quarta-feira, 2 de abril de 2025

Agricultores americanos temem guerra comercial com a China

É uma manhã de sexta-feira, e estamos atravessando o estado de Maryland de carro para conversar com plantadores de soja locais. O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tem anunciado planos para impor sobretaxas abrangentes a diversos parceiros comerciais importantes, inclusive o Canadá, México, União Europeia e China.

Passando pelos campos de milho e soja, não posso deixar de me perguntar o que os agricultores acham desses desdobramentos. Eles serão capazes de manobrar através da incerteza de uma presidência imprevisível?

Há um bom tempo o magnata nova-iorquino conta com forte apoio da comunidade agrícola americana, citando repetidamente uma suposta compreensão por seus problemas. Desta vez, contudo, as guerras comerciais e disputas tarifárias ameaçam a subsistência de muitos fazendeiros.

Chego a Greenwood, a duas horas de carro de Washington, onde tenho encontro marcado com Richard Wilkins, que cultiva soja desde 1973. Ele exporta parte do produto para os mercados globais através do Porto de Virgínia. Como é inverno, os seus campos estão vazios.

O fazendeiro argumenta que os EUA tentaram liderar pelo exemplo, ao abrir amplamente seus mercados para importações de todo o mundo: "A expectativa era que esse exemplo encorajaria outros países a fazerem o mesmo e nos darem acesso. Se as tarifas são necessárias para nos posicionar melhor num mercado aberto e na livre concorrência no resto do mundo, estou totalmente do lado do presidente."

Assim como outros agricultores, ele "sente muito forte" que Trump tenha, de fato, "uma grande simpatia pelo fazendeiro americano".

·        "Aguentem junto comigo": até quando?

Josh Messick, do município de Sussex, tem 27 anos e trabalha desde os 12 nas plantações da família, cuja fazenda de 485 hectares produz milho, soja, trigo e cevada. Ele está preocupado com a atual volatilidade do mercado: "É definitivamente uma época assustadora. A gente não sabe se quer fechar um contrato [de venda] de milho agora, ou esperar até o outono, na época da colheita. Eu simplesmente tenho que confiar que o Trump vai nos dar respaldo."

Talvez o impacto total das medidas comerciais trumpistas não se faça sentir até a próxima safra. No curto prazo, alguns produtos agrícolas devem ficar mais baratos para o consumidor se as exportações caírem. Por outro lado, milho, trigo e soja só representam uma parcela relativamente pequena dos preços dos alimentos no varejo.

Em seu discurso de posse de 20 de janeiro, no Congresso, Trump alegou que as importações agrícolas prejudicavam os fazendeiros americanos, e lhes pediu para "aguentar junto comigo", enquanto ele trabalhava para protegê-los. Messick comenta que achou "esquisito" que o novo presidente dissesse isso, e agora se pergunta por quanto tempo vai ter que "aguentar as pontas com ele".

"Nossos preços de mercado mais altos costumam ser durante a estação de cultivo, em maio ou junho. Então a questão é se a gente espera até lá, ou precisa vender a safra agora. E se a China decidir que não quer comprar nada da gente?"

Ele não é o único plantador de soja de Maryland preocupado em perder sua fatia de mercado por culpa da política presidencial. Um colega seu comenta: "A gente torce para chegar a um certo equilíbrio, mas as decisões de Trump me deixam inquieto. Se vamos ter que aguentar perdas de curto prazo, eu espero que o governo vá providenciar apoio."

·        Ao sabor da instabilidade trumpista

O mandatário republicano ainda não anunciou nenhum tipo de assistência financeira para os plantadores de soja, cujas exportações, especificamente para a China, vêm caindo há anos.

Segundo a Comissão de Comércio Internacional dos EUA (USITC), as vendas do produto para o país asiático caíram 75% em 2018, quando Trump desencadeou uma guerra comercial com Pequim. Ao todo, as exportações agrícolas americanas para o país caíram de 24 bilhões de dólares (R$ 138 bilhões), em 2014, para menos de 10 bilhões de dólares em 2019.

Ainda assim, a Casa Branca tem alardeado o plano de introduzir tarifas comerciais recíprocas – que entrarão em vigor contra a União Europeia em 2 de abril. Em sua plataforma Truth Social, Trump instou os fazendeiros nacionais a "se prepararem para fazer um monte de produtos agrícolas para serem vendidos DENTRO dos Estados Unidos".

De acordo com Caleb Ragland, presidente da Associação Americana de Soja (ASA), contudo, os agricultores ainda não se recuperaram da guerra comercial de 2018. Ele enfatiza a importância de manter o acesso ao mercado chinês, alertando que o setor já se confronta com "perdas potencialmente pesadas" em 2025.

Ragland frisa que ele e seus colegas "não podem arcar com a carga" das sobretaxas agrícolas: "Não podemos ser o bode expiatório, que carrega o grosso da dor pelo bem de todos os outros." Urgindo Trump a "negociar proativamente" com a China e outros países, acrescenta: "Vamos tentar ir adiante e conseguir o acordo comercial que ele negociou durante o primeiro mandato."

¨      As empresas americanas que apoiam a guerra comercial de Trump

Vá a um supermercado nos Estados Unidos e as prateleiras estarão abastecidas com pastas de morango St Dalfour e conservas de framboesa Bonne Maman — alguns dos mais de US$ 200 milhões (R$ 1,1 bi) em geleias que a Europa envia para os EUA a cada ano.

Mas tente procurar geleias feitas em terras americanas nos supermercados da Europa — e você provavelmente ficará de mãos vazias.

Os EUA exportam menos de US$ 300 mil (R$ 1,7 milhão) em geleia a cada ano para o bloco.

Esse é um desequilíbrio que a empresa americana JM Smucker, uma das maiores vendedoras desses produtos nos EUA, atribui a um imposto de importação de mais de 24% que suas geleias enfrentam na União Europeia (UE).

"O valor minúsculo das exportações dos EUA para a UE é inteiramente atribuível às altas tarifas", escreveu a empresa em uma carta à Casa Branca este mês, ao pedir para o governo Trump abordar a questão enquanto se prepara para cobrar tarifas "recíprocas" sobre os maiores parceiros comerciais do país.

"Tarifas recíprocas dos EUA sobre geleias e compotas da UE serviriam para nivelar o campo de jogo", defendeu a empresa, observando que a maior tarifa dos EUA para geleias é atualmente de apenas 4,5%.

Globalmente, a pressão de Trump para implementar tarifas contra parceiros comerciais próximos — muitos dos quais têm cargas tarifárias médias semelhantes às da América — gerou raiva e perplexidade, ao mesmo tempo em que atraiu alertas de economistas sobre preços mais altos e outras possíveis dores de cabeça econômicas.

Algumas empresas nos EUA ecoaram essas preocupações, mas os apelos de Trump por tarifas também canalizam frustrações de longa data que muitas empresas sentem sobre a concorrência estrangeira e as políticas que enfrentam no exterior.

A carta da Smucker foi uma entre centenas enviadas à Casa Branca, que buscam influenciar o próximo conjunto de tarifas, com previsão de divulgação no dia 2 de abril.

Os produtores de maçãs levantaram a grande disparidade em impostos de importação que essas frutas enfrentam em países como Índia (50%), Tailândia (40%) e Brasil (10%), bem como regras sanitárias em países como a Austrália, que segundo eles bloqueiam injustamente as exportações.

As empresas de streaming chamaram atenção para impostos digitais no Canadá e na Turquia, que disseram "discriminar injustamente" companhias dos EUA.

O lobby do petróleo e gás natural criticou as regulamentações no México que exigem uma parceria com a empresa estatal de petróleo, além de outras políticas.

A própria Casa Branca destacou tarifas desiguais de etanol no Brasil (18% ante 2,5% nos EUA), tarifas de automóveis na Europa (10% ante 2,5% nos EUA) e motocicletas na Índia (até alguns anos atrás, 100% versus 2,4% nos EUA).

Trump sugeriu que o plano de tarifas recíprocas ajudará a remediar essas queixas, cujo anúncio é chamado de "Dia da Libertação".

Mas mesmo as empresas que buscam remediar problemas próprios expressaram hesitação sobre a estratégia do presidente de tarifar primeiro e perguntar depois, o que aumenta o risco de retaliação e uma guerra comercial amplificada.

Conforme o dia 2 de abril se aproxima, ainda há uma incerteza generalizada sobre os objetivos e o escopo dos planos da Casa Branca, especialmente porque Trump lança uma série de outras pistas sobre o que será feito.

