domingo, 29 de outubro de 2023

'Dependência crônica' do Ocidente explica apoio de nações africanas à Israel, avaliam especialistas

A falta de unanimidade entre os 55 países africanos no posicionamento sobre o mais recente conflito entre Israel e o grupo Hamas deve-se principalmente à profunda dependência financeira, tecnológica e econômica de alguns deles com o Ocidente, segundo os analistas Bernardo Kosho e Orlando Mujongo, ouvidos pela Sputnik Brasil.

O tema foi tratado no novo episódio do Mundioka, podcast sobre as raízes do que acontece no mundo. Para os entrevistados, esses países têm muito a compartilhar com a causa palestina, devido ao passado recente de expropriação, violência e dominação de seus povos por projetos coloniais ocidentais. Entretanto, a fragilidade política e econômica dessas nações, fruto de séculos de colonização e dominação, impacta na soberania e autonomia de suas posições geopolíticas.

Professor de Relações Internacionais pela Universidade Privada de Angola, Mujongo ressaltou que essa "dependência crônica" impede que alguns governos do continente assumam posições firmes perante os grandes debates da humanidade.

"A única explicação é esta, porque, do ponto de vista da história, do ponto de vista da própria experiência que as nações africanas tiveram, não se justifica que um país africano, face a essa agressão brutal, assimétrica de Israel contra a Palestina um posicionamento a favor de Israel."

Muhongo citou Angola, a Liga Árabe e a União Africana, que reúnem as nações do continente, que denunciaram o genocídio contra o povo palestino e pediram a criação de corredores humanitários em Gaza.

Já países como Quênia, Zâmbia, Gana e Congo, por exemplo, demonstraram apoio a Israel, pois "sabem que caso se posicionem contra Israel, perderão o apoio financeiro e econômico do Ocidente".

Indispor-se com Israel pode afetar até a segurança nacional de algumas nações do continente africano.

·         Tecnologia em segurança e produção de alimentos: principal elos entre Israel e África

O professor angolano salientou que em alguns países, inclusive, o orçamento do Estado depende de doações ou de empréstimos do Ocidente, ou dependem de apoio militar e tecnológico da parte de Israel, que tem como principais produtos de exportação os de tecnologia voltados para segurança, informação, espionagem.

"Há países que têm servidores informáticos, uma série de equipamentos de monitoramento de inteligência controlados ou dominados por israelitas, e acabam reféns desse contexto", citou Mujongo.

Doutor em História e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), Bernardo Kocher explicou que os concertos de Israel com o mundo africano vêm sendo construídos desde a década de 1960, por meio de relações bilaterais.

"Durante a independência e logo após a independência, estava tudo por ser feito. Os aparelhos de segurança, as estruturas de repressão, a inteligência, tudo isso vai sendo montado. Israel aparece com um grande suporte nessa área", comentou o analista da UFF, ao classificar o país de "potência imperial".

O catedrático da UFF mencionou também a tecnologia para produção de alimentos como outro ponto crucial de aproximação com os países do continente africano que têm desafios com a segurança alimentar:

"Israel desenvolveu um grande sistema de produção agrícola em áreas extremas, principalmente áreas áridas, desérticas, com dessalinização de água, técnicas agrícolas, insumos", lembrou ele. "Exige muita tecnologia, muito investimento para que a agricultura seja rentável, seja lucrativa e Israel fornece esses elementos, o que é uma ajuda imensa", comentou ele.

Em troca, Israel obtém diamantes, minérios, alimentos agrícola, entre outros produtos e insumos. Mas nesse jogo de disputa de territórios e poder, várias peças ainda estão por serem jogadas, pontuou Kocher, uma vez que muitas dessas nações ainda estão medindo as consequências de suas posições.

"A solução de alinhamento com Israel pode alterar um equilíbrio e muitos vão ter eleições. Há a possibilidade de que daí se desdobre uma guerra e problemas de rebelião civil, porque ali também há muitas populações oprimidas, [compostas de] minorias étnicas e religiosas", isto é, em condições similares à realidade da Palestina nas últimas décadas.

 

Ø  Brasil critica EUA na ONU de forma velada; Lula diz que resolução não aprovada foi 'loucura do veto'

 

O governo brasileiro criticou discretamente o veto dos Estados Unidos a um projeto de resolução apresentado pelo Brasil no Conselho de Segurança na semana passada, e alertou que o momento é "decisivo" para as Nações Unidas.

