quarta-feira, 26 de abril de 2023

Lesões perigosas: As quatro mais frequentes explicadas por dois ortopedistas

Se a dor serve de indicador para o nosso cérebro nos alertar de que algo de errado está a acontecer, a “dor traumática é, provavelmente, das dores mais úteis”, nota Miguel Cordeiro, neurorradiologista do Hospital Cruz Vermelha, em Lisboa. “Sinaliza que houve uma lesão e obriga-nos a reduzir a atividade no segmento do corpo afetado ou, mesmo, a parar de todo, por forma a dar tempo e oportunidade ao nosso corpo para cicatrizar a ferida ou a consolidar a fratura.”

Assim, a dor aguda pode ser útil para se tomarem medidas automáticas, como a “imobilização” de algum membro, mas também “conscientes”, porque nos levam a procurar ajuda médica para resolver a lesão. À dor aguda provocada pelo trauma pode “associar-se uma síndrome vagal”, continua o especialista, e baixar a pressão arterial, mas pode dar-se exatamente o contrário. “Pode acontecer uma ativação do sistema nervoso simpático e, assim, aumentar a pressão arterial como mecanismo fisiológico de fuga, defesa, ou eventualmente para estancar hemorragia.”

Num traumatismo, há a “deposição de uma determinada energia”, com uma determinada velocidade, “num determinado tecido ou órgão”. Em função destas e de outras variáveis, pode ocorrer uma luxação, uma contusão, entorse ou fratura. Vamos explicar o que é cada uma delas.

·         Contusão

Uma contusão resulta de “uma lesão traumática do músculo”, explica Jorge Mineiro, coordenador da Unidade de Ortopedia e Traumatologia do Hospital CUF Descobertas, e causa um hematoma. Esta contusão da “massa muscular”, diz, pode acontecer das mais variadas formas, nomeadamente ao se bater com a mão numa parede ou aquando de uma futebolada entre amigos. Desse choque brusco resulta um edema que se trata com gelo, na fase aguda de dor. Claro que tudo “depende do grau da lesão”, como acontece com todas as restantes de que aqui falamos. No limite, até pode ser preciso imobilizar a zona da pancada.

·         Entorse

É uma lesão bastante frequente e tem como ponto de partida um movimento brusco que provoca alterações numa articulação, causando uma rotura nos ligamentos, “os tecidos que dão estabilidade às articulações”, nota Jorge Mineiro, que pode ser parcial ou total, ou seja: vai do “grau 1 ao grau 3”. Nas entorses de grau 1, o tratamento é feito com gelo e imobilizando-se a zona; nas de grau 2, continua o médico, usam-se “imobilizações dinâmicas”, ou seja, em vez de gesso ou tala, colocam-se adesivos especiais que permitem alguma mobilidade e que “são benéficos na cicatrização”. Nas entorses mais graves, as de grau 3, pode ser necessário fazer intervenção cirúrgica. “Com as técnicas de hoje, que são minimamente invasivas, reconstruímos os ligamentos.”

·         Fratura

Nas fraturas, o osso racha ou quebra. “Acontecem quando a energia posta no osso é superior àquela que o osso suporta, quebrando-o”, diz o ortopedista da CUF Descobertas. Causam dor aguda e, nos casos mais graves, também têm três graus. As mais simples são tratadas com a imobilização feita com gesso; nas mais graves, como é o caso da fratura exposta, é preciso ir ao bloco, dado que o osso fura a pele e entra em “contacto com o exterior”, levando à entrada de bactérias. “É necessário limpar muito bem, normalmente usam-se cinco litros de soro para a limpeza, além de o doente ter de tomar antibióticos”, atesta o médico. Depois, a zona tem de ser imobilizada. Caso a lesão seja na perna, por exemplo, usam-se “fixadores metálicos externos” que ficam à volta da perna.

·         Luxação

Nas luxações, acontece “uma perda de contacto entre duas superfícies articulares”, explica Jorge Mineiro, o osso desloca-se para fora. Quando a separação é parcial, ou seja incompleta e ainda existe algum ponto de contacto entre os ossos, a lesão é designada de subluxação.

Um caso comum é o “ombro saltar para fora”, por exemplo. A dor é muito forte e é preciso voltar a colocar o ombro no sítio. A esta “manobra” chama-se redução. “A luxação deve ser reduzida, o mais depressa possível, e depois imobilizada a zona”, diz o médico. Caso também haja rotura dos ligamentos, é necessário fazer uma operação cirúrgica “para não estragar a cartilagem” e voltar a dar estabilidade às articulações.

<<<< 8 perguntas a João Espregueira-Mendes

Diretor do Grupo Clínicas Espregueira – FIFA Medical Centre of Excellence fala dos riscos e dos tratamentos das lesões desportivas para quem faz exercício físico, em casa ou ao ar livre

1. Quais são as lesões mais comuns durante a prática de exercício físico?

O tipo, a severidade e a localização das lesões estão relacionados com o tipo de exercício físico. As lesões podem ser precipitadas por fatores de risco que podem ser intrínsecos (idade, lesão prévia, alterações do alinhamento dos membros, existência de condições clínicas, peso, género, nível de preparação física) ou extrínsecos (plano de treino, tipo de piso, tempo, calçado desportivo). No entanto, deve ser realçado que o risco maior reside na inatividade física.

