Agricultores
americanos temem guerra comercial com a China
É uma
manhã de sexta-feira, e estamos atravessando o estado de Maryland de carro para
conversar com plantadores de soja locais. O presidente dos Estados
Unidos, Donald Trump, tem anunciado
planos para impor sobretaxas abrangentes a diversos parceiros comerciais
importantes, inclusive o Canadá, México, União Europeia e
China.
Passando
pelos campos de milho e soja, não posso deixar de me perguntar o que os
agricultores acham desses desdobramentos. Eles serão capazes de manobrar
através da incerteza de uma presidência imprevisível?
Há um
bom tempo o magnata nova-iorquino conta com forte apoio da comunidade agrícola
americana, citando repetidamente uma suposta compreensão por seus problemas.
Desta vez, contudo, as guerras comerciais e disputas tarifárias ameaçam a
subsistência de muitos fazendeiros.
Chego a
Greenwood, a duas horas de carro de Washington, onde tenho encontro marcado com
Richard Wilkins, que cultiva soja desde 1973. Ele exporta parte do produto para
os mercados globais através do Porto de Virgínia. Como é inverno, os seus
campos estão vazios.
O
fazendeiro argumenta que os EUA tentaram liderar pelo exemplo, ao abrir
amplamente seus mercados para importações de todo o mundo: "A expectativa
era que esse exemplo encorajaria outros países a fazerem o mesmo e nos darem
acesso. Se as tarifas são necessárias para nos posicionar melhor num mercado
aberto e na livre concorrência no resto do mundo, estou totalmente do lado do
presidente."
Assim
como outros agricultores, ele "sente muito forte" que Trump tenha, de
fato, "uma grande simpatia pelo fazendeiro americano".
·
"Aguentem
junto comigo": até quando?
Josh
Messick, do município de Sussex, tem 27 anos e trabalha desde os 12 nas
plantações da família, cuja fazenda de 485 hectares produz milho, soja, trigo e
cevada. Ele está preocupado com a atual volatilidade do mercado: "É
definitivamente uma época assustadora. A gente não sabe se quer fechar um
contrato [de venda] de milho agora, ou esperar até o outono, na época da
colheita. Eu simplesmente tenho que confiar que o Trump vai nos dar
respaldo."
Talvez
o impacto total das medidas comerciais trumpistas não se faça sentir até a
próxima safra. No curto prazo, alguns produtos agrícolas devem ficar mais
baratos para o consumidor se as exportações caírem. Por outro lado, milho,
trigo e soja só representam uma parcela relativamente pequena dos preços dos
alimentos no varejo.
Em
seu discurso de posse de 20 de
janeiro, no Congresso, Trump alegou que as importações agrícolas prejudicavam
os fazendeiros americanos, e lhes pediu para "aguentar junto comigo",
enquanto ele trabalhava para protegê-los. Messick comenta que achou
"esquisito" que o novo presidente dissesse isso, e agora se pergunta
por quanto tempo vai ter que "aguentar as pontas com ele".
"Nossos
preços de mercado mais altos costumam ser durante a estação de cultivo, em maio
ou junho. Então a questão é se a gente espera até lá, ou precisa vender a safra
agora. E se a China decidir que não quer comprar nada da gente?"
Ele não
é o único plantador de soja de Maryland preocupado em perder sua fatia de
mercado por culpa da política presidencial. Um colega seu comenta: "A
gente torce para chegar a um certo equilíbrio, mas as decisões de Trump me
deixam inquieto. Se vamos ter que aguentar perdas de curto prazo, eu espero que
o governo vá providenciar apoio."
·
Ao
sabor da instabilidade trumpista
O
mandatário republicano ainda não anunciou nenhum tipo de assistência financeira
para os plantadores de soja, cujas exportações, especificamente para a China,
vêm caindo há anos.
Segundo
a Comissão de Comércio Internacional dos EUA (USITC), as vendas do produto para
o país asiático caíram 75% em 2018, quando Trump desencadeou uma guerra
comercial com Pequim. Ao todo, as exportações agrícolas americanas para o país
caíram de 24 bilhões de dólares (R$ 138 bilhões), em 2014, para menos
de 10 bilhões de dólares em 2019.
Ainda
assim, a Casa Branca tem alardeado o plano de introduzir tarifas comerciais recíprocas – que entrarão
em vigor contra a União Europeia em 2 de abril. Em sua plataforma Truth Social,
Trump instou os fazendeiros nacionais a "se prepararem para fazer um monte
de produtos agrícolas para serem vendidos DENTRO dos Estados Unidos".
