valor seria pelo fato de o apartamento ser entregue sem revestimentos e
pisos.
A
proposta era que a construção do condomínio se iniciasse em 2020 e fosse
entregue em 2023, mas nada foi feito desde então, e a vítima chegou a pagar, no
total, R$ 40 mil. Após dois anos de pagamento e nenhum sinal de início das
obras, o grupo de futuros moradores descobriram, por meio da própria
construtora, que eles ainda não possuíam alvará para iniciar a construção,
documento que não adquirido até este ano. Além disso, o empreendimento não
possuía registro de incorporação. Apesar de não ser obrigatório para a
construção de casas ou edifícios, é proibido vender unidades do empreendimento
antes da conclusão da obra sem que haja o registro.
Cleide
Ribeiro dos Santos, uma técnica de laboratório de 50 anos, foi outra vítima que
entrou em contato o BNews. Ela conta que ficou sabendo do empreendimento em
2018. Ela confirma que havia uma promessa de início das obras para 2020, no
entanto, alegaram, por um tempo, que a pandemia da Covid-19 atrapalhou o
processo.
“No
entanto, eles venderam o empreendimento sem alvará. Em 2021, eles tiveram
reunião em Salvador, disseram que o pagamento seria suspenso e só voltariam a
pagar quando as obras se iniciassem”, conta.
• Vítimas da Aspra
O
policial militar Adelmo Ferreira Braga foi mais uma das centenas de vítimas da
construtora. Ele conta ao BNews que, assim como os outros associados, conheceu
o empreendimento através da associação, por meio do presidente do grupo, o
deputado estadual Marcos Prisco. “Ele trouxe as informações aos associados e
disse que seria algo interessante, algo bom para nós”, contou.
Daí,
então, os associados se reuniram na Fundação Visconde de Cairu, onde foi
mostrada uma maquete e uma apresentação do que seria o empreendimento. A
unidade, assim, foi ofertada sob uma condição: a de que o grupo só poderia
adquirir o imóvel sendo integrante da associação por mais cinco anos. Caso se desvinculasse
da Aspra, sofreria uma correção monetária.
A
afirmação, inclusive, foi confirmada pelo coordenador jurídico da Aspra, Jeoás
Santos. “Tivemos a informação que a Empresa inseriu esta condição no contrato
para ter acesso ao benefício do desconto no valor do imóvel".
Assim
como no caso de Ana Cleide, Adelmo só soube que a empresa não possuía registro
de incorporação após pagar pelo empreendimento por dois anos. Ele chegou a
investir R$ 60 mil. “Eles deram entrada no alvará, mas nunca saiu. Eles tomaram
multa da Sucom (Superintendência de Controle e Ordenamento do Uso do Solo do
Município) porque estavam suprimindo vegetação sem alvará”, alegou o PM. A
informação porém, ainda não foi confirmada.
Apesar
da denúncia, o BNews entrou em contato com a Sedur (Secretaria Municipal de
Desenvolvimento e Urbanismo), mas a pasta sequer encontrou qualquer registro em
nome da construtora. Segundo Adelmo, chegou ao seu conhecimento que pelo menos
150 associados adquiriram o imóvel.
Outro
associado, um policial militar, denunciou o empreendimento ao BNews, e teceu
duras críticas à Aspra. “Próximo do início das obras houve alguns
questionamentos, esses que jamais foram respondidos concretamente, fazendo com
que levantasse suspeita do empreendimento”, inicia o PM.
“Um
grupo de seis pessoas, sendo policiais e pessoas comuns, se juntou e levantou
informações acerca do terreno que inicialmente estava em nome do Pelicano
Comércio de Combustíveis, e com uma ação judicial promovida pela Prefeitura de
Salvador, visto a inadimplência do IPTU (...) Mesmo indicando a Aspra que havia
falhas, ela se negou a iniciar uma ação em defesa dos seus associados. Existiam
outros problemas, como a falta de incorporação do terreno pela construtora e
venda casada, pois deveríamos permanecer associado a Aspra por cinco anos”,
declarou.
Em
um print de uma conversa por WhatsApp, o denunciante mostra que há um grupo de
pessoas que investiram no empreendimento, entre moradores gerais e integrantes
da Aspra. No diálogo, eles lamentam a situação.
“Só
comprei em confiança na Aspra e, sobretudo, com a credibilidade de Prisco. Mas
não posso ficar sem meu dinheiro. São mais de R$ 55 mil lá”, diz um dos membros
do grupo. “Decepção é a palavra que define tudo isso”, diz outra pessoa.
• Advogado das vítimas
Ao
BNews, o advogado que representa as vítimas da construtora, Caio Ocké, observou
problemas no contrato do empreendimento. Entre eles, o fato de que uma pessoa
menor de idade era uma das responsáveis pelo documento, junto a uma mulher.
Além disso, Ocké declarou que erros de português foram encontrados no
contrato.
• Marcos Prisco e a construtora
Diante
do desespero pela falta de informações sobre a construtora, um dos integrantes
da Aspra, não identificado, pediu para que a associação o ajudasse a entrar com
uma ação judicial contra a empresa, no entanto, de acordo com o militar, o
suporte foi negado.
Em
áudio enviado pelo denunciante, é possível ouvir o presidente da Aspra
supostamente negando o pedido. “A Aspra não vai entrar com ação contra a FNR no
momento. A Aspra não entende que está havendo quebra de contrato ou erro da
FNR, quando isso a Aspra entender, tenha certeza de que a Aspra não vai
precisar consultar você para fazer isso. A Aspra vai tomar as providências como
sempre tomou, mas se você quiser entrar [com ação judicial contra a
construtora], você vai contratar um advogado por fora, é um direito seu",
teria cravado Prisco em 2020.
