'Dependência crônica' do Ocidente explica apoio de nações africanas à
Israel, avaliam especialistas
A falta de unanimidade entre os 55 países africanos
no posicionamento sobre o mais recente conflito entre Israel e o grupo Hamas
deve-se principalmente à profunda dependência financeira, tecnológica e
econômica de alguns deles com o Ocidente, segundo os analistas Bernardo Kosho e
Orlando Mujongo, ouvidos pela Sputnik Brasil.
O tema foi tratado no novo episódio do Mundioka,
podcast sobre as raízes do que acontece no mundo. Para os entrevistados, esses
países têm muito a compartilhar com a causa palestina, devido ao passado
recente de expropriação, violência e dominação de seus povos por projetos
coloniais ocidentais. Entretanto, a fragilidade política e econômica dessas
nações, fruto de séculos de colonização e dominação, impacta na soberania e
autonomia de suas posições geopolíticas.
Professor de Relações Internacionais pela
Universidade Privada de Angola, Mujongo ressaltou que essa "dependência
crônica" impede que alguns governos do continente assumam posições firmes
perante os grandes debates da humanidade.
"A única explicação é esta, porque, do ponto
de vista da história, do ponto de vista da própria experiência que as nações
africanas tiveram, não se justifica que um país africano, face a essa agressão
brutal, assimétrica de Israel contra a Palestina um posicionamento a favor de
Israel."
Muhongo citou Angola, a Liga Árabe e a União
Africana, que reúnem as nações do continente, que denunciaram o genocídio
contra o povo palestino e pediram a criação de corredores humanitários em Gaza.
Já países como Quênia, Zâmbia, Gana e Congo, por
exemplo, demonstraram apoio a Israel, pois "sabem que caso se posicionem
contra Israel, perderão o apoio financeiro e econômico do Ocidente".
Indispor-se com Israel pode afetar até a segurança
nacional de algumas nações do continente africano.
·
Tecnologia em segurança e produção de alimentos:
principal elos entre Israel e África
O professor angolano salientou que em alguns
países, inclusive, o orçamento do Estado depende de doações ou de empréstimos
do Ocidente, ou dependem de apoio militar e tecnológico da parte de Israel, que
tem como principais produtos de exportação os de tecnologia voltados para
segurança, informação, espionagem.
"Há países que têm servidores informáticos,
uma série de equipamentos de monitoramento de inteligência controlados ou
dominados por israelitas, e acabam reféns desse contexto", citou Mujongo.
Doutor em História e professor da Universidade
Federal Fluminense (UFF), Bernardo Kocher explicou que os concertos de Israel
com o mundo africano vêm sendo construídos desde a década de 1960, por meio de
relações bilaterais.
"Durante a independência e logo após a
independência, estava tudo por ser feito. Os aparelhos de segurança, as
estruturas de repressão, a inteligência, tudo isso vai sendo montado. Israel
aparece com um grande suporte nessa área", comentou o analista da UFF, ao
classificar o país de "potência imperial".
O catedrático da UFF mencionou também a tecnologia
para produção de alimentos como outro ponto crucial de aproximação com os
países do continente africano que têm desafios com a segurança alimentar:
"Israel desenvolveu um grande sistema de
produção agrícola em áreas extremas, principalmente áreas áridas, desérticas,
com dessalinização de água, técnicas agrícolas, insumos", lembrou ele.
"Exige muita tecnologia, muito investimento para que a agricultura seja
rentável, seja lucrativa e Israel fornece esses elementos, o que é uma ajuda
imensa", comentou ele.
Em troca, Israel obtém diamantes, minérios,
alimentos agrícola, entre outros produtos e insumos. Mas nesse jogo de disputa
de territórios e poder, várias peças ainda estão por serem jogadas, pontuou
Kocher, uma vez que muitas dessas nações ainda estão medindo as consequências
de suas posições.
"A solução de alinhamento com Israel pode
alterar um equilíbrio e muitos vão ter eleições. Há a possibilidade de que daí
se desdobre uma guerra e problemas de rebelião civil, porque ali também há
muitas populações oprimidas, [compostas de] minorias étnicas e
religiosas", isto é, em condições similares à realidade da Palestina nas
últimas décadas.
Ø Brasil critica EUA na ONU de forma velada; Lula diz que resolução não
aprovada foi 'loucura do veto'
O governo brasileiro criticou discretamente o veto
dos Estados Unidos a um projeto de resolução apresentado pelo Brasil no
Conselho de Segurança na semana passada, e alertou que o momento é
"decisivo" para as Nações Unidas.
Em um discurso feito momentos antes da aprovação de
uma resolução nesta sexta-feira (27), o embaixador do Brasil na ONU, Sérgio
Danese, disse que os diplomatas "trabalharam incansavelmente de maneira
inclusiva e construtiva, com diligência e senso de dever, com todas as
delegações dispostas a se envolver com nossa proposta [...] [o texto] estava
solidamente enraizado no direito internacional humanitário [...] e
fundamentalmente comprometido com o imperativo humanitário".
"Não nos esquivamos das negociações e
deliberações sobre as propostas que foram apresentadas por outros membros do
Conselho de Segurança. Ainda acreditamos que nossa primeira versão poderia ter
sido o melhor resultado possível para o Conselho quando a apresentamos. Ainda
acreditamos que aquele texto poderia ter sido a melhor resposta", afirmou
o embaixador citado pelo UOL.
Danese ainda continuou o discurso afirmando que
"nossa resposta coletiva a essa crise, que todos tememos e que só se
agravará se nada for feito, será um momento decisivo para a ONU. Ela mostrará
se a ONU pode levar a sério a prevenção, o fim ou, pelo menos, a mitigação dos
horrores da guerra [...] esta assembleia e o Conselho de Segurança devem agir
de forma decisiva. O mundo está nos observando. E isso não é retórica",
alertou.
Na semana passada, a resolução brasileira somou 12
votos de apoio e duas abstenções (Rússia e Reino Unido). Com o resultado, o
texto poderia ter sido aprovado, mas o poder de veto dos EUA fez com que o
documento fosse declinado.
Nesta sexta-feira (27), em entrevista a jornalistas
no Palácio do Planalto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva rebateu o fato
de ter sido dito que o texto costurado pelo Brasil "foi rejeitado",
quando na verdade teve mais votos do que o esperado, mas "a loucura do
poder de veto" fez com que o texto caísse.
"Eu vi uma manchete aqui no jornal dizendo: a
proposta do Brasil foi rejeitada. Não é verdade, é mentira. Não foi rejeitada.
Tinha 15 votos em jogo, ela teve 12, duas abstenções e um contra. Como ela pode
ter sido rejeitada? Ela foi vetada por causa de uma loucura que é o poder de
veto concedido aos cinco países titulares do conselho, que eu sou totalmente,
radicalmente contra. Isso não é democrático", afirmou o presidente segundo
a mídia.
Lula tem feito pressão pública por um cessar-fogo
para a retirada de civis de áreas de conflito. O governo negocia há dias a
saída de um grupo de brasileiros de Gaza pela fronteira com o Egito, no
entanto, a embaixada brasileira perdeu contato com eles hoje (27) devido aos
bombardeios israelenses às redes de Internet e telefonia.
"Nós vamos tentar buscar todos [os
brasileiros]. Porque esse é o papel do governo brasileiro. Se eu tiver informação,
'olha, Lula, tem um presidente de tal país que amigo do Hamas', é pra esse que
eu vou ligar: 'Ô cara, fala pro Hamas libertar o refém, fala para o cara
libertar o refém, para que ficar com o inocente detido?'", disse o
presidente.
Também hoje (27), a Assembleia Geral da ONU aprovou
a resolução de armistício imediato na zona de conflito entre Palestina e
Israel. No entanto, Estados Unidos e Israel foram contra, buscando uma
condenação mais explícita ao Hamas, conforme noticiado.
Ø EUA expandem secretamente base militar em Israel em meio à violência
das FDI em Gaza
Um anúncio de contrato do Departamento de Defesa
dos EUA revela que Washington está expandindo uma base militar não reconhecida
no deserto de Neguev, em Israel, a 32 quilômetros de Gaza.
A expansão da base militar é vista como um
desenvolvimento significativo na relação militar EUA–Israel.
O relatório, publicado em agosto pelo Pentágono,
revela que mais de US$ 35 milhões (R$ 175 milhões) em fundos foram concedidos a
uma empresa sediada no Colorado para criar uma área para acomodar tropas e
equipamentos adicionais, sugerindo uma potencial escalada da presença militar
dos EUA na região.
A construção ocorrerá na Área 512, uma base
classificada com uma ampla vista do território circundante do topo do monte Har
Qeren.
"Às vezes, algo é tratado como segredo
oficial, não na esperança de que um adversário nunca descubra isso, mas sim
[porque] o governo dos EUA, por razões diplomáticas ou políticas, não quer
reconhecê-lo oficialmente", afirma Paul Pillar, ex-analista da CIA.
O ex-analista também destacou que o apoio
norte-americano a Israel prejudica há muito tempo a reputação do país em todo o
mundo árabe.
Além disso, ele ressalta que os norte-americanos
estariam aproveitando as tensões na região para reforçar a sua presença militar
em Israel e enviar uma mensagem de poder ao Irã, que é visto como um adversário
comum tanto pelos israelenses como pelos americanos.
A criação de bases secretas e o aumento da presença
militar dos EUA poderiam desestabilizar ainda mais a situação já volátil no
Oriente Médio, alerta o analista.
·
EUA excluem 'linhas vermelhas para Israel' em meio
à operação militar em Gaza
Washington apoia as ações de Israel no âmbito
geral. No entanto, o porta-voz de Segurança Nacional da Casa Branca garantiu
que está falando com Tel Aviv para discutir suas preocupações.
Os EUA não estão tentando ditar limites para
Israel, disse na sexta-feira (27) a Casa Branca, citada pela agência britânica
Reuters.
John Kirby, porta-voz de Segurança Nacional da Casa
Branca, recusou comentar em uma coletiva de imprensa a expansão da operação
militar israelense, que está sendo realizada em Gaza contra os militantes do
Hamas.
Kirby disse que Washington apoiava o direito de
Israel de se defender depois que os membros do grupo palestino mataram 1.400
pessoas no sul de Israel em 7 de outubro.
"Não estamos traçando linhas vermelhas para
Israel", segundo o funcionário norte-americano, que acrescentou que
Washington continuaria discutindo com Tel Aviv os objetivos de sua operação, a
necessidade de proteger os civis em Gaza, o esforço para obter o retorno seguro
dos reféns israelenses e a necessidade de considerar o que virá depois das
operações terrestres em Gaza.
"Desde o início, tivemos e continuaremos tendo
conversas com eles sobre a maneira como estão fazendo isso, e não temos sido
tímidos em expressar nossas preocupações com relação a vítimas civis, danos
colaterais e a abordagem que eles podem optar por adotar. Isso é o que os
amigos podem fazer, e nós somos amigos", advertiu.
A incursão militar de Israel em Gaza ocorre no
momento em que está sendo organizada uma pausa humanitária para a entrega de
combustível e ajuda humanitária aos civis da região. O Hamas acusa Israel de
ter morto milhares de civis desde o recomeço do conflito.
Ø 'Israel se arrependerá de suas ações', diz ministro das Relações
Exteriores do Irã
Durante entrevista à rede de televisão
estadunidense Bloomberg, o ministro das Relações Exteriores do Irã, Hossein
Amir-Abdollahian, alertou a Washington e a Tel Aviv sobre a abertura de novas
frentes no conflito israelo-palestino.
"Os EUA aconselham outros a mostrarem
moderação, mas apoiaram totalmente Israel. Se os EUA continuarem o que têm
feito até agora, então novas frentes se abrirão contra os EUA", disse
Amir-Abdollahian.
Em sua opinião, o governo norte-americano deve
decidir logo se quer que o conflito aumente ou não, ressaltando que o Irã ainda
não enviou tropas para a Síria ou outros países do Oriente Médio.
Contudo, Amir-Abdollahian afirmou que a recente
operação de Israel na Faixa de Gaza terá graves consequências.
"A abertura de novas frentes será inevitável,
e isto forçará Israel a arrepender-se das suas ações. Tudo é possível, e
qualquer frente pode ser aberta", disse o ministro.
O diplomata comentou também o recente ataque dos
Estados Unidos à militantes ligados ao Irã na Síria. Segundo o governo
estadunidense, estes seriam os responsáveis pelos ataques de drone a bases dos
EUA em países do Oriente Médio. Segundo Amir-Abdollahian, esses grupos estavam
agindo por conta própria, e não sob ordens de Teerã.
·
Hamas diz a Israel que 'restos mortais' de soldados
israelenses serão 'engolidos pela terra de Gaza'
Em anúncio inédito, um dos membros do gabinete
político do Hamas relembrou o primeiro ataque do dia 7 de outubro a Israel, que
é considerado o marco do conflito recente entre o grupo palestino e nação
israelense.
Em suas redes oficiais, o grupo armado palestino
Hamas, através do membro de seu gabinete político Izzar al-Risheq, emitiu um
alerta a tropas israelenses.
"Se [o primeiro-ministro israelense Benjamin]
Netanyahu decidir entrar em Gaza por terra na noite de hoje, a resistência
estará pronta [para repelir a ofensiva] (...) Os restos mortais dos seus
soldados serão engolidos pela terra de Gaza", afirmou Izzar.
Além disso, o grupo reforçou que, "assim como
a resistência triunfou em 7 de outubro", a resistência vai derrotá-lo,
"caso o premiê israelense seja imprudente e o seu azar o leve a entrar em
Gaza".
As declarações acontecem à esteira do anúncio da
expansão das operações terrestres em Gaza, anunciada por Israel hoje (27),
gerando confrontos nas regiões norte e sul das terras palestinas.
Fonte: Sputnik Brasil
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