quinta-feira, 27 de abril de 2023

Lula 3: não esqueçam quem é o inimigo

Ao posicionar o Brasil pela construção do mundo multipolar, Lula atiça o Império, que não hesitará em conspirar para derrubá-lo. A mídia já entendeu – e abre fogo contra ele. Cabe a nós defender seu mandato – e pressioná-lo criticamente à esquerda.

Lula, no cenário internacional, tem-se constituído peça determinante para uma possível mudança histórica, que, caso se concretize, será um marco decisivo para o futuro da geopolítica global e das relações internacionais: o enfraquecimento do poderio imperial dos EUA e o início da criação de um mundo multipolar.

Não é uma revolução socialista mundial. É avanço dentro mesmo do capitalismo global. Mas tem consequências enormes para o alívio dos países agredidos e sufocados pelos EUA, como Cuba e Venezuela (submetidos a bloqueios que geram fome e sofrimento para dezenas de milhões de pessoas), e dá mais poder de decisão aos países do Sul Global sobre suas políticas e economias internas, tornando-os menos suscetíveis às ameaças e interferências do Império do Norte, caso ousem cuidar de seu próprio povo. Isso não é pouca coisa.

Ao assumir a postura de país não alinhado a nenhuma das potências em disputa e colocar-se como ator soberano, no mesmo nível das outras nações, o Brasil, sob a liderança de Lula, assume um papel determinante como negociador e “voz da razão” nas guerras bélicas, comerciais, econômicas e ideológicas travadas entre EUA e Europa contra China e Rússia, além de poder contribuir para uma economia global independente do dólar americano.

Por isso, os EUA, usando a mídia corporativa borra-botas brasileira, começaram os trabalhos para detratar o governo eleito, tentar seduzi-lo à velha submissão com promessas vantajosas ou, se tudo der errado, derrubá-lo. Tenha sido por plano ou por benevolência do acaso, o fato é que Alckmin está no tambor de munições. Passadas as eleições, os que tiveram (ou quiseram ter) a ilusão de um Alckimin de esquerda podem deixá-la de lado. Ainda que não colabore ou até lute contra um novo golpe suave, quem assume é ele. E isso é tão conveniente para os EUA que a crença em coincidência deve ser acompanhada da crença em um deus sempre favorável ao Tio Sam e ao “mercado”.

Depois de envidarem esforços colossais para derrubar Dilma, apropriar-se do petróleo do pré-sal e colocar o Brasil na posição de subalternidade que sempre o caracterizou – ainda que isso tenha gerado o efeito colateral do governo tosco do último quadriênio, que até o governo dos democratas estadunidenses quis derrotar – o Império do Ocidente não iria assistir imóvel ao governo Lula querer retomar a soberania nacional, andar pelo mundo pregando a igualdade entre as nações no quadro geopolítico global, criticar o mercado e posicionar-se na economia e na política internacional de forma independente da cartilha ditada pelos EUA.

Cartilha, aliás, que é a mesma que nossa mídia corporativa assumiu como “a verdade” ou “o lado certo” e usa para criticar as posições de Lula, ora tratando-as como erradas ou perigosas, ora criando a imagem de um Lula trapalhão que não entende de relações internacionais e fala sem pensar. Lula poderia dar aulas de geopolítica e relações internacionais para a maioria dos jornalistas e comentaristas da mídia brasileira. Mas o caso é que essa mídia tem mais acesso à opinião pública do que esta à verdade das coisas, e a imagem que fica é a que a mídia tenta forjar.

Uma nova guerra começou. Ou a segunda etapa de uma guerra começada lá atrás, cujos primeiros movimentos foram revelados por telegramas vazados pelo Wikileaks (https://wikileaks.org/Nos-bastidores-o-lobby-pelo-pre.html) que mostravam o conluio entre o consulado dos EUA no Brasil e a indústria de petróleo estadunidense para se apropriar do pré-sal, por meio do apoio a políticos do PSDB (José Serra foi citado), lobby no Congresso Nacional Brasileiro e investimento nas eleições presidenciais.

Sabemos que, apesar de quererem o retorno da submissão neoliberal “limpinha e cheirosa” do PSDB, aceitaram o efeito colateral da barbárie bolsonarista que se manifestou nas primeiras eleições depois do golpe de 2016. Michel Temer era carta fora do baralho e não conseguiram emplacar um tucano, então, aceitaram a ascensão ao poder da escória social e política, já que a outra única opção era o retorno dos que foram destituídos.

