domingo, 29 de outubro de 2023

Carla Zambelli é uma artista da fake news – mente tanto que até os bolsonaristas querem distância

COMO SE JÁ NÃO BASTASSE a pororoca de provas do golpismo da deputada Carla Zambelli, do PL, agora chegou a cereja do bolo da sua provável condenação. As acusações que o hacker Walter Delgatti fez contra a parlamentar vem sendo comprovadas uma a uma. Condenado a 20 anos de cadeia, o hacker divulgou duas mensagens de voz enviadas pela deputada que comprovam que ele foi contratado para fazer serviços sujos. 

Era novembro de 2022. Lula tinha acabado de ser eleito. As ameaças golpistas e os ataques ao STF por parte dos bolsonaristas se avolumavam. Foi quando Zambelli acionou seu funcionário clandestino para descobrir o endereço do ministro Alexandre de Moraes: “Ô Walter, não aparece nenhum endereço de Brasília, né? Precisava do endereço daqui de Brasília”. Assim que os áudios foram divulgados, o advogado da deputada enviou uma  nota em que chama o hacker de “meliante contumaz” e afirma que os “áudios são inidôneos e ilícitos”, além de  alegar que a deputada desconhece o contexto da conversa. 

Mas, no dia seguinte, Zambelli lembrou do contexto. Ou melhor, a mamãe lembrou: “Minha mãe tinha escrito uma carta para o ministro Alexandre de Moraes e queria entregar essa carta. Eu disse para não mandarmos para o STF para evitar pegar mal. E ela disse que o certo era enviar para a casa dele”, contou Zambelli.  “Acabamos não mandando essa carta. Ela que me lembrou, eu não lembrava disso. Esse foi o motivo [do pedido a Delgatti]”, completou. O objetivo da mamãe, segundo a deputada, seria o de “sensibilizar” o ministro quanto às decisões em processos contra a sua filhinha no STF. 

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A nova versão de Zambelli sobre o episódio virou motivo de deboche entre os ministros do STF, que a consideraram “inverossímil”e “ridícula”. Mas a coisa ultrapassou os limites do ridículo quando foram lembrados os xingamentos que a mãe de Zambelli fazia ao ministro na mesma época em que supostamente queria enviar uma cartinha para sensibilizá-lo. “Seu merda”, “banana”, “cabeça de pica” e “vendido idiota” foram alguns dos afagos públicos feitos a Alexandre de Morais no Facebook pela doce senhora que pariu Carla Zambelli. A publicação foi repostada pela filha, que comentou: “Essa é a minha mãe…#Orgulho”. 

Mas essa mentira não deveria surpreender ninguém. É só mais uma gota no oceano. A mentira está na essência de todo político bolsonarista — e aqui faço a generalização com tranquilidade. Quem apoiou Bolsonaro depois das mamadeiras de piroca criadas pela fábrica de fake news do bolsonarismo durante a campanha está irremediavelmente comprometido com a mentira. Mas Zambelli vai além do padrão bolsominion. Ela já mentiu tanto nos últimos anos, e de forma tão descarada, que chocou até mesmo a ex-amiga e atual desafeta Joice Hasselmann, conhecida por ter sido uma das principais disseminadoras de fake news bolsonaristas. “Você mente, Carla Zambelli (…) São mentiras dignas de uma psicopata”, disparou Hasselmann durante uma sessão da CPI das Fake News. Ou seja, Zambelli é mentirosa demais até para os padrões da Joice. Um espanto!

O currículo de Zambelli no ramo das fake news é vasto e vem desde antes do início da sua carreira como política. Em 2015, quando ainda era apenas uma militante de extrema direita influente nas redes sociais, a bolsonarista gravou um vídeo em frente à uma loja da rede Havan que se tornaria icônico. A então militante afirmou categoricamente que a empresa de Luciano Hang era de propriedade da filha da Dilma, Paula Rousseff e que o nome “Havan” seria uma homenagem à Cuba. 

Mas nem toda mentirinha de Zambelli traz essa dose de humor embutida. Durante a pandemia, já como deputada, o vício em mentir de Zambelli deixaria de ser engraçado e flertaria com crimes de atentado contra a saúde pública. Logo no início da pandemia, quando a doença já havia matado 6 mil pessoas, o bolsonarismo se empenhou na tese da “gripezinha”, acusando a imprensa e os governos estaduais de exagerarem em relação à gravidade da doença com a intenção de prejudicar Bolsonaro. 

