Lula 3: não
esqueçam quem é o inimigo
Ao
posicionar o Brasil pela construção do mundo multipolar, Lula atiça o Império,
que não hesitará em conspirar para derrubá-lo. A mídia já entendeu – e abre
fogo contra ele. Cabe a nós defender seu mandato – e pressioná-lo criticamente
à esquerda.
Lula,
no cenário internacional, tem-se constituído peça determinante para uma
possível mudança histórica, que, caso se concretize, será um marco decisivo
para o futuro da geopolítica global e das relações internacionais: o
enfraquecimento do poderio imperial dos EUA e o início da criação de um mundo
multipolar.
Não
é uma revolução socialista mundial. É avanço dentro mesmo do capitalismo
global. Mas tem consequências enormes para o alívio dos países agredidos e
sufocados pelos EUA, como Cuba e Venezuela (submetidos a bloqueios que geram
fome e sofrimento para dezenas de milhões de pessoas), e dá mais poder de decisão
aos países do Sul Global sobre suas políticas e economias internas, tornando-os
menos suscetíveis às ameaças e interferências do Império do Norte, caso ousem
cuidar de seu próprio povo. Isso não é pouca coisa.
Ao
assumir a postura de país não alinhado a nenhuma das potências em disputa e
colocar-se como ator soberano, no mesmo nível das outras nações, o Brasil, sob
a liderança de Lula, assume um papel determinante como negociador e “voz da
razão” nas guerras bélicas, comerciais, econômicas e ideológicas travadas entre
EUA e Europa contra China e Rússia, além de poder contribuir para uma economia
global independente do dólar americano.
Por
isso, os EUA, usando a mídia corporativa borra-botas brasileira, começaram os
trabalhos para detratar o governo eleito, tentar seduzi-lo à velha submissão
com promessas vantajosas ou, se tudo der errado, derrubá-lo. Tenha sido por
plano ou por benevolência do acaso, o fato é que Alckmin está no tambor de
munições. Passadas as eleições, os que tiveram (ou quiseram ter) a ilusão de um
Alckimin de esquerda podem deixá-la de lado. Ainda que não colabore ou até lute
contra um novo golpe suave, quem assume é ele. E isso é tão conveniente para os
EUA que a crença em coincidência deve ser acompanhada da crença em um deus
sempre favorável ao Tio Sam e ao “mercado”.
Depois
de envidarem esforços colossais para derrubar Dilma, apropriar-se do petróleo
do pré-sal e colocar o Brasil na posição de subalternidade que sempre o
caracterizou – ainda que isso tenha gerado o efeito colateral do governo tosco
do último quadriênio, que até o governo dos democratas estadunidenses quis
derrotar – o Império do Ocidente não iria assistir imóvel ao governo Lula
querer retomar a soberania nacional, andar pelo mundo pregando a igualdade
entre as nações no quadro geopolítico global, criticar o mercado e
posicionar-se na economia e na política internacional de forma independente da
cartilha ditada pelos EUA.
Cartilha,
aliás, que é a mesma que nossa mídia corporativa assumiu como “a verdade” ou “o
lado certo” e usa para criticar as posições de Lula, ora tratando-as como
erradas ou perigosas, ora criando a imagem de um Lula trapalhão que não entende
de relações internacionais e fala sem pensar. Lula poderia dar aulas de
geopolítica e relações internacionais para a maioria dos jornalistas e
comentaristas da mídia brasileira. Mas o caso é que essa mídia tem mais acesso
à opinião pública do que esta à verdade das coisas, e a imagem que fica é a que
a mídia tenta forjar.
Uma
nova guerra começou. Ou a segunda etapa de uma guerra começada lá atrás, cujos
primeiros movimentos foram revelados por telegramas vazados pelo Wikileaks (https://wikileaks.org/Nos-bastidores-o-lobby-pelo-pre.html) que mostravam o
conluio entre o consulado dos EUA no Brasil e a indústria de petróleo
estadunidense para se apropriar do pré-sal, por meio do apoio a políticos do
PSDB (José Serra foi citado), lobby no Congresso Nacional Brasileiro e
investimento nas eleições presidenciais.
Sabemos
que, apesar de quererem o retorno da submissão neoliberal “limpinha e cheirosa”
do PSDB, aceitaram o efeito colateral da barbárie bolsonarista que se
manifestou nas primeiras eleições depois do golpe de 2016. Michel Temer era
carta fora do baralho e não conseguiram emplacar um tucano, então, aceitaram a
ascensão ao poder da escória social e política, já que a outra única opção era
o retorno dos que foram destituídos.
Agora
está um pouco mais fácil para eles. O tucano (aparentemente convertido – e que
Deus perdoe minha incredulidade!) já está na vice-presidência. Para detonar um
plano de eliminação da ameaça de um Brasil soberano, basta aos EUA manipularem
a opinião pública (a mídia corporativa já está a postos fazendo esse serviço e
inteiramente sob as ordens de lá) e estimular um Congresso cuja maioria é
formada por extremistas de direita com comportamento delinquente e mercenários
do Centrão. Um aceno dos EUA para essa gente é a linguiça procurando o
cachorro.
