Protagonismo: Brasil lidera negociações do Mercosul; Bolívia entra ou
não no bloco?
Desde o início do seu governo, o presidente Luiz
Inácio Lula da Silva (PT) busca retomar o protagonismo diplomático que o Brasil
construiu ao longo dos anos, mas que, segundo especialistas, foi enfraquecido
durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), principalmente com a
América Latina.
O fortalecimento do Mercado Comum do Sul
(Mercosul), composto pelos países Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, e ao
qual, nos últimos anos, incorporaram-se à Venezuela (temporariamente suspensa
do bloco) e à Bolívia — esta última ainda em processo de adesão, aguardando
ratificação brasileira — segue, ao que tudo indica, sendo prioridade do governo
federal.
Um exemplo desse fortalecimento é a viagem
realizada na terça-feira (17) pelo assessor de assuntos internacionais da
Presidência, Celso Amorim, para Barbados, no Caribe.
De lá, Amorim acompanhou a reunião entre os EUA e a
própria Venezuela.
O compromisso firmado prevê um levantamento
progressivo de sanções impostas à Venezuela.
A Sputnik Brasil conversou com especialistas para
entender melhor como vem sendo feita a movimentação do governo brasileiro pela
integração regional e a liderança no Sul Global com a Bolívia no Mercosul e a
suspensão de sanções contra a Venezuela.
A suspensão de sanções contra a Venezuela é uma
preocupação que coloca o Brasil em uma posição de liderança no Sul Global.
Pedro Gustavo Cavalcanti Soares, doutor em ciência política pela Universidade
Federal de Pernambuco (Ufpe) e coordenador do bacharelado em relações
internacionais da Faculdade Damas, reforça que as suspensões funcionam em
parte. Sanções referentes ao comércio exterior permanecem.
''O lado mais importante, no que diz respeito ao
comércio exterior, […] permanece de maneira muito pesada. Vale lembrar […] que
o final do século 19 e início do século 20 é o começo de um momento histórico
em que os Estados Unidos se utilizam de uma prerrogativa de defesa
internacional para as Américas — todas as Américas, do Norte, Central e do Sul,
[colocando-se] com um país mais forte pela não interferência da Europa.
Negócios econômicos, financeiros, políticos, culturais e esse poder que os
Estados Unidos vão impor às Américas faz com que tenha um poder de barganha
muito forte, considerando esses trâmites com os países'', relembra e pontua o
analista.
À Sputnik Brasil, o senador Humberto Costa (PT-PE)
reforçou que a baixa das sanções realizadas à Venezuela são vistas como
positivas pelo governo brasileiro.
''É importante para a Venezuela a suspensão [das
sanções]. Uma boa parte [das suspensões às sanções] permite a recuperação
econômica do país vizinho'', destaca o parlamentar. Ele reafirma que, além da
importância, existe um compromisso entre as nações. ''Movimento importante,
especialmente porque o governo venezuelano assumiu compromisso aos países que
dão apoio aos movimentos feitos por lá de forma democrática'', conclui o
governista.
Acerca da entrada da Bolívia no Mercosul, Rodolfo Marques,
doutor em ciência política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS) e professor na Universidade da Amazônia, pontua que é um movimento
positivo.
''No Sul Global existe […] essa situação da
Bolívia, que é um país que tem fronteira com o Brasil, tem fronteira terrestre
e é importante também, não só na questão dos combustíveis, do gás, mas também
na sua situação geopolítica. Então, para além do núcleo original — Brasil,
Argentina, Uruguai e Paraguai —, esse fortalecimento junto a outras nações
sul-americanas é fundamental dentro do contexto da representatividade do
Mercosul'', pontua Rodolfo.
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Bolívia no Mercosul: como especialistas e
governistas enxergam a entrada
Dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) da
Bolívia apontam que as importações bolivianas do Brasil passaram de US$ 1,5
bilhão (a cotação à época aponta R$ 3,5 bilhões); em 2006, para US$ 3,8 bilhões
(a cotação à época aponta R$ 9,9 bilhões); e, em 2014, um crescimento de 146%.
Em dados recentes, é possível notar que, já em
2022, os números caem para US$ 1,8 bilhão (equivalente a R$ 9,5 bilhões).
Segundo o líder do governo na Câmara dos Deputados, José Guimarães (PT-CE), o
potencial para uma corrente comercial mais robusta permanece.
''O ingresso da Bolívia como membro pleno poderá
ensejar projetos econômicos em áreas de grande potencial, como a exploração e o
processamento de minérios raros, a exemplo do lítio. Esse mineral, chamado de
'o petróleo branco', é crucial na fabricação de baterias e outros insumos de
ponta para a indústria de materiais elétricos'', enseja o líder do PT na
Câmara.
A Bolívia passou por muitas turbulências políticas
nos últimos anos envolvendo o ex-presidente Evo Morales, com candidaturas,
cassações e prisões.
Em paralelo, durante o governo Bolsonaro, o Brasil
foi alijado do jogo político e diplomático, perdendo relevância não só
regionalmente, mas também a nível global.
De volta ao poder político, o presidente Lula (PT)
se movimenta para mudar a realidade política. Um dos feitos é a aprovação da
entrada da Bolívia no Mercosul.
"Esses movimentos que o governo Lula vem
desenvolvendo são importantes nesse cenário, não só para integrar as nações
sul-americanas, mas para propor uma cooperação maior, inclusive no quesito
comercial", pondera Rodolfo Marques.
Um aspecto considerado "importantíssimo"
pelo líder do governo na Câmara diz respeito à integração energética entre
Brasil e Bolívia.
"Em 1999, começou a entrar em operação o
famoso gasoduto Brasil-Bolívia, que traz gás natural daquele país para ser consumido
nos grandes centros econômicos brasileiros. Esse gás natural boliviano
desempenha [um] papel de relevo na alimentação das nossas termelétricas,
contribuindo dessa maneira para a segurança energética do nosso país. Em 2016,
tal gasoduto transportou 29 milhões de m³/dia", realça Guimarães.
A Bolívia ocupa uma posição central na América do
Sul, integrando as grandes bacias hidrográficas e os grandes biomas do
subcontinente. Ela é, portanto, considerada o principal eixo geográfico da
integração física da nossa região. "Sem a Bolívia, os grandes projetos da
Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana [IIRSA]
não se realizarão", pondera Guimarães.
O parlamentar destacou que ao governo brasileiro
"interessa uma Bolívia próxima, próspera e mais integrada com o
Mercosul". Segundo o líder do governo na Câmara, o Brasil tende a "se
beneficiar muito de um entorno mais estável, […] desenvolvido e […]
integrado".
A integração, conclui o petista, regional, soberana
e integradora, "tem centralidade na nova política externa do governo
Lula".
A pauta já seguiu para o Senado. Em entrevista à
Sputnik Brasil, o senador Humberto Costa adiantou que "até novembro ele
deve estar totalmente aprovado, e a entrada da Bolívia já garantida".
Acerca das expectativas em relação à cooperação
entre a Bolívia e os outros países-membros do Mercosul, os governistas pontuam
ser as melhores possíveis. Com a entrada da Bolívia, o bloco passa a constituir
uma frente com 300 milhões de habitantes, numa área de 13,8 milhões de km² e
com PIB de quase US$ 4 trilhões (R$ 19,9 trilhões).
"O atual contexto econômico mundial, que
inclui forte desarranjo das cadeias globais de valor, indica a necessidade de
investir em cadeias regionais de produção, amparadas em políticas de desenvolvimento
sustentável. Ambientalmente sustentável e socialmente sustentável. Isso só será
possível com mais integração regional. E mais Mercosul", finaliza José
Guimarães.
Ø Brasil e Paraguai iniciam negociações sobre Itaipu: país vizinho quer
tarifa 24% mais cara
Na fronteira entre Brasil e Paraguai, era iniciada,
em 1975, a implantação do que seria a maior barragem de água do mundo, título
que foi ostentado até 2003 pela usina de Itaipu. Após as obras serem
encerradas, em 1982, cada país passou a deter 50% da energia elétrica gerada,
podendo vender ao outro o excedente caso não utilizasse tudo.
Após 50 anos, 2023 marca o fim do pagamento da
dívida pela construção da usina, e, com isso, uma nova etapa da parceria entre
brasileiros e paraguaios: a renegociação das bases financeiras do tratado de
Itaipu. As conversas vão envolver inclusive os presidentes Luiz Inácio Lula da
Silva e o recém-eleito Santiago Peña, que participam nesta quinta-feira (26) da
reunião do Conselho de Administração de Itaipu que abre as discussões.
Para viabilizar o empreendimento, a dívida com
empréstimos e encargos financeiros chegou a US$ 63,5 bilhões (R$ 316,6
bilhões), valor usado para viabilizar a infraestrutura necessária para a
operação das usinas, desapropriação de terras e pagamento das empreiteiras. O
montante foi pago ao longo dos últimos 50 anos e a última parcela quitada em
fevereiro deste ano.
