quarta-feira, 26 de abril de 2023

Marcelo de Sá: Qual é o impacto da educação no crescimento econômico do país?

Pensar e tratar a educação como um fator fundamental para o crescimento econômico do Brasil é entender que o desenvolvimento está condicionado a um ensino de qualidade. Um país que não investe em educação, deve esperar pouco além de uma economia vulnerável. 

Além dos aspectos financeiros, o crescimento sustentável gera um ciclo virtuoso, melhorando a qualidade de vida das pessoas. Quanto mais alto é o nível da educação de um país, maiores são suas taxas de crescimento. 

Uma educação de qualidade influencia diretamente indicadores sociais, como nível de criminalidade, emprego, promoção da saúde pública e incentivo à ciência e à inovação. Estudos mostram que a correlação é nítida nos países em desenvolvimento. Entre as nações com renda média, como o Brasil, o produto interno bruto poderia subir em até 16%. 

Na última avaliação do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), os jovens brasileiros não atingiram nem a nota média de estudantes de países desenvolvidos. Isso representa para o país uma perda de 2 pontos percentuais no PIB por ano. 

O Brasil é um dos últimos colocados em rankings internacionais de avaliação e seu PIB médio na última década foi de 0,26%. O mais alarmante é a reação tímida do Estado brasileiro, que pouco consegue planejar para mudar esse cenário. A miséria educacional tem consequências para todo país que considera a educação um assunto secundário. 

Com escolas públicas ruins e ensino insuficiente, o Brasil compromete seu futuro. Concordo com o economista Eduardo Gianetti quando disse que “a formação de capital humano é o que define a vida de um país”. 

·         A educação brasileira precisa de mudanças para o país crescer 

A falta de profissionais qualificados no Brasil, em diversos segmentos, é o reflexo direto de uma educação deficiente. Sem ensino público de qualidade, os jovens de famílias de renda mais baixa têm uma trajetória profissional comprometida. Chegam ao mercado de trabalho só em posições de baixa qualificação e remuneração. 

A defasagem que já era histórica no país se agravou com a pandemia. De acordo com o último levantamento do Inep, apenas 5% dos frequentadores do ensino público conquistam um nível adequado em matemática. Cerca de 1,9 milhão não conseguem fazer operações consideradas mais simples, como porcentagem. 

Se os alunos têm todo o direito de se sentirem abandonados pelo sistema, o que dizer então dos professores da educação pública? Como parte ativa no processo ensino-aprendizagem, não é preciso muita análise para saber que eles também precisam de desenvolvimento profissional continuado. 

Entretanto, em um cenário em que estão em um número bem aquém do que o necessário para suprir a demanda educacional do país, os educadores muitas vezes se sentem despreparados para o novo ensino, que, na maioria das vezes, utiliza recursos tecnológicos que requerem habilidades digitais. 

Além do investimento em pessoas, é preciso um olhar para a escola, que requer infraestrutura para desenvolver atividades que exigem conectividade. Infelizmente, não é a realidade da maioria das instituições brasileiras. Atualmente, mais de 30% das escolas públicas do Brasil não têm acesso à internet. 

E tudo isso provoca efeito cascata na cadeia educacional. Pesquisa do Inep mostrou que a parcela de estudantes do 2º ano do ensino fundamental com dificuldade para ler e escrever passou de 15,5%, em 2019, para 33,8% em 2021. 

O ensino raso e pouco eficiente no Brasil, apesar de gerar dados alarmantes, não parece ser tratado com a devida urgência.

·         Políticas públicas educacionais: qual é a importância para a economia? 

Mesmo quando se fala em políticas públicas para o setor, os debates mais dividem do que geram consensos. Caso típico ocorre com a discussão sobre a reforma do Novo Ensino Médio (NEM). 

Além de ampliar o tempo mínimo do estudante na escola de 800 para 1.000 horas anuais, o novo sistema define uma organização curricular mais flexível e adota uma Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que estabelece uma série de conhecimentos, habilidades e competências que os estudantes têm o direito de aprender em cada etapa da educação básica. 

Na teoria, a reforma, com seus itinerários formativos — que são o conjunto de disciplinas, projetos, oficinas e estudos que os estudantes poderão escolher no ensino médio —, tem como propósito assegurar uma educação de qualidade que visa a formação humana integral e a construção de uma sociedade mais democrática, inclusiva e justa, buscando preparar os estudantes para o exercício pleno da cidadania e para o progresso social do país. 

Na prática, o processo de implementação precária do NEM levou muitos alunos, professores, especialistas e representantes da sociedade civil a desacreditarem na reforma. A pressão para a revogação foi tão grande, que, no início de abril, defendendo que a pauta precisaria ser mais discutida pela sociedade, Lula decidiu suspender o calendário de implementação e adiar a reforma, para que ela seja aprimorada. Dessa forma, a educação vai ter de esperar… mais uma vez. 

