sábado, 28 de outubro de 2023

MARIA TERESA CRUZ: OS VENDILHÕES DO TEMPLO DE OLHO NAS ELEIÇÕES 2024

HÁ UMA PASSAGEM NA BÍBLIA que conta a história do dia em que Jesus expulsou os vendilhões do templo. A expressão se refere àqueles homens que usavam o espaço sagrado – feito para a manifestação da fé, para os ritos religiosos – para o comércio com o objetivo de enriquecer. Há um hiato de quase dois mil anos entre o episódio relatado no evangelho que teria ocorrido em Jerusalém e o que acontece atualmente no Brasil. Mas, notem, as semelhanças são escandalosas.

Do bilionário Edir Macedo, fundador da Igreja Universal, passando por Pastor Everaldo, envolvido até o último fio de cabelo em esquemas de corrupção, até o filho do líder da Deus é Amor, que usou o dízimo dos fiéis para comprar um imóvel: tudo isso você só leu aqui no Intercept.

Ah, sim, ia quase me esquecendo do ex-presidente da Assembleia de Deus de Sergipe, Virgínio de Carvalho, que multiplicou seu patrimônio em 5.800% em 10 anos com dinheiro dos fiéis, chegando aos R$ 5 milhões. Ele ficou, digamos, incomodado com a reportagem.

Mas a gente não se intimida. Com nenhum deles. Nem mesmo com a Universal que tentou nos intimidar após a publicação de um esquema de lavagem de dinheiro que movimentou R$ 33 bilhões em 4 anos. Na ocasião, repórter e editora tiveram que ir depor na Polícia Civil e o objetivo era um só: que se revelasse a fonte da denúncia. Resistimos de maneira firme e a vitória veio no mês passado. E se precisássemos faríamos absolutamente tudo de novo.

A gente tem se dedicado a essa cobertura que se tornou nossa marca porque ela objetivamente investiga crimes praticados em nome da fé. Não há outra palavra senão canalhice. Eu acredito que qualquer pessoa que use a fé para enriquecer não merece outra coisa que não ser julgado e punido.

E se você acha tudo isso um escândalo, lamento informar: só vai piorar. Além de enriquecer, vemos um crescente uso político da religião para a ocupação de cargos. Sim, é sobre as eleições municipais que estou falando, a porta de entrada na política para os que usam o nome de Deus em troca de votos. E o caminho natural dessa gente é ir conquistando mais poder e chegar a cargos de decisões que podem impactar o país inteiro.

E, olha, que eu nem vou comentar sobre o fundamentalismo religioso que persegue a comunidade LGBTQIA+ e defende toda e qualquer atrocidade em nome de um suposto Deus. Que Deus é esse?

Como bem disse a deputada federal Erika Hilton no mês passado, em Comissão no Congresso, expondo toda a hipocrisia dessa gente: “É fácil falar em nome de Deus para abrir porta de Igreja e enriquecer, é fácil falar em nome de Deus para se eleger, eleger pai, filho, a irmã, a mãe. Difícil é aplicar os ensinamentos que estão na Bíblia”.

Passamos muito sufoco nos últimos anos com a ascensão do autoritarismo, da extrema direita, do bolsonarismo e se queremos participar dessa refundação do Brasil, a gente precisa – perdão usar novamente uma citação bíblica – separar o joio do trigo. Agradecemos seu apoio para seguir investigando os vendilhões do templo da atualidade e queremos fazer um único pedido: para que você siga compartilhando muito o nosso conteúdo e nos ajude a conseguir novos apoiadores para essa jornada.

 

       A esquerda empurra Deus para a direita. Por Pastor Zé Barbosa Jr.

 

Sei que corro o risco de tornar-me enfadonho e repetitivo. Já perdi a conta de quantas vezes escrevi por aqui ou disse em alguma entrevista o que canso de falar: não há como discutir política no Brasil sem levar em conta o elemento religioso. É um fato dado. Se vai mudar? Não sei, mas não será a curto e nem a médio prazo. A religião sempre esteve atrelada ao fazer política no Brasil.

