quarta-feira, 26 de abril de 2023

Sala no Planalto sobre os povos indígenas enfim sai do controle militar do GSI

A “Sala de Situação Nacional” (SSN) sobre os povos indígenas no país, criada no Palácio do Planalto durante o governo de Jair Bolsonaro e desde então entregue à coordenação de militares do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), passará, quatro meses depois da posse de Luiz Inácio Lula da Silva, ao controle civil no MPI (Ministério dos Povos Indígenas). A decisão foi tomada duas semanas atrás, portanto antes e sem relação com a exoneração do ministro do GSI, o general Gonçalves Dias, após a divulgação de vídeos da tentativa golpista de 8 de janeiro.

As reuniões quinzenais da SSN ficarão agora sob a coordenação da antropóloga Beatriz de Almeida Matos, que no governo Lula foi nomeada pela ministra Sonia Guajajara no cargo de diretora do Departamento de Proteção Territorial e de Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato do MPI. Ela é professora da Faculdade de Ciências Sociais e da pós-graduação em Antropologia pela UFPA (Universidade Federal do Pará) e pesquisadora de campo na Terra Indígena Vale do Javari, no Amazonas. Naquela região, seu marido, o indigenista Bruno Pereira, e o jornalista Dom Phillips foram assassinados em junho de 2022.

Desde a posse de Lula, para desconforto dos indígenas e indigenistas que participam do grupo, as reuniões da SSN continuaram sendo coordenadas pelos mesmos militares indicados durante a gestão de Augusto Heleno. A Agência Pública revelou o problema em fevereiro, mas as quatro reuniões que ocorreram nos dois meses seguintes continuaram sob a coordenação dos mesmos militares.

O coordenador jurídico da APIB, Maurício Terena, disse à Pública em fevereiro: “A gente esperava que [após a posse de Lula] aqueles militares não mais estariam ali. E eles permanecem. É uma situação que de fato constrange. É um resquício. A imagem deles representa aquele momento tão trágico que a gente viveu”. A SSN era coordenada desde 2021 por um coronel da FAB (Força Aérea Brasileira), Ivan Lucas Karpischin, auxiliado por um tenente-coronel do Exército, Ricardo da Silva Vieira.

Desde fevereiro, a Pública procurou duas vezes o Palácio do Planalto, via Secom (Secretaria de Comunicação), para saber os motivos da decisão de continuar militarizando uma área do governo de alto interesse dos povos indígenas. Em ambas as vezes, a Presidência nada respondeu. A transferência da SSN para o Ministério dos Povos Indígenas não foi informada pela Secom.

A saída dos militares e a transferência ao MPI foram comunicadas aos participantes da mais recente reunião da SSN, realizada no último dia 14. Conforme a ata da reunião daquele dia, entregue pela AGU (Advocacia Geral da União) ao STF no último dia 20, a antropóloga Beatriz Matos ressaltou, como representante do MPI, “a importância do protagonismo do MPI para a participação dos povos indígenas nas questões afetas aos seus interesses”. Ela também “destacou a disponibilidade do GSI com relação à troca de informações que visam à transição”. Informou ainda que na “semana seguinte devem ocorrer reuniões para discutir a ordem de prioridade das TIs [terras indígenas] a serem tratadas no âmbito da SSN”.

·         Sala foi criada sob pressão do STF

A SSN também mudará de endereço, saindo de uma sala do GSI no Planalto para o ministério de Sonia Guajajara. O aparato foi criado em 2020 pelo então ministro Augusto Heleno sob pressão de decisões do ministro no STF (Supremo Tribunal Federal) Luís Roberto Barroso ao longo da sua relatoria na ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) número 709. A ação foi ajuizada pela APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) e partidos de oposição ao governo Bolsonaro frente à denunciada omissão do governo federal na condução de políticas de proteção dos povos indígenas durante o enfrentamento à pandemia da Covid-19. Com o passar do tempo, a SSN também foi instada pelo STF, a pedido dos indígenas, a monitorar e fazer cumprir as determinações do tribunal sobre sete terras indígenas invadidas por garimpeiros, madeireiros, caçadores e todo tipo de intrusos ilegais no país. Invasões que aumentaram e bateram recordes durante o governo Bolsonaro.