De
acordo com Caleb Ragland, presidente da Associação Americana de Soja (ASA),
contudo, os agricultores ainda não se recuperaram da guerra comercial de 2018.
Ele enfatiza a importância de manter o acesso ao mercado chinês, alertando que
o setor já se confronta com "perdas potencialmente pesadas" em 2025.
Ragland
frisa que ele e seus colegas "não podem arcar com a carga" das
sobretaxas agrícolas: "Não podemos ser o bode expiatório, que carrega o
grosso da dor pelo bem de todos os outros." Urgindo Trump a "negociar
proativamente" com a China e outros países, acrescenta: "Vamos tentar
ir adiante e conseguir o acordo comercial que ele negociou durante o primeiro
mandato."
¨
As empresas americanas que apoiam a guerra comercial de
Trump
Vá a um
supermercado nos Estados Unidos e as
prateleiras estarão abastecidas com pastas de morango St Dalfour e conservas de
framboesa Bonne Maman — alguns dos mais de US$ 200 milhões (R$ 1,1 bi) em
geleias que a Europa envia para os
EUA a cada ano.
Mas
tente procurar geleias feitas em terras americanas nos supermercados da Europa — e
você provavelmente ficará de mãos vazias.
Os EUA
exportam menos de US$ 300 mil (R$ 1,7 milhão) em geleia a cada ano para o
bloco.
Esse é
um desequilíbrio que a empresa americana JM Smucker, uma das maiores vendedoras
desses produtos nos EUA, atribui a um imposto de importação de mais de 24% que
suas geleias enfrentam na União Europeia (UE).
"O
valor minúsculo das exportações dos EUA para a UE é inteiramente atribuível
às altas tarifas", escreveu a
empresa em uma carta à Casa Branca este mês, ao pedir para o governo Trump abordar a
questão enquanto se prepara para cobrar tarifas "recíprocas" sobre os
maiores parceiros comerciais do país.
"Tarifas
recíprocas dos EUA sobre geleias e compotas da UE serviriam para nivelar o
campo de jogo", defendeu a empresa, observando que a maior tarifa dos EUA
para geleias é atualmente de apenas 4,5%.
Globalmente,
a pressão de Trump para implementar tarifas contra parceiros comerciais
próximos — muitos dos quais têm cargas tarifárias médias semelhantes às da
América — gerou raiva e perplexidade, ao mesmo tempo em que atraiu alertas de
economistas sobre preços mais altos e outras possíveis dores de cabeça
econômicas.
Algumas
empresas nos EUA ecoaram essas preocupações, mas os apelos de Trump por tarifas
também canalizam frustrações de longa data que muitas empresas sentem sobre a
concorrência estrangeira e as políticas que enfrentam no exterior.
A carta
da Smucker foi uma entre centenas enviadas à Casa Branca, que buscam
influenciar o próximo conjunto de tarifas, com previsão de divulgação no dia 2
de abril.
Os
produtores de maçãs levantaram a grande disparidade em impostos de importação
que essas frutas enfrentam em países como Índia (50%), Tailândia (40%) e Brasil
(10%), bem como regras sanitárias em países como a Austrália, que segundo eles
bloqueiam injustamente as exportações.
As
empresas de streaming chamaram atenção para impostos digitais
no Canadá e na Turquia, que disseram "discriminar injustamente"
companhias dos EUA.
O lobby
do petróleo e gás natural criticou as regulamentações no México que exigem uma
parceria com a empresa estatal de petróleo, além de outras políticas.
A
própria Casa Branca destacou tarifas desiguais de etanol no Brasil (18% ante
2,5% nos EUA), tarifas de automóveis na Europa (10% ante 2,5% nos EUA) e
motocicletas na Índia (até alguns anos atrás, 100% versus 2,4% nos EUA).
Trump
sugeriu que o plano de tarifas recíprocas ajudará a remediar essas queixas,
cujo anúncio é chamado de "Dia da Libertação".
Mas
mesmo as empresas que buscam remediar problemas próprios expressaram hesitação
sobre a estratégia do presidente de tarifar primeiro e perguntar depois, o que
aumenta o risco de retaliação e uma guerra comercial amplificada.
Conforme
o dia 2 de abril se aproxima, ainda há uma incerteza generalizada sobre os
objetivos e o escopo dos planos da Casa Branca, especialmente porque Trump
lança uma série de outras pistas sobre o que será feito.
