Paulo Kliass:
Política fiscal X política monetária
A
partir do momento em que foram divulgados oficialmente os resultados do pleito
presidencial de outubro do ano passado, as questões relativas à composição e às
políticas públicas a serem implementadas pelo governo Lula 3.0 passaram a
ocupar o centro das preocupações dos grandes meios de comunicação. Na verdade,
logo após o reconhecimento oficial da derrota do candidato genocida à sua
própria reeleição, tem início uma operação visando a provocar um desgaste
permanente daquilo que viria ser o novo mandato do candidato vitorioso. Na
impossibilidade de terem logrado emplacar algum nome da chamada “terceira via”
para estar presente no segundo turno do pleito, armou-se uma estratégia para
conquistar espaço com nomes de confiança do financismo para integrarem a futura
equipe do governo, bem como uma pressão tremenda para sequestrar o programa
governamental escolhido pela maioria da população para o próximo quadriênio.
A
prioridade do lobby explícito patrocinado pelo sistema financeiro e por seus
representantes nos meios de comunicação e nas esferas do poder político passou
a ser a economia. Assim foi com a resistência oferecida aos nomes do campo
progressista para compor a equipe econômica e a campanha escancarada para
perfis como os de Henrique Meirelles ou Pérsio Arida para os cargos de primeiro
escalão. Ao mesmo tempo, tem início uma estratégia de minar a confiança de Lula
antes mesmo de sua posse, com os argumentos catastrofistas de sempre, alertando
para os riscos de se revogar o teto de gastos ou de desfazer os equívocos da
reforma trabalhista redutora de direitos dos assalariados.
Por
outro lado, os chamados “especialistas” em matéria financeira passam a
construir uma verdadeira muralha em torno de Roberto Campos Neto, o presidente
do Banco Central (BC). Não contentes com o golpe que foi patrocinado contra a
democracia brasileira depois da aprovação da independência do órgão em 2021, os
defensores do financismo não perdoam as críticas corretas e necessárias que
Lula começou a fazer, de forma pública e repetitiva, ao patamar estratosférico
de nossa taxa oficial de juros. Afinal, o Comitê de Política Monetária (COPOM),
instância responsável por definir o patamar da SELIC em suas reuniões que se
realizam a cada 45 dias, é composto exatamente pelos mesmos 9 integrantes da
diretoria do BC.
• O sequestro da política monetária.
A
lei complementar nº 179/21 criou a figura do mandato para os dirigentes do
órgão responsável pela condução da política monetária. Isso significa que Lula
pode montar toda a sua equipe ministerial e dos demais organismos da
administração pública federal na esfera da economia, com exceção do BC. Uma
loucura! Desde o primeiro dia de janeiro ele passou a conviver com um núcleo
indicado por Bolsonaro e Paulo Guedes no comando da política monetária. Assim,
para esse pessoal pouco importa que o governo tenha sido eleito para
implementar um programa desenvolvimentista, de recuperação do nível das
atividades em geral e voltado para a geração de empregos. O principal
responsável pela taxa de juros manteve a SELIC no criminoso patamar de 13,75%
ao ano por três ocasiões consecutivas desde que Lula foi declarado vencedor.
O
Brasil segue mantendo sua posição de campeão mundial da taxa de juros, condição
que vem sendo apresentada há muitos anos. Atualmente, descontada a inflação, a
taxa real de juros se situa em nível superior a 8%. Caso sejam incorporadas as
práticas igualmente recordes de spreads injustificáveis e abusivos, o custo do
financiamento e do crédito torna proibitiva qualquer inciativa de elevação de
investimentos. Manter os recursos na esfera do financeiro, longe de iniciativas
empreendedoras, revela-se a decisão mais racional, com mais retornos e menores
riscos.
No
entanto, é importante registrar que esse quadro não pode ser considerado uma
surpresa. Todos os analistas de economia alertavam para o cenário posterior ao
eventual retorno de Lula ao Palácio do Planalto. A política monetária estaria,
desde o início, sob as ordens de um bolsonarista infiltrado no novo governo. E
Roberto Campos Neto parece não querer perder muito tempo em assumir a carapuça
de sabotador. Em franca oposição ao que se espera de um dirigente preocupado
com o respeito à ordem republicana, o presidente do BC sai em campanha diária
pelos meios de comunicação atacando a política econômica do governo e
defendendo sua opção de arrocho e austeridade. E depois ainda usa o discurso de
falta de confiança e de baixa de expectativas para justificar a manutenção da
SELIC nos níveis tão elevados.
• Política fiscal robusta para superar a
estagnação.