Em
vídeo divulgado entre os integrantes da Aspra, Prisco, ao lado de um dos sócios
do empreendimento, Raphael Franco Torres, também garante que o condomínio será
entregue aos seus associados.
"Todos
os dias a gente está correndo atrás para resolver a situação, nós damos a
garantia que o empreendimento vai ser entregue na data que está no contrato,
houve atraso no início da obra, mas não vai atrapalhar em nada na data da
entrega e tudo aquilo pelo que vocês pagaram vocês vão ter direito a receber”,
declara na filmagem, que segundo o denunciante, foi feita em 2021.
Além
disso, o deputado afirma que “os trâmites com a Sedur estão praticamente
resolvidos e, nessa semana, na outra, ou na próxima, com certeza já estamos com
alvará e a gente inicia a obra". Ao lado dele, o sócio confirma as
promessas e alega que “tudo vai ser resolvido nos próximos dias”.
• Defesa da FNR Construtora
Ao
BNews, o advogado da FNR Construtora, Leonardo Guimarães, alega que as
acusações feitas pelas vítimas e pela Aspra “não representam a verdade”.
“A
empresa enfrenta dificuldades com a liberação do alvará na Prefeitura de
Salvador. Toda a documentação e as adequações foram feitas, mas o processo
segue em curso, aguardando liberação para o início das obras. Com relação aos
distratos, todos que procuram e aceitaram os termos foram atendidos, inclusive
boa parte já recebeu integralmente”, ele declara.
Ao
BNews, a Sedur confirmou que, de fato, há uma solicitação de alvará, que foi
feita em 2020, e está tramitando no órgão.
Apesar
de algumas vítimas alegarem não conseguir contato com a construtora, a defesa
diz que as acusações são mentirosas e diz: “eu mesmo já atendi, e atendo,
várias pessoas. (...) todos os interessados terão os pedidos de distratos
atendidos, sem prejuízo do início das obras, assim que deferido o alvará de
construção”.
• Defesa da Aspra
O
BNews também procurou a defesa da Aspra, que declarou ter sido pega de surpresa
da mesma forma que seus associados.
“Nos
causou surpresa eles não terem autorização pra construírem o empreendimento,
nós, inclusive, estivemos com eles para adiantar esse processo. Para acelerar,
nós tentamos ajudar, estivemos várias vezes na secretaria responsável pra
emissão do alvará, conversamos com o sub-secretário, a equipe técnica da
Prefeitura, na tentativa de tentar de alguma forma diminuir os danos que
estavam sendo causados”, alega Jeoás Santos, coordenador jurídico da Aspra.
"Nós
chegamos a um ponto que não tinha mais como tomar alguma providência, nós
fizemos um comunicado à empresa, oficialmente, da necessidade de mudar aquela
relação contratual com os associados e, naquele momento, nós conseguimos a
suspensão do pagamento das parcelas”, explica.
Jeoás
ainda conta que a construtora queria cobrar multa pela quebra de contrato, no
entanto, conseguiu reverter a exigência, fazendo com que houvesse um acordo de
devolver os valores para os adquirentes do imóvel sem qualquer multa. O valor,
de fato, começou a ser devolvido para os que solicitavam a devolução, e ocorria
de forma parcelada, ou seja, quem pagava o empreendimento em parcelas de 20
vezes, por exemplo, tinha o valor devolvido em 20 parcelas.
A
devolução, no entanto, começou a atrasar. Mais um problema que ficou nas costas
da Aspra, que iniciou uma ação coletiva contra a construtora.
“Diante
de todas as dificuldades, atrasos que eles começaram a fazer no distrato, nós
ingressamos com ação coletiva em nome de todos os associados, requerendo que
todos eles fossem ressarcidos de forma integral e imediata, não parcelada, e
solicitamos que fosse pago o dano moral a todos os nossos associados que
participaram. Temos até hoje grande dificuldade de identificar quem são esses
associados, porque fizemos um chamamento dos que adquiriram o empreendimento
para uma reunião aqui na Aspra, mas nem todos apareceram. Fizemos um ofício
requerendo informação da empresa de quantos e quais teriam sido os associados
que teriam adquirido, porque a gente não tinha esse controle, tudo era feito
com a empresa”, diz o advogado.
Questionado
o porquê de terem negado suporte judicial aos associados anteriormente, Jeoás
explica que, em primeiro momento, preferiam resolver os problemas
administrativamente.
“Se
a gente entra com ação direta e não houve tentativa de resolver o problema, a
gente não oportuniza a empresa de resolver administrativamente, então nós
tentamos de todas as maneiras resolver com a empresa”, argumenta, completando
que também estão ajudando os associados que desejam entrar com ação judicial
individual.
Sobre
o vídeo realizado por Prisco junto ao sócio do empreendimento, o coordenador
jurídico declarou que o presidente da Aspra apenas estava “contribuindo para
que o empreendimento fosse realizado. Ele estava garantindo, ali, que estava
fazendo sua parte”. Ele ainda explica que a filmagem foi feita logo após uma
reunião ocorrida com o objetivo de tratar sobre o alvará e o registro de
incorporação.
"Somos
vítimas da mesma forma que nossos associados, demos um crédito pra uma empresa
que parecia ser idônea, com projeto viável (...) achamos que a empresa tinha
boa fé e ofertamos a nossa ‘carteira de cliente’ para o empreendimento
entendendo essa boa fé da empresa”, finalizou.
Fonte:
BNews
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