Sala no Planalto
sobre os povos indígenas enfim sai do controle militar do GSI
A
“Sala de Situação Nacional” (SSN) sobre os povos indígenas no país, criada no
Palácio do Planalto durante o governo de Jair Bolsonaro e desde então entregue
à coordenação de militares do GSI (Gabinete de Segurança Institucional),
passará, quatro meses depois da posse de Luiz Inácio Lula da Silva, ao controle
civil no MPI (Ministério dos Povos Indígenas). A decisão foi tomada duas
semanas atrás, portanto antes e sem relação com a exoneração do ministro do
GSI, o general Gonçalves Dias, após a divulgação de vídeos da tentativa
golpista de 8 de janeiro.
As
reuniões quinzenais da SSN ficarão agora sob a coordenação da antropóloga
Beatriz de Almeida Matos, que no governo Lula foi nomeada pela ministra Sonia
Guajajara no cargo de diretora do Departamento de Proteção Territorial e de
Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato do MPI. Ela é professora da
Faculdade de Ciências Sociais e da pós-graduação em Antropologia pela UFPA
(Universidade Federal do Pará) e pesquisadora de campo na Terra Indígena Vale
do Javari, no Amazonas. Naquela região, seu marido, o indigenista Bruno
Pereira, e o jornalista Dom Phillips foram assassinados em junho de 2022.
Desde
a posse de Lula, para desconforto dos indígenas e indigenistas que participam
do grupo, as reuniões da SSN continuaram sendo coordenadas pelos mesmos
militares indicados durante a gestão de Augusto Heleno. A Agência Pública revelou o problema em
fevereiro, mas as quatro reuniões que ocorreram nos dois meses seguintes
continuaram sob a coordenação dos mesmos militares.
O
coordenador jurídico da APIB, Maurício Terena, disse à Pública em fevereiro: “A gente
esperava que [após a posse de Lula] aqueles militares não mais estariam ali. E
eles permanecem. É uma situação que de fato constrange. É um resquício. A
imagem deles representa aquele momento tão trágico que a gente viveu”. A SSN
era coordenada desde 2021 por um coronel da FAB (Força Aérea Brasileira), Ivan
Lucas Karpischin, auxiliado por um tenente-coronel do Exército, Ricardo da
Silva Vieira.
Desde
fevereiro, a Pública procurou
duas vezes o Palácio do Planalto, via Secom (Secretaria de Comunicação), para
saber os motivos da decisão de continuar militarizando uma área do governo de
alto interesse dos povos indígenas. Em ambas as vezes, a Presidência nada
respondeu. A transferência da SSN para o Ministério dos Povos Indígenas não foi
informada pela Secom.
A
saída dos militares e a transferência ao MPI foram comunicadas aos
participantes da mais recente reunião da SSN, realizada no último dia 14.
Conforme a ata da reunião daquele dia, entregue pela AGU (Advocacia Geral da
União) ao STF no último dia 20, a antropóloga Beatriz Matos ressaltou, como
representante do MPI, “a importância do protagonismo do MPI para a participação
dos povos indígenas nas questões afetas aos seus interesses”. Ela também
“destacou a disponibilidade do GSI com relação à troca de informações que visam
à transição”. Informou ainda que na “semana seguinte devem ocorrer reuniões
para discutir a ordem de prioridade das TIs [terras indígenas] a serem tratadas
no âmbito da SSN”.
·
Sala foi criada sob pressão do STF
A
SSN também mudará de endereço, saindo de uma sala do GSI no Planalto para o
ministério de Sonia Guajajara. O aparato foi criado em 2020 pelo então ministro
Augusto Heleno sob pressão de decisões do ministro no STF (Supremo Tribunal
Federal) Luís Roberto Barroso ao longo da sua relatoria na ADPF (Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental) número 709. A ação foi ajuizada pela
APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) e partidos de oposição ao
governo Bolsonaro frente à denunciada omissão do governo federal na condução de
políticas de proteção dos povos indígenas durante o enfrentamento à pandemia da
Covid-19. Com o passar do tempo, a SSN também foi instada pelo STF, a pedido
dos indígenas, a monitorar e fazer cumprir as determinações do tribunal sobre
sete terras indígenas invadidas por garimpeiros, madeireiros, caçadores e todo
tipo de intrusos ilegais no país. Invasões que aumentaram e bateram recordes
durante o governo Bolsonaro.
