quinta-feira, 27 de abril de 2023

Nunes Marques e Mendonça veem STF incompetente para julgar bolsonaristas

Os ministros Kassio Nunes Marques e André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal, divergiram dos demais no julgamento sobre o recebimento das primeiras primeiras cem denúncias contra os bolsonaristas envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro. No entendimento da dupla, a corte é incompetente para aceitar as denúncias, e ambos votaram pelo envio dos autos à Justiça Federal do Distrito Federal.

Todos os outros ministros se manifestaram a favor de receber as denúncias da Procuradoria-Geral da República. O julgamento virtual, iniciado na última terça-feira (18/4), terminou nesta segunda-feira (24/4), mas já tinha maioria desde a última quinta (20/4).

•        Contexto

Preliminarmente, Kassio e Mendonça consideraram que o STF não poderia processar as denúncias, pois, segundo eles, não haveria conexão com outros casos que tramitam na corte e os cem acusados não têm foro especial por prerrogativa de função.

As denúncias estão em dois inquéritos. 50 delas se referem a instigadores dos atos, que estiveram acampados em frente ao Quartel-General do Exército na capital federal até o dia 9 de janeiro. As outras 50 dizem respeito a autores intelectuais e executores, que efetivamente praticaram os atos de vandalismo e destruição do patrimônio público.

No inquérito relativo aos bolsonaristas que incentivaram os ataques, as acusações eram de associação criminosa e incitação pública à animosidade das Forças Armadas contra os poderes constitucionais.

Já no outro inquérito, as denúncias eram pelos delitos de associação criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, deterioração de patrimônio tombado e dano qualificado pela violência e grave ameaça, com emprego de substância inflamável, contra o patrimônio da União e com considerável prejuízo para a vítima.

Para além da questão preliminar, Kassio também votou contra receber as denúncias, por considerá-las ineptas. No primeiro inquérito, ele também entendeu que elas não tinham justa causa. Já no segundo inquérito, ele rejeitou apenas as acusações de associação criminosa armada e golpe de Estado.

Por outro lado, Mendonça, caso superada a questão da competência, votou por rejeitar todas as denúncias contra os bolsonaristas do acampamento, mas receber as 50 denúncias contra aqueles que invadiram os prédios dos Três Poderes.

•        Kassio e os acampados

Indicado ao STF pelo ex-presidente Jair Bolsonaro em 2020, Nunes Marques não identificou circunstâncias concretas que pudessem atrair a competência do caso à corte por conexão ou continência.

Segundo ele, não houve demonstração de que as infrações foram praticadas em concurso de pessoas com investigados detentores de foro no Supremo. Também não foi comprovado que os denunciados tentaram facilitar ou ocultar outras infrações investigadas em outros inquéritos, nem mesmo obter impunidade ou vantagem em relação a elas. Por fim, não foi apontada a influência da prova dos crimes das denúncias na produção da prova das infrações investigadas em outros inquéritos.

Para o ministro, não se pode estabelecer "conexão probatória fundada em presunção abstrata ou ilação" sem apontar vínculo entre os fatos das denúncias e dos inquéritos instaurados contra detentores de foro privilegiado. A jurisprudência do STF vêm desmembrando inquéritos e ações penais em situações do tipo.

Afora a incompetência da corte, Nunes Marques verificou que o Ministério Público Federal não demonstrou qual e como teria sido a participação dos denunciados nas condutas criminosas.

No primeiro inquérito, ele afirmou que "as denúncias partem de meras ilações, com fotos e descrições das atividades desenvolvidas no acampamento em frente ao Quartel-General de Brasília, sem apontar nenhum comportamento concreto dos denunciados que pudesse dar suporte a tal acusação".

De acordo com o magistrado, as denúncias do primeiro inquérito narraram de forma genérica a gravidade abstrata dos delitos, mas não evidenciaram um mínimo de conexão entre as atividades identificadas no acampamento e as condutas dos acusados.

"A acusação conclui apenas que eles estavam no acampamento do Quartel-General e, tão somente por se encontrarem naquele ambiente, teriam anuído com os atos alegadamente criminosos que lhes foram imputados na denúncia", assinalou.

Ele ainda disse que as investigações não reuniram "um suporte probatório mínimo", pois não trouxeram indícios suficientes de autoria. As próprias denúncias apontaram a necessidade de diligências complementares para identificar os autores dos delitos.

Na visão de Kassio, não se pode presumir que todos os acampados mantinham um "vínculo associativo, com certa estabilidade", para cometer crimes. "Embora pudesse haver, no acampamento, pessoas com o perfil sustentado pelo MPF, que reivindicavam um golpe de Estado, havia, também, inúmeras pessoas, inclusive famílias com crianças, que lá se manifestavam na defesa de outras pautas que não se caracterizam como atos ilícitos."

