terça-feira, 25 de abril de 2023

Lula enfrenta desafios econômicos do presente sem trunfos do passado

O Brasil perdeu a vantagem do bônus demográfico, que poderia ser uma aliada para acelerar o crescimento sustentável no país. O contexto, que descreve o momento em que a população mais jovem em idade de trabalhar é maior do que a de aposentados, representaria um dos motores para o enfrentamento das dificuldades econômicas atuais. Pelos cálculos de Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), a janela dessa vantagem competitiva do país foi fechada em 2018.

Agora, para o Brasil conseguir crescer em ritmo acima do potencial, de 1,5% atualmente, será preciso evitar os mesmos erros do passado, de acordo com os analistas. A economista Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria, acredita que o país não está condenado a continuar crescendo pouco.

"Se o governo fizer as coisas certas, como manter as coisas boas de reformas realizadas desde 2016 e evitar retrocessos, ele consegue escapar dessa armadilha do baixo crescimento. E, para isso, será preciso melhorar a produtividade para conseguir crescer, pois perdeu a janela do bônus demográfico. Agora, o governo está correto em elencar a reforma tributária como prioritária. Essa é a grande reforma", afirma Alessandra Ribeiro.

Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating, também faz o alerta sobre a perda do bônus demográfico, pois o país não pode mais perder tempo para crescer. "O Brasil entrou em uma situação crônica e crítica que, para reverter, será preciso uma mudança de ideologia que vai sacrificar uma geração. E nenhum político está disposto a isso", ressalta.

Um dos principais equívocos dos governos petistas foi a Nova Matriz Econômica que a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) tentou implementar sem sucesso em seu governo, avalia Silvia Matos. "Colhemos uma grande recessão e perdemos muita vantagem competitiva em relação aos outros países", resume ela, em referência às quedas do PIB em 2015 e 2016 enquanto o mundo crescia a passos largos.

O professor de Finanças do Insper, Otto Nogami, lembra que não adianta o governo apostar em um pacote de crédito com medidas de incentivo ao consumo, como fez no passado, porque a realidade é outra. As famílias estão mais endividadas e esse tipo de medida tem efeitos de curto prazo e que não garantem um desenvolvimento sustentável.

"Daí vem o termo voos de galinha, porque ocorre um crescimento com um pouco de estímulo para o consumo. Mas, depois, o PIB volta a recuar ou a ficar negativo. Assim, o impacto dessas medidas de curto prazo, que são constantemente utilizadas, fazem com que o PIB gravite em torno de 1% ao ano, na média", explica.

·         Mudança no quadro

Otto Nogami defende que uma das medidas para reverter esse quadro de baixo crescimento é estimular o empresariado a investir, criando melhores condições de produção no país. "Como consequência, isso gera mais emprego e mais renda, que gera mais capacidade e consumo, e, consequentemente, mais produção. Esse é o chamado círculo virtuoso da economia. Mas está difícil de chegarmos a esse ponto", lamenta o acadêmico.

Nogami e Agostini reforçam que será preciso um plano estratégico bem elaborado e de longo prazo. Mas, eles destacam que, até agora, o governo ainda está perdido e não sabe para onde vai, além de acreditar que está governando apenas para os que defendem a velha e desatualizada cartilha do PT.

"A desindustrialização é um problema difícil de solucionar, porque o custo do capital no país é elevadíssimo e o governo insiste em punir o investidor produtivo, pois mantém a cobrança do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) dos empréstimos, operações de câmbio para exportação, que só aumentam custo e geram pressões, inflacionárias", destaca Agostini.

·         Fatores culturais

Nogami reconhece que outros fatores culturais também dificultam o crescimento do país. Um exemplo é que, no Brasil, existe uma cultura no mercado financeiro que é motivada pela especulação, ao contrário dos países desenvolvidos, onde a pessoa física olha para a Bolsa pensando na aposentadoria.

"Aqui, o mercado de capitais é motivado pela especulação. O comprador de papel não tem a preocupação de manter as ações por um período mais longo e não olha na capacidade de a empresa obter lucros e distribuir dividendos. Essa é a grande diferença entre o investidor de Bolsa brasileira e o de outros países", diz. "Aqui, pensamos na valorização do papel, o dividendo é secundário", emenda.