Acolhendo a manifestação dos indígenas, que mostravam várias divergências entre a realidade observada nas aldeias e o que o governo Bolsonaro dizia nos autos da APDF 709, Barroso determinou que o Executivo criasse um ambiente de diálogo entre governo e indígenas e incluísse integrantes de outros órgãos afetos ao tema.

O papel dos militares do GSI era coordenar os encontros, dos quais também participam representantes da DPU (Defensoria Pública), do MPF (Ministério Público Federal), de organizações não governamentais e outros ministérios, como Saúde e Justiça.

A instalação da SSN demonstrou a incapacidade de o governo promover, por conta própria, políticas públicas corretas e revelava a desconfiança do STF sobre o Executivo. Na época, o militar Augusto Heleno fez ataques públicos ao movimento indígena. Em setembro de 2020 (a ADPF foi ajuizada em junho daquele ano), o ministro acusou, em tom conspiratório, por meio de postagens no Twitter, a APIB de “estar por trás” de uma campanha publicitária que naquela época denunciava a (real) destruição da Amazônia. Heleno disse que os objetivos eram “publicar fake news contra o Brasil” e “manchar a nossa imagem no exterior, em um crime de lesa-pátria”. Heleno escreveu ainda que Sonia Guajajara, então coordenadora da APIB e hoje ministra dos Povos Indígenas, era “ligada ao ator Leonardo Di Caprio, crítico ferrenho do nosso país”. O astro de Hollywood é um defensor da Floresta Amazônica e dos indígenas brasileiros.

Em reação a essas acusações, a APIB e Sonia Guajajara protocolaram no STF uma queixa-crime contra Augusto Heleno por difamação, ou seja, imputar a alguém “fato ofensivo à sua reputação”. A APIB e Sonia apontaram que Heleno “tem pleno direito a opiniões; mas não tem direito de imputar fatos inverídicos contra as querelantes [Sonia e APIB], notadamente ao afirmar que têm por objetivo (i) publicar fake news contra o Brasil; (ii) imputar crimes ambientais ao presidente; e (iii) apoiar campanhas internacionais de boicote a produtos brasileiros. Todas essas atividades são, além de direta e simplesmente mentirosas, muito nocivas à honra objetiva das querelantes que se dedicam à proteção dos direitos dos povos indígenas, incluindo o direito a um meio ambiente preservado e sustentável”.

Em março de 2021, Heleno argumentou ao STF que as suas publicações no Twitter “são desprovidas da mais comezinha pretensão de atingir a honra pessoal das querelantes”. “Trata-se de mera manifestação de desapreço da autoridade máxima da segurança institucional do País, [sic] contra as condutas das querelantes”, alegou o general. O procurador-geral da República, Augusto Aras, que foi nomeado duas vezes por Jair Bolsonaro para o cargo, pediu ao STF o arquivamento da queixa-crime, citando a “extinção da punibilidade pela decadência (que inviabiliza a emenda à inicial), seja em razão da atipicidade das condutas atribuídas ao querelado [Heleno]”. Aras disse que as publicações de Heleno no Twitter não tiveram “intenção difamatória”.

O ministro relator no STF, Dias Toffoli, acolheu os argumentos de Heleno e de Aras e decidiu, em setembro de 2022, pelo arquivamento da ação.

 

Ø  MP do Ouro acaba com comércio na base da 'boa-fé'; confira 5 pontos

 

O Ministro da Justiça , Flavio Dino, assinou a medida provisória conhecida como 'MP do Ouro', que endurece as regras de compra e venda de ouro no Brasil, além de alterações nas normas para transporte do ouro extraído.

