Oito curiosidades
sobre a tradução da Bíblia de Lutero
Há
500 anos, o mais famoso reformador do mundo publicou sua tradução do Novo
Testamento para o alemão. De uma suposta luta com o diabo a uma mulher omitida
na tradução, há muitos fatos surpreendentes em torno da edição.
1.
Bestseller instantâneo
Não
havia listas de bestsellers na época de Martinho
Lutero,
mas ninguém pode duvidar do sucesso de sua tradução da Bíblia.
Embora
não tenha sido a primeira tradução da Bíblia cristã para o alemão, foi
a primeira a ser amplamente difundida.
Como
o próprio Lutero disse, "ele ouviu o homem comum" para encontrar seu
estilo de tradução. Ele não gostava de traduções literais e trabalhou em
cada frase por um longo tempo para tornar a leitura mais fácil.
A
primeira parte da Bíblia, que consistia na tradução do Novo Testamento
para o alemão, foi publicada há quase 500 anos, em setembro de 1522,
para a Feira do Livro de Leipzig - evento que ocorre até os dias de
hoje.
Na
época, foram impressas 3.000 cópias – considerada uma grande tiragem para o
período. Cada exemplar custava entre meio gulden e 1,5 guldens, a moeda do
sul da Alemanha. Era uma bela soma em dinheiro, mas bem mais barata do que as
versões anteriores do Livro Sagrado.
"Antes
de Lutero, você tinha que pagar o equivalente, hoje em dia, a um Mercedes
Classe S por uma Bíblia impressa. No século 16, uma Bíblia de Lutero era
vendida pelo mesmo preço que uma geladeira hoje em dia", compara o teólogo
Hartmut Hövelmann.
A
Bíblia se esgotou em três meses e as reimpressões foram feitas
rapidamente. A primeira edição foi chamada de "Testamento de
setembro", e a segunda, com revisões, de "Testamento de
dezembro".
A
primeira versão da obra de Lutero consistiu na tradução do Novo Testamento e é
vista como um dos estopins da Reforma, que dividiu a Igreja Católica. Lutero
completou a tradução do Velho Testamento em 1534. A versão completa da Bíblia
também foi um sucesso. Cerca de 200.000 cópias foram publicadas antes de
Lutero morrer em 1546
2.
Escondido em um castelo
Martinho
Lutero não conseguiu traduzir o Novo Testamento na paz de sua casa.
Em
1517, ele publicou
suas famosas "95 teses", protestando contra a prática do clero
católico de vender indulgências, por meio das quais os pecadores podiam
comprar sua saída do purgatório. Em janeiro de 1521, o papa
excomungou Lutero por
ele se recusar a revogar suas teses da Reforma.
Três
meses depois, Lutero, que já havia sido condenado como herege, se apresentou
diante da Dieta em Worms (uma assembleia do Sacro Império Romano Germânico) e
foi convidado, pela última vez, a se retratar.
Mais
uma vez, ele se recusou a fazê-lo, levando o imperador Carlos 5º a emitir o
Édito de Worms, um decreto declarando Lutero um fora da lei e dando a qualquer
um o direito de capturá-lo ou até mesmo de matá-lo.
O
Príncipe Frederico 3º, Eleitor da Saxônia, conseguiu proteger Lutero,
sequestrando-o e escondendo-o no Castelo de Wartburg, na Turíngia.
Lutero
ficou lá por 10 meses sob o nome de Junker Jörg e, nesse período, se dedicou a
traduzir a Bíblia. A palavra Junker se refere a uma categoria
de nobre alemão.
3.
Luta contra o diabo
Seu
gabinete no castelo Wartburg é conhecido hoje como "Sala de
Lutero". Lá, ele traduziu o Novo Testamento do grego antigo para o
antigo alto alemão, usando traduções latinas como auxílio - por exemplo, a
do famoso humanista Erasmus von Rotterdam. Lutero levou 11 semanas
para concluir o Novo Testamento.
Diz
a lenda que o diabo até o visitou nesta sala uma noite. Lutero ouviu um
arranhão e jogou o tinteiro no demônio. Uma mancha de tinta azul teria
ficado marcada na parede, ao lado do fogão. Mitos foram criados em torno
da mancha desde o século 17, mas não se sabe se ela data mesmo da época de
Lutero, já que o cômodo foi repintado várias vezes.
4.
Trabalho em equipe
Depois
que Lutero traduziu o Novo Testamento, ele se dedicou ao Antigo
Testamento, trabalhando com vários outros teólogos e
linguistas. Sozinho, ele não teria conseguido traduzir o texto do hebraico
antigo e do aramaico, uma vez que não falava essas duas línguas tão bem quanto
o latim e o grego antigo.