Foi então que a deputada resolveu dar asas à imaginação: “No Ceará, tem caixão sendo enterrado vazio, tem uma foto de uma moça carregando caixão com os dedinhos”.  Zambelli também divulgou informações falsas sobre as vacinas contra Covid-19 nas redes sociais. A deputada compartilhou uma montagem no Facebook em que destaca três títulos de reportagens que, lidos em sequência, davam a entender que um jogador de futebol canadense desenvolveu miocardite por causa da vacina. Na legenda, ela induz o leitor com o comentário: “Notícias que falam por si só! Tirem suas conclusões!”. Era tudo mentira, claro. Zambelli também divulgou um vídeo em que um picareta aparece dizendo que crianças estariam morrendo por causa da vacina. Essas são apenas algumas das mentiras que ela contou durante a pandemia. Há pelo menos mais uma dezena.

Zambelli mentiu até mesmo em depoimento para a Polícia Federal ao dizer que não atuou em nome de Jair Bolsonaro ao negociar com Sergio Moro sua permanência no Ministério da Justiça. Dias depois, conversas de Whatsapp vazadas entre a deputada e o ex-ministro revelaram justamente o contrário. Nas mensagens, Zambelli usou expressões como “a pedido do Planalto” e o “presidente da República propôs o seguinte” para tentar convencer Moro a ficar no governo e aceitar o nome imposto por Bolsonaro para chefiar a Polícia Federal. 

Mentir para a polícia é uma prática normalizada por Zambelli. Depois de perseguir um homem na rua com um revólver na mão na véspera das últimas eleições presidenciais, a deputada inventou em depoimento que teria sido agredida antes. Vídeos e relatos de testemunhas comprovaram que se tratava de mais uma mentira.

Ela também foi linha de frente na transmissão de fake news durante o levante golpista do bolsonarismo. Foram muitas as mentiras contadas nessa seara. Em uma delas, foi multada pelo TSE por divulgar vídeo falso em que os resultados das urnas são manipulados. 

Como se vê, essa cidadã não tem a menor condição de ocupar o cargo de deputada federal. Se o Conselho de Ética atuasse com seriedade, Zambelli não completaria 6 meses do seu mandato. Mas o STF, a CPMI do 8 de janeiro e a Polícia Federal estão cumprindo seu papel. Zambelli é investigada por ataques ao sistema eleitoral, por tentativa de invasão ao celular de Alexandre de Moraes, por suspeita de inserção de dados falsos no sistema do CNJ e já virou ré por porte ilegal de arma. É também a única parlamentar que virou alvo de um pedido de indiciamento no relatório final da CPMI do 8 de janeiro. A deputada está cercada por todos os lados e há grandes chances de perder o mandato, ficar inelegível e ir para a cadeia. Só na ação que trata da perseguição armada, Zambelli pode pegar 6 anos de cana se for considerada culpada. Hoje, a deputada é considerada peso morto na política e conseguiu a proeza de ser rejeitada até mesmo pelo grupo político que ajudou a elegê-la. Bolsonaro a responsabiliza pela derrota na eleição e por “todo mal na sua vida”.

Este texto deu uma pequena pincelada na produção dessa grande artista das fake news. É tanta mentira que não cabe em uma coluna. Zambelli é merecedora de uma enciclopédia para registrar a sua vasta obra de realismo fantástico. 

 

Ø  Zambelli levou até Bolsonaro na história do grampo contra Moraes

 

HÁ 4 ANOS, as primeiras reportagens da Vaza Jato publicadas pelo Intercept revelaram um conluio entre os procuradores da Lava Jato com o juiz Sergio Moro com o objetivo de prender Lula a tempo de retirá-lo da disputa eleitoral. As informações em que se basearam as reportagens foram obtidas por Walter Delgatti. Ele teve acesso ao Telegram dos procuradores, interceptou o conteúdo das conversas e decidiu enviá-lo ao Intercept.

Quando a bomba estourou, o bolsonarismo e o jornalismo lavajatista saíram em defesa do então ministro Sergio Moro. Tentaram confundir a opinião pública associando a ação do hacker com o trabalho dos jornalistas que publicaram a Vaza Jato. Apesar de ser óbvio, é importante lembrar que o Intercept nada tem a ver com a ação do hacker e apenas cumpriu uma obrigação jornalística ao receber as informações e publicá-las. Forçar uma ligação entre uma coisa e outra foi uma clara tentativa de encobrir os crimes que foram cometidos pelos procuradores e o juiz de primeira instância.