Em um discurso feito momentos antes da aprovação de uma resolução nesta sexta-feira (27), o embaixador do Brasil na ONU, Sérgio Danese, disse que os diplomatas "trabalharam incansavelmente de maneira inclusiva e construtiva, com diligência e senso de dever, com todas as delegações dispostas a se envolver com nossa proposta [...] [o texto] estava solidamente enraizado no direito internacional humanitário [...] e fundamentalmente comprometido com o imperativo humanitário".

"Não nos esquivamos das negociações e deliberações sobre as propostas que foram apresentadas por outros membros do Conselho de Segurança. Ainda acreditamos que nossa primeira versão poderia ter sido o melhor resultado possível para o Conselho quando a apresentamos. Ainda acreditamos que aquele texto poderia ter sido a melhor resposta", afirmou o embaixador citado pelo UOL.

Danese ainda continuou o discurso afirmando que "nossa resposta coletiva a essa crise, que todos tememos e que só se agravará se nada for feito, será um momento decisivo para a ONU. Ela mostrará se a ONU pode levar a sério a prevenção, o fim ou, pelo menos, a mitigação dos horrores da guerra [...] esta assembleia e o Conselho de Segurança devem agir de forma decisiva. O mundo está nos observando. E isso não é retórica", alertou.

Na semana passada, a resolução brasileira somou 12 votos de apoio e duas abstenções (Rússia e Reino Unido). Com o resultado, o texto poderia ter sido aprovado, mas o poder de veto dos EUA fez com que o documento fosse declinado.

Nesta sexta-feira (27), em entrevista a jornalistas no Palácio do Planalto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva rebateu o fato de ter sido dito que o texto costurado pelo Brasil "foi rejeitado", quando na verdade teve mais votos do que o esperado, mas "a loucura do poder de veto" fez com que o texto caísse.

"Eu vi uma manchete aqui no jornal dizendo: a proposta do Brasil foi rejeitada. Não é verdade, é mentira. Não foi rejeitada. Tinha 15 votos em jogo, ela teve 12, duas abstenções e um contra. Como ela pode ter sido rejeitada? Ela foi vetada por causa de uma loucura que é o poder de veto concedido aos cinco países titulares do conselho, que eu sou totalmente, radicalmente contra. Isso não é democrático", afirmou o presidente segundo a mídia.

Lula tem feito pressão pública por um cessar-fogo para a retirada de civis de áreas de conflito. O governo negocia há dias a saída de um grupo de brasileiros de Gaza pela fronteira com o Egito, no entanto, a embaixada brasileira perdeu contato com eles hoje (27) devido aos bombardeios israelenses às redes de Internet e telefonia.

"Nós vamos tentar buscar todos [os brasileiros]. Porque esse é o papel do governo brasileiro. Se eu tiver informação, 'olha, Lula, tem um presidente de tal país que amigo do Hamas', é pra esse que eu vou ligar: 'Ô cara, fala pro Hamas libertar o refém, fala para o cara libertar o refém, para que ficar com o inocente detido?'", disse o presidente.

Também hoje (27), a Assembleia Geral da ONU aprovou a resolução de armistício imediato na zona de conflito entre Palestina e Israel. No entanto, Estados Unidos e Israel foram contra, buscando uma condenação mais explícita ao Hamas, conforme noticiado.

 

Ø  EUA expandem secretamente base militar em Israel em meio à violência das FDI em Gaza

 

Um anúncio de contrato do Departamento de Defesa dos EUA revela que Washington está expandindo uma base militar não reconhecida no deserto de Neguev, em Israel, a 32 quilômetros de Gaza.

A expansão da base militar é vista como um desenvolvimento significativo na relação militar EUA–Israel.

O relatório, publicado em agosto pelo Pentágono, revela que mais de US$ 35 milhões (R$ 175 milhões) em fundos foram concedidos a uma empresa sediada no Colorado para criar uma área para acomodar tropas e equipamentos adicionais, sugerindo uma potencial escalada da presença militar dos EUA na região.

A construção ocorrerá na Área 512, uma base classificada com uma ampla vista do território circundante do topo do monte Har Qeren.

"Às vezes, algo é tratado como segredo oficial, não na esperança de que um adversário nunca descubra isso, mas sim [porque] o governo dos EUA, por razões diplomáticas ou políticas, não quer reconhecê-lo oficialmente", afirma Paul Pillar, ex-analista da CIA.

O ex-analista também destacou que o apoio norte-americano a Israel prejudica há muito tempo a reputação do país em todo o mundo árabe.

Além disso, ele ressalta que os norte-americanos estariam aproveitando as tensões na região para reforçar a sua presença militar em Israel e enviar uma mensagem de poder ao Irã, que é visto como um adversário comum tanto pelos israelenses como pelos americanos.

