Com posições
controversas sobre a guerra, Brasil chama atenção internacional
Se
o objetivo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) era chamar a atenção,
finalmente ele conseguiu. Funcionários dos governos dos Estados Unidos e da
Europa rebateram suas acusações de que a Ucrânia e seus aliados são
corresponsáveis pela guerra.
E
o G-7 emitiu um comunicado advertindo para “graves custos” para os países que
ajudarem a Rússia a driblar as sanções e a manter seu esforço de guerra.
Ao
longo dos últimos meses, um dos temas dos quais o presidente brasileiro mais
falou, muitas vezes fora de contexto e sem ser provocado, foi seu desejo de
mediar a guerra na Ucrânia. Foi ignorado pela imprensa mundial, já que o mundo
não vê o Brasil como um ator relevante nesse tipo de tema –e preferiria seguir
ouvindo o novo governo em Brasília sobre a Amazônia.
Em
Pequim, na China, e Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos, e ao receber o
chanceler russo Sergey Lavrov em Brasília, Lula abandonou a suposta
neutralidade do Brasil: acusou os aliados de fomentar a guerra ao enviar armas
para a Ucrânia, e os próprios ucranianos de também terem iniciado a guerra, ao
lado da Rússia.
O
embaixador da União Europeia (UE) em Brasília, Ignacio Ibáñez, negou que a
Europa e os EUA tenham interesse na guerra. “Temos um país agressor e um país
agredido”, disse o diplomata, em entrevista exclusiva à CNN nesta terça-feira
(18).
“A
Carta das Nações Unidas é muito clara: temos que estar do lado do país
agredido, ajudar a Ucrânia a se defender. Como toda guerra, tem uma solução
fácil: se o agressor, que é a Rússia, se retirar do território invadido, a paz
chegará rapidamente”.
“A
posição europeia é a mesma dos Estados Unidos”, continuou Ibáñez. “Claro que
estamos engajados na paz e queremos a paz. É a grande obsessão da UE. Estamos
sofrendo com a guerra dentro do nosso próprio continente. Estamos buscando
muitas soluções, mas para encontrar as soluções você tem que ir à origem do
problema, que é claramente a agressão da Rússia sobre a Ucrânia, uma agressão
que não tem justificativa.”
Segundo
o diplomata espanhol, é preciso “remontar na história ao tempo das agressões
das potências coloniais, e no caso da Rússia, não só a União Soviética, mas o
Império Russo, essa vocação de ocupar mais territórios, nesse caso o
ucraniano”.
Sobre
quais seriam os custos mencionados pelo G-7 aos países que ajudam a Rússia,
Ibáñez preferiu não adotar um tom de ameaça: “A UE tem colocado desde o início
que esse problema tem que ser resolvido com o apoio do conjunto da comunidade
internacional. Então, sempre vamos buscar aliados, países que compreendem os
desafios que essa agressão da Rússia está provocando em todos os âmbitos. Acho
que o âmbito central de todo o nosso trabalho têm que ser sempre as Nações
Unidas e acho que lá temos obtido muito bons resultados”.
“Sempre
tivemos o Brasil dentro dessa grande parte da comunidade internacional”,
elogiou o diplomata espanhol.
“O
G-20, o G-7 são âmbitos que queremos usar também. Lá temos recolhido uma
percepção clara do desafio que é deixar um país como a Rússia não respeitar a
Carta das Nações Unidas. Isso serve para o mundo inteiro. Se olhamos para cada
uma de nossas regiões, temos situações em que se você deixa que um país pelo
uso da força não respeite a Carta, com certeza teremos repetições de situações
como a da Europa no futuro. Por isso o G-7 quer ter uma posição de firmeza.
Vamos manter essa posição de forma clara.”
“Queremos
continuar a contar com o Brasil”, disse Ibáñez, lembrando que, ao receber o
presidente da Romênia, Klaus Werner Iohannis, nessa terça-feira em Brasília,
Lula condenou a invasão da Ucrânia. “Essa é a mensagem que queremos ouvir do
Brasil, e vamos continuar trabalhando com o Brasil, um parceiro estratégico da
UE.
Compartilhamos
tantas coisas, como o valor da democracia, o respeito às regras da comunidade
internacional, que é a Carta das Nações Unidas, e naturalmente queremos
estabelecer essa confiança entre a UE e o Brasil.”
Na
segunda-feira (17), o porta-voz do Conselho de Segurança Nacional americano,
almirante John Kirby, disse que o Brasil estava “papagueando” as posições da
Rússia sobre a Ucrânia. porta-voz da Casa Branca, Karine Jean-Pierre, voltou à
carga nesta terça.
“Os
EUA não têm nenhuma objeção a nenhum país que tente acabar com a guerra da
Rússia contra a Ucrânia, uma guerra que eles [os russos] começaram, uma guerra
de escolha deles”, disse a porta-voz.
“Mas
ficamos abalados com o tom dos comentários naquela coletiva do ministro das
Relações Exteriores ontem, que não foi de neutralidade, sugerindo que os EUA e
a Europa não estão interessados na paz, ou que dividimos a responsabilidade
pela guerra”, continuou Jean-Pierre, confundindo-se ao se referir às
declarações de Lula. “Nós acreditamos que isso é completamente errado. É claro
que queremos o fim dessa guerra.”
A
porta-voz continuou: “Os EUA e a Europa se engajaram para prevenir essa guerra
desde meados de 2021 e os esforços têm continuado desde o início dessa guerra.
Infelizmente a Rússia não tem mostrado nenhum interesse em pôr um fim a essa
invasão não provocada.”
As
29 páginas do comunicado final da reunião dos ministros das Relações Exteriores
do G-7 no Japão não citam o Brasil, e a América Latina é o item 11, depois da
África.
Mas
foi incluído um recado que poderia ser dirigido, entre outros, também ao
Brasil, que aumentou em 38% suas importações de produtos russos, atingindo US$
7,85 bilhões no ano passado.
O
Brasil também recusou pedido do chanceler alemão Olaf Scholz, de repatriamento
de munição dos tanques Leopard para ser enviada para a Ucrânia. Além disso, tem
estreitado as relações com a Rússia, com a ida do assessor especial do
presidente Celso Amorim a Moscou e a vinda do chanceler russo a Brasília.
“Reafirmamos
nosso compromisso de apoiar a Ucrânia pelo tempo que for necessário e de
fornecer segurança sustentada, apoio econômico e institucional para ajudar a
Ucrânia a se defender, garantir seu futuro livre e democrático e impedir
futuras agressões russas”, começa o comunicado.
“Continuamos
comprometidos em intensificar as sanções contra a Rússia, coordenando e
aplicando-as totalmente, inclusive por meio do Mecanismo de Coordenação de
Aplicação, e combatendo as tentativas da Rússia e de terceiros de evadir e
minar nossas medidas de sanções”, continua o texto. “Reiteramos nosso apelo a
terceiros para que cessem a assistência à guerra da Rússia ou enfrentarão
custos severos. Reforçaremos nossa coordenação para prevenir e responder a
terceiros que fornecem armas à Rússia e continuaremos a tomar medidas contra
aqueles que apoiam materialmente a guerra da Rússia contra a Ucrânia.”
Lula
terá a oportunidade de ouvir diretamente as opiniões dos governantes do G-7
sobre esse e outros temas.
O
Brasil foi convidado a participar da reunião de cúpula do grupo, nos dias 19 e
20 de maio no Japão. Talvez o convite não se repita nos próximos anos, se ele
continuar se alinhando à Rússia e à China, outro país que preocupa o grupo.
Para tentar abafar o “ruído”, o Brasil
vai enviar Celso Amorim à Ucrânia a pedido de Lula
O
ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Márcio Macêdo,
afirmou que, a pedido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o Brasil
vai enviar o ex-chanceler Celso Amorim, atualmente assessor especial da
Presidência, à Ucrânia.
Macêdo
falou com jornalistas no hotel onde a comitiva presidencial está hospedada em
Lisboa. Lula está em visita oficial a Portugal e, na sequência, segue para a
Espanha.
"O
presidente Lula determinou e me orientou que dissesse que o assessor especial
da Presidência para assuntos internacionais, o ex-chanceler Celso Amorim, que
esteve na Rússia, vai visitar a Ucrânia", disse Macêdo.
Segundo
ele, ainda não há data para a visita e citou "questões de segurança".
Questionado
sobre as falas recentes de Lula equiparando Rússia e Ucrânia e acusando EUA e
União Europeia de prolongarem o conflito, Macêdo falou que o presidente foi
"mal-interpretado".
"Acho
que houve uma interpretação que não condiz com a posição do presidente
Lula".
"Respeitamos
a posição do continente europeu, dos países que estão de alguma forma no
conflito. Mas a posição do Brasil é de neutralidade, por uma razão muito
simples: se o Brasil tomar partido, perde a autoridade política de juntar pares
e países para encontrar um caminho para a paz. Esse é o sentimento do
presidente Lula e essa é a tradição do Brasil".
"Defendemos
a soberania dos países e a autodeterminação dos seus povos".
Macêdo
confirmou que recebeu uma carta escrita pela Associação dos Ucranianos em
Portugal e endereçada a Lula à qual a BBC News Brasil teve acesso.
No
documento, os ucranianos dizem que as declarações do presidente brasileiro
"nos deixaram muito preocupados e apreensivos".
"Consideramos
que qualquer tipo de apoio que o Brasil possa conferir à Federação Russa será
desprestigiante, levará a uma desconfiança da comunidade internacional,
incluindo acerca da sua posição no Conselho de Segurança da ONU", diz a
carta.
"Ninguém
quer ver o bom nome do Brasil, enquanto nação democrática e livre, manchado
como aliado do regime criminoso do Kremlin, pelo que as recentes declarações de
Vossa Excelência nos deixaram muito preocupados e apreensivos".
• Polêmica
A
visita de Lula a Portugal acontece em meio à repercussão negativa das
declarações do brasileiro sobre a guerra na Ucrânia.
Membro
da União Europeia e da Otan, a aliança militar ocidental, Portugal tem
declarado apoio aberto ao país invadido pela Rússia e chegou, inclusive, enviar
tanques Leopard a Kiev.
As
críticas não só vieram da associação de ucranianos em Portugal, mas também de
partidos de oposição.
Em
visita recente aos Emirados Árabes Unidos, onde fez uma parada depois de sua
viagem à China, o petista atribuiu aos EUA e à União Europeia, a responsabilidade
pelo prolongamento da guerra na Ucrânia.
"O
presidente [Vladimir] Putin não toma a iniciativa de parar. [Volodymyr]
Zelensky não toma a iniciativa de parar. A Europa e os Estados Unidos continuam
contribuindo para a continuação desta guerra", disse.
No
início do mês, Lula já havia afirmado que a Ucrânia poderia ceder a Crimeia,
anexada pela Rússia em 2014, em nome da paz.
Após
a polêmica, o petista condenou a invasão russa da Ucrânia.
"Ao
mesmo tempo em que meu governo condena a violação da integridade territorial da
Ucrânia, defendemos uma solução política negociada para o conflito", disse
Lula em encontro com o presidente da Romênia, Klaus Werner Iohannis nesta
semana.
Não
foi apenas em Portugal que as falas de Lula sobre a guerra na Ucrânia foram mal
recebidas.
John
Kirby, coordenador de comunicação estratégica do Conselho de Segurança Nacional
da Casa Branca, nos Estados Unidos, chamou a postura do presidente brasileiro
de "repetição automática da propaganda russa e chinesa" e
"profundamente problemática".
"É
profundamente problemático como o Brasil abordou essa questão de forma
substancial e retórica, sugerindo que os Estados Unidos e a Europa de alguma
forma não estão interessados na paz ou que compartilhamos a responsabilidade
pela guerra", disse ele em conversa com jornalistas.
"Francamente,
neste caso, o Brasil está repetindo a propaganda da Rússia sem olhar para os
fatos", acrescentou.
Para
Kirby, "os comentários mais recentes do Brasil de que a Ucrânia deveria
considerar ceder formalmente a Crimeia como uma concessão pela paz são
simplesmente equivocados, especialmente para um país como o Brasil que votou
para defender os princípios de soberania e integridade territorial na
Assembleia-Geral da ONU".
O
porta-voz para Assuntos Externos da União Europeia, Peter Stano, também rebateu
as falas de Lula sobre a guerra, destacando que a Rússia é a "única
responsável" pelo conflito.
"O
fato número um é que a Rússia — e apenas a Rússia — é responsável pela agressão
ilegítima e não provocada contra a Ucrânia. Então não há dúvidas sobre quem é o
agressor e quem é a vítima", disse Stano, lembrando que o Brasil condenou
a invasão da Ucrânia na ONU (Organização das Nações Unidas).
Stano
acrescentou que EUA e EU não estão contribuindo para prolongar a guerra, mas
ajudando Kiev em sua legítima defesa.
"Caso
contrário, a Ucrânia enfrentaria a destruição. A nação ucraniana e a Ucrânia
como país seriam destruídos porque estes são os objetivos declarados da guerra
de Putin", afirmou.
O
mal-estar se agravou ainda mais com a viagem oficial do ministro das Relações
Exteriores russo, Serguei Lavrov, a Brasília no início desta semana.
Uma
das propostas do governo Lula é a criação de um "clube da paz", fórum
de países que Brasília considera como não alinhados a nenhum dos lados do
conflito para mediar as negociações entre Kiev e Moscou.
Na
terça-feira (18/4), o governo da Ucrânia, por meio do porta-voz de sua
chancelaria, Oleg Nikolenko, voltou a convidar Lula a visitar Kiev.
Em
postagem no Facebook, Nikolenko afirmou que deseja que o brasileiro compreenda
"as verdadeiras causas da agressão russa e suas consequências para a
segurança global".
Lula
já havia sido convidado pelo presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, no mês
passado, quando os dois falaram por videoconferência pela primeira vez. Na
ocasião, o petista afirmou que aceitaria o convite em momento oportuno.
Fonte:
CNN Brasil/BBC News Brasil
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