Conforme o diretor-geral brasileiro da usina, Enio
Verri, já existe o pedido do país vizinho para um aumento de 24% só na tarifa de
serviços — atualmente, o valor cobrado é de US$ 16,71 (R$ 83,33) por quilowatt
(kW), e, caso o reajuste seja aprovado, passaria para US$ 20,75 (R$ 103,48) a
partir de 2024, o mesmo valor que era cobrado até abril deste ano. A declaração
aconteceu na última semana, durante participação do dirigente em audiência
pública na Comissão de Infraestrutura do Senado.
A tarifa de serviços de Itaipu é um encargo pago
para cobrir os custos da empresa com administração, operação e manutenção da
usina, além dos repasses em royalties e participações governamentais pelo uso
da água. Antes, o indicador também contava com a dívida de construção, que foi
finalizada neste ano. Mesmo assim, o país vizinho quer um aumento.
Com realidades bem diferentes, cerca de 9% da
energia elétrica consumida no Brasil é gerada por Itaipu, enquanto o Paraguai
tem um índice de quase 90%. E por não usar toda sua cota, Assunção vende pelo
menos metade desse percentual ao Brasil. Essa é uma das diretrizes previstas no
Anexo C, documento que estabelece as bases financeiras que começaram a ser
negociadas.
Mas afinal, um eventual aumento pode impactar nas
contas de energia? Para o professor Adjunto de Finanças e Controle Gerencial da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rodrigo Leite, como o sistema
nacional elétrico é interligado, esse percentual poderia aumentar em até 2% as
contas de luz, a depender da região. "Apesar disso, na inflação geral do
país não geraria um impacto tão grande", pontua em entrevista à Sputnik
Brasil.
Já o pesquisador do Centro de Estudos e Regulação
em Infraestrutura da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Diogo Lisbona lembrou à
Sputnik que a energia de Itaipu é comercializada com base no dólar.
"Com isso, você também tem o impacto do câmbio
no cálculo das tarifas cobradas pelas distribuidoras", frisa. A troca por
uma moeda local, como o real ou guarani, deveria ser levado para a mesa de
negociações, segundo o especialista, o que ajudaria a reduzir flutuações da
cotação americana.
Além das regras de comercialização da energia
produzida, o anexo C que está em discussão determina as condições de
fornecimento de energia, custo de eletricidade, receita da usina e prestação de
serviços. Segundo Lisbona, é processo complexo e lento, já que ao fim das
negociações, os termos ainda precisam ser aprovados pelos parlamentares do
Brasil e do Paraguai.
"O processo já começou atrasado, dado que o
vencimento do anexo seria em 2023, após um período de 50 anos do início da
construção da usina. As negociações já poderiam ter começado bem antes, mas
também dependem de governos e ciclos políticos. É uma composição que não é
fácil", acrescenta.
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Especialista diz que há espaço para redução
Para Lisbona, o pagamento da última parcela da
amortização da dívida pela construção de Itaipu pode trazer margem para
flexibilizar as negociações, consideradas por ele um cabo de guerra.
"Um dos principais componentes do documento se
encerra, o que abre espaço para uma redução [...] Não tem mais o financiamento
em dólar, e poderia ainda ser discutida a venda não ficar restrita ao mercado
regulado [residências e pequenas empresas], mas também a outros consumidores
interessados", argumenta.
O caminho para a revisão financeira da empresa
binacional é longo, pontua o pesquisador. Essa também é a visão do economista,
PhD em Planejamento Energético e professor da FGV Vanderlei Martins, que
acrescenta que "as negociações sobre as regras de venda de energia
tornam-se complexas e envolvem questões políticas, econômicas e técnicas".
Conforme Martins, de um lado tem o Brasil, que quer garantir "um
suprimento estável e a preço justo", enquanto o Paraguai "busca
maximizar os benefícios econômicos" provenientes da usina.
Martins pontua que a Usina Hidrelétrica de Itaipu é
uma das maiores produtoras de energia do mundo, com 20 unidades geradoras e
potência instalada de 14 mil megawatts. Por conta disso, cumpre um papel vital
para garantir a segurança energética brasileira e fortalece a importância
econômica dos dois países dentro do Mercosul.
"Por meio do reservatório de acumulação,
empreendimentos como Itaipu conseguem trazer uma estratégia de despacho e
operação da energia de forma mais equilibrada ao Sistema Interligado Nacional
(SIN)", conclui.
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Menor dependência brasileira nas últimas décadas
Durante uma das maiores crises energéticas que o
Brasil já viveu, com blecautes constantes nas regiões Sul, Sudeste e
Centro-Oeste, a dependência do país da energia elétrica gerada em Itaipu
ultrapassava 30% em 1999. Na época, a usina chegou a trabalhar com sobrecarga.