·
Quem
defenderá o governo Lula?
Lula
tem acertos, mas também comete erros. Seu governo não tem condições de ser o
governo dos sonhos da esquerda socialista, não é bem-visto pelos caçadores da
“terceira via” e está pouco antenado às múltiplas transições de linguagem e
posturas advindas de temáticas específicas e pautas identitárias. Como velho
sindicalista do mundo operário, não tem as manhas discursivas da militância
mais jovem, não foi criado no movimento estudantil universitário e nem tem na
cabeça as pautas de acadêmicos pós-modernos.
Além
disso, apesar de estar com o discurso mais à esquerda do que em seus governos
anteriores, a composição do governo e a configuração do Legislativo Nacional
não lhe permitem ir muito longe. Isso torna o seu governo criticável à direita
e à esquerda.
É
fato que nenhum governo está imune às críticas. Porém, há um fator que deve
chamar à responsabilidade toda a esquerda, de todos os “graus de radicalidade”
e de todas as pautas. Devemos entender que estamos também em uma disputa maior,
tanto interna como externamente. A luta política não se resume à correção de
discursos ou a melhor intenção econômica. Não podemos ficar neutros e
imparciais, comportando-nos como meros espectadores nas batalhas do governo
contra o Império estadunidense e na sua disposição (até agora verbal) de
enfrentar o mercado financeiro, mas nos posicionar com dureza e manifestar
nossa crítica com veemência apenas nos deslizes verbais de Lula ou nos limites
do anunciado arcabouço fiscal.
Com
todos os limites que possa apresentar, o governo Lula 3 é um enorme avanço não
só na saída do esgoto político do governo anterior, mas nas pautas pelas quais
os movimentos sociais lutam há décadas e séculos. Não podemos deixar de
defender esses avanços e disputar a opinião pública para o lado positivo do
governo, principalmente no momento de ataques das forças imperiais e do
mercado, a menos que tenhamos uma alternativa real que não sejam os
reacionários bolsonaristas. Não dá apenas para fazer estardalhaço nas redes
sociais e dizer-se decepcionado com o governo caso Lula venha eventualmente a
usar o termo “índio”, sem reconhecer tudo o que o governo está fazendo em favor
dos povos originários.
O
governo terá inimigos demais e sabemos que sua derrubada não significará
avanços para os temas caros à esquerda, muito menos para as pautas
identitárias. Mas, pior ainda é o sofrimento do povo mais pobre e abandonado,
que acaba sendo a principal vítima de retrocessos políticos. Se tudo se
resumisse à disputa discursiva em uma assembleia de professores universitários
ou a mensagens no WhatsApp do grupo de esquerda, nenhuma responsabilidade maior
nos caberia. Mas quando se fala de comida, saúde, vacina, educação, emprego
etc. precisamos pensar um pouco mais sobre os fundamentos e objetivos de nossa
militância.
Não
precisamos ser acríticos e aceitar tudo do governo Lula. É possível e
necessário criticar o que está errado e, mais do que nos primeiros governos
petistas, Lula 3 deve ser foco de pressões populares e de movimentos
organizados para fazer a balança da frente ampla pender mais para o povo. É
para isso que os movimentos existem, para pressionar políticas públicas a seu
favor e não para paparicar governo algum.
Mas
devemos ter o cuidado de também defendê-lo na guerra informacional e na
formação da opinião pública naquilo que ele traz de avanços. Não é hora de
colocar como prioridade o “lacre” em redes sociais ou a performance discursiva
esquerdista em público a cada deslize de Lula ou com relação às medidas do
governo que flertam com o neoliberalismo. Podemos, sabemos e devemos fazer essa
crítica de forma mais madura, sem dar reforço às fake news ou
às críticas irresponsáveis da mídia corporativa.
O
plano estadunidense é de ter uma direita moderna e comportada no poder, aberta
a todas as pautas identitárias e ao discurso ecológico moralista, mas sem
disposição para mudar as coisas na economia nacional e na geopolítica global,
como são os democratas estadunidenses. Alguns chamam isso de esquerda liberal
(e tem gente que se acha de esquerda radical pensando que isso basta…). Esse
plano pode não ser concretizado com Lula, desde que ele continue dando mostras
de querer enfrentar o mercado financeiro e de agir com soberania na política
internacional. Aí, o plano B é Alckimin e uma continuidade tranquila em 2026.
Mas esse plano, que já falhou uma vez, pode falhar outra vez. Não teremos um
outro Lula lá na frente para salvar a todos de novo.