2. Quais são os maiores perigos?

É essencial o acompanhamento e o controlo regular dos atletas por profissionais de saúde e ciências do desporto. Uma avaliação inicial serve para detetar a eventual presença de fatores de risco, para evitar riscos que podem ameaçar a própria vida, como as condições cardíacas silentes. Um simples e acessível eletrocardiograma poderá fazer toda a diferença. No domínio musculoesquelético, podem ocorrer lesões, como fraturas por quedas, lesões musculares, fraturas de stresse ou lesões causadas por mecanismos de entorse que, frequentemente, afetam o joelho ou o tornozelo.

3. Como é possível diagnosticar e tratar uma entorse?

Uma entorse é um mecanismo de lesão, não é um diagnóstico. O mecanismo de entorse traduz um conjunto de movimentos nas articulações que excede a amplitude de movimentos fisiológicos normais ou que ocorre em planos de movimento que, dada articulação, devido à sua mecânica, isto é, ao modo de funcionamento, não pode aceitar. Assim, as consequências podem ser variadas, como ruturas ligamentares parciais ou totais, fraturas associadas, lesões meniscais, contusões ósseas, etc. O processo de diagnóstico deve passar pela anamnese (relato detalhado do que e como aconteceu), avaliação clínica e, havendo indicação, exames complementares de diagnóstico. O tratamento terá de ser ajustado às consequências do mecanismo de entorse. Sobretudo, importa alertar para a importância de diagnosticar de forma precisa para tratar eficazmente. As entorses no tornozelo são, com frequência, negligenciadas e não deveriam. O preço a pagar pode ser alto. Sensivelmente, 40% de casos clínicos por entorses mal tratadas resultam em instabilidade crónica e artrose.

4. As distensões musculares têm que tratamento?

As lesões musculares podem ter várias apresentações, mais ou menos graves. Praticamente todas podem ser tratadas com um programa de exercícios terapêuticos. Este tem dois objetivos, o primeiro é garantir a recuperação e o segundo passa pela prevenção secundária, ou seja, contribuir para que não aconteça de novo. Em lesões mais extensas, pode haver indicação para tratamentos biológicos inovadores e avançados como são os fatores de crescimento.

5. Como se trata uma rutura de ligamentos?

A rutura de ligamentos pode acontecer, sobretudo, ao nível do tornozelo, do joelho e dos dedos das mãos. Frequentemente, ocorre em consequência de mecanismo de entorse e/ou de traumatismos diretos. O tratamento pode ser conservador ou cirúrgico, ter a duração de poucos dias ou semanas ou vários meses. Atualmente, é muito importante uma medição objetiva da instabilidade. Na nossa clínica inventámos o Porto Knee Testing Device (PKTD) que é o único no mundo a medir a laxidez articular na ressonância magnética.

6. O que provoca as lesões de tendões?

As lesões nos tendões, as tendinopatias, por exemplo, podem dever-se a uma mudança brusca na quantidade (nº de km) ou na qualidade de exercício (mudança de modalidade). Também existem outras razões menos conhecidas, por exemplo, associadas à toma de determinados antibióticos. As lesões no tendão de Aquiles, no praticante amador de corrida, podem alcançar uma prevalência na ordem dos 11%. Os que estão a iniciar a prática de corrida têm maior incidência de lesões. Há que treinar “na medida certa” para maximizar os benefícios e reduzir o risco de lesões. Na grande maioria dos casos, o tratamento é conservador e passa pela gestão da carga e pelo fortalecimento progressivo com base em critérios. Caso o quadro persista após três meses, há que considerar outras opções terapêuticas. Há alguns meses, publicaram-se orientações multidisciplinares. Só o facto de ter um plano de treino progressivo, sem aumento brusco no número de quilómetros percorridos, pode poupar os atletas a lesões. Por outro lado, exercícios de prevenção, como o fortalecimento muscular ou a melhoria na biomecânica dos movimentos, poderão fazer toda a diferença.

7. Quais são as lesões que obrigam a cirurgias?

A opção pelo tratamento conservador ou cirúrgico depende de qual, para dada lesão, oferece os melhores resultados. Isto não se sabe por opinião nem se decide por preferência – isto sabe-se em função do que a ciência e a consciência profissional ditam após avaliar as opções disponíveis, o contexto individual, clínico e desportivo do atleta. Lesões como fraturas de stresse em ossos do pé podem ser tratadas de forma conservadora em alguns atletas e, preferencialmente, cirúrgica noutros, dependendo da modalidade e da apresentação da fratura. Lesões ligamentares ou meniscais podem também necessitar de cirurgia, pelo que dever-se-á avaliar caso a caso. A decisão interdisciplinar e informada é determinante para o sucesso. Frequentemente, vemos reunidos um ortopedista, um radiologista, um especialista em Medicina Desportiva e um fisioterapeuta, para discussão de casos.

8. Que tipo de atividade física origina mais lesões?

O exercício físico e o desporto têm um impacto positivo e transformador nas pessoas e na sociedade. Há com certeza lesões. Todavia, estas são um mal menor em oposição à inatividade física. São os desportos coletivos que apresentam maior diversidade e risco de lesões. O futebol e o andebol podem ser atividades de maior risco. No entanto, há programas de prevenção de lesões como o FIFA 11+ que reduzem drasticamente o risco de lesões. Na globalidade, podemos reduzir em cerca de 40%. No caso particular das mulheres, podemos prevenir cerca de 50% das lesões do ligamento cruzado anterior do joelho.

Fonte: Visão Saude

 

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