Outra questão cultural nociva para a economia é o fato de os bancos brasileiros praticarem juros extremamente elevados se comparados com os de países desenvolvidos. Os spreads (que inclui a margem de lucro) bancário dos bancos brasileiros são absurdamente elevados, o que também prejudica o desenvolvimento do país, pois o custo de qualquer investimento para uma empresa é proibitivo.

"É preciso mudar essa cultura dos bancos, mas também a dos políticos brasileiros, porque eles precisam começar a se preocupar menos com o interesse individual, que é a reeleição. Se o governo quer que a taxa de juros fique em outro patamar, ele precisará dar maior previsibilidade para o Banco Central e para o empresário. E, para isso, precisará de um planejamento de longo prazo, onde vai mostrar para onde o país vai, porque será um grande desafio para o Brasil sair dessa armadilha da renda média baixa. Por enquanto, há muita incerteza e não sabemos o que vai acontecer daqui a 45 dias", afirma Nogami.

 

Ø  Erros do passado podem estagnar crescimento do Brasil, alertam especialistas

 

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se mostrou incomodado com um fato que pode comprometer sua popularidade no terceiro mandato: a falta de capacidade de o Brasil crescer de forma sustentável. Essa realidade é reflexo das deficiências estruturais do país, de uma conjuntura externa pouco favorável e, em grande parte, fruto de uma série de políticas e escolhas erradas dos governos anteriores, inclusive do PT.

Analistas destacam que, entre o primeiro mandato do petista, iniciado em 2002, e o atual, o Produto Interno Bruto (PIB) potencial — capacidade de expansão da economia sem estímulos artificiais — encolheu de 3,5% para 1,5%. E, pela mediana das estimativas do mercado coletadas pelo boletim Focus, do Banco Central, o país deverá crescer menos do que o seu potencial neste ano: 0,91%. Apesar de Lula tentar jogar a culpa para o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que evita ceder às pressões políticas para reduzir a taxa básica da economia (Selic), de 13,75% ao ano, especialistas lembram que o problema é mais profundo do que o patamar dos juros.

O Brasil tem hoje o 11º maior PIB mundial, em meio ao processo de perda de capacidade de crescimento e de piora na competitividade e na produtividade. Desde 2015, deixou de ter PIB per capita de dois dígitos em dólares e, em 2022, registrou queda de 20,6% em relação ao de 2018. Pelas projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI), consideradas otimistas, o Brasil pode voltar a ter PIB per capita acima de US$ 10 mil em 2024. Por outro lado, as projeções da Tendências Consultoria, por exemplo, estimam que o PIB per capita só deverá voltar ao patamar de dois dígitos em 2026, ou seja, 11 anos depois de o país perder o grau de investimento.

·         Escolhas erradas

De acordo com a economista Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências, o PIB per capita do Brasil, que chegou aos dois dígitos em 2010, levará mais de 20 anos para retornar ao pico de US$ 13,2 mil, alcançado em 2011. "Estamos vendo duas décadas perdidas na economia, devido a perda de capacidade de crescimento do país, resultado de escolhas erradas dos governos anteriores e que alguns integrantes do governo Lula insistem em querer retomar, como apostar nos investimentos de estatais e nos empréstimos de bancos públicos", lamenta Alessandra. Ela acredita que o país precisará investir mais forte em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), pois está na lanterna global nessa área fundamental.

Na avaliação do economista Otto Nogami, professor de Finanças do Insper, o país pode ficar preso na armadilha de baixo crescimento se continuar fazendo escolhas erradas. "Temos uma condição estrutural fragilizada que, nos últimos anos, piorou com a queda dos investimentos em infraestrutura, educação, saúde, segurança e mobilidade. Essas áreas foram deixadas de lado, criando um problema no sentido de que o investidor não vê uma infraestrutura adequada para as condições de produção, e assim reluta em investir ou mesmo em ampliar a produção", avalia.

Por conta dos retrocessos, o Brasil é o país que mais perdeu capacidade de produção nas últimas décadas em relação aos demais parceiros do Brics — grupo das economias emergentes composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul —, de acordo com Nogami.