Passadas mais de duas décadas, a situação é outra: com a diversificação da
matriz energética, como a inclusão de usinas eólicas, solares e a gás, além de
novas hidrelétricas, o índice passou para 8,6%.
"O país é a cada ano menos dependente de
Itaipu", enfatiza à Sputnik Brasil o diretor de Energia Elétrica da
Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de
Consumidores Livres (Abrace), Victor iOcca. Diante disso, o especialista
argumentou que o poder de barganha do Brasil nas novas negociações é maior, o
que deveria ser levado para a mesa.
"A proposta de aumento de 24% é assustadora.
Depois que finalizamos a amortização de todo esse financiamento [da construção
da usina], o custo da produção de energia deveria cair muito, talvez próximo da
metade do que é hoje. Isso teria reflexo positivo em toda a economia
brasileira".
Mas essa realidade, segundo o diretor da Abrace,
não deve se concretizar justamente por conta dos usos políticos tanto
brasileiros quanto paraguaios com a usina. Um exemplo dado por iOcca é com os
investimentos da empresa concentrados no estado do Paraná e do Mato Grosso do
Sul — só em agosto, Itaipu anunciou quase R$ 1 bilhão para financiar projetos
sociais, ambientais e de infraestrutura em 434 municípios da região.
"Aumentar ainda mais uma tarifa que deveria
ser barata leva esse excedente financeiro para usos regionais, com todos os
outros consumidores do Brasil pagando por isso [...]. Parlamentares das outras
regiões, principalmente Norte e Nordeste, deveriam questionar se esse é o caminho
mais adequado para seguir nessa renegociação do acordo de Itaipu, uma usina
amortizada e super eficiente, que deveria contribuir para o desenvolvimento do
Brasil como um todo", finalizou.
Questionada sobre as negociações, a Itaipu
Binacional se limitou a dizer em nota que "a definição depende das
chancelarias dos dois países".
Ø Guiana revela nova descoberta de petróleo em região reivindicada pela
Venezuela
Nesta quinta-feira (26), a Guiana anunciou a
descoberta de uma nova reserva significativa de petróleo em águas marítimas
reivindicadas pela Venezuela. Banhada pelo oceano Atlântico ao norte, a região
de Essequibo, alvo de uma disputa histórica entre os dois países da América do
Sul, tem 160 mil km² e é administrada pela Guiana.
Por conta desse embate, o governo de Nicolás Maduro
planeja apresentar um referendo nacional para decidir se anexa ou não a região
em disputa.
Enquanto isso, a gigante americana de petróleo
ExxonMobil revelou ter descoberto uma nova reserva de hidrocarbonetos na
região, que vai passar por um "abrangente processo de avaliação".
A expansão petrolífera na Guiana fez com que o país
tivesse o maior índice de crescimento mundial: só neste ano, segundo dados do
Fundo Monetário Internacional (FMI), já ultrapassa 38%. No ano passado, o número
chegou a 62,3% de aumento econômico em um país que, entre 2006 e 2022, viu a
taxa de pobreza cair de 60% para 40%. O país tem pouco mais de 800 mil
habitantes e é o único da América do Sul que tem o inglês como idioma oficial.
As descobertas foram realizadas pela empresa
americana, que atua no país desde 2015. Ao todo, foram 46 reservas encontradas,
sendo 4 só neste ano. A região de Essequibo corresponde a mais de dois terços
do território da Guiana, que é reivindicado pela Venezuela.
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Fronteira estabelecida em 1899
Antiga colônia holandesa e britânica que só se
tornou independente em 1996, a Guiana afirma que a fronteira com a Venezuela
foi estabelecida por um tribunal de arbitragem em 1899. Porém, o país alega que
a bacia do rio Essequibo forma uma fronteira natural e é reconhecida como
território desde a independência da Espanha, em 1811. O caso já chegou à Corte
Internacional de Justiça em Haia.
Com as descobertas de petróleo iniciadas há oito
anos, a disputa se intensificou a ponto de a Venezuela anunciar um referendo
para 3 de dezembro, em que a população vai decidir se o país deve ou não anexar
a área. A Guiana tem o apoio da Comunidade do Caribe (Caricom) e da Organização
dos Estados Americanos (OEA) ao classificar como ilegal a convocação do pleito.
Em comunicado na última quarta, a Caricom disse que
o referendo "não tem validade, relevância ou reconhecimento no direito
internacional" e acrescentou que "espera sinceramente que a Venezuela
não esteja levantando a perspectiva de usar a força ou meios militares".
A Guiana denuncia que o país vizinho enviou 200
soldados para a região da fronteira, que alegou ter o objetivo de combater a
mineração ilegal.
Fonte: Sputnik Brasil
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