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Delgatti foi preso pela Operação Spoofing naquele mesmo ano, mas solto em outubro de 2020. A liberdade ficou condicionada ao cumprimento de uma série de medidas cautelares, como o uso de tornozeleira eletrônica e a proibição de acessar e-mails, redes sociais e aplicativos de mensagens. Nesta semana, o site The Brazilian Report publicou uma reportagem que revela que Delgatti confessa ter sido incumbido por Jair Bolsonaro da missão de grampear o ministro Alexandre de Moraes. O hacker teria tentado clonar o chip do celular do ministro para buscar informações que poderiam comprometê-lo, derrubá-lo da presidência do TSE e colocar em dúvida o processo eleitoral. Essa informação chega logo depois da deduragem de Marcos do Val, que explanou um plano bolsonarista para grampear Xandão. Os dois relatos revelam a armação de uma arapuca criminosa contra o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, o TSE, visando um golpe de Estado comandado diretamente pelo então presidente da República.

Em agosto do ano passado, a deputada Carla Zambelli intermediou um encontro entre Bolsonaro e o hacker. Delgatti foi recebido no Palácio da Alvorada, onde ficou por duas horas com o ex-presidente. A reunião foi feita fora da agenda oficial, mas a reportagem da Veja registrou em fotos a entrada e a saída do hacker. Questionada pela imprensa, Zambelli afirmou que as conversas seriam apenas para encontrar fragilidades nas urnas eletrônicas. Um mês depois, a deputada colocou Delgatti em contato com Bolsonaro novamente. Ele relatou à Veja que Bolsonaro contou que já havia conseguido grampear conversas de Xandão e, agora, só precisaria que o hacker assumisse o crime. Em troca, o então presidente daria um jeito de limpar sua barra. “Ele (Bolsonaro) falou: ‘A sua missão é assumir isso daqui. Só, porque depois o resto é com nós’. Eu falei beleza. Aí ele falou: ‘E depois disso você tem o céu’”, revelou.

Durante a Vaza Jato, Zambelli era muito próxima do então ministro bolsonarista Sérgio Moro, que chegou a ser seu padrinho de casamento. Naquele momento a deputada tratava o hacker como um bandido perigoso, comparável a Adélio Bispo — o homem que tentou assassinar Jair Bolsonaro durante as eleições de 2018.

Três anos depois de tratá-lo como um criminoso com “passagens na cadeia por furto, apropriação indébita, falsificação de documento público e estelionato”, Zambelli resolveu contratá-lo para cuidar informalmente das suas redes sociais em agosto do ano passado. Delgatti é até hoje um funcionário oculto da deputada e, segundo relatado por ele ao site Brazilian Report, recebe um salário de R$ 6 mil. O hacker chegou até a abrir empresa para poder receber pelos serviços prestados. Se antes Delgatti era tratado como um bandido de alta periculosidade, agora se tornou um homem de bem merecedor de um bom emprego. A mudança brusca é coerente com a biografia de Zambelli. Em poucos anos a ex-militante feminista do grupo Femen se transformou numa fervorosa carola que costuma apontar o revólver na cara daqueles que, no entendimento dela, afrontam sua moral e bons costumes nas ruas.

Tudo nesse episódio é ilegal. A deputada não pode contratar alguém para cuidar dos canais oficiais do seu mandato por debaixo dos panos, sem prestar contas à sociedade. Delgatti está impedido de cumprir essa função já que está proibido de usar as redes sociais por medida cautelar. Além disso, a deputada ficou por 3 meses sem redes sociais por determinação da justiça depois de usá-las para conspirar contra o processo eleitoral. Quais serviços Delgatti prestou para ela nesses 3 meses? Procurada pela reportagem do Brazilian Report, Zambelli primeiro negou ter contratado o hacker. A reportagem então lhe contou ter áudios de Delgatti confirmando ser seu contratado. Ela, então, parou de negar e ajustou sua versão: “Eu não tenho qualquer relação com Walter no que tange grampear o Moraes”. Uma coisa é inegável: a deputada foi a responsável por colocar Delgatti dentro do Palácio da Alvorada.

O que não faltam são elementos para que Zambelli tenha o mandato cassado pelo Conselho de Ética. Mas sabemos que bolsonarismo segue forte na Câmara dos Deputados e isso requer um longo e difícil processo político. Sobra então para Alexandre de Moraes, que é presidente do TSE e relator do inquérito das fake news no qual Zambelli é investigada.

Apesar de boa parte desses relatos já estarem comprovados, ainda é preciso que eles sejam investigados mais a fundo. O fato é que as peças desse quebra-cabeça têm se encaixado muito perfeitamente. O plano tramado pelo Planalto revelado por Do Val é exatamente o mesmo revelado por Delgatti. Ambos os relatos chegam na esteira da revelação de uma minuta golpista encontrada na casa do ex-ministro Anderson Torres, que detalhava os caminhos traçados para um golpe de estado. Tudo tem cara, gosto, cheiro e aparência de uma tramóia golpista organizada pelo ex-presidente e seus comparsas.

 

Fonte: Por João Filho, em The Intercept

 

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