A Medida Provisória, após assinada pela Casa Civil, seguirá para o presidente Lula e, assinada, será encaminhada para o Congresso Nacional.

O blog obteve com exclusividade os cinco principais pontos da MP do Ouro:

•        Aperfeiçoamento do controle pelo sistema financeiro;

•        Controle pela Agência Nacional de Mineração;

•        Controle pelos órgãos de segurança e de lavagem de dinheiro;

•        Previsão de pena de apreensão e perdimento em favor da União para o ouro que circular fora dessas regras;

•        Fim da presunção de boa-fé e possibilidade de responsabilização de elos da cadeia de compra e venda de ouro (dever de comprovação de onde vem a produção do ouro proveniente dos garimpos).

A decisão da MP vem meses depois de o governo Lula declarar emergência em saúde na Terra Indígena Yanomami, onde o garimpo provocou uma crise sanitária e humanitária que, nos últimos quatro anos, vitimou mais de 500 crianças indígenas.

O foco da MP, segundo o Ministério da Justiça, é o estrangulamento das atividades que esquentam o ouro ilegal extraído de territórios indígenas e das unidades de conservação, além da eliminação das “brechas legislativas utilizadas para burlar o controle de fiscalização do governo sobre a cadeia do ouro".

“Hoje, no Brasil, há menos controle sobre o ouro do que sobre a madeira ou sobre a carne. Com a medida provisória apresentada e já pactuada com todos os órgãos do governo, o indivíduo que for vender o ouro terá uma série de mecanismos de regulação”, afirma o secretário Marivaldo Pereira.

•        “Boa fé”

A facilidade com o que o ouro ilegal é esquentado no Brasil se deve, além de frágeis mecanismos de fiscalização e controle, a uma legislação bastante permissiva.

Uma lei sancionada em 2013 permite que o ouro extraído do garimpo (em tese, legal, ou seja, autorizado pela Agência Nacional de Mineração) seja comercializado apenas com base nas informações oferecidas pelos próprios vendedores, sob a presunção de “boa-fé”.

Segundo a lei, "presumem-se a legalidade do ouro adquirido e a boa-fé da pessoa jurídica adquirente" quando as informações prestadas pelo vendedor “estiverem devidamente arquivadas na sede da instituição legalmente autorizada a realizar a compra de ouro”. A Medida Provisória acaba com essa regra.

•        Nota fiscal eletrônica

Um dos pontos principais pontos da medida, que aperfeiçoa o controle pelo sistema financeiro, inclui a exigência de nota fiscal eletrônica para compra e venda; que a primeira venda do ouro extraído do garimpo seja por meio de entidades autorizadas pela Banco Central (Bacen); e que a aquisição do ouro ocorra somente por meio de transferência bancária.

No fim de março, a Receita já havia instituído a obrigatoriedade do uso de notas fiscais eletrônicas nas transações de compra e venda de ouro por companhias que comercializam o minério como ativo financeiro ou instrumento cambial.

Até a determinação da Receita, o ouro extraído pelo garimpo ilegal -- seja da Terra Indígena Yanomami ou de outras áreas protegidas no país -- era comercializado com notas fiscais em papel, praticamente inviabilizando o rastreio e o controle por parte das autoridades.

Ou seja, para fraudar uma transação bastava possuir, como explica o Ministério Público Federal no Pará, "dois itens vendidos em papelarias: uma caneta e uma nota fiscal avulsa”. Depois disso, era só inserir dados falsos no documento.

•        PF mira grupo suspeito de movimentar mais de R$ 30 milhões com compra e venda de ouro ilegal da Terra Yanomami

A Polícia Federal deflagrou na manhã desta terça-feira (25) a operação Ponte de Ouro, com o objetivo de investigar suspeitos intermediar a compra de ouro extraído ilegalmente da Terra Indígena Yanomami (TIY).

São cumpridos 8 mandados de busca e apreensão, além do bloqueio de bens, expedidos pela 4ª Vara Federal Criminal da Justiça Federal em Roraima.

As investigações tiveram início após garimpeiros ilegais terem sido presos pelo exército em 2020 na TIY e conduzidos à PF, quando informaram para quem vendiam o ouro extraído ilicitamente da área.

O inquérito policial aponta que o grupo teria movimentado mais de R$ 30 milhões em 4 anos, e, através de empresas de fachada ou com atividades regulares sem relação com a mineração, receberiam valores de diversos estados do país.

 

       Nova lei da União Europeia tornará ainda mais urgente o combate ao desmatamento

 

Em dezembro de 2018, antes da posse de Jair Bolsonaro na Presidência, diversos exportadores fizeram chegar a ele sua preocupação com ameaças europeias de boicote a produtos agrícolas brasileiros por causa do avanço do desmatamento na Amazônia. Não foram ouvidos, a devastação quebrou recordes sucessivos — e Bolsonaro não se reelegeu. Agora o governo Luiz Inácio Lula da Silva terá de lidar com as consequências.

O Parlamento Europeu aprovou na quarta-feira o veto à importação de produtos de áreas desmatadas ilegalmente a partir de 31 de dezembro de 2020, abrangendo a maior parte do governo Bolsonaro.

CONFIRA A LISTA

Estão na mira dos legisladores europeus carne, soja, madeira, óleos de palma e soja, borracha e produtos derivados como couro, móveis e chocolate. Os 27 países do bloco europeu terão de cobrar certificados de origem dos produtos principalmente de Brasil, Indonésia, Malásia, Nigéria, República Democrática do Congo, Etiópia, México e Guatemala.

Errou quem imaginava que as ameaças de boicote em nome da preservação ambiental e do combate ao aquecimento global demorariam a se converter em ações concretas.

Com a aprovação da retaliação contra o desmatamento, a medida passará pelo Conselho Europeu, será publicada no Diário Oficial do bloco, e 20 dias depois começará a contar o prazo de 18 meses para a UE erguer a barreira contra produtos de zonas de desflorestamento ilegal. A previsão é que, no segundo semestre do ano que vem, entre em vigor a Lei de Produtos Livres de Desmatamento.

OPERAÇÃO RESGATE

O governo brasileiro precisa mobilizar não apenas o Ministério da Agricultura, mas também o Itamaraty para prestar auxílio aos exportadores agrícolas.

A nova lei é uma vitória do forte lobby dos pequenos produtores rurais europeus, que também rejeitam o acordo comercial Mercosul-UE, por não serem capazes de resistir à concorrência de Brasil e Argentina.

Com base nela, tentarão barrar importações de alimentos brasileiros. O contencioso diplomático com a Europa também sofrerá as consequências das declarações desastradas de Lula sobre a guerra na Ucrânia.

PROTECIONISMO

Embora a legislação europeia tenha um teor protecionista, suas exigências oferecem uma oportunidade para o Brasil institucionalizar o combate ao desmatamento ilegal. É conhecido o modelo predatório com que o Brasil tem transformado bordas da Amazônia em áreas produtivas. Primeiro, vem a motosserra, depois o gado, por fim campos de soja.

Há vários anos, porém, produtores rurais dispõem de técnicas para aumentar a produtividade sem derrubar a floresta. Há também tecnologia para rastreamento dos produtos oriundos de áreas livres de desmatamento. Precisam ser ampliadas as experiências bem-sucedidas de certificação de carne para exportação.

Outro trabalho fundamental é a reativação da fiscalização do Ministério do Meio Ambiente, esvaziada na gestão Bolsonaro, para punir os produtores rurais que trabalham na ilegalidade. Evitar a destruição da Amazônia, do Cerrado ou da Mata Atlântica precisa ser uma política de Estado.

 

Fonte: Por Rubens Valente, da Agência Pública/g1

 

Nenhum comentário: