domingo, 23 de abril de 2023

Com posições controversas sobre a guerra, Brasil chama atenção internacional

Se o objetivo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) era chamar a atenção, finalmente ele conseguiu. Funcionários dos governos dos Estados Unidos e da Europa rebateram suas acusações de que a Ucrânia e seus aliados são corresponsáveis pela guerra.

E o G-7 emitiu um comunicado advertindo para “graves custos” para os países que ajudarem a Rússia a driblar as sanções e a manter seu esforço de guerra.

Ao longo dos últimos meses, um dos temas dos quais o presidente brasileiro mais falou, muitas vezes fora de contexto e sem ser provocado, foi seu desejo de mediar a guerra na Ucrânia. Foi ignorado pela imprensa mundial, já que o mundo não vê o Brasil como um ator relevante nesse tipo de tema –e preferiria seguir ouvindo o novo governo em Brasília sobre a Amazônia.

Em Pequim, na China, e Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos, e ao receber o chanceler russo Sergey Lavrov em Brasília, Lula abandonou a suposta neutralidade do Brasil: acusou os aliados de fomentar a guerra ao enviar armas para a Ucrânia, e os próprios ucranianos de também terem iniciado a guerra, ao lado da Rússia.

O embaixador da União Europeia (UE) em Brasília, Ignacio Ibáñez, negou que a Europa e os EUA tenham interesse na guerra. “Temos um país agressor e um país agredido”, disse o diplomata, em entrevista exclusiva à CNN nesta terça-feira (18).

“A Carta das Nações Unidas é muito clara: temos que estar do lado do país agredido, ajudar a Ucrânia a se defender. Como toda guerra, tem uma solução fácil: se o agressor, que é a Rússia, se retirar do território invadido, a paz chegará rapidamente”.

“A posição europeia é a mesma dos Estados Unidos”, continuou Ibáñez. “Claro que estamos engajados na paz e queremos a paz. É a grande obsessão da UE. Estamos sofrendo com a guerra dentro do nosso próprio continente. Estamos buscando muitas soluções, mas para encontrar as soluções você tem que ir à origem do problema, que é claramente a agressão da Rússia sobre a Ucrânia, uma agressão que não tem justificativa.”

Segundo o diplomata espanhol, é preciso “remontar na história ao tempo das agressões das potências coloniais, e no caso da Rússia, não só a União Soviética, mas o Império Russo, essa vocação de ocupar mais territórios, nesse caso o ucraniano”.

Sobre quais seriam os custos mencionados pelo G-7 aos países que ajudam a Rússia, Ibáñez preferiu não adotar um tom de ameaça: “A UE tem colocado desde o início que esse problema tem que ser resolvido com o apoio do conjunto da comunidade internacional. Então, sempre vamos buscar aliados, países que compreendem os desafios que essa agressão da Rússia está provocando em todos os âmbitos. Acho que o âmbito central de todo o nosso trabalho têm que ser sempre as Nações Unidas e acho que lá temos obtido muito bons resultados”.

“Sempre tivemos o Brasil dentro dessa grande parte da comunidade internacional”, elogiou o diplomata espanhol.

“O G-20, o G-7 são âmbitos que queremos usar também. Lá temos recolhido uma percepção clara do desafio que é deixar um país como a Rússia não respeitar a Carta das Nações Unidas. Isso serve para o mundo inteiro. Se olhamos para cada uma de nossas regiões, temos situações em que se você deixa que um país pelo uso da força não respeite a Carta, com certeza teremos repetições de situações como a da Europa no futuro. Por isso o G-7 quer ter uma posição de firmeza. Vamos manter essa posição de forma clara.”

“Queremos continuar a contar com o Brasil”, disse Ibáñez, lembrando que, ao receber o presidente da Romênia, Klaus Werner Iohannis, nessa terça-feira em Brasília, Lula condenou a invasão da Ucrânia. “Essa é a mensagem que queremos ouvir do Brasil, e vamos continuar trabalhando com o Brasil, um parceiro estratégico da UE.

Compartilhamos tantas coisas, como o valor da democracia, o respeito às regras da comunidade internacional, que é a Carta das Nações Unidas, e naturalmente queremos estabelecer essa confiança entre a UE e o Brasil.”

Na segunda-feira (17), o porta-voz do Conselho de Segurança Nacional americano, almirante John Kirby, disse que o Brasil estava “papagueando” as posições da Rússia sobre a Ucrânia. porta-voz da Casa Branca, Karine Jean-Pierre, voltou à carga nesta terça.