Senão vejamos:

O primeiro acontecimento “histórico” do país: a primeira missa, celebrada no Monte Pascoal (fato que consta em todos os livros de história); a Revolta dos Malês teve forte influência da religião islâmica que muitos escravizados praticavam; A “Questão Religiosa” que sacudiu o Império numa trama que envolvia a Maçonaria, a Igreja Católica e, escondido no jogo, o protestantismo que começava a chegar por meio de missionários-maçons; a perversa “marcha da família com Deus pela liberdade”. Estes são apenas alguns exemplos dessa mistura explosiva que está entranhada no ethos brasileiro.

Com o advento da Teologia da Libertação na América Latina, a religiosidade cristã também se envolveu, e muito, nas lutas contra a Ditadura brasileira e ajudou a criar, através das Comunidades Eclesiais de Base, o maior partido popular da América do Sul: o Partido dos Trabalhadores. Sim, o PT tem fincada em sua história a leitura popular e revolucionária da Bíblia a partir dos pobres e excluídos. Quem diz que religião e política não se misturam, ou não entende de uma ou não entende da outra, ou, quem sabe, não entende nada das duas coisas.

O problema é que, com o advento do neopentecostalismo, que é a face mais desavergonhada de um evangelicalismo tradicional e conservador brasileiro, de raiz escravocrata (muitos missionários batistas e presbiterianos, no passado, apoiavam a escravidão. Inclusive alguns possuíam escravizados), racista, patriarcal e machista, e com uma ética conversionista e moralista, veio à tona o que já acontecia nos bastidores de evangélicos históricos e pentecostais no Brasil: um projeto de poder estruturado no fundamentalismo religioso. Projeto que também foi abraçado, acolhido e vestido com roupagens católicas pelos da “Renovação Carismática Católica”, que sempre resistiram ao “comunismo” dos padres progressistas da Teologia da Libertação.

Em meio a isso tudo, o que fez a esquerda? Primeiramente ignorou esse movimento incipiente até os anos 90 (mas que já dava sinais de existência) e depois passou a combatê-lo de maneira desastrosa, arrogante e, ultimamente, “lacradora”. Ideias como “crente é tudo alienado!”, “pastores são todos pilantras”, “igrejas só existem para lavagem cerebral”, e outros pensamentos afins grassam nos encontros e falas de muitas lideranças do campo da esquerda e, lamento informar, nada é mais distante da realidade do que essas ideias estereotipadas.

Estou dizendo que não há gente alienada nas igrejas, que não existem pastores pilantras e que algumas igrejas não fazem “lavagem cerebral” em seus membros? Claro que não. Mas que isso não reflete nem mesmo a maioria das igrejas, que estão muito mais para os “isentões” ou o “centrão” dessa luta política-ideológica-religiosa que para aquelas que sabemos ser antros de politicagem barata, venda de consciências e redutos empresariais fantasiados de igrejas. E não hesito em dizer que estes são minoria, porém, por terem MUITO DINHEIRO E MÍDIA, nos dão a sensação de serem muito mais do que são. Arrisco dizer que 40% da Igreja Evangélica brasileira hoje é “flutuante”, está “em disputa” entre os lados políticos e, a partir da forma como serão abordadas, podem muito bem constituir uma força democrática, ainda que com algumas colocações ainda conservadoras em seus discursos.

Minha grande preocupação é ver o quanto a esquerda cada vez mais “empurra Deus para a direita”, não acolhendo e investindo nos cristãos progressistas, não dialogando (até porque não faz a mínima ideia de como fazer isso) com essa massa “flutuante” e, pior, referendando cada vez mais a ideia de alienação evangélica cada vez que se refere aos principais expoentes dessa face perversa (que existe, mas como disse, não é hegemônica) e, com isso, afastando a possibilidade da disputa de mentes e corações que tentamos travar há décadas, de dentro, como pastores, pastoras e lideranças cristãs envolvidas com os Direitos Humanos, a Democracia e a plena Dignidade Humana.