Pois
bem, a se considerar o espaço da política monetária como um terreno muito
difícil, para não dizer impossível, de se obter algum ganho para o governo no
curto prazo, o razoável seria que a opção fosse por priorizar as ferramentas
mais vinculadas à elaboração e à implementação da política fiscal. Na verdade,
essa suposta contradição entre ambas, que os grandes meios de comunicação tanto
buscam superdimensionar, não é algo que possa ser considerado “natural”. Essa
dificuldade deriva da nova regra legal que ofereceu a independência ao BC,
encastelando os diretores indicados por um governo de perfil oposto ao atual
para cuidar de juros e dos bancos. Enfim, a velha estória de botar a raposa
para tomar conta do galinheiro. Ou de alimentar monstro para assustar a maioria
da população. Ou de colocar uma pedra enorme para frear o desenvolvimento.
Mas
o fato é que a política fiscal possui condições de se apresentar como muito
mais potente para os objetivos de retomar o crescimento da economia e alavancar
um ciclo de desenvolvimento. Infelizmente, o Ministro da Fazenda tem dado
declarações e apresentado iniciativas que apontam em outra direção. Haddad já
revelou mais de uma vez que, na sua avaliação, o investimento privado é que vai
puxar o ciclo para que o Brasil supere a estagnação e retome números
expressivos de avanço no PIB. Essa é uma aposta arriscada e equivocada. A
história nos ensina que o setor público sempre tomou a inciativa, com seus
investimentos e gastos orçamentários de forma geral, para avançar as medidas
que o economês chama de contracíclicas.
Aguardar
os juros baixarem para que então o capital privado resolva, finalmente,
direcionar os seus recursos para o aumento do investimento e para a ampliação
da capacidade produtiva não encontra amparo na experiência do capitalismo em
nossas terras. Além de se revelar uma análise errada, ela envolve uma
estratégia de entregar todo o potencial oferecido pela política fiscal nas mãos
dos desejos do sistema financeiro. Assim, se a política monetária foi
sequestrada ainda em 2021, agora em 2023 o comando da economia resolve abrir
mão, por livre e espontânea vontade, das possibilidades de fornecer musculatura
aos bancos públicos, de criar um programa nacional de desenvolvimento ancorado
em investimentos públicos e de ampliar os programas tão necessários de
políticas públicas inclusivas, tais como a educação, assistência social, a
saúde, a previdência social, dentre tantos outros.
• Bom mocismo de Haddad entrega também a
política fiscal.
Tudo
isso ocorre em nome de um certo bom mocismo de fachada que não convence
ninguém. Mas que atua como um importante fator de limitação da robustez e do
alcance da política econômica em geral, mas também e especialmente da própria
política fiscal. Se já não conta com a política monetária a seu favor, o
governo corre o risco de ficar também sem a eficiência plena da política
fiscal.
Ao
aceitar a chantagem de incluir a necessidade da aprovação de uma nova regra
fiscal em troca da revogação do teto de gastos, o governo abriu caminho para a
Emenda Constitucional (EC) 126, aquela que teve origem na chamada PEC da
transição. Pois Haddad recuou ainda mais e ofereceu uma proposta para esse
dispositivo que se revela bastante restritiva em termos do alcance da política
fiscal. Tendo conversado e recebido as sugestões apenas do próprio presidente
do BC e dos agentes da banca privada, o ministro ignorou os apelos do movimento
progressista e os alertas dos economistas não alinhados com o monetarismo
financista. O risco é de o Congresso Nacional aprovar o PLP 93/2023 na forma
como veio ou ainda que venha a agravar ainda mais seus aspectos já restritivos.
Lula
já disse mais de uma vez que só aceitou concorrer a um terceiro mandato se
fosse para fazer mais e melhor do que fez nos oito anos em que esteve à frente
da Presidência da República. Pois algumas estimativas realizadas com base na
proposta de arcabouço fiscal encaminhada por Haddad não oferecem boas
perspectivas a esse respeito. Estudo apresentado pelo economista David
Deccache, por exemplo, demonstra que, caso as medidas do PLP 93 tivessem sido
colocadas em prática desde 2003, a capacidade de gastos do governo teria sido
reduzida em mais de R$ 8 trilhões até o presente momento. O gráfico ilustra o
que teria sido a lenta evolução das despesas governamentais na suposta vigência
do PLP 93 desde o início do primeiro mandato de Lula. E na comparação com as despesas
efetivamente realizadas, as colunas anuais mostram as perdas que teriam
ocorrido. Um verdadeiro desastre!
Trata-se
de uma medida que não vai oferecer a Lula as condições de cumprir as promessas
de campanha e as expectativas geradas na sociedade a respeito dos rumos da
economia. O texto continua com o viés de se orientar pela compressão das
despesas governamentais, que deverão crescer apenas a 70% do ritmo de evolução
das receitas. O discurso oficial tenta comparar o novo arcabouço fiscal com a
tragédia do teto de gastos, em sua tentativa, um tanto envergonhada, de
justificar o injustificável em torno da busca de apoio à proposta. Ora,
qualquer coisa que viesse seria melhor do que os 20 anos de congelamento
propostos por Temer & Meirelles em 2016 na EC 95.
O
que não se imaginava é que o atual governo apresentasse uma medida com tamanha
sintonia com as expectativas do financismo e que não fosse capaz de oferecer os
instrumentos para turbinar o investimento público e as despesas não
financeiras. Sim, pois o governo ainda insiste em apresentar as metas de
obtenção de superávit primário, como se fosse mais uma virtude aos olhos do
establishment. E segue silenciado frente aos R$ 700 bilhões anuais que foram
realizados como despesas por fora das regras fiscais (a do teto e a proposta
agora). Os gastos a serem controlados e limitados são “apenas” aqueles que o
financês chama de primários. Já as rubricas financeiras, quase totalmente
comprometidas com o pagamento dos juros da dívida pública, bem para estas não existe
teto nem limite.
Ronaldo Lima Lins: Soberania contra
subserviência
A
grandeza de um país se mede pelo que realiza, mas também pela imagem que
formula de si mesmo. Para se impor no concerto entre as nações, convém dispor
de um poder de autoestima capaz de, antes de considerar a opinião dos outros,
levar em conta o modo como se vê e se valoriza. A possibilidade de se encontrar
projetado na tela e se confrontar a si mesmo, entre outras, em termos de
nacionalidade, foi, aliás, a tarefa que a indústria do cinema cumpriu junto aos
povos que a cultivaram. A literatura e a arte, além de sondarem as
características da alma, compreenderam semelhante função, daí o papel que
desempenharam na construção de uma identidade.
Vale
a pena ressaltar, a esse respeito, o romance O súdito do Imperador, de Heinrich
Mann, no qual um personagem acompanha servilmente a trajetória do monarca
alemão Guilherme II. A figura ali muito bem desenhada antecipa acontecimentos
que, mais tarde, levaram ao nazismo e ao séquito de sofrimentos que desencadeou.
A vassalagem na admiração não engrandece: diminui, deprime, humilha. O Brasil
tem adotado modelos parecidos na forma de lidar com suas relações
internacionais. Um dos nossos chanceleres chegou a nos qualificar de párias,
tal a visão depreciativa que reunia em torno dos nossos valores, sem pretensões
de se elevar. Agora, estamos em novo patamar. Voltamos a entender e defender o
papel que pretendemos nos reservar entre os povos. O Presidente Lula não
retornou ao poder para nele permanecer de crista baixa, vendo a caravana
passar. Em três meses, esteve na Argentina, no Uruguai, nos Estados Unidos, na
China e nos Emirados Árabes, em Portugal... - isto é, onde nos interessava para
ver, ouvir e nos fazer escutar. Que gerou ciúmes? Não resta dúvida, na medida
em que se colocou em cena como ator e não apenas como espectador. Ideias a
respeito da paz na Ucrânia agradaram a uns e desagradaram a outros: os que se
inclinam a favor de uma adesão armada ao conflito.
Determinadas
reações explicitaram o fato. Foram redimensionadas por correspondentes em Nova
York afeitos a um modo de vida que, em certos círculos, nos habituamos a
invejar. É o que explica a agressividade de Guga Chacra, para a Globo News, na
rápida entrevista que realizou com o Embaixador Celso Amorim, assessor do
Presidente da República, sobre declarações envolvendo a Ucrânia. Ele não queria
ouvir. Falava compulsivamente e não se importava em ser indelicado. Por quê?
Por que de repente o país se reinaugurou com independência, com ideias próprias
sobre os acontecimentos. Celso Amorim se saiu bem, sem perder a altivez, com a
educação e a ironia necessária. Impôs a verdade em suas observações.
Na
onda de violência extremista posta no cotidiano em nossa sociedade, nós nos
tornamos contemporâneos de um fenômeno que nos transcende. Passou pelos EUA,
com o trumpismo, está na Polônia, na Hungria, na Itália, cresce na França, na
Alemanha e na Inglaterra. A Ucrânia a conhece num de seus batalhões. O
bolsonarismo é uma das versões com que se afirma. Conhecemos a marca que eles
desejam imprimir em nosso Tempo. É um velho filme de colorações novas. Não nos
iludamos. Com dizia Fritz Lang, num de seus filmes inesquecíveis, os “inimigos
estão entre nós”. Todo cuidado é pouco.
Fonte:
Brasil 247
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