Carla Zambelli é uma artista da fake news – mente tanto que até os
bolsonaristas querem distância
COMO SE JÁ NÃO BASTASSE a pororoca de provas do golpismo da deputada Carla Zambelli, do
PL, agora chegou a cereja do bolo da sua provável condenação. As acusações que
o hacker Walter Delgatti fez contra a parlamentar vem sendo comprovadas uma a
uma. Condenado a 20 anos de cadeia, o hacker divulgou
duas mensagens de voz enviadas pela deputada que comprovam que ele
foi contratado para fazer serviços sujos.
Era novembro de 2022. Lula tinha acabado de ser
eleito. As ameaças golpistas e os ataques ao STF por parte dos bolsonaristas se
avolumavam. Foi quando Zambelli acionou seu funcionário clandestino para
descobrir o endereço do ministro Alexandre de Moraes: “Ô Walter, não aparece
nenhum endereço de Brasília, né? Precisava do endereço daqui de Brasília”.
Assim que os áudios foram divulgados, o advogado da deputada enviou uma
nota em que chama o hacker de “meliante contumaz” e afirma que os “áudios são
inidôneos e ilícitos”, além de alegar que a deputada desconhece o
contexto da conversa.
Mas, no dia seguinte, Zambelli lembrou do contexto.
Ou melhor, a mamãe
lembrou: “Minha mãe tinha escrito uma carta para o
ministro Alexandre de Moraes e queria entregar essa carta. Eu disse para não
mandarmos para o STF para evitar pegar mal. E ela disse que o certo era enviar
para a casa dele”, contou Zambelli. “Acabamos não mandando essa carta.
Ela que me lembrou, eu não lembrava disso. Esse foi o motivo [do pedido a
Delgatti]”, completou. O objetivo da mamãe, segundo a deputada, seria o de
“sensibilizar” o ministro quanto às decisões em processos contra a sua filhinha
no STF.
A nova versão de Zambelli sobre o episódio virou
motivo de deboche entre os ministros do STF, que a consideraram
“inverossímil”e “ridícula”. Mas a coisa ultrapassou os limites do ridículo
quando foram lembrados os xingamentos
que a mãe de Zambelli fazia ao ministro na mesma
época em que supostamente queria enviar uma cartinha para sensibilizá-lo. “Seu
merda”, “banana”, “cabeça de pica” e “vendido idiota” foram alguns dos afagos
públicos feitos a Alexandre de Morais no Facebook pela doce senhora que pariu
Carla Zambelli. A publicação foi repostada pela filha, que comentou: “Essa é a
minha mãe…#Orgulho”.
Mas essa mentira não deveria surpreender ninguém. É
só mais uma gota no oceano. A mentira está na essência de todo político
bolsonarista — e aqui faço a generalização com tranquilidade. Quem apoiou
Bolsonaro depois das mamadeiras de piroca criadas pela fábrica de fake news do
bolsonarismo durante a campanha está irremediavelmente comprometido com a
mentira. Mas Zambelli vai além do padrão bolsominion. Ela já mentiu tanto nos
últimos anos, e de forma tão descarada, que chocou até mesmo a ex-amiga e atual
desafeta Joice Hasselmann, conhecida por ter sido uma das
principais disseminadoras de fake news bolsonaristas. “Você mente, Carla Zambelli (…) São mentiras dignas de uma
psicopata”, disparou Hasselmann durante
uma sessão da CPI das Fake News. Ou seja,
Zambelli é mentirosa demais até para os padrões da Joice. Um espanto!
O currículo de Zambelli no ramo das fake news é
vasto e vem desde antes do início da sua carreira como política. Em 2015,
quando ainda era apenas uma militante de extrema direita influente nas redes
sociais, a bolsonarista gravou um vídeo em frente à uma loja da rede Havan que se tornaria icônico. A
então militante afirmou categoricamente que a empresa de Luciano Hang era de
propriedade da filha da Dilma, Paula Rousseff e que o nome “Havan” seria uma
homenagem à Cuba.
Mas nem toda mentirinha de Zambelli traz essa dose
de humor embutida. Durante a pandemia, já como deputada, o vício em mentir de
Zambelli deixaria de ser engraçado e flertaria com crimes de atentado contra a
saúde pública. Logo no início da pandemia, quando a doença já havia matado 6
mil pessoas, o bolsonarismo se empenhou na tese da “gripezinha”, acusando a
imprensa e os governos estaduais de exagerarem em relação à gravidade da doença
com a intenção de prejudicar Bolsonaro.
Foi então que a deputada resolveu dar asas à
imaginação: “No Ceará, tem caixão sendo enterrado vazio, tem
uma foto de uma moça carregando caixão com os dedinhos”. Zambelli também
divulgou informações falsas sobre as vacinas contra Covid-19 nas redes sociais.
A deputada compartilhou uma montagem no Facebook em que destaca três títulos de
reportagens que, lidos em sequência, davam a entender que um jogador de futebol
canadense desenvolveu miocardite por causa da vacina. Na legenda, ela induz o
leitor com o comentário: “Notícias que falam por si só! Tirem suas
conclusões!”. Era tudo
mentira, claro. Zambelli também divulgou um vídeo em que
um picareta aparece dizendo que crianças estariam
morrendo por causa da vacina. Essas são
apenas algumas das mentiras que ela contou durante a pandemia. Há pelo menos
mais uma dezena.
Zambelli mentiu até mesmo em depoimento para a
Polícia Federal ao dizer que não atuou em nome de Jair Bolsonaro ao negociar
com Sergio Moro sua permanência no Ministério da Justiça. Dias depois,
conversas de Whatsapp vazadas entre a deputada e o ex-ministro revelaram
justamente o contrário. Nas mensagens, Zambelli
usou expressões como “a pedido do Planalto” e o “presidente da República propôs
o seguinte” para tentar convencer Moro a ficar no governo e aceitar o nome
imposto por Bolsonaro para chefiar a Polícia Federal.
Mentir para a polícia é uma prática normalizada por
Zambelli. Depois de perseguir um homem na rua com um revólver na mão na véspera
das últimas eleições presidenciais, a deputada inventou em depoimento que teria sido agredida antes. Vídeos e relatos de
testemunhas comprovaram que se tratava de mais uma mentira.
Ela também foi linha de frente na transmissão de
fake news durante o levante golpista do bolsonarismo. Foram muitas as mentiras
contadas nessa seara. Em uma delas, foi
multada pelo TSE por divulgar vídeo falso em que os resultados
das urnas são manipulados.
Como se vê, essa cidadã não tem a menor condição de
ocupar o cargo de deputada federal. Se o Conselho de Ética atuasse com
seriedade, Zambelli não completaria 6 meses do seu mandato. Mas o STF, a CPMI
do 8 de janeiro e a Polícia Federal estão cumprindo seu papel. Zambelli é
investigada por ataques ao
sistema eleitoral, por tentativa de invasão
ao celular de Alexandre de Moraes, por suspeita
de inserção
de dados falsos no sistema do CNJ e já virou ré por
porte ilegal de arma. É também a única parlamentar que virou alvo de um
pedido de indiciamento no relatório final da CPMI do 8 de janeiro. A deputada
está cercada por todos os lados e há grandes chances de perder o mandato, ficar
inelegível e ir para a cadeia. Só na ação que trata da perseguição armada,
Zambelli pode pegar
6 anos de cana se for considerada culpada. Hoje, a deputada
é considerada peso morto na política e conseguiu a proeza de ser rejeitada até
mesmo pelo grupo político que ajudou a elegê-la. Bolsonaro a responsabiliza
pela derrota na eleição e por “todo
mal na sua vida”.
Este texto deu uma pequena pincelada na produção
dessa grande artista das fake news. É tanta mentira que não cabe em uma coluna.
Zambelli é merecedora de uma enciclopédia para registrar a sua vasta obra de
realismo fantástico.
Ø Zambelli levou até Bolsonaro na história do grampo contra Moraes
HÁ 4 ANOS, as primeiras reportagens da Vaza Jato publicadas
pelo Intercept revelaram um conluio entre os procuradores da Lava Jato com o
juiz Sergio Moro com o objetivo de prender Lula a tempo de retirá-lo da disputa
eleitoral. As informações em que se basearam as reportagens foram obtidas por
Walter Delgatti. Ele teve acesso ao Telegram dos procuradores, interceptou
o conteúdo das conversas e decidiu enviá-lo ao Intercept.
Quando a bomba estourou, o bolsonarismo e o
jornalismo lavajatista saíram em defesa do então ministro Sergio Moro. Tentaram
confundir a opinião pública associando a ação do hacker com o trabalho dos
jornalistas que publicaram a Vaza Jato. Apesar de ser óbvio, é importante
lembrar que o Intercept nada tem a ver com a ação do hacker e apenas cumpriu
uma obrigação jornalística ao receber as informações e publicá-las. Forçar uma
ligação entre uma coisa e outra foi uma clara tentativa de encobrir os crimes
que foram cometidos pelos procuradores e o juiz de primeira instância.
Delgatti foi preso pela Operação Spoofing naquele
mesmo ano, mas solto em outubro de 2020. A liberdade ficou condicionada ao
cumprimento de uma série de medidas cautelares, como o uso de tornozeleira
eletrônica e a proibição de acessar e-mails, redes sociais e aplicativos de
mensagens. Nesta semana, o site The Brazilian Report publicou
uma reportagem que revela que Delgatti confessa ter sido incumbido por Jair
Bolsonaro da missão de grampear o ministro Alexandre de Moraes. O hacker teria
tentado clonar o chip do celular do ministro para buscar informações que
poderiam comprometê-lo, derrubá-lo da presidência do TSE e colocar em dúvida o
processo eleitoral. Essa informação chega logo depois da deduragem de Marcos do Val, que explanou
um plano bolsonarista para grampear Xandão. Os dois relatos revelam a armação
de uma arapuca criminosa contra o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, o
TSE, visando um golpe de Estado comandado diretamente pelo então presidente da
República.
Em agosto do ano passado, a deputada Carla Zambelli
intermediou um encontro entre Bolsonaro e o hacker. Delgatti foi recebido no
Palácio da Alvorada, onde ficou por duas horas com o ex-presidente. A reunião
foi feita fora da agenda oficial, mas a reportagem da Veja registrou em fotos a entrada e a saída do hacker.
Questionada pela imprensa, Zambelli afirmou que as conversas seriam apenas para
encontrar fragilidades nas urnas eletrônicas. Um mês depois, a deputada colocou
Delgatti em contato com Bolsonaro novamente. Ele relatou à Veja que Bolsonaro contou que já havia conseguido
grampear conversas de Xandão e, agora, só precisaria que o hacker assumisse o
crime. Em troca, o então presidente daria um jeito de limpar sua barra. “Ele
(Bolsonaro) falou: ‘A sua missão é assumir isso daqui. Só, porque depois o
resto é com nós’. Eu falei beleza. Aí ele falou: ‘E depois disso você tem o
céu’”, revelou.
Durante a Vaza Jato, Zambelli era muito próxima do
então ministro bolsonarista Sérgio Moro, que chegou a ser seu padrinho de
casamento. Naquele momento a deputada tratava o hacker como um bandido
perigoso, comparável a Adélio Bispo — o homem que tentou assassinar Jair
Bolsonaro durante as eleições de 2018.
Três anos depois de tratá-lo como um criminoso com
“passagens na cadeia por furto, apropriação indébita, falsificação de documento
público e estelionato”, Zambelli resolveu contratá-lo para cuidar informalmente
das suas redes sociais em agosto do ano passado. Delgatti é até hoje um
funcionário oculto da deputada e, segundo relatado por ele ao site Brazilian Report, recebe um salário de R$ 6 mil. O hacker chegou até a abrir empresa
para poder receber pelos serviços prestados. Se antes Delgatti era tratado como
um bandido de alta periculosidade, agora se tornou um homem de bem merecedor de
um bom emprego. A mudança brusca é coerente com a biografia de Zambelli. Em
poucos anos a ex-militante feminista do grupo Femen se
transformou numa fervorosa carola que costuma apontar o revólver na cara daqueles
que, no entendimento dela, afrontam sua moral e bons costumes nas ruas.
Tudo nesse episódio é ilegal. A deputada não pode
contratar alguém para cuidar dos canais oficiais do seu mandato por debaixo dos
panos, sem prestar contas à sociedade. Delgatti está impedido de cumprir essa
função já que está proibido de usar as redes sociais por medida cautelar. Além
disso, a deputada ficou por 3 meses sem redes sociais por
determinação da justiça depois de usá-las para conspirar contra o processo
eleitoral. Quais serviços Delgatti prestou para ela nesses 3 meses? Procurada
pela reportagem do Brazilian Report, Zambelli primeiro negou ter contratado o
hacker. A reportagem então lhe contou ter áudios de Delgatti confirmando ser
seu contratado. Ela, então, parou de negar e ajustou sua versão: “Eu não tenho
qualquer relação com Walter no que tange grampear o Moraes”. Uma coisa é
inegável: a deputada foi a responsável por colocar Delgatti dentro do Palácio
da Alvorada.
O que não faltam são elementos para que Zambelli
tenha o mandato cassado pelo Conselho de Ética. Mas sabemos que bolsonarismo
segue forte na Câmara dos Deputados e isso requer um longo e difícil processo
político. Sobra então para Alexandre de Moraes, que é presidente do TSE e
relator do inquérito das fake news no qual Zambelli é investigada.
Apesar de boa parte desses relatos já estarem
comprovados, ainda é preciso que eles sejam investigados mais a fundo. O fato é
que as peças desse quebra-cabeça têm se encaixado muito perfeitamente. O plano
tramado pelo Planalto revelado por Do Val é exatamente o mesmo revelado por
Delgatti. Ambos os relatos chegam na esteira da revelação de uma minuta
golpista encontrada na casa do ex-ministro Anderson Torres, que detalhava os
caminhos traçados para um golpe de estado. Tudo tem cara, gosto, cheiro e
aparência de uma tramóia golpista organizada pelo ex-presidente e seus
comparsas.
Fonte: Por João Filho, em The Intercept
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