A continuar nessa marcha de insensatez, arrogância pseudo-acadêmica e insistindo em não INVESTIR (sim, estou falando de dinheiro, mídia e visibilidade) nos cristãos que se colocaram nas trincheiras há tempos, como progressistas e de esquerda, experimentaremos uma derrota fragorosa nas próximas eleições, pois o discurso moralista pseudo-religioso, que nada tem a ver com o Evangelho, já está entranhado e espalhado de forma virulenta e tomando espaços cada vez maiores, como foi o caso dos Conselhos Tutelares. Isto é só o começo do projeto de dominação deles.

Mas há esperança! No entanto, para isso, precisamos que a esquerda ACORDE para a realidade. Negá-la não vai influenciar no fato de que ela está posta e escancarada: precisamos, e DEVEMOS, dialogar com evangélicos e católicos tomados pelo conservadorismo. Não haverá possibilidade alguma de sucesso do nosso lado caso isso não aconteça. Precisamos encarar as principais e mais polêmicas pautas sem a força da “lacração”, mas dispostos ao diálogo franco e sincero que, acredito, muitos cristãos ainda são capazes de fazer. Eu acredito que é possível. Mas teremos que descer do salto e ouvir o povo simples, sem desdenhar de sua fé, porque foi essa fé que os sustentou até agora em todos esses anos tão difíceis.

A fé não é inimiga da democracia, muito pelo contrário. E é pela fé que conseguiremos conquistar mentes e corações para um projeto melhor de Brasil e de América Latina.

Quem tem ouvidos, ouça!

 

       Igrejas conservadoras serão incubadoras da extrema direita se governo não mudar forma de lidar com elas. Por Ronilson Pacheco

 

O GOVERNO LULA tem se mostrado resistente à criação de uma pasta com foco na religião e seu papel político no fortalecimento da democracia – algo que já foi feito em países como Colômbia, Chile e México, que contam com alguma espécie de secretaria nacional para tratar do assunto. A nova gestão segue resumindo a articulação com os cristãos a ter alguém que “fale pelos evangélicos” e que dialogue principalmente com as raposas da Bancada Evangélica ou os barões da fé pastores das megaigrejas. Isso é um erro.

Como os ataques terroristas de cunho golpista em Brasília provaram, a destituição do governo Jair Bolsonaro e de seus pastores ultraconservadores instalados no Executivo federal, com Damares Alves à frente, não nos devolverá a democracia e a diversidade em condições de segurança. Mas é importante lembrar o seguinte: o espírito da radicalização, que segue vivo e atuante, voltará em parte para sua incubadora – as muitas igrejas e comunidades virtuais evangélicas e católicas dispostas a cultivá-lo, aguardando o momento de ele reaparecer e reivindicar novamente o lugar de privilégio e supremacia de um grupo que vê a si mesmo como a “maioria” e acredita que, como tal, sua crença política, sua concepção de moral e sua religiosidade devem ser impostas.

A extrema direita cristã brasileira criou laços internacionais que o Ministério das Relações Exteriores, bem como o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, terão de rever com atenção para tirar o Brasil da agenda extremista motivada pela imposição da moral inventada por supremacistas. É urgente que o Brasil deixe de ser signatário da Declaração de Consenso de Genebra, que nos coloca ao lado não apenas de países que criminalizam brutalmente o aborto, mas também dos que abandonaram há muito o compromisso com a democracia, como a Hungria e a Rússia, ou seguem abertamente como ditaduras políticas ou religiosas, como a Arábia Saudita.

Não podemos esquecer que o “ovo de serpente”, isto é, o processo de maturação do impeachment de Dilma Rousseff e da ascensão de Jair Bolsonaro e sua extrema direita, teve uma participação fundamental de lideranças evangélicas ultraconservadoras e suas igrejas.

