sexta-feira, 20 de setembro de 2024

'Explosão de pagers é triunfo tático para Israel, mas não derrota Hezbollah'

Israel obteve um triunfo tático significativo no ataque contra o Hezbollah com pagers que explodiram na terça-feira (17/9) no Líbano — o tipo de golpe espetacular que você veria em um filme de ação e suspense.

Pelo menos 12 pessoas, incluindo duas crianças, morreram e cerca de 2,8 mil ficaram feridas, depois que pagers usados ​​pelo grupo para se comunicar explodiram quase simultaneamente em todo o país.

Sem dúvida, é uma humilhação para o Hezbollah, que vai aumentar sua insegurança e afetar seu moral.

No entanto, há uma desvantagem estratégica potencialmente grave para Israel, porque embora o ataque possa humilhar a poderosa milícia e movimento político libanês, não detém o grupo.

Além disso, não chega perto do objetivo estratégico de Israel de interromper os ataques do Hezbollah, e permitir que os mais de 60 mil israelenses da fronteira ao norte do país, que estão desalojados há quase um ano, voltem para casa.

Os israelenses usaram uma arma importante e audaciosa, que é claramente muito eficaz nos termos deles.

Mas reportagens do Al Monitor, uma respeitada newsletter do Oriente Médio, dizem que eles não conseguiram usá-la da maneira que esperavam.

O plano original, segundo a newsletter, era que Israel continuasse lançando ataques devastadores, enquanto o Hezbollah ainda estava se recuperando. O ataque com pagers, dizem as reportagens, deveria ser o primeiro passo de uma grande escalada — como parte de uma ofensiva ou talvez uma invasão no sul do Líbano.

Mas estas mesmas reportagens afirmam que o Hezbollah estava ficando desconfiado, forçando Israel a lançar este ataque antes do planejado.

Os israelenses mostraram, portanto, que são capazes de entrar na rede de comunicação do Hezbollah e que podem humilhá-lo — mas este ataque não afasta a região um centímetro sequer da guerra total. Em vez disso, ele a aproxima ainda mais.

Tudo no momento, em termos de redução da escalada da tensão no Oriente Médio, depende de Gaza.

Enquanto esta guerra continuar — seja por meio do conflito com o Líbano, dos ataques dos houthis no Mar Vermelho ou das tensões com o Iraque —, nada vai apaziguar.

O enviado dos EUA ao Líbano, Amos Hochstein, vem trabalhando assiduamente há meses, conversando com os libaneses e, indiretamente, com o Hezbollah e com os israelenses, para tentar encontrar uma maneira de diminuir a escalada diplomaticamente. E, segundo consta, os israelenses não contaram aos EUA sobre o que fariam com este plano até o último momento — então, isso também não vai ajudar em seus esforços.

As previsões americanas de que um cessar-fogo em Gaza está próximo esbarraram novamente em dois obstáculos aparentemente intransponíveis.

Um deles é o líder do HamasYahya Sinwar, que quer Israel fora da Faixa de Gaza permanentemente, além de uma grande libertação de prisioneiros palestinos em troca dos reféns israelenses remanescentes em Gaza.

O outro é o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, que insiste na ideia de que Israel pode e vai obter uma vitória total sobre o Hamas.

O consenso em Israel é de que o país se beneficia ao prolongar a guerra, apesar da pressão das famílias dos reféns e de seus apoiadores por um acordo para que eles voltem para casa.

Os aliados ultranacionalistas do primeiro-ministro que fazem parte da sua coalizão também ameaçaram derrubar o governo se ele fizer um acordo.

Israel e seus aliados insistem que levar a guerra a seus inimigos de longa data do Hezbollah libanês é um ato totalmente legítimo de autodefesa.

Mais uma vez, no entanto, há importantes perguntas sem resposta sobre a forma como um ataque israelense feriu e matou civis que estavam presentes.

Imagens de câmeras de segurança mostram um pager explodindo em um mercado lotado, enquanto o dono do dispositivo comprava comida. Há relatos no Líbano de que uma jovem foi morta quando o pager do seu pai explodiu.

O Hezbollah está se recuperando do ataque, mas rapidamente vai se recompor como organização e vai encontrar outra maneira de se comunicar. O Líbano é um país pequeno, e as mensagens podem ser facilmente transmitidas de forma manual.

Sem dúvida, o Hezbollah e seus aliados no Irã, cujo embaixador em Beirute foi ferido no ataque, estão lambendo suas feridas agora.

Mas, mais uma vez, a região foi empurrada para a beira de uma guerra total.

Mais cedo ou mais tarde, se isso continuar, eles vão cair do penhasco.

¨      Explosões coordenadas em pagers surpreendem e abalam o Hezbollah

Todos os caminhos sobre a autoria das explosões de milhares de pagers no Líbano levam a Israel e indicam um recado severo do governo ao Hezbollah — o de que o conflito deve mudar de patamar e ultrapassar as hostilidades diárias que se estendem há 11 meses na fronteira Norte do país. A sofisticação do ataque surpreendeu e baratinou o grupo libanês, semeando o caos nas áreas em que opera.

Não por acaso, as explosões ocorreram poucas horas depois que o Gabinete do premiê Benjamin Netanyahu aprovou que o retorno seguro de 60 mil moradores do Norte seria incluído como objetivo da guerra em andamento com o Hamas e o Hezbollah.

Desde então, por segurança, esses residentes foram deslocados para outras regiões do país e pressionam o governo por uma solução, que agora se tornou prioridade. Nas palavras do ministro da Defesa, Yoav Gallant, que enfrenta a ameaça de demissão, a única forma de permitir que os moradores retornem às suas casas é “por meio da ação militar”.

O ensaio se deu nesta terça-feira (17), quando, numa operação cinematográfica atribuída ao Mossad, os dispositivos eletrônicos começaram a explodir de forma coordenada no Líbano e em partes da Síria, matando nove pessoas e ferindo mais de 3 mil, entre eles o embaixador do Irã em Beirute, Mojtaba Amini.

Ainda é cedo para saber as condições em que o plano foi posto em prática — se por interceptação e sabotagem dos pagers na cadeia de suprimentos ou se por hackers. Restam poucas dúvidas, porém, de que abalou o prestígio do líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, de quem partiu a ordem a seus militantes para abandonar o uso de celulares e aderir a um dispositivo arcaico e em desuso.

Os pagers facilitariam a comunicação da liderança e seus combatentes e evitariam o rastreio pelos serviços de inteligência israelenses. A tática, contudo, se mostrou fracassada, à medida que as explosões simultâneas feriam gravemente seus usuários nos olhos, braços e pernas.

Conforme analisou a diretora do Carnegie Middle East Center, Maha Yahya, na CNN, no último ano, o Hezbollah levou uma surra, perdendo 450 membros e sofrendo dados significativos. “O grupo está preso entre a cruz e a espada e perdeu muito de sua dissuasão”, avaliou.

Agora é esperar pela resposta do grupo, patrocinado pelo Irã. Nos últimos dias, o governo israelense fez saber a intenção de mudar a estratégia na fronteira libanesa e adotar uma posição mais ofensiva em relação ao Hezbollah. Com este ataque inédito, Israel se antecipou e atiçou mais combustível ao conflito no Norte, que se alastra paralelamente à guerra de Gaza.

 

¨      Os indícios de que o Mossad teria plantado os explosivos nos pagers do Hezbollah

Diversos órgãos de imprensa noticiaram nesta quarta-feira (18/9) que o ataque realizado na véspera contra o Hezbollah no Líbano com pagers que explodiram foi planejado e executado pela agência de espionagem de Israel, o Mossad.

Segundo a Reuters, uma fonte de alto escalão de segurança do Líbano e outra fonte disseram que explosivos foram plantados em 5 mil pagers fabricados em Taiwan e que foram comprados pelo Hezbollah.

Fontes dos Estados Unidos e de Israel disseram aos veículos Axios e Al-Monitor que os explosivos foram detonados antes do planejado — depois que o Hezbollah descobriu o plano. A fonte disse que o plano original é que esse ataque com pagers fosse o primeiro passo em uma ofensiva de maior escala.

O correspondente de segurança da BBC News, Frank Gardner, disse que "todos os sinais apontam para o Mossad".

Segundo ele, especialistas forenses estão analisando pagers que não explodiram em busca de sinais.

"O rastro da investigação envolve seis lugares, ou talvez até mais", diz Gardner.

Os pagers explodiram em dois países: Líbano e Síria. O Irã — país que apoia o Hezbollah financeiramente — teve seu embaixador em Beirute ferido nas explosões.

Taiwan é apontado como a origem dos pagers, já que eles tinham o logo de uma empresa taiwanesa chamada Gold Apollo. Mas a empresa diz que os pagers foram fabricados na Hungria.

"E por fim há Israel, o país cuja agência de inteligência externa provavelmente sabe exatamente como tudo isso aconteceu", diz Gardner.

Israel não comentou o ataque. Segundo o repórter da BBC, nenhum outro país tem a capacidade técnica e a intenção de infligir um dano ao Hezbollah.

Além disso, Israel teria um histórico. Em 1996, a agência de inteligência interna, Shin Bet, assassinou um fabricante de bombas do Hamas, Yahya Avyash, sabotando seu telefone celular, que explodiu.

Tanto o Hezbollah quanto o primeiro-ministro do Líbano, Najib Mikati, atribuíram o ataque a Israel. O Exército israelense não quis comentar o assunto.

O embaixador iraniano em Beirute estava entre os feridos. A sua esposa disse que ele passa bem.

A explosão dos pagers usados pelo Hezbollah deixou ao menos 12 pessoas mortas e milhares de feridos, informou o Ministério da Saúde do país.

O Hezbollah afirmou que oito membros do grupo foram mortos nos ataques. Além deles, morreu também uma menina em meio às ocorrências.

·        O que são pagers?

Os pagers — ou "bipes" como eram conhecidos no Brasil — são uma tecnologia relativamente esquecida nos dias de hoje, mas voltou ao noticiário após os ataques de terça-feira.

Antes do amplo uso de telefones celulares a partir da década de 2000, os aparelhos eram muito usados por pessoas como médicos, que precisavam receber mensagens a qualquer momento. O pequeno aparelho, do tamanho de um maço de cigarros, costumava ser portado em cintos.

Eles eram acionados por transmissores de alta potência — ou seja, não dependiam de muitos transmissores espalhados pelas cidades, ao contrário do que acontece com telefones celulares.

Ao receber uma certa frequência, os pagers disparam um som e exibem uma curta mensagem de texto — e o dono do aparelho busca um telefone para ligar para uma central de mensagens ou se deslocar para um determinado local.

O Hezbollah estaria usando pagers para evitar telefones celulares, já que pagers não são localizados por GPS ou qualquer outro meio.

Fontes disseram à Reuters que o Hezbollah suspeitava desde o ano passado que Israel estava rastreando seus celulares.

Em fevereiro, combatentes do grupo libanês foram proibidos de usar telefones durante operações.

Altas autoridades do Hezbollah evitavam portar o aparelho em reuniões. Um líder disse que os telefones eram mais perigosos que espiões israelenses.

Em discurso televisionado, o líder Hassan Nasrallah pediu que seus apoiadores quebrassem, enterrassem ou trancassem em um cofre seus celulares.

O grupo optou então por usar pagers. Mas o especialista em segurança Joseph Steinberg disse à Reuters que o Hezbollah deixou claro demais sua política contra celulares.

"O Hezbollah anunciou para o mundo todo que estava rebaixando seus celulares para pagers", disse. "Você está contando para seus adversários, que são muitos no caso do Hezbollah, que tipo de tecnologia você está procurando comprar."

 

Fonte: BBC News/g1

 

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