sábado, 28 de outubro de 2023

Protagonismo: Brasil lidera negociações do Mercosul; Bolívia entra ou não no bloco?

Desde o início do seu governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) busca retomar o protagonismo diplomático que o Brasil construiu ao longo dos anos, mas que, segundo especialistas, foi enfraquecido durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), principalmente com a América Latina.

O fortalecimento do Mercado Comum do Sul (Mercosul), composto pelos países Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, e ao qual, nos últimos anos, incorporaram-se à Venezuela (temporariamente suspensa do bloco) e à Bolívia — esta última ainda em processo de adesão, aguardando ratificação brasileira — segue, ao que tudo indica, sendo prioridade do governo federal.

Um exemplo desse fortalecimento é a viagem realizada na terça-feira (17) pelo assessor de assuntos internacionais da Presidência, Celso Amorim, para Barbados, no Caribe.

De lá, Amorim acompanhou a reunião entre os EUA e a própria Venezuela.

O compromisso firmado prevê um levantamento progressivo de sanções impostas à Venezuela.

A Sputnik Brasil conversou com especialistas para entender melhor como vem sendo feita a movimentação do governo brasileiro pela integração regional e a liderança no Sul Global com a Bolívia no Mercosul e a suspensão de sanções contra a Venezuela.

A suspensão de sanções contra a Venezuela é uma preocupação que coloca o Brasil em uma posição de liderança no Sul Global. Pedro Gustavo Cavalcanti Soares, doutor em ciência política pela Universidade Federal de Pernambuco (Ufpe) e coordenador do bacharelado em relações internacionais da Faculdade Damas, reforça que as suspensões funcionam em parte. Sanções referentes ao comércio exterior permanecem.

''O lado mais importante, no que diz respeito ao comércio exterior, […] permanece de maneira muito pesada. Vale lembrar […] que o final do século 19 e início do século 20 é o começo de um momento histórico em que os Estados Unidos se utilizam de uma prerrogativa de defesa internacional para as Américas — todas as Américas, do Norte, Central e do Sul, [colocando-se] com um país mais forte pela não interferência da Europa. Negócios econômicos, financeiros, políticos, culturais e esse poder que os Estados Unidos vão impor às Américas faz com que tenha um poder de barganha muito forte, considerando esses trâmites com os países'', relembra e pontua o analista.

À Sputnik Brasil, o senador Humberto Costa (PT-PE) reforçou que a baixa das sanções realizadas à Venezuela são vistas como positivas pelo governo brasileiro.

''É importante para a Venezuela a suspensão [das sanções]. Uma boa parte [das suspensões às sanções] permite a recuperação econômica do país vizinho'', destaca o parlamentar. Ele reafirma que, além da importância, existe um compromisso entre as nações. ''Movimento importante, especialmente porque o governo venezuelano assumiu compromisso aos países que dão apoio aos movimentos feitos por lá de forma democrática'', conclui o governista.

Acerca da entrada da Bolívia no Mercosul, Rodolfo Marques, doutor em ciência política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e professor na Universidade da Amazônia, pontua que é um movimento positivo.

''No Sul Global existe […] essa situação da Bolívia, que é um país que tem fronteira com o Brasil, tem fronteira terrestre e é importante também, não só na questão dos combustíveis, do gás, mas também na sua situação geopolítica. Então, para além do núcleo original — Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai —, esse fortalecimento junto a outras nações sul-americanas é fundamental dentro do contexto da representatividade do Mercosul'', pontua Rodolfo.

·         Bolívia no Mercosul: como especialistas e governistas enxergam a entrada

Dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) da Bolívia apontam que as importações bolivianas do Brasil passaram de US$ 1,5 bilhão (a cotação à época aponta R$ 3,5 bilhões); em 2006, para US$ 3,8 bilhões (a cotação à época aponta R$ 9,9 bilhões); e, em 2014, um crescimento de 146%.

Em dados recentes, é possível notar que, já em 2022, os números caem para US$ 1,8 bilhão (equivalente a R$ 9,5 bilhões). Segundo o líder do governo na Câmara dos Deputados, José Guimarães (PT-CE), o potencial para uma corrente comercial mais robusta permanece.

''O ingresso da Bolívia como membro pleno poderá ensejar projetos econômicos em áreas de grande potencial, como a exploração e o processamento de minérios raros, a exemplo do lítio. Esse mineral, chamado de 'o petróleo branco', é crucial na fabricação de baterias e outros insumos de ponta para a indústria de materiais elétricos'', enseja o líder do PT na Câmara.

A Bolívia passou por muitas turbulências políticas nos últimos anos envolvendo o ex-presidente Evo Morales, com candidaturas, cassações e prisões.

Em paralelo, durante o governo Bolsonaro, o Brasil foi alijado do jogo político e diplomático, perdendo relevância não só regionalmente, mas também a nível global.

De volta ao poder político, o presidente Lula (PT) se movimenta para mudar a realidade política. Um dos feitos é a aprovação da entrada da Bolívia no Mercosul.

"Esses movimentos que o governo Lula vem desenvolvendo são importantes nesse cenário, não só para integrar as nações sul-americanas, mas para propor uma cooperação maior, inclusive no quesito comercial", pondera Rodolfo Marques.

Um aspecto considerado "importantíssimo" pelo líder do governo na Câmara diz respeito à integração energética entre Brasil e Bolívia.

"Em 1999, começou a entrar em operação o famoso gasoduto Brasil-Bolívia, que traz gás natural daquele país para ser consumido nos grandes centros econômicos brasileiros. Esse gás natural boliviano desempenha [um] papel de relevo na alimentação das nossas termelétricas, contribuindo dessa maneira para a segurança energética do nosso país. Em 2016, tal gasoduto transportou 29 milhões de m³/dia", realça Guimarães.

A Bolívia ocupa uma posição central na América do Sul, integrando as grandes bacias hidrográficas e os grandes biomas do subcontinente. Ela é, portanto, considerada o principal eixo geográfico da integração física da nossa região. "Sem a Bolívia, os grandes projetos da Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana [IIRSA] não se realizarão", pondera Guimarães.

O parlamentar destacou que ao governo brasileiro "interessa uma Bolívia próxima, próspera e mais integrada com o Mercosul". Segundo o líder do governo na Câmara, o Brasil tende a "se beneficiar muito de um entorno mais estável, […] desenvolvido e […] integrado".

A integração, conclui o petista, regional, soberana e integradora, "tem centralidade na nova política externa do governo Lula".

A pauta já seguiu para o Senado. Em entrevista à Sputnik Brasil, o senador Humberto Costa adiantou que "até novembro ele deve estar totalmente aprovado, e a entrada da Bolívia já garantida".

Acerca das expectativas em relação à cooperação entre a Bolívia e os outros países-membros do Mercosul, os governistas pontuam ser as melhores possíveis. Com a entrada da Bolívia, o bloco passa a constituir uma frente com 300 milhões de habitantes, numa área de 13,8 milhões de km² e com PIB de quase US$ 4 trilhões (R$ 19,9 trilhões).

"O atual contexto econômico mundial, que inclui forte desarranjo das cadeias globais de valor, indica a necessidade de investir em cadeias regionais de produção, amparadas em políticas de desenvolvimento sustentável. Ambientalmente sustentável e socialmente sustentável. Isso só será possível com mais integração regional. E mais Mercosul", finaliza José Guimarães.

 

Ø  Brasil e Paraguai iniciam negociações sobre Itaipu: país vizinho quer tarifa 24% mais cara

 

Na fronteira entre Brasil e Paraguai, era iniciada, em 1975, a implantação do que seria a maior barragem de água do mundo, título que foi ostentado até 2003 pela usina de Itaipu. Após as obras serem encerradas, em 1982, cada país passou a deter 50% da energia elétrica gerada, podendo vender ao outro o excedente caso não utilizasse tudo.

Após 50 anos, 2023 marca o fim do pagamento da dívida pela construção da usina, e, com isso, uma nova etapa da parceria entre brasileiros e paraguaios: a renegociação das bases financeiras do tratado de Itaipu. As conversas vão envolver inclusive os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e o recém-eleito Santiago Peña, que participam nesta quinta-feira (26) da reunião do Conselho de Administração de Itaipu que abre as discussões.

Para viabilizar o empreendimento, a dívida com empréstimos e encargos financeiros chegou a US$ 63,5 bilhões (R$ 316,6 bilhões), valor usado para viabilizar a infraestrutura necessária para a operação das usinas, desapropriação de terras e pagamento das empreiteiras. O montante foi pago ao longo dos últimos 50 anos e a última parcela quitada em fevereiro deste ano.