Acolhendo
a manifestação dos indígenas, que mostravam várias divergências entre a
realidade observada nas aldeias e o que o governo Bolsonaro dizia nos autos da
APDF 709, Barroso determinou que o Executivo criasse um ambiente de diálogo
entre governo e indígenas e incluísse integrantes de outros órgãos afetos ao
tema.
O
papel dos militares do GSI era coordenar os encontros, dos quais também
participam representantes da DPU (Defensoria Pública), do MPF (Ministério
Público Federal), de organizações não governamentais e outros ministérios, como
Saúde e Justiça.
A
instalação da SSN demonstrou a incapacidade de o governo promover, por conta
própria, políticas públicas corretas e revelava a desconfiança do STF sobre o
Executivo. Na época, o militar Augusto Heleno fez ataques públicos ao movimento
indígena. Em setembro de 2020 (a ADPF foi ajuizada em junho daquele ano), o
ministro acusou, em tom conspiratório, por meio de postagens no Twitter, a APIB
de “estar por trás” de uma campanha publicitária que naquela época denunciava a
(real) destruição da Amazônia. Heleno disse que os objetivos eram “publicar
fake news contra o Brasil” e “manchar a nossa imagem no exterior, em um crime
de lesa-pátria”. Heleno escreveu ainda que Sonia Guajajara, então coordenadora
da APIB e hoje ministra dos Povos Indígenas, era “ligada ao ator Leonardo Di
Caprio, crítico ferrenho do nosso país”. O astro de Hollywood é um defensor da
Floresta Amazônica e dos indígenas brasileiros.
Em
reação a essas acusações, a APIB e Sonia Guajajara protocolaram no STF uma
queixa-crime contra Augusto Heleno por difamação, ou seja, imputar a alguém
“fato ofensivo à sua reputação”. A APIB e Sonia apontaram que Heleno “tem pleno
direito a opiniões; mas não tem direito de imputar fatos inverídicos contra as
querelantes [Sonia e APIB], notadamente ao afirmar que têm por objetivo (i)
publicar fake news contra o Brasil; (ii) imputar crimes ambientais ao
presidente; e (iii) apoiar campanhas internacionais de boicote a produtos
brasileiros. Todas essas atividades são, além de direta e simplesmente
mentirosas, muito nocivas à honra objetiva das querelantes que se dedicam à
proteção dos direitos dos povos indígenas, incluindo o direito a um meio
ambiente preservado e sustentável”.
Em
março de 2021, Heleno argumentou ao STF que as suas publicações no Twitter “são
desprovidas da mais comezinha pretensão de atingir a honra pessoal das
querelantes”. “Trata-se de mera manifestação de desapreço da autoridade máxima
da segurança institucional do País, [sic] contra as condutas das querelantes”,
alegou o general. O procurador-geral da República, Augusto Aras, que foi
nomeado duas vezes por Jair Bolsonaro para o cargo, pediu ao STF o arquivamento
da queixa-crime, citando a “extinção da punibilidade pela decadência (que
inviabiliza a emenda à inicial), seja em razão da atipicidade das condutas
atribuídas ao querelado [Heleno]”. Aras disse que as publicações de Heleno no
Twitter não tiveram “intenção difamatória”.
O
ministro relator no STF, Dias Toffoli, acolheu os argumentos de Heleno e de
Aras e decidiu, em setembro de 2022, pelo arquivamento da ação.
Ø
MP
do Ouro acaba com comércio na base da 'boa-fé'; confira 5 pontos
O
Ministro da Justiça , Flavio Dino, assinou a medida provisória conhecida como
'MP do Ouro', que endurece as regras de compra e venda de ouro no Brasil, além
de alterações nas normas para transporte do ouro extraído.