"Vamos
ser legais", disse ele na semana passada.
Ao
mesmo tempo, o presidente dos EUA anunciou tarifas potencialmente devastadoras
sobre carros e peças de automóveis estrangeiros.
"Acho
que as pessoas ficarão agradavelmente surpresas", complementou Trump.
A Índia
já disse que reduziria as tarifas sobre motocicletas — uma aposta aparente de
que as tarifas de Trump são uma estratégia projetada para ganhar vantagem em
negociações comerciais.
No
entanto, analistas alertam que esperar que Trump planeje usar tarifas
recíprocas para negociar mudanças pode gerar desapontamento, já que o
presidente também indicou que poderia ficar satisfeito com um simples revide.
"Alguns
dias são sobre vingança e apenas equalizar as coisas. Outros dias são sobre
reduzir tarifas. Há então outros dias, os terceiros dias, que são sobre trazer
a manufatura para os Estados Unidos", avalia William Reinsch, consultor
sênior do Center for Strategic and International Studies (Centro de Estudos
Internacionais e Estratégicos), um organização sediada de Washington.
"Ele
usou todos esses 'dias' em momentos diferentes. Não há uma estratégia única
aqui em que você possa confiar."
A
incompatibilidade entre a ferramenta contundente das tarifas e as questões mais
específicas que as empresas querem que a Casa Branca defenda levou a uma dança
delicada.
As
empresas sugerem tarifas de acordo com o interesse delas, ao mesmo tempo em que
esperam evitar repercussões das taxas abrangentes que Trump sugeriu.
Por
exemplo, a fabricante NorthStar BlueScope Steel, que emprega 700 pessoas nos
EUA e funde aço a partir de metal reciclado, pediu a Trump que expandisse as
tarifas sobre aço e alumínio.
Ao
mesmo tempo, no entanto, pediu uma isenção de tarifas para as matérias-primas
de que precisa, como sucatas.
Da
mesma forma, o grupo de lobby do qual JM Smucker e outros grandes fabricantes
de alimentos fazem parte, a Consumer Brands Association, alertou contra
"tarifas excessivamente amplas e abrangentes" que podem tornar mais
caro a importação de ingredientes como cacau, que não são produzidos nos EUA.
"Não
quero necessariamente que o governo atual diga, 'vamos impor uma tarifa'",
disse Tom Madrecki, vice-presidente de resiliência da cadeia de suprimentos do
grupo, em um fórum recente sobre tarifas, organizado pela organização Farmers
for Free Trade ("Agricultores pelo Livre Comércio", em tradução
livre).
"É
esse equilíbrio cuidadoso entre adotar uma política comercial dos EUA em
primeiro lugar e uma ação para combater políticas comerciais injustas no
exterior. Mas talvez não exatamente dessa forma [como Trump está
fazendo]", complementou Madrecki.
Wilbur
Ross, que atuou como secretário de comércio de Trump durante o primeiro
mandato, entende que as preocupações comerciais se dissiparão à medida que os
planos do presidente dos EUA se tornem claros.
Ele
entende que 2 de abril pode ser um "grande passo" nesse sentido.
Mas ele
observa que o presidente vê pouca desvantagem em usar tarifas, encarando-as
como uma fonte de novas receitas ou uma maneira de reduzir importações e
incentivar mais a manufatura local.
"Ele
está muito comprometido", avalia Ross.
"As
pessoas deveriam saber que algo assim estava por vir, porque ele tem falado
sobre isso há muitos e muitos anos."
Os
republicanos, tradicionalmente o partido pró-comércio, continuam a apoiar a
estratégia de Trump, mesmo quando os anúncios de tarifas foram
responsabilizados pela recente liquidação do mercado de ações e a fraqueza da
confiança empresarial e do consumidor revelada por pesquisas recentes.
Em uma
audiência recente sobre comércio, Jodey Arrington, um republicano que
representa o Texas, reconheceu que pode haver "alguma dor associada no
início", mas manteve a promessa de Trump de que as tarifas vão criar
oportunidades para os eleitores no final.
"Parece-me
que não é americano não lutar para que nossos fabricantes, produtores e
trabalhadores tenham simplesmente um campo de jogo equilibrado", defendeu
ele.
"Estamos
simplesmente tentando redefinir esses relacionamentos [comerciais] de forma que
joguemos no mesmo conjunto de regras", acrescentou Arrington.
"Assim,
todos ganham", concluiu ele.
Fonte:
DW Brasil/BBC News
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