•        Kassio e os invasores

No segundo inquérito, Nunes Marques também constatou alegações genéricas. "As iniciais acusatórias seguem a linha genérica de sustentar que cada denunciado seria membro da turba que ingressou nas sedes do Congresso e do Palácio do Planalto, como se todas as pessoas presas nessas sedes ou em suas imediações tivessem, indistintamente, realizado ou concorrido, com dolo, para a realização dos atos de vandalismo e cometido os crimes", afirmou.

Segundo o ministro, há a possibilidade de verificar filmagens dos ambientes dos prédios para identificar precisamente os responsáveis e apontar individualmente suas condutas em cada uma das sedes.

Embora tenha reconhecido o vício formal das denúncias, o magistrado constatou "materialidade delitiva e indícios suficientes de autoria" da prática dos crimes de dano qualificado contra o patrimônio da União, deterioração de patrimônio público tombado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Ele se baseou principalmente nos relatos de testemunhas.

"Os graves atos de destruição do patrimônio público perpetrados pelos acusados chegaram a restringir, isto é, a cercear, em certa medida, o regular exercício das funções inerentes aos poderes constitucionais, em razão da necessidade de recomposição do patrimônio destruído para que houvesse o retorno ao desempenho de suas respectivas competências", indicou.

Já quanto aos delitos de associação criminosa e golpe de Estado, Nunes Marques também entendeu que as investigações não reuniram provas suficientes, já que a acusação sequer analisou as imagens dos ambientes vandalizados. As próprias denúncias indicavam a necessidade de novas diligências.

Pela mesma lógica do outro inquérito, o ministro considerou impossível presumir que todos os bolsonaristas presos nos prédios invadidos ou nas imediações mantinham um vínculo para cometer delitos.

Ele também não viu indícios de que os denunciados tentaram depor violentamente o governo. Para o magistrado, é preciso verificar quais condutas causaram uma ameaça real ao governo e quais agentes efetivamente empregaram violência ou grave ameaça.

•        Votos de Mendonça

Indicado ao STF por Bolsonaro em 2021, Mendonça também entendeu que as investigações não se relacionam com detentores de foro especial — que, até o momento, sequer foram denunciados em outros inquéritos.

"O que se tem é a atração da competência originária desta corte, para que pessoas sem foro por prerrogativa de função sejam aqui julgadas originariamente, fora das hipóteses previstas na Constituição e da jurisprudência consolidada desta Suprema Corte. Com a devida vênia, há um evidente desrespeito ao princípio do juiz natural", disse.

No primeiro inquérito, ele também não constatou individualização suficiente das condutas. Para o magistrado, a narrativa da acusação "pressupõe, sem comprovação, uma absoluta uniformidade e homogeneidade" entre todos os bolsonaristas acampados e implica uma "responsabilização objetiva dos denunciados", o que "é vedado pelo ordenamento jurídico e pena doutrina penal".

O ministro ressaltou que os acampamentos existiram em diversos lugares do país durante meses, sem que os poderes públicos municipais, estaduais ou federal os coibissem. "É como se estar no acampamento até 8 de janeiro fosse permitido e, após, tivesse se tornado criminoso", assinalou.

Já no segundo inquérito, superado seu entendimento pela incompetência do STF, Mendonça considerou que os fatos foram "suficientemente narrados" e que as denúncias atenderam aos requisitos necessários.

 

       Foragido por bomba em aeroporto se diz perseguido e afirma se esconder em fazenda de bolsonarista

 

Um dos três réus acusados de tentar explodir uma bomba em um caminhão nas proximidades do aeroporto de Brasília em 24 de dezembro, o blogueiro e influenciador Wellington Macedo está foragido há quatro meses e diz que se abriga em fazenda de um empresário bolsonarista.

Em entrevista à Folha nesta terça-feira (25), Macedo disse ser inocente no caso da tentativa de explosão da bomba, afirmou que não sabia da existência do artefato nem do plano para detoná-lo e alega ser alvo de perseguição do Judiciário.

Foragido desde dezembro, quando rompeu a tornozeleira eletrônica e deixou o Distrito Federal, o bolsonarista diz que não pretende se entregar à polícia.

Afirma ainda que está em local isolado -a fazenda de um produtor rural que ele conheceu no acampamento com viés golpista montado em frente ao quartel-general do Exército em Brasília após a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas urnas.

O nome do empresário e a localização da propriedade rural não foram reveladas.

"Eu não voltei mais em casa, fui para outra cidade. Estou numa fazenda de pessoas que conheci no acampamento. Estou bem isolado, estou longe", disse à Folha de S.Paulo, por telefone.