E se a educação vai mal, a economia vai pelo mesmo caminho. Na opinião do economista Alberto Ramos, "o país tem pouco tempo para mudar o quadro econômico e social, sob risco de perder governabilidade”. Segundo o diretor de pesquisa econômica para América Latina do Goldman Sachs, segundo maior banco de investimento do mundo, é preciso encontrar um crescimento mais robusto e socialmente inclusivo. E de forma rápida, porque o quadro econômico e social do país pode se agravar ainda mais. 

Comparado com outros países, a educação brasileira está em último lugar em ranking de competitividade. O Brasil não investe pouco. Um estudo da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) aponta que o país investiu uma média de 5,6% de seu PIB na área, uma porcentagem acima da média de 4,4% das nações da OCDE. O problema está na qualidade e na execução dos gastos. 

O resultado desses números todos são estudantes que deixam os bancos escolares sem capacidade de pensamento reflexivo e o espírito crítico. Não basta destinar uma verba, estipulada por um percentual do PIB, para a educação; é preciso garantir formação educacional de qualidade, desde a base até a ponta. 

Pensar em estratégias para melhorar a educação é investir no desenvolvimento econômico. É criar bases fortes para um crescimento sustentável e, principalmente, oferecer possibilidades de um país com mais qualidade de vida para todos os brasileiros. 

 

Ø  Bostificação, o futuro irresistível do ChatGPT. Por Natalia Viana

 

No seu livro A superindústria do imaginário, o professor Eugênio Bucci (que é conselheiro da Agência Pública) chama a gratificação instantânea provida pelas plataformas de “valor de gozo”, e nos provoca a pensar como internalizamos “a indistinção entre divertimento e trabalho”, a ponto de nos “alegrarmos” em tomar parte da linha de montagem superindustrial do valor de gozo. “O tal ‘usuário’ se diverte, acha que o ‘entretenimento’ que lhe oferecem é um presente, e trabalha até não mais poder”, tornando-se, de uma só vez, mão de obra, matéria-prima e mercadoria. “Nunca o capitalismo desenhou um modelo de negócio tão perverso, tão acumulador e tão desumano”, escreve Eugênio.

Pois, lendo sobre o ChatGPT, encontrei o excelente conceito de Enshitification, ou “amerdalhamento” ou ainda “bostificação”, como preferirem, pois acho que sou a primeira pessoa a traduzir esse conceito criado pelo intelectual canadense e ativista da internet livre Cory Doctorow para descrever o negócio das Big Techs mais disruptivas. Cory está no mercado há muito tempo: em 1999, criou uma empresa de software livre, foi um dos fundadores do Open Rights Group e trabalhou anos com a Electronic Frontier Foundation, uma fundação do bem que defende a internet livre. Seu conceito de “enshitificação” vem menos de uma reflexão profunda e calcada na academia do que a identificação de um padrão que se repete, de novo e novo, no mundo das Big Techs.

“Em resumo, ele diz que o ciclo de vida de plataformas digitais tem funcionado da seguinte maneira: primeiro, elas são boas para seus usuários; depois, elas abusam o usuário para fazer as coisas melhores para seus clientes comerciais; finalmente, elas abusam os clientes comerciais para extrair todo o valor para si mesmas.”

Uma vez tendo conquistado a maior parcela possível do público – hoje já são mais de cem milhões de pessoas usando o ChatGPT – a Open AI deve seguir o caminho trilhado por muitas outras plataformas. Vai seguir o mecanismo que nos mantém aprisionados, seja no Facebook, Google, Uber, Amazon, seja o ChatGPT, e a maneira como essas empresas conseguem extrair valor, ou mais-valia.

Sim, o produto somos nós. Mas Cory vai além, dizendo que a bostificação é praticamente inevitável, dada a facilidade que as plataformas têm em realocar onde extraem mais-valia no seu modelo de negócios. Ou, melhor dizendo, uma vez que as plataformas e seus algoritmos são atravessadores entre vendedores e compradores, “mantendo ambos os lados como reféns”.

Funciona assim: no começo, qualquer plataforma com ambições grandes o bastante dispensa milhões, senão bilhões de dólares em oferecer um serviço inovador, engajante, interessante e interativo, que permita ao usuário o gozo da descoberta de um mundo novo. Grana estratosférica é gasta em desenvolvedores, designers, cientistas sociais, linguistas, psicólogos, que vão construir uma deliciosa experiência de usuário, sem absolutamente nenhum retorno financeiro imediato à empresa. Fora o pessoal do marketing, que vai se esforçar em aliar o lançamento à narrativa do bom-mocismo do Vale do Silício. Então o Uber era pra democratizar a locomoção, o Facebook te conectava com aqueles que você ama, a Amazon te entrega o que você quiser na sua casa, etc.