"Vamos ser legais", disse ele na semana passada.

Ao mesmo tempo, o presidente dos EUA anunciou tarifas potencialmente devastadoras sobre carros e peças de automóveis estrangeiros.

"Acho que as pessoas ficarão agradavelmente surpresas", complementou Trump.

A Índia já disse que reduziria as tarifas sobre motocicletas — uma aposta aparente de que as tarifas de Trump são uma estratégia projetada para ganhar vantagem em negociações comerciais.

No entanto, analistas alertam que esperar que Trump planeje usar tarifas recíprocas para negociar mudanças pode gerar desapontamento, já que o presidente também indicou que poderia ficar satisfeito com um simples revide.

"Alguns dias são sobre vingança e apenas equalizar as coisas. Outros dias são sobre reduzir tarifas. Há então outros dias, os terceiros dias, que são sobre trazer a manufatura para os Estados Unidos", avalia William Reinsch, consultor sênior do Center for Strategic and International Studies (Centro de Estudos Internacionais e Estratégicos), um organização sediada de Washington.

"Ele usou todos esses 'dias' em momentos diferentes. Não há uma estratégia única aqui em que você possa confiar."

A incompatibilidade entre a ferramenta contundente das tarifas e as questões mais específicas que as empresas querem que a Casa Branca defenda levou a uma dança delicada.

As empresas sugerem tarifas de acordo com o interesse delas, ao mesmo tempo em que esperam evitar repercussões das taxas abrangentes que Trump sugeriu.

Por exemplo, a fabricante NorthStar BlueScope Steel, que emprega 700 pessoas nos EUA e funde aço a partir de metal reciclado, pediu a Trump que expandisse as tarifas sobre aço e alumínio.

Ao mesmo tempo, no entanto, pediu uma isenção de tarifas para as matérias-primas de que precisa, como sucatas.

Da mesma forma, o grupo de lobby do qual JM Smucker e outros grandes fabricantes de alimentos fazem parte, a Consumer Brands Association, alertou contra "tarifas excessivamente amplas e abrangentes" que podem tornar mais caro a importação de ingredientes como cacau, que não são produzidos nos EUA.

"Não quero necessariamente que o governo atual diga, 'vamos impor uma tarifa'", disse Tom Madrecki, vice-presidente de resiliência da cadeia de suprimentos do grupo, em um fórum recente sobre tarifas, organizado pela organização Farmers for Free Trade ("Agricultores pelo Livre Comércio", em tradução livre).

"É esse equilíbrio cuidadoso entre adotar uma política comercial dos EUA em primeiro lugar e uma ação para combater políticas comerciais injustas no exterior. Mas talvez não exatamente dessa forma [como Trump está fazendo]", complementou Madrecki.

Wilbur Ross, que atuou como secretário de comércio de Trump durante o primeiro mandato, entende que as preocupações comerciais se dissiparão à medida que os planos do presidente dos EUA se tornem claros.

Ele entende que 2 de abril pode ser um "grande passo" nesse sentido.

Mas ele observa que o presidente vê pouca desvantagem em usar tarifas, encarando-as como uma fonte de novas receitas ou uma maneira de reduzir importações e incentivar mais a manufatura local.

"Ele está muito comprometido", avalia Ross.

"As pessoas deveriam saber que algo assim estava por vir, porque ele tem falado sobre isso há muitos e muitos anos."

Os republicanos, tradicionalmente o partido pró-comércio, continuam a apoiar a estratégia de Trump, mesmo quando os anúncios de tarifas foram responsabilizados pela recente liquidação do mercado de ações e a fraqueza da confiança empresarial e do consumidor revelada por pesquisas recentes.

Em uma audiência recente sobre comércio, Jodey Arrington, um republicano que representa o Texas, reconheceu que pode haver "alguma dor associada no início", mas manteve a promessa de Trump de que as tarifas vão criar oportunidades para os eleitores no final.

"Parece-me que não é americano não lutar para que nossos fabricantes, produtores e trabalhadores tenham simplesmente um campo de jogo equilibrado", defendeu ele.

"Estamos simplesmente tentando redefinir esses relacionamentos [comerciais] de forma que joguemos no mesmo conjunto de regras", acrescentou Arrington.

"Assim, todos ganham", concluiu ele.

 

Fonte: DW Brasil/BBC News

 

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