A
Medida Provisória, após assinada pela Casa Civil, seguirá para o presidente
Lula e, assinada, será encaminhada para o Congresso Nacional.
O
blog obteve com exclusividade os cinco principais pontos da MP do Ouro:
• Aperfeiçoamento do controle pelo sistema
financeiro;
• Controle pela Agência Nacional de
Mineração;
• Controle pelos órgãos de segurança e de
lavagem de dinheiro;
• Previsão de pena de apreensão e
perdimento em favor da União para o ouro que circular fora dessas regras;
• Fim da presunção de boa-fé e
possibilidade de responsabilização de elos da cadeia de compra e venda de ouro
(dever de comprovação de onde vem a produção do ouro proveniente dos garimpos).
A
decisão da MP vem meses depois de o governo Lula declarar emergência em saúde
na Terra Indígena Yanomami, onde o garimpo provocou uma crise sanitária e
humanitária que, nos últimos quatro anos, vitimou mais de 500 crianças
indígenas.
O
foco da MP, segundo o Ministério da Justiça, é o estrangulamento das atividades
que esquentam o ouro ilegal extraído de territórios indígenas e das unidades de
conservação, além da eliminação das “brechas legislativas utilizadas para
burlar o controle de fiscalização do governo sobre a cadeia do ouro".
“Hoje,
no Brasil, há menos controle sobre o ouro do que sobre a madeira ou sobre a
carne. Com a medida provisória apresentada e já pactuada com todos os órgãos do
governo, o indivíduo que for vender o ouro terá uma série de mecanismos de
regulação”, afirma o secretário Marivaldo Pereira.
• “Boa fé”
A
facilidade com o que o ouro ilegal é esquentado no Brasil se deve, além de
frágeis mecanismos de fiscalização e controle, a uma legislação bastante
permissiva.
Uma
lei sancionada em 2013 permite que o ouro extraído do garimpo (em tese, legal,
ou seja, autorizado pela Agência Nacional de Mineração) seja comercializado
apenas com base nas informações oferecidas pelos próprios vendedores, sob a
presunção de “boa-fé”.
Segundo
a lei, "presumem-se a legalidade do ouro adquirido e a boa-fé da pessoa
jurídica adquirente" quando as informações prestadas pelo vendedor
“estiverem devidamente arquivadas na sede da instituição legalmente autorizada
a realizar a compra de ouro”. A Medida Provisória acaba com essa regra.
• Nota fiscal eletrônica
Um
dos pontos principais pontos da medida, que aperfeiçoa o controle pelo sistema
financeiro, inclui a exigência de nota fiscal eletrônica para compra e venda;
que a primeira venda do ouro extraído do garimpo seja por meio de entidades
autorizadas pela Banco Central (Bacen); e que a aquisição do ouro ocorra
somente por meio de transferência bancária.
No
fim de março, a Receita já havia instituído a obrigatoriedade do uso de notas
fiscais eletrônicas nas transações de compra e venda de ouro por companhias que
comercializam o minério como ativo financeiro ou instrumento cambial.
Até
a determinação da Receita, o ouro extraído pelo garimpo ilegal -- seja da Terra
Indígena Yanomami ou de outras áreas protegidas no país -- era comercializado
com notas fiscais em papel, praticamente inviabilizando o rastreio e o controle
por parte das autoridades.
Ou
seja, para fraudar uma transação bastava possuir, como explica o Ministério
Público Federal no Pará, "dois itens vendidos em papelarias: uma caneta e
uma nota fiscal avulsa”. Depois disso, era só inserir dados falsos no
documento.
• PF mira grupo suspeito de movimentar
mais de R$ 30 milhões com compra e venda de ouro ilegal da Terra Yanomami
A
Polícia Federal deflagrou na manhã desta terça-feira (25) a operação Ponte de
Ouro, com o objetivo de investigar suspeitos intermediar a compra de ouro
extraído ilegalmente da Terra Indígena Yanomami (TIY).
