Nunes Marques e
Mendonça veem STF incompetente para julgar bolsonaristas
Os
ministros Kassio Nunes Marques e André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal,
divergiram dos demais no julgamento sobre o recebimento das primeiras primeiras
cem denúncias contra os bolsonaristas envolvidos nos atos golpistas de 8 de
janeiro. No entendimento da dupla, a corte é incompetente para aceitar as
denúncias, e ambos votaram pelo envio dos autos à Justiça Federal do Distrito
Federal.
Todos
os outros ministros se manifestaram a favor de receber as denúncias da
Procuradoria-Geral da República. O julgamento virtual, iniciado na última
terça-feira (18/4), terminou nesta segunda-feira (24/4), mas já tinha maioria
desde a última quinta (20/4).
• Contexto
Preliminarmente,
Kassio e Mendonça consideraram que o STF não poderia processar as denúncias,
pois, segundo eles, não haveria conexão com outros casos que tramitam na corte
e os cem acusados não têm foro especial por prerrogativa de função.
As
denúncias estão em dois inquéritos. 50 delas se referem a instigadores dos
atos, que estiveram acampados em frente ao Quartel-General do Exército na
capital federal até o dia 9 de janeiro. As outras 50 dizem respeito a autores
intelectuais e executores, que efetivamente praticaram os atos de vandalismo e
destruição do patrimônio público.
No
inquérito relativo aos bolsonaristas que incentivaram os ataques, as acusações
eram de associação criminosa e incitação pública à animosidade das Forças
Armadas contra os poderes constitucionais.
Já
no outro inquérito, as denúncias eram pelos delitos de associação criminosa
armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado,
deterioração de patrimônio tombado e dano qualificado pela violência e grave
ameaça, com emprego de substância inflamável, contra o patrimônio da União e
com considerável prejuízo para a vítima.
Para
além da questão preliminar, Kassio também votou contra receber as denúncias,
por considerá-las ineptas. No primeiro inquérito, ele também entendeu que elas
não tinham justa causa. Já no segundo inquérito, ele rejeitou apenas as
acusações de associação criminosa armada e golpe de Estado.
Por
outro lado, Mendonça, caso superada a questão da competência, votou por
rejeitar todas as denúncias contra os bolsonaristas do acampamento, mas receber
as 50 denúncias contra aqueles que invadiram os prédios dos Três Poderes.
• Kassio e os acampados
Indicado
ao STF pelo ex-presidente Jair Bolsonaro em 2020, Nunes Marques não identificou
circunstâncias concretas que pudessem atrair a competência do caso à corte por
conexão ou continência.
Segundo
ele, não houve demonstração de que as infrações foram praticadas em concurso de
pessoas com investigados detentores de foro no Supremo. Também não foi
comprovado que os denunciados tentaram facilitar ou ocultar outras infrações
investigadas em outros inquéritos, nem mesmo obter impunidade ou vantagem em
relação a elas. Por fim, não foi apontada a influência da prova dos crimes das
denúncias na produção da prova das infrações investigadas em outros inquéritos.
Para
o ministro, não se pode estabelecer "conexão probatória fundada em
presunção abstrata ou ilação" sem apontar vínculo entre os fatos das
denúncias e dos inquéritos instaurados contra detentores de foro privilegiado.
A jurisprudência do STF vêm desmembrando inquéritos e ações penais em situações
do tipo.
Afora
a incompetência da corte, Nunes Marques verificou que o Ministério Público
Federal não demonstrou qual e como teria sido a participação dos denunciados
nas condutas criminosas.
No
primeiro inquérito, ele afirmou que "as denúncias partem de meras ilações,
com fotos e descrições das atividades desenvolvidas no acampamento em frente ao
Quartel-General de Brasília, sem apontar nenhum comportamento concreto dos
denunciados que pudesse dar suporte a tal acusação".
De
acordo com o magistrado, as denúncias do primeiro inquérito narraram de forma
genérica a gravidade abstrata dos delitos, mas não evidenciaram um mínimo de
conexão entre as atividades identificadas no acampamento e as condutas dos
acusados.
"A
acusação conclui apenas que eles estavam no acampamento do Quartel-General e,
tão somente por se encontrarem naquele ambiente, teriam anuído com os atos
alegadamente criminosos que lhes foram imputados na denúncia", assinalou.
Ele
ainda disse que as investigações não reuniram "um suporte probatório
mínimo", pois não trouxeram indícios suficientes de autoria. As próprias
denúncias apontaram a necessidade de diligências complementares para
identificar os autores dos delitos.
Na
visão de Kassio, não se pode presumir que todos os acampados mantinham um
"vínculo associativo, com certa estabilidade", para cometer crimes.
"Embora pudesse haver, no acampamento, pessoas com o perfil sustentado
pelo MPF, que reivindicavam um golpe de Estado, havia, também, inúmeras
pessoas, inclusive famílias com crianças, que lá se manifestavam na defesa de
outras pautas que não se caracterizam como atos ilícitos."
• Kassio e os invasores
No
segundo inquérito, Nunes Marques também constatou alegações genéricas. "As
iniciais acusatórias seguem a linha genérica de sustentar que cada denunciado
seria membro da turba que ingressou nas sedes do Congresso e do Palácio do
Planalto, como se todas as pessoas presas nessas sedes ou em suas imediações
tivessem, indistintamente, realizado ou concorrido, com dolo, para a realização
dos atos de vandalismo e cometido os crimes", afirmou.
Segundo
o ministro, há a possibilidade de verificar filmagens dos ambientes dos prédios
para identificar precisamente os responsáveis e apontar individualmente suas
condutas em cada uma das sedes.
Embora
tenha reconhecido o vício formal das denúncias, o magistrado constatou
"materialidade delitiva e indícios suficientes de autoria" da prática
dos crimes de dano qualificado contra o patrimônio da União, deterioração de
patrimônio público tombado e abolição violenta do Estado Democrático de
Direito. Ele se baseou principalmente nos relatos de testemunhas.
"Os
graves atos de destruição do patrimônio público perpetrados pelos acusados
chegaram a restringir, isto é, a cercear, em certa medida, o regular exercício
das funções inerentes aos poderes constitucionais, em razão da necessidade de
recomposição do patrimônio destruído para que houvesse o retorno ao desempenho
de suas respectivas competências", indicou.
Já
quanto aos delitos de associação criminosa e golpe de Estado, Nunes Marques
também entendeu que as investigações não reuniram provas suficientes, já que a
acusação sequer analisou as imagens dos ambientes vandalizados. As próprias
denúncias indicavam a necessidade de novas diligências.
Pela
mesma lógica do outro inquérito, o ministro considerou impossível presumir que
todos os bolsonaristas presos nos prédios invadidos ou nas imediações mantinham
um vínculo para cometer delitos.
Ele
também não viu indícios de que os denunciados tentaram depor violentamente o
governo. Para o magistrado, é preciso verificar quais condutas causaram uma
ameaça real ao governo e quais agentes efetivamente empregaram violência ou
grave ameaça.
• Votos de Mendonça
Indicado
ao STF por Bolsonaro em 2021, Mendonça também entendeu que as investigações não
se relacionam com detentores de foro especial — que, até o momento, sequer
foram denunciados em outros inquéritos.
"O
que se tem é a atração da competência originária desta corte, para que pessoas
sem foro por prerrogativa de função sejam aqui julgadas originariamente, fora
das hipóteses previstas na Constituição e da jurisprudência consolidada desta
Suprema Corte. Com a devida vênia, há um evidente desrespeito ao princípio do
juiz natural", disse.
No
primeiro inquérito, ele também não constatou individualização suficiente das
condutas. Para o magistrado, a narrativa da acusação "pressupõe, sem
comprovação, uma absoluta uniformidade e homogeneidade" entre todos os
bolsonaristas acampados e implica uma "responsabilização objetiva dos
denunciados", o que "é vedado pelo ordenamento jurídico e pena
doutrina penal".
O
ministro ressaltou que os acampamentos existiram em diversos lugares do país
durante meses, sem que os poderes públicos municipais, estaduais ou federal os
coibissem. "É como se estar no acampamento até 8 de janeiro fosse
permitido e, após, tivesse se tornado criminoso", assinalou.
Já
no segundo inquérito, superado seu entendimento pela incompetência do STF,
Mendonça considerou que os fatos foram "suficientemente narrados" e
que as denúncias atenderam aos requisitos necessários.
Foragido por bomba em aeroporto se diz
perseguido e afirma se esconder em fazenda de bolsonarista
Um
dos três réus acusados de tentar explodir uma bomba em um caminhão nas
proximidades do aeroporto de Brasília em 24 de dezembro, o blogueiro e
influenciador Wellington Macedo está foragido há quatro meses e diz que se
abriga em fazenda de um empresário bolsonarista.
Em
entrevista à Folha nesta terça-feira (25), Macedo disse ser inocente no caso da
tentativa de explosão da bomba, afirmou que não sabia da existência do artefato
nem do plano para detoná-lo e alega ser alvo de perseguição do Judiciário.
Foragido
desde dezembro, quando rompeu a tornozeleira eletrônica e deixou o Distrito
Federal, o bolsonarista diz que não pretende se entregar à polícia.
Afirma
ainda que está em local isolado -a fazenda de um produtor rural que ele
conheceu no acampamento com viés golpista montado em frente ao quartel-general
do Exército em Brasília após a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas
urnas.
O
nome do empresário e a localização da propriedade rural não foram reveladas.
"Eu
não voltei mais em casa, fui para outra cidade. Estou numa fazenda de pessoas
que conheci no acampamento. Estou bem isolado, estou longe", disse à Folha
de S.Paulo, por telefone.
Macedo
ocupou um cargo no governo Jair Bolsonaro (PL), atuando como assessor da então
ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e hoje senadora Damares
Alves (Republicanos-DF) de fevereiro a dezembro de 2019, com um salário bruto
de R$ 10.373. Ele foi preso em 2021 por determinação do ministro Alexandre de
Moraes (STF) sob acusação de incentivar atos antidemocráticos no 7 de Setembro.
Deixou a prisão 42 dias depois e vinha sendo monitorado por tornozeleira
eletrônica.
As
investigações da Polícia Civil do Distrito Federal apontam que Macedo foi
responsável por dirigir o carro que transportou a bomba na véspera do Natal de
2022 do acampamento bolsonarista em frente ao QG até o aeroporto do Brasília.
O
artefato foi preparado pelo empresário George Washington de Oliveira e colocado
em um caminhão no aeroporto pelo também bolsonarista Alan Diego dos Santos e
Sousa, de acordo com as investigações.
Os
três se tornaram réus em janeiro após o Tribunal de Justiça do Distrito Federal
aceitar a denúncia do Ministério Público. Apenas Macedo segue foragido.
Na
versão contada por Wellington Macedo, ele estava no acampamento gravando vídeos
para a produção de um documentário quando foi procurado por Alan Diego, que lhe
pedira uma carona para o aeroporto. Ele diz que o conheceu dois dias antes em
uma barraca onde estavam manifestantes do Pará.
Ao
chegarem nas proximidades do aeroporto, ainda segundo a versão de Macedo, Alan
Diego teria sacado a bomba de dentro de uma sacola que estava no banco de trás
do carro.
Ao
se aproximarem do caminhão, Alan Diego teria pedido que Macedo reduzisse a
velocidade, colocou parte do corpo para fora da janela e pôs o artefato sobre
um pneu do veículo que estava estacionado. Na sequência, algum tempo depois,
sacou um pequeno controle remoto para detonar o explosivo.
Macedo
diz que se sentiu intimidado, mas questionou: "Eu disse: 'Cara, por que tu
fez isso comigo? Tu nem me conhece. Tu me vê no QG, sabe que eu sou perseguido
e me envolve num negócio desse?'"
Depois,
deixou Alan Diego em um hotel em Brasília. Questionado sobre o porquê não ter
acionado a polícia para avisar da bomba nas proximidades do aeroporto, disse
que teve medo de ser preso.
A
polícia foi chamada pelo motorista do caminhão, que percebeu que uma caixa
havia sido colocada no veículo. Foi encontrada no local uma pequena dinamite
com temporizador. O explosivo foi retirado pelo esquadrão antibombas, que
desativou o artefato ainda no local. Ninguém se feriu.
Preso
no mesmo dia da tentativa de explosão, o empresário George Washington afirmou à
Polícia Civil que planejou com manifestantes a instalação de explosivos em ao
menos dois locais da capital federal nos dias anteriores à posse de Lula.
O
objetivo seria "dar início ao caos" que levaria à "decretação do
estado de sítio no país", o que poderia "provocar a intervenção das
Forças Armadas".
Macedo,
George Washington e Alan Diego respondem na Justiça pelo crime de explosão,
caracterizado por "expor a perigo a vida, a integridade física ou o
patrimônio de outrem, mediante explosão, arremesso ou simples colocação de
engenho de dinamite ou de substância de efeitos análogos". A pena é de
três a seis anos de prisão e multa.
Responsável
pela defesa de Macedo, o advogado Aécio de Paula protocolou na segunda-feira
(24) uma defesa prévia na Vara Criminal do Distrito Federal que cuida do caso.
Ele
alega que, em depoimento à polícia, tanto George Washington como Alan Diego
isentaram o seu cliente da tentativa de atentado. Destaca ainda que Macedo nem
sequer conheceu o empresário bolsonarista que providenciou a bomba.
"A
gente requereu a inépcia da denúncia. Entendemos que não é crime dar carona
para alguém. O Ministério Público falhou em não individualizar [as
condutas]", afirma o advogado, que defende que seu cliente não se entregue
à polícia.
Macedo
também é investigado por suspeita de participar de depredações em Brasília,
incluindo uma tentativa de invasão do prédio da Polícia Federal, em 12 de
dezembro, dia da diplomação de Lula.
O
blogueiro diz que apenas registrou imagens dos atos de violência e que não
defende pautas golpistas. Nas redes sociais, contudo, ele fazia chamamentos a
protestos antidemocráticos e alusões a um possível golpe militar.
Ele
isenta o ex-presidente Bolsonaro acerca da escalada da violência após as
eleições e diz que os manifestantes foram se tornando mais radicais nas semanas
seguintes ao pleito. Agora, diz que vai se afastar da política: "Estou
muito cansado, quero focar em minha defesa".
Em
2022, Macedo se candidatou a deputado federal pelo PTB de São Paulo, mas teve
apenas 1.118 votos. Na campanha, ele repassou R$ 99 mil da verba que recebeu do
partido para contratar a empresa de publicidade de um dirigente partidário do
próprio PTB.
Fonte:
Por José Higídio, na Conjur/FolhaPress
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