“Os EUA não têm nenhuma objeção a nenhum país que tente acabar com a guerra da Rússia contra a Ucrânia, uma guerra que eles [os russos] começaram, uma guerra de escolha deles”, disse a porta-voz.

“Mas ficamos abalados com o tom dos comentários naquela coletiva do ministro das Relações Exteriores ontem, que não foi de neutralidade, sugerindo que os EUA e a Europa não estão interessados na paz, ou que dividimos a responsabilidade pela guerra”, continuou Jean-Pierre, confundindo-se ao se referir às declarações de Lula. “Nós acreditamos que isso é completamente errado. É claro que queremos o fim dessa guerra.”

A porta-voz continuou: “Os EUA e a Europa se engajaram para prevenir essa guerra desde meados de 2021 e os esforços têm continuado desde o início dessa guerra. Infelizmente a Rússia não tem mostrado nenhum interesse em pôr um fim a essa invasão não provocada.”

As 29 páginas do comunicado final da reunião dos ministros das Relações Exteriores do G-7 no Japão não citam o Brasil, e a América Latina é o item 11, depois da África.

Mas foi incluído um recado que poderia ser dirigido, entre outros, também ao Brasil, que aumentou em 38% suas importações de produtos russos, atingindo US$ 7,85 bilhões no ano passado.

O Brasil também recusou pedido do chanceler alemão Olaf Scholz, de repatriamento de munição dos tanques Leopard para ser enviada para a Ucrânia. Além disso, tem estreitado as relações com a Rússia, com a ida do assessor especial do presidente Celso Amorim a Moscou e a vinda do chanceler russo a Brasília.

“Reafirmamos nosso compromisso de apoiar a Ucrânia pelo tempo que for necessário e de fornecer segurança sustentada, apoio econômico e institucional para ajudar a Ucrânia a se defender, garantir seu futuro livre e democrático e impedir futuras agressões russas”, começa o comunicado.

“Continuamos comprometidos em intensificar as sanções contra a Rússia, coordenando e aplicando-as totalmente, inclusive por meio do Mecanismo de Coordenação de Aplicação, e combatendo as tentativas da Rússia e de terceiros de evadir e minar nossas medidas de sanções”, continua o texto. “Reiteramos nosso apelo a terceiros para que cessem a assistência à guerra da Rússia ou enfrentarão custos severos. Reforçaremos nossa coordenação para prevenir e responder a terceiros que fornecem armas à Rússia e continuaremos a tomar medidas contra aqueles que apoiam materialmente a guerra da Rússia contra a Ucrânia.”

Lula terá a oportunidade de ouvir diretamente as opiniões dos governantes do G-7 sobre esse e outros temas.

O Brasil foi convidado a participar da reunião de cúpula do grupo, nos dias 19 e 20 de maio no Japão. Talvez o convite não se repita nos próximos anos, se ele continuar se alinhando à Rússia e à China, outro país que preocupa o grupo.

 

       Para tentar abafar o “ruído”, o Brasil vai enviar Celso Amorim à Ucrânia a pedido de Lula

 

O ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Márcio Macêdo, afirmou que, a pedido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o Brasil vai enviar o ex-chanceler Celso Amorim, atualmente assessor especial da Presidência, à Ucrânia.

Macêdo falou com jornalistas no hotel onde a comitiva presidencial está hospedada em Lisboa. Lula está em visita oficial a Portugal e, na sequência, segue para a Espanha.

"O presidente Lula determinou e me orientou que dissesse que o assessor especial da Presidência para assuntos internacionais, o ex-chanceler Celso Amorim, que esteve na Rússia, vai visitar a Ucrânia", disse Macêdo.

Segundo ele, ainda não há data para a visita e citou "questões de segurança".

Questionado sobre as falas recentes de Lula equiparando Rússia e Ucrânia e acusando EUA e União Europeia de prolongarem o conflito, Macêdo falou que o presidente foi "mal-interpretado".

"Acho que houve uma interpretação que não condiz com a posição do presidente Lula".

"Respeitamos a posição do continente europeu, dos países que estão de alguma forma no conflito. Mas a posição do Brasil é de neutralidade, por uma razão muito simples: se o Brasil tomar partido, perde a autoridade política de juntar pares e países para encontrar um caminho para a paz. Esse é o sentimento do presidente Lula e essa é a tradição do Brasil".

"Defendemos a soberania dos países e a autodeterminação dos seus povos".

Macêdo confirmou que recebeu uma carta escrita pela Associação dos Ucranianos em Portugal e endereçada a Lula à qual a BBC News Brasil teve acesso.

No documento, os ucranianos dizem que as declarações do presidente brasileiro "nos deixaram muito preocupados e apreensivos".