Ao
pensar em seu posicionamento público sobre o governo, pese bem as coisas. Não é
mais a direita liberal que nos ameaça, mas a cadela do fascismo, solta, sem
vacina e sempre no cio.
Ø
O
jogo de empurra pra turvar as apurações sobre golpe que deu errado. Por Andrei
Meireles
Nessa
quarta-feira (26), será formalmente criada a CPMI para investigar a tentativa
de anular o resultado da eleição presidencial e derrubar o novo governo Lula em
atentados contra os Três Poderes da República no domingo 8 de janeiro. O que
ali aconteceu foi acompanhado ao vivo por telespectadores do país e do mundo
afora. Mesmo assim, os bolsonaristas querem aproveitar a comissão parlamentar
de inquérito para semearem dúvidas a serem difundidas em suas redes sociais.
Na
versão deles, a quebradeira nas sedes dos palácios da República foi culpa da
omissão ou conivência das autoridades do novo governo que, sem nenhum processo
de transição, acabavam de assumir o poder Executivo. Para eles, o que menos
importa são os vândalos terem sido financiados e comandados por quem se recusou
a aceitar a derrota eleitoral.
Por
mais que pareça apenas maluquice, essa narrativa é comprada pelo valor de face
por adeptos que, por crença ou oportunismo, seguem a cartilha bolsonarista, e é
multiplicada nas redes sociais, inclusive por robôs, perfis automatizados na
internet. Isso será despejado na CPMI como estratégia para tornar a investigação
parlamentar em mais uma guerra de versões.
Se
os bolsonaristas, com auxílio de suas redes sociais, conseguirem reduzir os
danos pelo golpe fracassado no 8 de janeiro estarão no lucro. Eles estão
animados com essa possibilidade depois do erro do governo de tentar evitar a
CPMI e a omissão do ex-ministro Gonçalves Dias, evidente nos vídeos e em seu
depoimento à PF. A alegação do general Dias que agiu daquela forma com o
propósito de conter riscos virou o mote para os outros nove militares do
Gabinete de Segurança Institucional que, no domingo (23), prestaram depoimentos
à Polícia Federal.
Um
deles, o general Carlos Feitosa Rodrigues, que seguia como sub-chefe da GSI
mesmo tendo sido braço-direito do ex-ministro Augusto Heleno, apontado pelos
investigadores como um dos principais suspeitos de comando nessa tentativa de
reversão na marra do resultado eleitoral. À PF, o general atribuiu a falhas da
Polícia Militar do Distrito Federal, responsável por cuidar das avenidas e
gramados próximos ao palácio, a não reação das tropas encarregadas da segurança
do Palácio do Planalto. Parece e é uma desculpa esfarrapada.
Na
mesma linha, o major do Exército José Eduardo Natale, coordenador da segurança
dos palácios presidenciais, que apareceu nos vídeos distribuindo garrafas d’água
para os invasores, justificou aos delegados da PF tamanha gentileza: “Que os
manifestantes questionaram de forma exaltada que local era aquele, ocasião na
qual respondeu que se tratava de uma copa; que então os manifestantes exigiram
que lhes dessem água; que o declarante entregou algumas garrafas de água com o
intuito de acalmá-los e que não danificassem a copa e ainda solicitou que
saíssem do local”.
O
major Natale explicou que, mesmo sendo responsável pela segurança do Planalto
com tropas à disposição para cumprir a missão, não executou nenhuma prisão.
Disse que estava sozinho e temia ser linchado pelos manifestantes. Acrescentou
que antes tomara algumas precauções: “Que retirou o paletó, a gravata e a
pistola para infiltrar-se no palácio tomado pelos manifestantes, a fim de
conter danos, bem corno evitar o furto de sua arma, já que estava sozinho”.
Há
um jogo de empurra entre militares do Exército e Polícia Militar, na época do
então secretário de Segurança do DF, delegado Anderson Torres, hoje na
cadeia enrolado nos vários fios soltos da conspiração para instalar uma nova
ditadura no país. Jair Bolsonaro, Anderson Torres e general Augusto Heleno são
os principais suspeitos.
Torres
foge de depoimento sob a alegação de que está passando por uma crise
psicológica. Bolsonaro tem depoimento marcado pela PF nessa quarta-feira
(26). Tendo que dar explicações em todas as investigações, até agora o
general Heleno só rompeu o silêncio para responder à colunista Mônica
Bergamo que “a verdade sempre aparece”.
Não
vai colar na apuração da Polícia Federal e nem no STF, no inquérito comandado
pelo ministro Alexandre de Moraes. Vai sobrar aos golpistas tentar emplacar uma
guerra de versões na CPMI, produzindo combustíveis para sua militância nas
redes sociais. Eles têm pressa porque temem que a lei contra as fake news, cuja
urgência foi aprovada na noite dessa terça-feira (25), reduza seu poder de
fogo.
A
conferir.
Fonte:
Por Maurício Abdalla, em Outras Palavras/Os Divergentes
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