São
cumpridos 8 mandados de busca e apreensão, além do bloqueio de bens, expedidos
pela 4ª Vara Federal Criminal da Justiça Federal em Roraima.
As
investigações tiveram início após garimpeiros ilegais terem sido presos pelo
exército em 2020 na TIY e conduzidos à PF, quando informaram para quem vendiam
o ouro extraído ilicitamente da área.
O
inquérito policial aponta que o grupo teria movimentado mais de R$ 30 milhões
em 4 anos, e, através de empresas de fachada ou com atividades regulares sem
relação com a mineração, receberiam valores de diversos estados do país.
Nova lei da União Europeia tornará ainda
mais urgente o combate ao desmatamento
Em
dezembro de 2018, antes da posse de Jair Bolsonaro na Presidência, diversos
exportadores fizeram chegar a ele sua preocupação com ameaças europeias de
boicote a produtos agrícolas brasileiros por causa do avanço do desmatamento na
Amazônia. Não foram ouvidos, a devastação quebrou recordes sucessivos — e
Bolsonaro não se reelegeu. Agora o governo Luiz Inácio Lula da Silva terá de
lidar com as consequências.
O
Parlamento Europeu aprovou na quarta-feira o veto à importação de produtos de
áreas desmatadas ilegalmente a partir de 31 de dezembro de 2020, abrangendo a
maior parte do governo Bolsonaro.
CONFIRA
A LISTA
Estão
na mira dos legisladores europeus carne, soja, madeira, óleos de palma e soja,
borracha e produtos derivados como couro, móveis e chocolate. Os 27 países do
bloco europeu terão de cobrar certificados de origem dos produtos
principalmente de Brasil, Indonésia, Malásia, Nigéria, República Democrática do
Congo, Etiópia, México e Guatemala.
Errou
quem imaginava que as ameaças de boicote em nome da preservação ambiental e do
combate ao aquecimento global demorariam a se converter em ações concretas.
Com
a aprovação da retaliação contra o desmatamento, a medida passará pelo Conselho
Europeu, será publicada no Diário Oficial do bloco, e 20 dias depois começará a
contar o prazo de 18 meses para a UE erguer a barreira contra produtos de zonas
de desflorestamento ilegal. A previsão é que, no segundo semestre do ano que vem,
entre em vigor a Lei de Produtos Livres de Desmatamento.
OPERAÇÃO
RESGATE
O
governo brasileiro precisa mobilizar não apenas o Ministério da Agricultura,
mas também o Itamaraty para prestar auxílio aos exportadores agrícolas.
A
nova lei é uma vitória do forte lobby dos pequenos produtores rurais europeus,
que também rejeitam o acordo comercial Mercosul-UE, por não serem capazes de
resistir à concorrência de Brasil e Argentina.
Com
base nela, tentarão barrar importações de alimentos brasileiros. O contencioso
diplomático com a Europa também sofrerá as consequências das declarações
desastradas de Lula sobre a guerra na Ucrânia.
PROTECIONISMO
Embora
a legislação europeia tenha um teor protecionista, suas exigências oferecem uma
oportunidade para o Brasil institucionalizar o combate ao desmatamento ilegal.
É conhecido o modelo predatório com que o Brasil tem transformado bordas da
Amazônia em áreas produtivas. Primeiro, vem a motosserra, depois o gado, por
fim campos de soja.
Há
vários anos, porém, produtores rurais dispõem de técnicas para aumentar a
produtividade sem derrubar a floresta. Há também tecnologia para rastreamento
dos produtos oriundos de áreas livres de desmatamento. Precisam ser ampliadas
as experiências bem-sucedidas de certificação de carne para exportação.
Outro
trabalho fundamental é a reativação da fiscalização do Ministério do Meio
Ambiente, esvaziada na gestão Bolsonaro, para punir os produtores rurais que
trabalham na ilegalidade. Evitar a destruição da Amazônia, do Cerrado ou da
Mata Atlântica precisa ser uma política de Estado.
Fonte:
Por Rubens Valente, da Agência Pública/g1
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