"Consideramos que qualquer tipo de apoio que o Brasil possa conferir à Federação Russa será desprestigiante, levará a uma desconfiança da comunidade internacional, incluindo acerca da sua posição no Conselho de Segurança da ONU", diz a carta.

"Ninguém quer ver o bom nome do Brasil, enquanto nação democrática e livre, manchado como aliado do regime criminoso do Kremlin, pelo que as recentes declarações de Vossa Excelência nos deixaram muito preocupados e apreensivos".

•        Polêmica

A visita de Lula a Portugal acontece em meio à repercussão negativa das declarações do brasileiro sobre a guerra na Ucrânia.

Membro da União Europeia e da Otan, a aliança militar ocidental, Portugal tem declarado apoio aberto ao país invadido pela Rússia e chegou, inclusive, enviar tanques Leopard a Kiev.

As críticas não só vieram da associação de ucranianos em Portugal, mas também de partidos de oposição.

Em visita recente aos Emirados Árabes Unidos, onde fez uma parada depois de sua viagem à China, o petista atribuiu aos EUA e à União Europeia, a responsabilidade pelo prolongamento da guerra na Ucrânia.

"O presidente [Vladimir] Putin não toma a iniciativa de parar. [Volodymyr] Zelensky não toma a iniciativa de parar. A Europa e os Estados Unidos continuam contribuindo para a continuação desta guerra", disse.

No início do mês, Lula já havia afirmado que a Ucrânia poderia ceder a Crimeia, anexada pela Rússia em 2014, em nome da paz.

Após a polêmica, o petista condenou a invasão russa da Ucrânia.

"Ao mesmo tempo em que meu governo condena a violação da integridade territorial da Ucrânia, defendemos uma solução política negociada para o conflito", disse Lula em encontro com o presidente da Romênia, Klaus Werner Iohannis nesta semana.

Não foi apenas em Portugal que as falas de Lula sobre a guerra na Ucrânia foram mal recebidas.

John Kirby, coordenador de comunicação estratégica do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, nos Estados Unidos, chamou a postura do presidente brasileiro de "repetição automática da propaganda russa e chinesa" e "profundamente problemática".

"É profundamente problemático como o Brasil abordou essa questão de forma substancial e retórica, sugerindo que os Estados Unidos e a Europa de alguma forma não estão interessados na paz ou que compartilhamos a responsabilidade pela guerra", disse ele em conversa com jornalistas.

"Francamente, neste caso, o Brasil está repetindo a propaganda da Rússia sem olhar para os fatos", acrescentou.

Para Kirby, "os comentários mais recentes do Brasil de que a Ucrânia deveria considerar ceder formalmente a Crimeia como uma concessão pela paz são simplesmente equivocados, especialmente para um país como o Brasil que votou para defender os princípios de soberania e integridade territorial na Assembleia-Geral da ONU".

O porta-voz para Assuntos Externos da União Europeia, Peter Stano, também rebateu as falas de Lula sobre a guerra, destacando que a Rússia é a "única responsável" pelo conflito.

"O fato número um é que a Rússia — e apenas a Rússia — é responsável pela agressão ilegítima e não provocada contra a Ucrânia. Então não há dúvidas sobre quem é o agressor e quem é a vítima", disse Stano, lembrando que o Brasil condenou a invasão da Ucrânia na ONU (Organização das Nações Unidas).

Stano acrescentou que EUA e EU não estão contribuindo para prolongar a guerra, mas ajudando Kiev em sua legítima defesa.

"Caso contrário, a Ucrânia enfrentaria a destruição. A nação ucraniana e a Ucrânia como país seriam destruídos porque estes são os objetivos declarados da guerra de Putin", afirmou.

O mal-estar se agravou ainda mais com a viagem oficial do ministro das Relações Exteriores russo, Serguei Lavrov, a Brasília no início desta semana.

Uma das propostas do governo Lula é a criação de um "clube da paz", fórum de países que Brasília considera como não alinhados a nenhum dos lados do conflito para mediar as negociações entre Kiev e Moscou.

Na terça-feira (18/4), o governo da Ucrânia, por meio do porta-voz de sua chancelaria, Oleg Nikolenko, voltou a convidar Lula a visitar Kiev.

Em postagem no Facebook, Nikolenko afirmou que deseja que o brasileiro compreenda "as verdadeiras causas da agressão russa e suas consequências para a segurança global".

Lula já havia sido convidado pelo presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, no mês passado, quando os dois falaram por videoconferência pela primeira vez. Na ocasião, o petista afirmou que aceitaria o convite em momento oportuno.

 

Fonte: CNN Brasil/BBC News Brasil

 

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