Conforme o diretor-geral brasileiro da usina, Enio Verri, já existe o pedido do país vizinho para um aumento de 24% só na tarifa de serviços — atualmente, o valor cobrado é de US$ 16,71 (R$ 83,33) por quilowatt (kW), e, caso o reajuste seja aprovado, passaria para US$ 20,75 (R$ 103,48) a partir de 2024, o mesmo valor que era cobrado até abril deste ano. A declaração aconteceu na última semana, durante participação do dirigente em audiência pública na Comissão de Infraestrutura do Senado.

A tarifa de serviços de Itaipu é um encargo pago para cobrir os custos da empresa com administração, operação e manutenção da usina, além dos repasses em royalties e participações governamentais pelo uso da água. Antes, o indicador também contava com a dívida de construção, que foi finalizada neste ano. Mesmo assim, o país vizinho quer um aumento.

Com realidades bem diferentes, cerca de 9% da energia elétrica consumida no Brasil é gerada por Itaipu, enquanto o Paraguai tem um índice de quase 90%. E por não usar toda sua cota, Assunção vende pelo menos metade desse percentual ao Brasil. Essa é uma das diretrizes previstas no Anexo C, documento que estabelece as bases financeiras que começaram a ser negociadas.

Mas afinal, um eventual aumento pode impactar nas contas de energia? Para o professor Adjunto de Finanças e Controle Gerencial da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rodrigo Leite, como o sistema nacional elétrico é interligado, esse percentual poderia aumentar em até 2% as contas de luz, a depender da região. "Apesar disso, na inflação geral do país não geraria um impacto tão grande", pontua em entrevista à Sputnik Brasil.

Já o pesquisador do Centro de Estudos e Regulação em Infraestrutura da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Diogo Lisbona lembrou à Sputnik que a energia de Itaipu é comercializada com base no dólar.

"Com isso, você também tem o impacto do câmbio no cálculo das tarifas cobradas pelas distribuidoras", frisa. A troca por uma moeda local, como o real ou guarani, deveria ser levado para a mesa de negociações, segundo o especialista, o que ajudaria a reduzir flutuações da cotação americana.

Além das regras de comercialização da energia produzida, o anexo C que está em discussão determina as condições de fornecimento de energia, custo de eletricidade, receita da usina e prestação de serviços. Segundo Lisbona, é processo complexo e lento, já que ao fim das negociações, os termos ainda precisam ser aprovados pelos parlamentares do Brasil e do Paraguai.

"O processo já começou atrasado, dado que o vencimento do anexo seria em 2023, após um período de 50 anos do início da construção da usina. As negociações já poderiam ter começado bem antes, mas também dependem de governos e ciclos políticos. É uma composição que não é fácil", acrescenta.

·         Especialista diz que há espaço para redução

Para Lisbona, o pagamento da última parcela da amortização da dívida pela construção de Itaipu pode trazer margem para flexibilizar as negociações, consideradas por ele um cabo de guerra.

"Um dos principais componentes do documento se encerra, o que abre espaço para uma redução [...] Não tem mais o financiamento em dólar, e poderia ainda ser discutida a venda não ficar restrita ao mercado regulado [residências e pequenas empresas], mas também a outros consumidores interessados", argumenta.

O caminho para a revisão financeira da empresa binacional é longo, pontua o pesquisador. Essa também é a visão do economista, PhD em Planejamento Energético e professor da FGV Vanderlei Martins, que acrescenta que "as negociações sobre as regras de venda de energia tornam-se complexas e envolvem questões políticas, econômicas e técnicas". Conforme Martins, de um lado tem o Brasil, que quer garantir "um suprimento estável e a preço justo", enquanto o Paraguai "busca maximizar os benefícios econômicos" provenientes da usina.

Martins pontua que a Usina Hidrelétrica de Itaipu é uma das maiores produtoras de energia do mundo, com 20 unidades geradoras e potência instalada de 14 mil megawatts. Por conta disso, cumpre um papel vital para garantir a segurança energética brasileira e fortalece a importância econômica dos dois países dentro do Mercosul.

"Por meio do reservatório de acumulação, empreendimentos como Itaipu conseguem trazer uma estratégia de despacho e operação da energia de forma mais equilibrada ao Sistema Interligado Nacional (SIN)", conclui.

·         Menor dependência brasileira nas últimas décadas

Durante uma das maiores crises energéticas que o Brasil já viveu, com blecautes constantes nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, a dependência do país da energia elétrica gerada em Itaipu ultrapassava 30% em 1999. Na época, a usina chegou a trabalhar com sobrecarga. Passadas mais de duas décadas, a situação é outra: com a diversificação da matriz energética, como a inclusão de usinas eólicas, solares e a gás, além de novas hidrelétricas, o índice passou para 8,6%.

"O país é a cada ano menos dependente de Itaipu", enfatiza à Sputnik Brasil o diretor de Energia Elétrica da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), Victor iOcca. Diante disso, o especialista argumentou que o poder de barganha do Brasil nas novas negociações é maior, o que deveria ser levado para a mesa.

"A proposta de aumento de 24% é assustadora. Depois que finalizamos a amortização de todo esse financiamento [da construção da usina], o custo da produção de energia deveria cair muito, talvez próximo da metade do que é hoje. Isso teria reflexo positivo em toda a economia brasileira".

Mas essa realidade, segundo o diretor da Abrace, não deve se concretizar justamente por conta dos usos políticos tanto brasileiros quanto paraguaios com a usina. Um exemplo dado por iOcca é com os investimentos da empresa concentrados no estado do Paraná e do Mato Grosso do Sul — só em agosto, Itaipu anunciou quase R$ 1 bilhão para financiar projetos sociais, ambientais e de infraestrutura em 434 municípios da região.

"Aumentar ainda mais uma tarifa que deveria ser barata leva esse excedente financeiro para usos regionais, com todos os outros consumidores do Brasil pagando por isso [...]. Parlamentares das outras regiões, principalmente Norte e Nordeste, deveriam questionar se esse é o caminho mais adequado para seguir nessa renegociação do acordo de Itaipu, uma usina amortizada e super eficiente, que deveria contribuir para o desenvolvimento do Brasil como um todo", finalizou.

Questionada sobre as negociações, a Itaipu Binacional se limitou a dizer em nota que "a definição depende das chancelarias dos dois países".

 

Ø  Guiana revela nova descoberta de petróleo em região reivindicada pela Venezuela

 

Nesta quinta-feira (26), a Guiana anunciou a descoberta de uma nova reserva significativa de petróleo em águas marítimas reivindicadas pela Venezuela. Banhada pelo oceano Atlântico ao norte, a região de Essequibo, alvo de uma disputa histórica entre os dois países da América do Sul, tem 160 mil km² e é administrada pela Guiana.

Por conta desse embate, o governo de Nicolás Maduro planeja apresentar um referendo nacional para decidir se anexa ou não a região em disputa.

Enquanto isso, a gigante americana de petróleo ExxonMobil revelou ter descoberto uma nova reserva de hidrocarbonetos na região, que vai passar por um "abrangente processo de avaliação".

A expansão petrolífera na Guiana fez com que o país tivesse o maior índice de crescimento mundial: só neste ano, segundo dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), já ultrapassa 38%. No ano passado, o número chegou a 62,3% de aumento econômico em um país que, entre 2006 e 2022, viu a taxa de pobreza cair de 60% para 40%. O país tem pouco mais de 800 mil habitantes e é o único da América do Sul que tem o inglês como idioma oficial.

As descobertas foram realizadas pela empresa americana, que atua no país desde 2015. Ao todo, foram 46 reservas encontradas, sendo 4 só neste ano. A região de Essequibo corresponde a mais de dois terços do território da Guiana, que é reivindicado pela Venezuela.

·         Fronteira estabelecida em 1899

Antiga colônia holandesa e britânica que só se tornou independente em 1996, a Guiana afirma que a fronteira com a Venezuela foi estabelecida por um tribunal de arbitragem em 1899. Porém, o país alega que a bacia do rio Essequibo forma uma fronteira natural e é reconhecida como território desde a independência da Espanha, em 1811. O caso já chegou à Corte Internacional de Justiça em Haia.

Com as descobertas de petróleo iniciadas há oito anos, a disputa se intensificou a ponto de a Venezuela anunciar um referendo para 3 de dezembro, em que a população vai decidir se o país deve ou não anexar a área. A Guiana tem o apoio da Comunidade do Caribe (Caricom) e da Organização dos Estados Americanos (OEA) ao classificar como ilegal a convocação do pleito.

Em comunicado na última quarta, a Caricom disse que o referendo "não tem validade, relevância ou reconhecimento no direito internacional" e acrescentou que "espera sinceramente que a Venezuela não esteja levantando a perspectiva de usar a força ou meios militares".

A Guiana denuncia que o país vizinho enviou 200 soldados para a região da fronteira, que alegou ter o objetivo de combater a mineração ilegal.

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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