MARIA TERESA CRUZ: OS VENDILHÕES DO TEMPLO DE OLHO NAS ELEIÇÕES 2024
HÁ UMA PASSAGEM NA BÍBLIA que conta a história do
dia em que Jesus expulsou os vendilhões do templo. A expressão se refere
àqueles homens que usavam o espaço sagrado – feito para a manifestação da fé,
para os ritos religiosos – para o comércio com o objetivo de enriquecer. Há um
hiato de quase dois mil anos entre o episódio relatado no evangelho que teria
ocorrido em Jerusalém e o que acontece atualmente no Brasil. Mas, notem, as
semelhanças são escandalosas.
Do bilionário Edir Macedo, fundador da Igreja
Universal, passando por Pastor Everaldo, envolvido até o último fio de cabelo
em esquemas de corrupção, até o filho do líder da Deus é Amor, que usou o
dízimo dos fiéis para comprar um imóvel: tudo isso você só leu aqui no
Intercept.
Ah, sim, ia quase me esquecendo do ex-presidente da
Assembleia de Deus de Sergipe, Virgínio de Carvalho, que multiplicou seu
patrimônio em 5.800% em 10 anos com dinheiro dos fiéis, chegando aos R$ 5
milhões. Ele ficou, digamos, incomodado com a reportagem.
Mas a gente não se intimida. Com nenhum deles. Nem
mesmo com a Universal que tentou nos intimidar após a publicação de um esquema
de lavagem de dinheiro que movimentou R$ 33 bilhões em 4 anos. Na ocasião,
repórter e editora tiveram que ir depor na Polícia Civil e o objetivo era um só:
que se revelasse a fonte da denúncia. Resistimos de maneira firme e a vitória
veio no mês passado. E se precisássemos faríamos absolutamente tudo de novo.
A gente tem se dedicado a essa cobertura que se
tornou nossa marca porque ela objetivamente investiga crimes praticados em nome
da fé. Não há outra palavra senão canalhice. Eu acredito que qualquer pessoa
que use a fé para enriquecer não merece outra coisa que não ser julgado e
punido.
E se você acha tudo isso um escândalo, lamento
informar: só vai piorar. Além de enriquecer, vemos um crescente uso político da
religião para a ocupação de cargos. Sim, é sobre as eleições municipais que
estou falando, a porta de entrada na política para os que usam o nome de Deus
em troca de votos. E o caminho natural dessa gente é ir conquistando mais poder
e chegar a cargos de decisões que podem impactar o país inteiro.
E, olha, que eu nem vou comentar sobre o
fundamentalismo religioso que persegue a comunidade LGBTQIA+ e defende toda e
qualquer atrocidade em nome de um suposto Deus. Que Deus é esse?
Como bem disse a deputada federal Erika Hilton no
mês passado, em Comissão no Congresso, expondo toda a hipocrisia dessa gente:
“É fácil falar em nome de Deus para abrir porta de Igreja e enriquecer, é fácil
falar em nome de Deus para se eleger, eleger pai, filho, a irmã, a mãe. Difícil
é aplicar os ensinamentos que estão na Bíblia”.
Passamos muito sufoco nos últimos anos com a
ascensão do autoritarismo, da extrema direita, do bolsonarismo e se queremos
participar dessa refundação do Brasil, a gente precisa – perdão usar novamente
uma citação bíblica – separar o joio do trigo. Agradecemos seu apoio para
seguir investigando os vendilhões do templo da atualidade e queremos fazer um
único pedido: para que você siga compartilhando muito o nosso conteúdo e nos
ajude a conseguir novos apoiadores para essa jornada.
A
esquerda empurra Deus para a direita. Por Pastor Zé Barbosa Jr.
Sei que corro o risco de tornar-me enfadonho e
repetitivo. Já perdi a conta de quantas vezes escrevi por aqui ou disse em
alguma entrevista o que canso de falar: não há como discutir política no Brasil
sem levar em conta o elemento religioso. É um fato dado. Se vai mudar? Não sei,
mas não será a curto e nem a médio prazo. A religião sempre esteve atrelada ao
fazer política no Brasil.