Entre
seus auxiliares estavam Philip Melanchthon, Caspar Cruciger, Matthäus
Aurogallus e Justus Jonas. A tradução foi concluida em 1534.
Terminado
o trabalho, Lutero escreveu na "Carta Aberta sobre a
Tradução": "No Livro de Jó, nos esforçamos tanto,
Melanchthon, Aurogallus e eu, que mal conseguimos terminar três
linhas em quatro dias".
5.
Versão ilustrada
Algumas
edições da tradução da Bíblia de Lutero foram ilustradas com xilogravuras. Onze
imagens de página inteira da oficina do artista e impressor Lucas Cranach,
inspiradas na série Apocalipse, de Albrecht Dürer, foram
exibidas em edições decorativas do "Testamento de setembro".
Mesmo
500 anos depois, o trabalho de Lutero continua inspirando impressionantes
obras de arte. Em 2017, o artista Yadegar Asisi montou na cidade de Wittenberg
um grande panorama 360º, com vida e obra do reformador, em alusão ao 500º
aniversário da Reforma.
6.
Bíblia de Lutero inspirou uma tradução para o inglês
As
traduções para o inglês de partes da Bíblia já existiam desde o século 7º. A
Bíblia de Wycliffe foi publicada no século 14, em inglês vernáculo, como parte
de um movimento pré-Reforma que era contra muitos dos ensinamentos da
Igreja Católica Romana. Os motins que se seguiram à sua publicação tornaram
ilegal, sob pena de morte, ter uma tradução da Bíblia para o inglês.
Mesmo
assim, William Tyndale, um reformador inglês e contemporâneo de Martinho
Lutero, se encorajou a criar uma versão em inglês da Bíblia e
distribuí-la. Ele foi para Alemanha em 1524, com o apoio de ricos
comerciantes de Londres. No ano seguinte, completou sua tradução do Novo
Testamento.
Tyndale
não apenas leu as traduções para o latim feitas por Erasmo de Rotterdam, mas
também as de Lutero - e até aprendeu alemão para fazer isso.
Sua
Bíblia foi impressa em Colônia, na Alemanha, e as primeiras edições foram
contrabandeadas para a Inglaterra em 1526.
Tyndale
também começou a trabalhar na tradução do Antigo Testamento, mas foi preso
antes de ter concluído. Ele foi queimado na fogueira como herege em 1536,
mas sua tradução ainda é, em grande parte, a base para a moderna Bíblia em
inglês.
7.
Uma mulher se perdeu na tradução
Martinho
Lutero e seus colegas são altamente reconhecidos por sua tradução da Bíblia e
sua influência é considerada revolucionária. No entanto, a versão não era
perfeita.
Por
exemplo, estudiosos descobriram mais tarde que eles haviam mudado um nome
feminino da versão grega original para masculino: Junia, uma apóstola
mencionada no Novo Testamento na carta de Paulo aos Romanos. Essa figura
foi transformada em "Júnias", nome masculino que não existia nos
tempos antigos.
Posteriormente,
isso foi corrigido para refletir o papel significativo desempenhado pelas
mulheres na pregação e divulgação do cristianismo primitivo.
Mesmo
na época de Lutero, as teólogas se destacavam. Afinal, o
protestantismo pregava em palavras, mesmo que não na prática, que todas as
pessoas eram iguais.
Argula
von Grumbach arriscou muito para promover o protestantismo, escrevendo cartas,
intervindo em debates teológicos e falando publicamente em apoio a Martinho
Lutero, com quem também se correspondia.
A
reformadora e escritora protestante Katharina Zell escreveu seis livros e três
panfletos, além de salmos e interpretações da Bíblia, e acolheu refugiados
protestantes na casa paroquial de seu marido em Estrasburgo.
8.
Não é a última edição
Por
mais importante que tenha sido a tradução da Bíblia de Lutero e seus colegas,
não foi a primeira - e certamente não será a última.
Ela
é constantemente revisada. Em 2017, ano que marcou o 500º aniversário da
Reforma, uma versão modificada foi publicada pela Sociedade Bíblica
Alemã. As passagens antissemitas inseridas por Lutero e seus colegas
foram alteradas.
A
língua também foi adaptada e modernizada para se aproximar do alemão falado
hoje em dia. A tiragem de 260.000 cópias, em 14 edições diferentes, se
esgotou em apenas algumas semanas. Como resultado, mais 240.000 cópias
foram impressas.
Além
disso, foi lançada em 2021 uma versão simplificada, que visa atingir a geração
mais jovem. Ela tem sido referida pela Sociedade Bíblica como a
"Bíblia para a geração do smartphone".
Fonte:
Deutsche Welle
Nenhum comentário:
Postar um comentário