·         Herança maldita

A economista Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), lembra que Lula enfrentará uma situação inédita: uma conjuntura macroeconômica desfavorável combinada com uma herança ruim do ponto de vista fiscal deixada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. No início do primeiro mandato a economia brasileira tinha um cenário favorável, difícil de se repetir. Havia um forte crescimento externo aliado com o boom das commodities, mas com inflação baixa e juros baixos.

Silvia ressalta que, nesse terceiro mandato de Lula, a conjuntura internacional, com os países em desaceleração e um novo contexto geopolítico por conta da guerra na Ucrânia, dificultam o processo de retomada do crescimento sustentável. "O Brasil surfou a onda de crescimento externo sem inflação e juros baixos dos anos 2000. O único problema daquela época era a dívida externa, que foi reduzida com o aumento das reservas em moeda estrangeira. Agora, não existe mais espaço fiscal para o gasto do governo aumentar e ajudar o país crescer", explica.

Pelos cálculos do Ibre, a média de crescimento anual do PIB per capita (resultado do PIB do país dividido pela população) nos últimos 40 anos é muito baixa, de 0,7%. "Estamos colhendo os frutos da política econômica que inchou o Estado durante o período de vacas gordas sem melhorar a qualidade do serviço público, que emprestou muito dinheiro para empresas que podiam se capitalizar no exterior, e que concedeu subsídios mas não fez avaliações de impacto na economia para reverter as benesses", destaca Silvia. Para ela, o governo precisa criar políticas públicas de longo prazo, que aumentem o emprego e a renda para o país voltar a crescer, em vez de criar programas para aumentar distribuição de benefícios.

Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating, defende que o crescimento também passa pela valorização da educação, a fim de melhorar a qualificação da mão de obra. Como professor universitário, lamenta o fato de ver estudantes brasileiros chegando à faculdade na condição de analfabetos funcionais, um resultado da precarização do ensino desde os anos 1990, quando foi instituída a progressão continuada para melhorar as notas do país nas avaliações globais. "Tudo isso é consequência de políticas erradas, que passam pela falta de um planejamento estratégico estruturado para os próximos 20 ou 30 anos", pontua.

Além dos equívocos da política econômica de Dilma 1, que Lula vem tentando ressuscitar, como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) — berço de uma série de desperdícios de dinheiro público em obras mal projetadas ou que nem saíram do papel, o governo Bolsonaro foi marcado por retrocessos difíceis de serem recuperados no meio ambiente, na educação, na saúde e na cultura.

De acordo com levantamento do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), entre 2019 e 2022, o corte de gastos do governo Bolsonaro foi predominante em áreas fundamentais de programas sociais e ambientais, privilegiando o equilíbrio fiscal em detrimento da vida e do bem-estar da população. A principal conclusão do estudo foi que as contas públicas do governo federal registraram o primeiro superavit primário desde 2013, de R$ 54,1 bilhões, às custas do aumento da injustiça social e do desmatamento da Amazônia.

 

Ø  Queda da Selic segue tempo técnico, diz presidente do BC

 

Em meio às críticas ao elevado patamar de juros no país, o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, voltou a defender a autonomia da autoridade monetária, ao destacar que as decisões da autarquia são tomadas com embasamento técnico. "O timing técnico é diferente do timing político. Por isso, a autonomia é importante para dar à sociedade a garantia de que temos funcionários técnicos e que tomamos decisões sem viés político", disse ele ontem, durante o UK Brazil Conference, evento promovido pelo Grupo de Líderes Empresariais (Lide), em Londres.

"O custo de combater a inflação é alto e é sentido primordialmente no curto prazo", reconheceu Campos Neto. "Mas o custo de não combater a inflação é muito mais alto, e perene", completou. Ele ressaltou que, "obviamente, o Banco Central quer reduzir o juro", mas ponderou que se a movimentação não for feita com "credibilidade", a taxa a longo prazo continuará alta.

O patamar atual da taxa básica de juros (Selic), em 13,75% ao ano, virou alvo de críticas recorrentes do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e estabeleceu um impasse entre o governo e a autoridade monetária. As declarações de Campos Neto foram feitas às vésperas da participação dele na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, que acontece na próxima terça-feira, onde deve ser sabatinado sobre os juros.

O presidente do BC dedicou boa parte de sua apresentação para justificar a necessidade de manter a Selic por mais algum tempo no patamar atual, o que indica que não haverá uma revisão da taxa no próximo encontro do Comitê de Política Monetária (Copom), marcado para 2 e 3 de maio.

Segundo Campos Neto, se o Copom não tivesse iniciado o ciclo de aperto monetário em 2021, a inflação deste ano no Brasil seria de 10%, e os juros teriam que estar em 18,75%, o que levaria o país à recessão. "O BC sempre atuou de forma autônoma e fez grande subida de juros em ano de eleição. Se não tivesse feito isso, teríamos uma inflação hoje provavelmente muito descontrolada e um custo para a para a sociedade de muito maior", disse.

Ele explicou, ainda, que as decisões de política monetária demoram de 6 a 12 meses para terem efeito. Sendo assim, não é possível remediar a inflação de curto prazo, tornando-se necessário olhar para a expectativa à frente.

Ao ouvir de um empresário que o atual patamar dos juros impedia o Brasil de crescer, o chefe da autoridade monetária explicou que apenas 20% do crédito, no país, é ligado diretamente à Selic e o restante é ligado pelas chamadas taxas longas: "O que move o Brasil não é a taxa de juros de um dia, é a taxa de três, cinco, dez anos. Para fazer com que a queda da Selic gera um movimento de queda prolongada de juros, precisa ter credibilidade. O Banco Central está esperando o melhor momento para fazer (isso), para que isso tenha um ganho real para as pessoas. A economia não gira na Selic".

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que também estava presente no evento, voltou a se dirigir a Campos Neto pedindo pela queda dos juros. "Quero mais uma vez destacar ao nosso querido Roberto Campos Neto, com a devida vênia, a nossa reivindicação relativamente ao juro do Brasil, com a natural cordialidade respeito e acatamento, mas é uma súplica do Congresso Nacional", disse. E emendou: "Não poderia deixar de externar que 13,75% ao ano realmente são muito difíceis para o crescimento do Brasil, e tenho certeza de que o BC, sob a condução de Roberto Campos Neto, haverá de cuidar de maneira muito veemente para que essa taxa de juro se reduza no Brasil".

Em meio ao aumento da pressão política, o presidente do BC reforçou que a independência do banco é crucial para a economia do país. Questionado se a autonomia estaria sob risco, Campos Neto minimizou as pressões do governo. "O debate sobre juros é normal, a autonomia do Banco Central não está em risco", afirmou.

O banqueiro mencionou a imparcialidade da autarquia ao ter elevado a taxa de juros em plena campanha eleitoral, na qual o ex-presidente Jair Bolsonaro tentava a reeleição. "Nunca houve uma alta de juro em ano de eleição na história do Brasil e do mundo", disse.

·         Metas de inflação

O presidente do BC já havia ponderado que a inflação vem caindo de forma mais lenta do que o esperado e que, por isso, ainda não era hora de cortar juros. A meta de inflação para este ano é de 3,25%, com tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos, e o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação oficial, está em 5,6% no acumulado em 12 meses.

O presidente Lula também criticou a meta, considerada por ele muito baixa diante do desarranjo global. Para 2024, a meta é ainda menor: 3%, com a mesma margem de tolerância. Enquanto isso, o mercado já projeta índices bem maiores no Boletim Focus.

"Escuto muito as pessoas dizerem que o BC do Brasil nunca respeita a meta. Na verdade, a gente passou da banda acima da meta por sete vezes. Curiosamente, é o mesmo número de vezes que Chile e Peru passaram. Colômbia, acho que oito vezes. Então, está na média dos países que adotaram o sistema de metas mais ou menos neste período", observou Campos Neto.

Ele citou como exemplo países como Argentina e Turquia, que abandonaram o regime de metas e entraram num ciclo de inflação muito alta. Na Argentina, a inflação do país atingiu 104% e os juros chegaram a 81% ao ano. Já na Turquia, a inflação está em torno de 70%, mesmo em um cenário de juro negativo. "Para aqueles que acham que juros negativos são sinal de um país saudável e de crédito abundante, basta olhar para a Turquia. Tem juro negativo, não tem crédito abundante, não é saudável e foi um dos maiores aumentos dos índices de pobreza dos últimos tempos", apontou. Segundo ele, o Brasil tem uma meta de inflação compatível aos países emergentes.

 

Fonte: Correio Braziliense

 

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