Senão vejamos:
O primeiro acontecimento “histórico” do país: a
primeira missa, celebrada no Monte Pascoal (fato que consta em todos os livros
de história); a Revolta dos Malês teve forte influência da religião islâmica
que muitos escravizados praticavam; A “Questão Religiosa” que sacudiu o Império
numa trama que envolvia a Maçonaria, a Igreja Católica e, escondido no jogo, o
protestantismo que começava a chegar por meio de missionários-maçons; a
perversa “marcha da família com Deus pela liberdade”. Estes são apenas alguns
exemplos dessa mistura explosiva que está entranhada no ethos brasileiro.
Com o advento da Teologia da Libertação na América
Latina, a religiosidade cristã também se envolveu, e muito, nas lutas contra a
Ditadura brasileira e ajudou a criar, através das Comunidades Eclesiais de
Base, o maior partido popular da América do Sul: o Partido dos Trabalhadores.
Sim, o PT tem fincada em sua história a leitura popular e revolucionária da
Bíblia a partir dos pobres e excluídos. Quem diz que religião e política não se
misturam, ou não entende de uma ou não entende da outra, ou, quem sabe, não
entende nada das duas coisas.
O problema é que, com o advento do
neopentecostalismo, que é a face mais desavergonhada de um evangelicalismo
tradicional e conservador brasileiro, de raiz escravocrata (muitos missionários
batistas e presbiterianos, no passado, apoiavam a escravidão. Inclusive alguns
possuíam escravizados), racista, patriarcal e machista, e com uma ética
conversionista e moralista, veio à tona o que já acontecia nos bastidores de
evangélicos históricos e pentecostais no Brasil: um projeto de poder
estruturado no fundamentalismo religioso. Projeto que também foi abraçado,
acolhido e vestido com roupagens católicas pelos da “Renovação Carismática
Católica”, que sempre resistiram ao “comunismo” dos padres progressistas da
Teologia da Libertação.
Em meio a isso tudo, o que fez a esquerda?
Primeiramente ignorou esse movimento incipiente até os anos 90 (mas que já dava
sinais de existência) e depois passou a combatê-lo de maneira desastrosa,
arrogante e, ultimamente, “lacradora”. Ideias como “crente é tudo alienado!”,
“pastores são todos pilantras”, “igrejas só existem para lavagem cerebral”, e
outros pensamentos afins grassam nos encontros e falas de muitas lideranças do
campo da esquerda e, lamento informar, nada é mais distante da realidade do que
essas ideias estereotipadas.
Estou dizendo que não há gente alienada nas
igrejas, que não existem pastores pilantras e que algumas igrejas não fazem
“lavagem cerebral” em seus membros? Claro que não. Mas que isso não reflete nem
mesmo a maioria das igrejas, que estão muito mais para os “isentões” ou o
“centrão” dessa luta política-ideológica-religiosa que para aquelas que sabemos
ser antros de politicagem barata, venda de consciências e redutos empresariais
fantasiados de igrejas. E não hesito em dizer que estes são minoria, porém, por
terem MUITO DINHEIRO E MÍDIA, nos dão a sensação de serem muito mais do que
são. Arrisco dizer que 40% da Igreja Evangélica brasileira hoje é “flutuante”,
está “em disputa” entre os lados políticos e, a partir da forma como serão
abordadas, podem muito bem constituir uma força democrática, ainda que com
algumas colocações ainda conservadoras em seus discursos.
Minha grande preocupação é ver o quanto a esquerda
cada vez mais “empurra Deus para a direita”, não acolhendo e investindo nos
cristãos progressistas, não dialogando (até porque não faz a mínima ideia de
como fazer isso) com essa massa “flutuante” e, pior, referendando cada vez mais
a ideia de alienação evangélica cada vez que se refere aos principais expoentes
dessa face perversa (que existe, mas como disse, não é hegemônica) e, com isso,
afastando a possibilidade da disputa de mentes e corações que tentamos travar
há décadas, de dentro, como pastores, pastoras e lideranças cristãs envolvidas
com os Direitos Humanos, a Democracia e a plena Dignidade Humana.
A continuar nessa marcha de insensatez, arrogância
pseudo-acadêmica e insistindo em não INVESTIR (sim, estou falando de dinheiro,
mídia e visibilidade) nos cristãos que se colocaram nas trincheiras há tempos,
como progressistas e de esquerda, experimentaremos uma derrota fragorosa nas
próximas eleições, pois o discurso moralista pseudo-religioso, que nada tem a
ver com o Evangelho, já está entranhado e espalhado de forma virulenta e
tomando espaços cada vez maiores, como foi o caso dos Conselhos Tutelares. Isto
é só o começo do projeto de dominação deles.
Mas há esperança! No entanto, para isso, precisamos
que a esquerda ACORDE para a realidade. Negá-la não vai influenciar no fato de
que ela está posta e escancarada: precisamos, e DEVEMOS, dialogar com
evangélicos e católicos tomados pelo conservadorismo. Não haverá possibilidade
alguma de sucesso do nosso lado caso isso não aconteça. Precisamos encarar as
principais e mais polêmicas pautas sem a força da “lacração”, mas dispostos ao
diálogo franco e sincero que, acredito, muitos cristãos ainda são capazes de
fazer. Eu acredito que é possível. Mas teremos que descer do salto e ouvir o
povo simples, sem desdenhar de sua fé, porque foi essa fé que os sustentou até
agora em todos esses anos tão difíceis.
A fé não é inimiga da democracia, muito pelo
contrário. E é pela fé que conseguiremos conquistar mentes e corações para um
projeto melhor de Brasil e de América Latina.
Quem tem ouvidos, ouça!
Igrejas
conservadoras serão incubadoras da extrema direita se governo não mudar forma
de lidar com elas. Por Ronilson Pacheco
O GOVERNO LULA tem se mostrado resistente à criação
de uma pasta com foco na religião e seu papel político no fortalecimento da
democracia – algo que já foi feito em países como Colômbia, Chile e México, que
contam com alguma espécie de secretaria nacional para tratar do assunto. A nova
gestão segue resumindo a articulação com os cristãos a ter alguém que “fale
pelos evangélicos” e que dialogue principalmente com as raposas da Bancada
Evangélica ou os barões da fé pastores das megaigrejas. Isso é um erro.
Como os ataques terroristas de cunho golpista em
Brasília provaram, a destituição do governo Jair Bolsonaro e de seus pastores
ultraconservadores instalados no Executivo federal, com Damares Alves à frente,
não nos devolverá a democracia e a diversidade em condições de segurança. Mas é
importante lembrar o seguinte: o espírito da radicalização, que segue vivo e
atuante, voltará em parte para sua incubadora – as muitas igrejas e comunidades
virtuais evangélicas e católicas dispostas a cultivá-lo, aguardando o momento
de ele reaparecer e reivindicar novamente o lugar de privilégio e supremacia de
um grupo que vê a si mesmo como a “maioria” e acredita que, como tal, sua
crença política, sua concepção de moral e sua religiosidade devem ser impostas.
A extrema direita cristã brasileira criou laços
internacionais que o Ministério das Relações Exteriores, bem como o Ministério
dos Direitos Humanos e Cidadania, terão de rever com atenção para tirar o
Brasil da agenda extremista motivada pela imposição da moral inventada por
supremacistas. É urgente que o Brasil deixe de ser signatário da Declaração de
Consenso de Genebra, que nos coloca ao lado não apenas de países que
criminalizam brutalmente o aborto, mas também dos que abandonaram há muito o
compromisso com a democracia, como a Hungria e a Rússia, ou seguem abertamente
como ditaduras políticas ou religiosas, como a Arábia Saudita.
Não podemos esquecer que o “ovo de serpente”, isto
é, o processo de maturação do impeachment de Dilma Rousseff e da ascensão de
Jair Bolsonaro e sua extrema direita, teve uma participação fundamental de
lideranças evangélicas ultraconservadoras e suas igrejas.
Em julho de 2015, a capela do Seminário Batista do
Sul do Brasil, na Tijuca, Rio de Janeiro, estava lotada de pastores e
lideranças evangélicas batistas para ouvir o que o então procurador da
República Deltan Dallagnol tinha a dizer sobre a projeto das “10 Medidas Contra
a Corrupção”.
Começava ali uma adesão que foi se tornando cada
vez mais crescente e influente ao papel de igrejas e evangélicos no processo de
corrosão do governo Dilma, diretamente ligado ao enfraquecimento da democracia
brasileira e à abertura do caminho para uma extrema direita cada vez mais
confiante. Foi nos templos e a partir deles que o projeto de Dallagnol ganhou
grande parte de suas assinaturas.
A peregrinação do procurador – ele mesmo um
evangélico batista – por diversas igrejas pelo país, divulgando a operação Lava
Jato e o pacote das 10 medidas foi uma estratégia poderosa. Após suas palestras
ou participações em cultos, cabia às igrejas manterem vivo o sentimento de
“indignação” contra a corrupção na qual o Partido dos Trabalhadores teria,
segundo Dallagnol, afundado o país. E, obviamente, essa conivência com a
corrupção tinha também um sentido moral, razão pela qual um projeto de governo
de esquerda no país deveria ser interrompido. Ou pela eleição, ou pelo
impeachment.
A sinergia entre igrejas e pastores extremistas e a
presidência da Câmara dos Deputados, nas mãos de Eduardo Cunha, um evangélico
ultraconservador, também foi um elemento importante na “força popular” que
consentiu a todos os atropelos democráticos e legais para que Dilma fosse
derrubada. E para que as portas estivessem abertas a figuras que declaravam
votos a favor do impeachment enquanto saudavam militares ditadores e a tortura.
Durante o segundo turno de 2018, a interferência
das lideranças evangélicas de extrema direita não se limitou apenas às
pregações dominicais de suas igrejas. Milhões de crentes receberam por
boletins, jornais impressos e, principalmente, rádios, a imposição do medo para
não votar em Fernando Haddad.
Em 20 de outubro de 2018, eu publiquei aqui no
Intercept uma matéria resultante de duas semanas de escuta do famoso programa
evangélico “Debate Melodia”, na rádio carioca Melodia FM, em que todos os temas
foram pensados de maneira a minar a adesão do público evangélico à candidatura
do petista e a escolher Jair Bolsonaro como um candidato “comprometido com os
valores cristãos”.
O restante da história, ainda muito recente, nós
conhecemos bem. A maior adesão evangélica a um presidente contribuiu
significativamente para a vitória de Jair Bolsonaro e foi parte do estrago
causado ao país e à democracia brasileira.
É por esse histórico nocivo silencioso de como a
extrema direita conta com as igrejas de lideranças ultraconservadoras como
incubadoras que o novo governo, as forças progressistas da sociedade e os
defensores de direitos humanos e da democracia não podem descuidar do papel da
religião de maneira geral, e dos evangélicos ultraconservadores em particular,
na esfera pública.
Mas isto não significa ver a religião e as igrejas
como um mal em si mesmas. Na verdade, significa que é possível e necessário
virar a chave voltada para o uso religioso feito pela extrema direita para a do
uso feito pelos que celebram a democracia, os direitos humanos, a igualdade e a
diversidade.
Este seria um ótimo momento para pensar projetos
que desafiem mais igrejas a se comprometerem a ser parte da expansão da
democracia, da garantia dos direitos individuais, da liberdade e da defesa da
diversidade e pluralidade do país. Se o novo governo pretende prosperar e estar
pronto para os desafios à democracia brasileira, será fundamental estar atento
ao papel crucial exercido pela religião na realidade política e social. Isso
pode ser feito de maneira propositiva, enxergando o potencial de mobilização e
fortalecimento das pautas de justiça social e igualdade que a religião pode
ter. É preciso tomar a frente desse debate, em lugar de sermos surpreendidos
com um novo, e mais nocivo, formato de radicalização.
Fonte: The Intercept/Fórum
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