Agora está um pouco mais fácil para eles. O tucano (aparentemente convertido – e que Deus perdoe minha incredulidade!) já está na vice-presidência. Para detonar um plano de eliminação da ameaça de um Brasil soberano, basta aos EUA manipularem a opinião pública (a mídia corporativa já está a postos fazendo esse serviço e inteiramente sob as ordens de lá) e estimular um Congresso cuja maioria é formada por extremistas de direita com comportamento delinquente e mercenários do Centrão. Um aceno dos EUA para essa gente é a linguiça procurando o cachorro.

·         Quem defenderá o governo Lula?

Lula tem acertos, mas também comete erros. Seu governo não tem condições de ser o governo dos sonhos da esquerda socialista, não é bem-visto pelos caçadores da “terceira via” e está pouco antenado às múltiplas transições de linguagem e posturas advindas de temáticas específicas e pautas identitárias. Como velho sindicalista do mundo operário, não tem as manhas discursivas da militância mais jovem, não foi criado no movimento estudantil universitário e nem tem na cabeça as pautas de acadêmicos pós-modernos.

Além disso, apesar de estar com o discurso mais à esquerda do que em seus governos anteriores, a composição do governo e a configuração do Legislativo Nacional não lhe permitem ir muito longe. Isso torna o seu governo criticável à direita e à esquerda.

É fato que nenhum governo está imune às críticas. Porém, há um fator que deve chamar à responsabilidade toda a esquerda, de todos os “graus de radicalidade” e de todas as pautas. Devemos entender que estamos também em uma disputa maior, tanto interna como externamente. A luta política não se resume à correção de discursos ou a melhor intenção econômica. Não podemos ficar neutros e imparciais, comportando-nos como meros espectadores nas batalhas do governo contra o Império estadunidense e na sua disposição (até agora verbal) de enfrentar o mercado financeiro, mas nos posicionar com dureza e manifestar nossa crítica com veemência apenas nos deslizes verbais de Lula ou nos limites do anunciado arcabouço fiscal.

Com todos os limites que possa apresentar, o governo Lula 3 é um enorme avanço não só na saída do esgoto político do governo anterior, mas nas pautas pelas quais os movimentos sociais lutam há décadas e séculos. Não podemos deixar de defender esses avanços e disputar a opinião pública para o lado positivo do governo, principalmente no momento de ataques das forças imperiais e do mercado, a menos que tenhamos uma alternativa real que não sejam os reacionários bolsonaristas. Não dá apenas para fazer estardalhaço nas redes sociais e dizer-se decepcionado com o governo caso Lula venha eventualmente a usar o termo “índio”, sem reconhecer tudo o que o governo está fazendo em favor dos povos originários.

O governo terá inimigos demais e sabemos que sua derrubada não significará avanços para os temas caros à esquerda, muito menos para as pautas identitárias. Mas, pior ainda é o sofrimento do povo mais pobre e abandonado, que acaba sendo a principal vítima de retrocessos políticos. Se tudo se resumisse à disputa discursiva em uma assembleia de professores universitários ou a mensagens no WhatsApp do grupo de esquerda, nenhuma responsabilidade maior nos caberia. Mas quando se fala de comida, saúde, vacina, educação, emprego etc. precisamos pensar um pouco mais sobre os fundamentos e objetivos de nossa militância.

Não precisamos ser acríticos e aceitar tudo do governo Lula. É possível e necessário criticar o que está errado e, mais do que nos primeiros governos petistas, Lula 3 deve ser foco de pressões populares e de movimentos organizados para fazer a balança da frente ampla pender mais para o povo. É para isso que os movimentos existem, para pressionar políticas públicas a seu favor e não para paparicar governo algum.

Mas devemos ter o cuidado de também defendê-lo na guerra informacional e na formação da opinião pública naquilo que ele traz de avanços. Não é hora de colocar como prioridade o “lacre” em redes sociais ou a performance discursiva esquerdista em público a cada deslize de Lula ou com relação às medidas do governo que flertam com o neoliberalismo. Podemos, sabemos e devemos fazer essa crítica de forma mais madura, sem dar reforço às fake news ou às críticas irresponsáveis da mídia corporativa.

O plano estadunidense é de ter uma direita moderna e comportada no poder, aberta a todas as pautas identitárias e ao discurso ecológico moralista, mas sem disposição para mudar as coisas na economia nacional e na geopolítica global, como são os democratas estadunidenses. Alguns chamam isso de esquerda liberal (e tem gente que se acha de esquerda radical pensando que isso basta…). Esse plano pode não ser concretizado com Lula, desde que ele continue dando mostras de querer enfrentar o mercado financeiro e de agir com soberania na política internacional. Aí, o plano B é Alckimin e uma continuidade tranquila em 2026. Mas esse plano, que já falhou uma vez, pode falhar outra vez. Não teremos um outro Lula lá na frente para salvar a todos de novo.

Ao pensar em seu posicionamento público sobre o governo, pese bem as coisas. Não é mais a direita liberal que nos ameaça, mas a cadela do fascismo, solta, sem vacina e sempre no cio.