Macedo ocupou um cargo no governo Jair Bolsonaro (PL), atuando como assessor da então ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e hoje senadora Damares Alves (Republicanos-DF) de fevereiro a dezembro de 2019, com um salário bruto de R$ 10.373. Ele foi preso em 2021 por determinação do ministro Alexandre de Moraes (STF) sob acusação de incentivar atos antidemocráticos no 7 de Setembro. Deixou a prisão 42 dias depois e vinha sendo monitorado por tornozeleira eletrônica.

As investigações da Polícia Civil do Distrito Federal apontam que Macedo foi responsável por dirigir o carro que transportou a bomba na véspera do Natal de 2022 do acampamento bolsonarista em frente ao QG até o aeroporto do Brasília.

O artefato foi preparado pelo empresário George Washington de Oliveira e colocado em um caminhão no aeroporto pelo também bolsonarista Alan Diego dos Santos e Sousa, de acordo com as investigações.

Os três se tornaram réus em janeiro após o Tribunal de Justiça do Distrito Federal aceitar a denúncia do Ministério Público. Apenas Macedo segue foragido.

Na versão contada por Wellington Macedo, ele estava no acampamento gravando vídeos para a produção de um documentário quando foi procurado por Alan Diego, que lhe pedira uma carona para o aeroporto. Ele diz que o conheceu dois dias antes em uma barraca onde estavam manifestantes do Pará.

Ao chegarem nas proximidades do aeroporto, ainda segundo a versão de Macedo, Alan Diego teria sacado a bomba de dentro de uma sacola que estava no banco de trás do carro.

Ao se aproximarem do caminhão, Alan Diego teria pedido que Macedo reduzisse a velocidade, colocou parte do corpo para fora da janela e pôs o artefato sobre um pneu do veículo que estava estacionado. Na sequência, algum tempo depois, sacou um pequeno controle remoto para detonar o explosivo.

Macedo diz que se sentiu intimidado, mas questionou: "Eu disse: 'Cara, por que tu fez isso comigo? Tu nem me conhece. Tu me vê no QG, sabe que eu sou perseguido e me envolve num negócio desse?'"

Depois, deixou Alan Diego em um hotel em Brasília. Questionado sobre o porquê não ter acionado a polícia para avisar da bomba nas proximidades do aeroporto, disse que teve medo de ser preso.

A polícia foi chamada pelo motorista do caminhão, que percebeu que uma caixa havia sido colocada no veículo. Foi encontrada no local uma pequena dinamite com temporizador. O explosivo foi retirado pelo esquadrão antibombas, que desativou o artefato ainda no local. Ninguém se feriu.

Preso no mesmo dia da tentativa de explosão, o empresário George Washington afirmou à Polícia Civil que planejou com manifestantes a instalação de explosivos em ao menos dois locais da capital federal nos dias anteriores à posse de Lula.

O objetivo seria "dar início ao caos" que levaria à "decretação do estado de sítio no país", o que poderia "provocar a intervenção das Forças Armadas".

Macedo, George Washington e Alan Diego respondem na Justiça pelo crime de explosão, caracterizado por "expor a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem, mediante explosão, arremesso ou simples colocação de engenho de dinamite ou de substância de efeitos análogos". A pena é de três a seis anos de prisão e multa.

Responsável pela defesa de Macedo, o advogado Aécio de Paula protocolou na segunda-feira (24) uma defesa prévia na Vara Criminal do Distrito Federal que cuida do caso.

Ele alega que, em depoimento à polícia, tanto George Washington como Alan Diego isentaram o seu cliente da tentativa de atentado. Destaca ainda que Macedo nem sequer conheceu o empresário bolsonarista que providenciou a bomba.

"A gente requereu a inépcia da denúncia. Entendemos que não é crime dar carona para alguém. O Ministério Público falhou em não individualizar [as condutas]", afirma o advogado, que defende que seu cliente não se entregue à polícia.

Macedo também é investigado por suspeita de participar de depredações em Brasília, incluindo uma tentativa de invasão do prédio da Polícia Federal, em 12 de dezembro, dia da diplomação de Lula.

O blogueiro diz que apenas registrou imagens dos atos de violência e que não defende pautas golpistas. Nas redes sociais, contudo, ele fazia chamamentos a protestos antidemocráticos e alusões a um possível golpe militar.

Ele isenta o ex-presidente Bolsonaro acerca da escalada da violência após as eleições e diz que os manifestantes foram se tornando mais radicais nas semanas seguintes ao pleito. Agora, diz que vai se afastar da política: "Estou muito cansado, quero focar em minha defesa".

Em 2022, Macedo se candidatou a deputado federal pelo PTB de São Paulo, mas teve apenas 1.118 votos. Na campanha, ele repassou R$ 99 mil da verba que recebeu do partido para contratar a empresa de publicidade de um dirigente partidário do próprio PTB.

 

Fonte: Por José Higídio, na Conjur/FolhaPress

 

Nenhum comentário: