4 em cada 10 mulheres são vítimas do golpe do namoro virtual; entenda
por que isso ainda acontece
A confiança em alguém que você nunca viu
pessoalmente a ponto de emprestar dinheiro pode acontecer por diversos motivos,
como carência, a paixão, pressão social para encontrar um parceiro e até mesmo
distúrbios mentais.
Para entender por que o golpe do namoro virtual
continua acontecendo, mesmo depois de ser bastante divulgado, a reportagem do
g1 conversou com psicólogo, promotor do Ministério Público Federal e
instituições que prestam apoio às vítimas.
O golpe é conhecido como “romance scammer” e se
trata de quando grupos de estelionatários fingem ser estrangeiros em altas
posições, no caso mais comum, militares dos Estados Unidos. Após estabelecer o
que seria um romance, o bandido começa a pedir valores para as vítimas.
O crime também é conhecido como estelionato
sentimental virtual.
No Brasil, 4 em cada 10 brasileiras dizem já ter
sofrido algum golpe de namoro virtual ou conhecem alguém que foi vítima, aponta
pesquisa obtida exclusivamente pelo g1 da organização “Era Golpe, Não
Amor", uma hub sem fins lucrativos para suporte a mulheres vítimas de
golpes financeiros em relacionamentos amorosos.
A iniciativa é da agência de comunicação Fresh PR,
com parceria da empresa Hibou, especializada em pesquisa e insights de mercado,
da Associação Brasileira de EMDR (nome da terapia que usa uma estimulação dupla
para ajudar os pacientes a processarem memórias difíceis) e Kickante, com apoio
do Núcleo de Atendimento às Vítimas de Violência (NAVV) do Ministério Público
de São Paulo.
Foram entrevistadas 2.036 mulheres de todo o país,
considerando a divisão proporcional de raça, idade e classe social, por meio de
formulários virtuais em março de 2023. O estudo apresenta 2,2% de margem de
erro e 95% de intervalo de confiança.
>>>> Entenda a seguir essas motivações
e como o "romance scammer" acontece:
• Paixão
A paixão é um estado similar ao hipnotismo. Ela
cria uma crença inabalável em relação à pessoa por quem se está apaixonado. O
ato de dar dinheiro se manifesta como uma forma de demonstrar este amor,
explica o professor Christian Dunker do Instituto de Psicologia da Universidade
de São Paulo (IP USP).
E esses golpistas possuem ainda técnicas para
conseguirem ganhar a confiança das vítimas.
“As vítimas que realmente se apaixonam são as que
perderam alguém muito próximo ou estão com algum sofrimento”, explica Glauce
Lima, caçadora de golpistas e fundadora do Instituto GKScanOnline, de apoio a
vítimas de crimes cibernéticos.
É o que aconteceu com a Maria*. O golpista entrou
em contato com ela em 2016, quando o ela tinha acabado de perder uma irmã e o
pai.
Além disso, existem as pessoas com as chamadas
“personalidades evitativas”, que têm o desejo de amar, mas que tem medo, seja
de serem rejeitadas, de se exporem e até mesmo do encontro físico. Com a
internet, essas pessoas encontraram o espaço ideal para achar um par, explica o
professor.
“Quando você está à distância, você pode
suplementar os déficits de realidade com a sua fantasia de uma forma muito
melhor”, afirma.
• Delírio
Nem em todos os casos a paixão é a grande culpada.
Dunker explica que existe um distúrbio psicológico chamado erotomania, que é
uma das quatro formas clássicas de delírio.
“O que caracteriza o delírio erotomaníaco é uma
grande diferença social entre amante e amada. Em geral, são mulheres que
experimentam o sentimento de que um homem muito importante está sendo alvo de
algum tipo de impedimento, uma conspiração, uma situação em que ele precisa ser
salvo ou socorrido”, diz.
Essa pode ser uma das explicações para os casos
como da aposentada que perdeu mais de R$ 200 mil ao transferir o dinheiro para
um golpista que se passava pelo ator norte-americano Johnny Depp e do jogador
de vôlei italiano Roberto Cazzaniga, que pensava ser namorado virtual da modelo
brasileira Alessandra Ambrósio e acabou enviando € 700 mil aos estelionatários.
Além disso, a vítima acredita em sinais que são
mandados pela pessoa. No caso de o bandido ter usado a imagem de algum famoso
que aparece na TV, por exemplo, o figurino de uma determinada cor pode
significar uma mensagem de amor na cabeça da pessoa que tem o transtorno.
• Costume
social
Apesar de homens também serem alvos deste tipo de
golpe, a maior parte das denúncias são de mulheres, explica o promotor Thiago
Pieronom do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) e que
participou do levantamento do Núcleo de Gênero do MPDFT, que analisou 240 casos
de estelionato sentimental registrados pela Delegacia de Atendimento à Mulher
do estado desde 2018.
Para ele, existe uma explicação social para isso.
“A necessidade de estar em um relacionamento
afetivo para se realizar na vida, essa exigência social é muito mais forte para
mulheres do que para homens. Isso torna as mulheres mais vulneráveis a aceitar
coisas que normalmente não parecem muito normais”, diz.
O promotor alega que, dentro dessas relações de
gêneros, existe uma indução de que o homem pode e deve tomar as decisões
referentes ao patrimônio e à administração de dinheiro.
“Então, quando a mulher entra nesse relacionamento
afetivo, há uma pressão maior para que ela delegue essas decisões importantes
para o homem e confie cegamente nele”, diz.
• Quem
são as vítimas
Segundo Glauce, hoje, os alvos dos bandidos são
mulheres entre 40 e 70 anos. O perfil está mais diverso, abrange mulheres
casadas, solteiras, divorciadas, que podem ter diploma universitário e com ou
sem uma renda alta. Isso porque as de baixa renda ainda podem fazer
empréstimos.
Quando a mulher é casada, o bandido vê uma segunda
oportunidade: pedir nudes para chantageá-la.
A maioria das vítimas são brancas, aponta um
levantamento do Núcleo de Gênero do MPDFT, que analisou 240 casos de
estelionato sentimental registrados pela Delegacia de Atendimento à Mulher do
estado desde 2018.
Dentro desses casos, 5,5% dos relacionamentos
aconteceram inteiramente pela internet.
Mas as mulheres não são as únicas vítimas, os homens
também caem, aponta a caçadora Glauce. Contudo, eles não fazem denúncias. “A
grande maioria, além de ser casado, ele vai passar vergonha na cabeça dele.
Então, ele não denuncia”, explica.
• Quem
está por trás do golpe
Quem aplica o golpe do "romance scammer"
são quadrilhas especializadas. Inicialmente, elas eram formadas apenas por
grupos nigerianos, mas, hoje, já existem brasileiros envolvidos, afirma Glauce.
“Hoje selecionam pessoas brasileiras para fazer o
golpe e as pessoas que abrem as contas recebem uma porcentagem pelo dinheiro
que entra”, diz.
Por isso, para prender os bandidos é preciso ajuda
da Polícia Federal.
O mais comum é o bandido alegar que tem um pacote
preso no aeroporto, que precisa de uma grande quantia para ser liberado pela
alfândega. O suposto pacote pode conter presentes, documentos ou joias, por
exemplo. Mas ele nunca chegará para a vítima.
Além disso, cerca de 29% das mulheres que sofrem
esse tipo de golpe afirmam que o bandido pediu para que elas pagassem um
boleto, aponta pesquisa da organização “Era Golpe, Não Amor".
Há ainda outra questão: muitas vezes, os valores
pedidos são pequenos. Apenas 14% das entrevistadas alegaram ter perdido mais de
R$ 5 mil.
"Porque eles sabem que nem todas as vítimas
vão ter esse montante muito rápido para fornecer”, explica Desiree Hamuche
Montes, fundadora da iniciativa “Era Golpe, Não Amor".
Depois que o dinheiro é enviado, o bandido pode
sumir ou continuar “namorando” a vítima, para receber mais dinheiro.
*Os nomes Maria e Isabela são fictícios, para
proteger as vítimas.
Fonte: g1
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