 

Ø  O jogo de empurra pra turvar as apurações sobre golpe que deu errado. Por Andrei Meireles

 

Nessa quarta-feira (26), será formalmente criada a CPMI para investigar a tentativa de anular o resultado da eleição presidencial e derrubar o novo governo Lula em atentados contra os Três Poderes da República no domingo 8 de janeiro. O que ali aconteceu foi acompanhado ao vivo por telespectadores do país e do mundo afora. Mesmo assim, os bolsonaristas querem aproveitar a comissão parlamentar de inquérito para semearem dúvidas a serem difundidas em suas redes sociais.

Na versão deles, a quebradeira nas sedes dos palácios da República foi culpa da omissão ou conivência das autoridades do novo governo que, sem nenhum processo de transição, acabavam de assumir o poder Executivo. Para eles, o que menos importa são os vândalos terem sido financiados e comandados por quem se recusou a aceitar a derrota eleitoral.

Por mais que pareça apenas maluquice, essa narrativa é comprada pelo valor de face por adeptos que, por crença ou oportunismo, seguem a cartilha bolsonarista, e é multiplicada nas redes sociais, inclusive por robôs, perfis automatizados na internet. Isso será despejado na CPMI como estratégia para tornar a investigação parlamentar em mais uma guerra de versões.

Se os bolsonaristas, com auxílio de suas redes sociais, conseguirem reduzir os danos pelo golpe fracassado no 8 de janeiro estarão no lucro. Eles estão animados com essa possibilidade depois do erro do governo de tentar evitar a CPMI e a omissão do ex-ministro Gonçalves Dias, evidente nos vídeos e em seu depoimento à PF. A alegação do general Dias que agiu daquela forma com o propósito de conter riscos virou o mote para os outros nove militares do Gabinete de Segurança Institucional que, no domingo (23), prestaram depoimentos à Polícia Federal.

Um deles, o general Carlos Feitosa Rodrigues, que seguia como sub-chefe da GSI mesmo tendo sido braço-direito do ex-ministro Augusto Heleno, apontado pelos investigadores como um dos principais suspeitos de comando nessa tentativa de reversão na marra do resultado eleitoral. À PF, o general atribuiu a falhas da Polícia Militar do Distrito Federal, responsável por cuidar das avenidas e gramados próximos ao palácio, a não reação das tropas encarregadas da segurança do Palácio do Planalto. Parece e é uma desculpa esfarrapada.

Na mesma linha, o major do Exército José Eduardo Natale, coordenador da segurança dos palácios presidenciais, que apareceu nos vídeos distribuindo garrafas d’água para os invasores, justificou aos delegados da PF tamanha gentileza: “Que os manifestantes questionaram de forma exaltada que local era aquele, ocasião na qual respondeu que se tratava de uma copa; que então os manifestantes exigiram que lhes dessem água; que o declarante entregou algumas garrafas de água com o intuito de acalmá-los e que não danificassem a copa e ainda solicitou que saíssem do local”.

O major Natale explicou que, mesmo sendo responsável pela segurança do Planalto com tropas à disposição para cumprir a missão, não executou nenhuma prisão. Disse que estava sozinho e temia ser linchado pelos manifestantes. Acrescentou que antes tomara algumas precauções: “Que retirou o paletó, a gravata e a pistola para infiltrar-se no palácio tomado pelos manifestantes, a fim de conter danos, bem corno evitar o furto de sua arma, já que estava sozinho”.

Há um jogo de empurra entre militares do Exército e Polícia Militar, na época do então secretário de Segurança do DF,  delegado Anderson Torres, hoje na cadeia enrolado nos vários fios soltos da conspiração para instalar uma nova ditadura no país. Jair Bolsonaro, Anderson Torres e general Augusto Heleno são os principais suspeitos.

Torres foge de depoimento sob a alegação de que está passando por uma crise psicológica. Bolsonaro tem depoimento marcado pela PF nessa quarta-feira (26).  Tendo que dar explicações em todas as investigações, até agora o general  Heleno só rompeu o silêncio para responder à colunista Mônica Bergamo que “a verdade sempre aparece”.

Não vai colar na apuração da Polícia Federal e nem no STF, no inquérito comandado pelo ministro Alexandre de Moraes. Vai sobrar aos golpistas tentar emplacar uma guerra de versões na CPMI, produzindo combustíveis para sua militância nas redes sociais. Eles têm pressa porque temem que a lei contra as fake news, cuja urgência foi aprovada na noite dessa terça-feira (25), reduza seu poder de fogo.

A conferir.

 

Fonte: Por Maurício Abdalla, em Outras Palavras/Os Divergentes

 

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