A criação de bases secretas e o aumento da presença militar dos EUA poderiam desestabilizar ainda mais a situação já volátil no Oriente Médio, alerta o analista.

·         EUA excluem 'linhas vermelhas para Israel' em meio à operação militar em Gaza

Washington apoia as ações de Israel no âmbito geral. No entanto, o porta-voz de Segurança Nacional da Casa Branca garantiu que está falando com Tel Aviv para discutir suas preocupações.

Os EUA não estão tentando ditar limites para Israel, disse na sexta-feira (27) a Casa Branca, citada pela agência britânica Reuters.

John Kirby, porta-voz de Segurança Nacional da Casa Branca, recusou comentar em uma coletiva de imprensa a expansão da operação militar israelense, que está sendo realizada em Gaza contra os militantes do Hamas.

Kirby disse que Washington apoiava o direito de Israel de se defender depois que os membros do grupo palestino mataram 1.400 pessoas no sul de Israel em 7 de outubro.

"Não estamos traçando linhas vermelhas para Israel", segundo o funcionário norte-americano, que acrescentou que Washington continuaria discutindo com Tel Aviv os objetivos de sua operação, a necessidade de proteger os civis em Gaza, o esforço para obter o retorno seguro dos reféns israelenses e a necessidade de considerar o que virá depois das operações terrestres em Gaza.

"Desde o início, tivemos e continuaremos tendo conversas com eles sobre a maneira como estão fazendo isso, e não temos sido tímidos em expressar nossas preocupações com relação a vítimas civis, danos colaterais e a abordagem que eles podem optar por adotar. Isso é o que os amigos podem fazer, e nós somos amigos", advertiu.

A incursão militar de Israel em Gaza ocorre no momento em que está sendo organizada uma pausa humanitária para a entrega de combustível e ajuda humanitária aos civis da região. O Hamas acusa Israel de ter morto milhares de civis desde o recomeço do conflito.

 

Ø  'Israel se arrependerá de suas ações', diz ministro das Relações Exteriores do Irã

 

Durante entrevista à rede de televisão estadunidense Bloomberg, o ministro das Relações Exteriores do Irã, Hossein Amir-Abdollahian, alertou a Washington e a Tel Aviv sobre a abertura de novas frentes no conflito israelo-palestino.

"Os EUA aconselham outros a mostrarem moderação, mas apoiaram totalmente Israel. Se os EUA continuarem o que têm feito até agora, então novas frentes se abrirão contra os EUA", disse Amir-Abdollahian.

Em sua opinião, o governo norte-americano deve decidir logo se quer que o conflito aumente ou não, ressaltando que o Irã ainda não enviou tropas para a Síria ou outros países do Oriente Médio.

Contudo, Amir-Abdollahian afirmou que a recente operação de Israel na Faixa de Gaza terá graves consequências.

"A abertura de novas frentes será inevitável, e isto forçará Israel a arrepender-se das suas ações. Tudo é possível, e qualquer frente pode ser aberta", disse o ministro.

O diplomata comentou também o recente ataque dos Estados Unidos à militantes ligados ao Irã na Síria. Segundo o governo estadunidense, estes seriam os responsáveis pelos ataques de drone a bases dos EUA em países do Oriente Médio. Segundo Amir-Abdollahian, esses grupos estavam agindo por conta própria, e não sob ordens de Teerã.

·         Hamas diz a Israel que 'restos mortais' de soldados israelenses serão 'engolidos pela terra de Gaza'

Em anúncio inédito, um dos membros do gabinete político do Hamas relembrou o primeiro ataque do dia 7 de outubro a Israel, que é considerado o marco do conflito recente entre o grupo palestino e nação israelense.

Em suas redes oficiais, o grupo armado palestino Hamas, através do membro de seu gabinete político Izzar al-Risheq, emitiu um alerta a tropas israelenses.

"Se [o primeiro-ministro israelense Benjamin] Netanyahu decidir entrar em Gaza por terra na noite de hoje, a resistência estará pronta [para repelir a ofensiva] (...) Os restos mortais dos seus soldados serão engolidos pela terra de Gaza", afirmou Izzar.

Além disso, o grupo reforçou que, "assim como a resistência triunfou em 7 de outubro", a resistência vai derrotá-lo, "caso o premiê israelense seja imprudente e o seu azar o leve a entrar em Gaza".

As declarações acontecem à esteira do anúncio da expansão das operações terrestres em Gaza, anunciada por Israel hoje (27), gerando confrontos nas regiões norte e sul das terras palestinas.

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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