Em julho de 2015, a capela do Seminário Batista do Sul do Brasil, na Tijuca, Rio de Janeiro, estava lotada de pastores e lideranças evangélicas batistas para ouvir o que o então procurador da República Deltan Dallagnol tinha a dizer sobre a projeto das “10 Medidas Contra a Corrupção”.

Começava ali uma adesão que foi se tornando cada vez mais crescente e influente ao papel de igrejas e evangélicos no processo de corrosão do governo Dilma, diretamente ligado ao enfraquecimento da democracia brasileira e à abertura do caminho para uma extrema direita cada vez mais confiante. Foi nos templos e a partir deles que o projeto de Dallagnol ganhou grande parte de suas assinaturas.

A peregrinação do procurador – ele mesmo um evangélico batista – por diversas igrejas pelo país, divulgando a operação Lava Jato e o pacote das 10 medidas foi uma estratégia poderosa. Após suas palestras ou participações em cultos, cabia às igrejas manterem vivo o sentimento de “indignação” contra a corrupção na qual o Partido dos Trabalhadores teria, segundo Dallagnol, afundado o país. E, obviamente, essa conivência com a corrupção tinha também um sentido moral, razão pela qual um projeto de governo de esquerda no país deveria ser interrompido. Ou pela eleição, ou pelo impeachment.

A sinergia entre igrejas e pastores extremistas e a presidência da Câmara dos Deputados, nas mãos de Eduardo Cunha, um evangélico ultraconservador, também foi um elemento importante na “força popular” que consentiu a todos os atropelos democráticos e legais para que Dilma fosse derrubada. E para que as portas estivessem abertas a figuras que declaravam votos a favor do impeachment enquanto saudavam militares ditadores e a tortura.

Durante o segundo turno de 2018, a interferência das lideranças evangélicas de extrema direita não se limitou apenas às pregações dominicais de suas igrejas. Milhões de crentes receberam por boletins, jornais impressos e, principalmente, rádios, a imposição do medo para não votar em Fernando Haddad.

Em 20 de outubro de 2018, eu publiquei aqui no Intercept uma matéria resultante de duas semanas de escuta do famoso programa evangélico “Debate Melodia”, na rádio carioca Melodia FM, em que todos os temas foram pensados de maneira a minar a adesão do público evangélico à candidatura do petista e a escolher Jair Bolsonaro como um candidato “comprometido com os valores cristãos”.

O restante da história, ainda muito recente, nós conhecemos bem. A maior adesão evangélica a um presidente contribuiu significativamente para a vitória de Jair Bolsonaro e foi parte do estrago causado ao país e à democracia brasileira.

É por esse histórico nocivo silencioso de como a extrema direita conta com as igrejas de lideranças ultraconservadoras como incubadoras que o novo governo, as forças progressistas da sociedade e os defensores de direitos humanos e da democracia não podem descuidar do papel da religião de maneira geral, e dos evangélicos ultraconservadores em particular, na esfera pública.

Mas isto não significa ver a religião e as igrejas como um mal em si mesmas. Na verdade, significa que é possível e necessário virar a chave voltada para o uso religioso feito pela extrema direita para a do uso feito pelos que celebram a democracia, os direitos humanos, a igualdade e a diversidade.

Este seria um ótimo momento para pensar projetos que desafiem mais igrejas a se comprometerem a ser parte da expansão da democracia, da garantia dos direitos individuais, da liberdade e da defesa da diversidade e pluralidade do país. Se o novo governo pretende prosperar e estar pronto para os desafios à democracia brasileira, será fundamental estar atento ao papel crucial exercido pela religião na realidade política e social. Isso pode ser feito de maneira propositiva, enxergando o potencial de mobilização e fortalecimento das pautas de justiça social e igualdade que a religião pode ter. É preciso tomar a frente desse debate, em lugar de sermos surpreendidos com um novo, e mais nocivo, formato de radicalização.

 

Fonte: The Intercept/Fórum

 

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