Por que os animais
reconhecem números, mas só os humanos conseguem fazer contas
Fazer
conta parece algo tão simples para os adultos, que é pouco provável que eles se
lembrem quando ou como aprenderam essa habilidade útil e aparentemente
automática.
Mas,
se você pensar sobre isso, contar é uma invenção notável.
Ajudou
os primeiros humanos a comercializar, distribuir alimentos e organizar
civilizações emergentes, estabelecendo as bases para a vida como conhecemos
hoje.
Mas
a sensibilidade aos números não é exclusivamente humana.
Foi
constatado que os minúsculos barrigudinhos (uma espécie de peixe) e as abelhas,
assim como hienas e cachorros, percebem e agem de acordo com estímulos
numéricos.
Portanto,
responder a números é uma característica evolutiva que parecemos compartilhar
com alguns animais, assim como uma habilidade que aprendemos em algumas das
nossas primeiras lições.
Como
pesquisadora em cognição numérica, me interessa como os cérebros processam os
números.
Os
seres humanos e os animais realmente compartilham algumas habilidades numéricas
notáveis — que os ajudam a tomar decisões inteligentes sobre onde se alimentar
e onde se abrigar.
Mas
assim que a linguagem entra em cena, os humanos começam a superar os animais,
revelando como as palavras e os dígitos sustentam nosso mundo matemático
avançado.
·
Dois
sistemas numéricos
Quando
pensamos em fazer conta, pensamos em "um, dois, três".
Mas
é claro que isso depende da linguagem numérica, que os jovens humanos e animais
não possuem. Em vez disso, eles usam dois sistemas numéricos distintos.
Desde
os dez meses de idade, os bebês humanos já estão se familiarizando com os
números.
Mas
há um limite para suas habilidades numéricas: eles só conseguem detectar
mudanças numéricas entre um e três — quando, por exemplo, uma maçã é removida
de um grupo de três maçãs.
Essa
habilidade é compartilhada por muitos animais com cérebros significativamente
menores, como peixes e abelhas.
Esse
sistema numérico primitivo, que ajuda bebês e animais a perceber o número de um
pequeno conjunto de objetos sem ter que de fato contar, provavelmente depende
de um sistema atencional interno de memória de trabalho que fica sobrecarregado
com números acima de três.
À
medida que crescemos, nos tornamos capazes de estimar números muito maiores,
novamente sem precisar nos referir à linguagem.
Imagine
que você é um caçador-coletor faminto. Você vê dois arbustos, um com 400
groselhas e outro com 500.
É
preferível se aproximar do arbusto com mais frutas, mas é uma grande perda de
tempo contar as groselhas em cada arbusto individualmente.
Então,
nós estimamos.
E
fazemos isso com outro sistema numérico interno especializado em aproximar
grandes números de maneira imprecisa — o chamado "sistema numérico
aproximado".
Dado
que há uma clara vantagem evolutiva para aqueles que são capazes de escolher
rapidamente a fonte de alimento mais abundante, não é surpreendente que peixes,
pássaros, abelhas, golfinhos, elefantes e primatas possuam um sistema numérico
aproximado.
Em
humanos, a precisão desse sistema melhora com o desenvolvimento.
Os
recém-nascidos podem estimar diferenças aproximadas em números na proporção de
1: 3, então são capazes de dizer que um arbusto com 300 frutas tem mais frutas
do que um com 100.
Na
idade adulta, este sistema é aprimorado para uma proporção de 9:10.
Embora
esses dois sistemas apareçam em uma variedade de animais, incluindo jovens
humanos, isso não significa necessariamente que os sistemas cerebrais por trás
deles sejam os mesmos em todos os animais.
Mas,
visto que tantas espécies animais podem extrair informações numéricas, parece
que a sensibilidade aos números evoluiu em muitas espécies há muito tempo.
·
Símbolos
numéricos
O
que nos diferencia dos animais não humanos é nossa capacidade de representar
números com símbolos.
Não
está totalmente claro quando os humanos começaram a fazer isso, embora tenha
sido sugerido que as marcas feitas em ossos de animais por nossos parentes
neandertais, há 60 mil anos, são alguns dos primeiros exemplos arqueológicos de
contagem simbólica.
A
externalização do processo de fazer conta pode ter começado com as partes do
nosso corpo. Os dedos são ferramentas naturais de contar, mas são limitados a
dez.
O
sistema tradicional de contagem dos yupno, em Papua Nova Guiné, ampliou esse
número para 33 usando partes do corpo adicionais para contar, começando com os
dedos dos pés, depois as orelhas, olhos, nariz, narinas, mamilos, umbigo,
testículos e o pênis.
Mas,
à medida que nosso apetite por números cresceu, começamos a usar sistemas
simbólicos mais avançados para representá-los.
Hoje,
a maioria dos humanos usa o sistema de numeração indo-arábico para contar.
Uma
invenção incrível, que usa apenas dez símbolos (0-9) em um sistema posicional
para representar um conjunto infinito de números.
Quando
as crianças adquirem o significado dos dígitos numéricos, elas já sabem as palavras
que representam os números. Na verdade, as palavras para números pequenos estão
tipicamente entre as primeiras centenas de palavras que as crianças falam,
repetindo sequências como "um-dois-três-quatro-cinco" com facilidade.
O
que é interessante aqui é que as crianças pequenas levam algum tempo para
entender o fato de que a última palavra na sequência de contagem não apenas
descreve a ordem do objeto na lista de contagem (o quinto objeto), como também
o número total de objetos contados até então (cinco objetos).
Embora
isso seja óbvio para um adulto, o chamado "princípio da
cardinalidade" é um passo conceitualmente difícil e importante para as
crianças — e leva meses para elas aprenderem.
O
aprendizado de palavras numéricas também é moldado pelo ambiente de linguagem.
Os
munduruku, uma tribo indígena da Amazônia, têm muito poucas palavras para
números exatos e, em vez disso, usam palavras aproximadas para denotar outras
quantidades, como "alguns" e "muitos".
Fora
de seu vocabulário de palavras numéricas exatas, o desempenho de cálculo dos
munduruku é sempre aproximado.
Isso
mostra como diferentes ambientes de linguagem afetam a precisão das pessoas
quando se trata de nomear grandes números exatos.
·
Contar
para calcular
Muitas
crianças e adultos têm dificuldade com a matemática. Mas algum desses sistemas
numéricos está ligado à habilidade matemática?
Em
um estudo, crianças em idade pré-escolar com um sistema numérico aproximado
mais preciso apresentaram maior probabilidade de se sair bem em aritmética no
ano seguinte em comparação com seus colegas com um sistema numérico aproximado
menos preciso.
Mas,
em geral, esses efeitos foram pequenos e controversos.
A
capacidade de passar de palavras numéricas faladas (vinte e cinco) para
símbolos numéricos escritos (25) é um indicador mais confiável de habilidades
aritméticas em crianças na escola primária.
Novamente,
isso mostra que a linguagem desempenha um papel central em como os humanos
calculam e contam.
Portanto,
embora os animais e os humanos estejam rotineiramente extraindo informações
numéricas de seu ambiente, é a linguagem que nos diferencia — nos ajudando não
apenas a escolher o arbusto mais carregado de frutas, mas também a realizar os
tipos de cálculos dos quais nossa civilização depende.
Fonte:
Por Silke Goebel, para The Conversation
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