Amazon, por exemplo, operou durante anos com um prejuízo estratosférico; o Uber, pra quem não sabe, tem prejuízo todos os anos, chegando a 9 bilhões de dólares em 2022 no seu afã de controlar todo o mercado global. Uma vez tendo os usuários, é fácil atrair os fornecedores, a quem inicialmente também se oferece um bom negócio. Os motoristas de Uber, por exemplo, recebiam uma bela quantia no começo, ficavam extremamente satisfeitos por poderem ter um trabalho mais flexível. E os clientes estavam satisfeitos. Até que o Uber passou a recolher margens maiores, achatando o valor pago aos motoristas. Hoje, tem sido difícil encontrar um Uber – o famoso processo de bostificação.

No caso do Facebook, o começo da era dos impulsionamentos – que eu vivi aqui como diretora da Pública – também não era assim tão mau. Você pagava um pouquinho, sua mensagem chegava a um monte de gente, havia enorme interação. Só que, como se trata de um mercado não regulado, as regras mudam de acordo com a cabeça do CEO da vez.

Imaginem o seguinte: as plataformas funcionam como grandes praças públicas, porém privatizadas, onde as pessoas se encontram e passam um bom tempo da sua vida. Mas, por serem espaços privados (e digitais, sem nenhuma correlação necessária com a materialidade), toda e qualquer regra pode ser mudada a qualquer momento – e sem aviso. Então você é um vendedor de cachorro-quente e um dia o dono da praça decide que a gravidade já não se aplica mais, e suas salsichas saem voando; no outro dia, decidem que seria melhor que a temperatura fosse abaixo de zero; e toda sua mercadoria congela.

É mais ou menos isso que acontece, mas na descrição de Cory (mais sensata que a minha), o que ocorre é um pouco uma extorsão: uma vez que todo-mundo-do-mundo já está capturado na sua plataforma, o algoritmo passa a deixar de entregar sua mensagem, ou seu produto, e passa a cobrar cada vez mais para fazer algo que antes custava pouco. Sendo um monopólio, você é apenas obrigado a pagar.

Lembrando que esse mercado não é regulado. Não tem regra. Não tem supervisão nenhuma. Nenhum monitoramento público. À la americana, o mercado promete resolver sozinho os problemas que cria ao prender as pessoas-produto no ciclo de gozo.

Aí sim chega a fase final, a fase em que o mercado está tão dominado de ambos os lados – quem oferece o serviço e quem compra – que chega a hora de os investidores verem de volta todo aquele investimento inicial. E a plataforma fica uma merda.

É o que estamos vendo agora com o Twitter, e o que vimos com o Facebook.

O final do ciclo, para Cory, seria que as plataformas se tornariam um “monte tão grande de merda” que esse seria o fim. Depois de mexer nas relações humanas extraindo mais valia de todos os lados, o final seria o abandono do cuidado com todas as partes e o fechamento da empresa, depois de extrair muito lucro pros acionistas. Diz Cory que hoje o Facebook, por exemplo, está “terminalmente bostificado”.

Mas eu acho que isso é otimista. Gigantes máquinas de dinheiro não morrem assim tão fácil, e podem inventar novos produtos, comprar outras empresas e tentar recomeçar o ciclo de atrair o público.

Minha preocupação é outra: que essas empresas tenham se tornado tão poderosas e tão gananciosas que consigam frear qualquer mecanismo de regulação até que seja tarde demais para conter as novas ondas de robotização das atividades mais triviais da nossa vida, e, com isso, a nossa prisão, a precarização do serviço ofertado, e então o rebosteio final.

No fundo, o que pode parecer um problema extremamente complexo é simples. “A bostificação só conseguiu durar tanto porque a internet virou ‘cinco websites gigantes’” e é dominada por um “grupo de monopolistas confortáveis”, diz Cory. “A bostificação exerce uma gravidade praticamente irresistível ao capitalismo plataformizado”. Alternativas de serviços melhores não conseguem disputar a atenção, e, quando conseguem, os monopólios apenas as compram.

Esse ciclo pode até ser infinito – veja a corrida do Google por lançar seu próprio chat com inteligência artificial e imagine um ChatGpt que esteja conectado na internet e já saiba tudo sobre você, que já tenha todos os seus dados – desde que as empresas consigam atrasar indefinidamente qualquer regulação pública da atividade de escravização humana, ou da “indústria do gozo”. Já estamos vendo isso na queda de braço da regulação em muitos lugares, inclusive no Canadá e no Brasil.

Para não sermos escravizados por robôs ultracapitalistas, não teremos outra saída a não ser regular, quebrar, e regionalizar as plataformas.

 

Fonte: Exame/Agencia Pública

 

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